quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Teologia Moral

1 – Considerações gerais


Um primeiro passo importante é o da definição de alguns termos que envolvem o tema:
MORAL - Vem de mos, moris que significa, costumes, comportamento ou regras que regem a vida. A moral tem a função de apontar valores, normas e princípios para um bom agir humano. Quer dar dinâmica à vida para que o mundo seja mais humano, leal, digno e realizado. O termo Moral está relacionado com outro termo, o “Ethos”:
ETHOS – É o modo de ser, de pensar e de organizar um povo; outro significado é moradia ou residência. Os dois modos envolvem quatro relações: consigo, com o mundo, com os outros e com a transcendência. Estes quatro níveis de relações organizam o tempo e o espaço. Geram valores, normas, costumes (individuais, ou grupais, ou ainda sociais). Ao mesmo tempo, geram a moral e o direito.
O que, então, é Teologia Moral? É um setor da Teologia que se orienta pela Antropologia, pois envolve o campo do agir humano (seu desenvolvimento e seu modo de lidar com o mundo). Deste modo a Teologia Moral lê ou interpreta o campo do agir humano a partir da Teologia, ou seja, da fé.
            Teologia Moral é, portanto, um setor da Antropologia Teológica (ciência em contato com a fé), mas que não se identifica com a fé, porque também se orienta pelo método científico da Antropologia.
            Haveria alguma diferença marcante entre Teologia Moral e Ética?
A Teologia Moral depende da Teologia e toma por base a Revelação e, por isso sua área de atuação está relacionada à fé e não tem razão de ser fora da fé;
A Ética depende da Filosofia e tem por base o conhecimento do ser humano e do seu modo de agir. A Ética pode levar em conta a Teologia, mas, não necessariamente se ocupa da Teologia e da Fé. Existe, por exemplo, uma ética cristã, quando ela supõe que a revelação e a fé ajudam ao entendimento do agir humano.

Algumas dificuldades podem ser comuns à Moral e à Ética: há pelo menos quatro modos de entendimento que as restringem:
 a) vê-las apenas pelo aspecto legalista;
 b) vê-las somente pelo aspecto personalista;
c) vê-las apenas como ciência que reflete sobre o agir humano;
d) vê-las como prática ou moralizante.

A MORAL está estreitamente ligada ao ETHOS (tanto em seus valores como em seus anti-valores). Ética também deriva do ETHOS (costumes, regras e comportamentos). Segue dois caminhos: a) O estudado pelos filósofos: neste caso a ética seria a base da moral e seria a causadora das regras morais, dos valores e das normas, ou, então, adaptação às regras que se vivem numa determinada época; b) O conteúdo: a palavra moral tem uma conotação religiosa e que por longo tempo apresentava um cunho conservador e fechado. A Ética vista como não religiosa, teria o papel de purificar e depurar a moral.

A Moral, de fato, precisa da ética (como capacidade crítica), pois, está suscetível de incorrer no risco de se afastar do ETHOS e ficar ou nas nuvens das imaginações ou presa num passado das normas distantes e fechadas.

Moral e ética requerem ALTERIDADE (diálogo com o outro) porque da relação do “eu” e do “tu” nasce o “nós”. Portanto, não há agente e paciente porque sempre ocorre reciprocidade.

2 - Alguns elementos históricos do desenvolvimento da Teologia Moral

Nos primeiros séculos, os tratados de Teologia Moral se referiam simplesmente à herança evangélica, sem entrar em questões doutrinais. Havia instrução, catequese e apologética (defesa contra as acusações feitas contra os cristãos). Consideravam-se virtudes e situações tidas como sendo pecado. O centro da Teologia Moral consistia no seguimento de Jesus Cristo para salvar-se.
         Uma série de questões, como culto a outros deuses, modas, reconciliação, obediência à autoridade, virgindade consagrada, faziam parte do assunto da Teologia Moral.
            O primeiro cristão a fazer um ensaio de Teologia Moral foi Clemente de Alexandria, em torno do ano 206. Achava que existia apenas uma única fonte de moralidade: Jesus Cristo.
            Um pouco mais tarde, pelo ano 253, outro cristão, Orígenes, salientava a vida de Deus para ser imitada, tanto nas ações como na vida contemplativa.
            Entre os anos 339 e 397, Santo Ambrósio fez distinção da moral cristã da moral pagã. Destacou a noção de virtude e de justiça, bem como a importância da honestidade e da temperança.
            Na mesma época, Santo Agostinho (354-430) fez importantes avanços no campo da Teologia Moral, sobre matrimônio, virgindade, virtudes, níveis de vida cristã, natureza das paixões humanas, necessidade da fé em Cristo para a salvação, a eficácia da oração, maldição do suicídio e a legitimidade de guerra em certas situações...
            Em 604, São Gregório Magno assumiu um ar mais moralizante para que a fé se manifestasse na vida prática. Salientou as virtudes cardeais: prudência, justiça, fortaleza e temperança. Também introduziu os sete pecados capitais, portanto uma relação de pecados e virtudes. Ao poucos, com a reflexão de João Damasceno, Santo Isidoro e outros, foi se estabelecendo uma relação mais jurídica e sistemática da Teologia Moral.
            Entre os séculos VII ao século XII, surgiram os chamados livros penitenciais que os missionários utilizavam para os recém convertidos. Infelizmente esqueceram a moral positiva e salientaram mais na lista de pecados, o que deixou marcas até os nossos dias. O sacramento da penitência passou a receber uma conotação negativa, pois os princípios cristãos ficaram de lado para se salientar a observância a certas leis políticas e legais. Ocorreu uma verdadeira deformação da noção de pecado e, evidentemente, uma deformação da consciência cristã e que ainda hoje persiste em ambientes populares.
            Nos séculos doze e treze a Escolástica, ao fazer a volta a antigos pensadores recuperou o pensamento grego antigo e, com isso, a Moral passou a depender mais da Filosofia, que, por sua vez, destacava mais a razão do que a vontade. Definiram-se algumas mudanças: que o poder civil deve depender do poder divino; que a família tem direitos que estão acima dos direitos do Estado; que a moral fosse vista em função da finalidade última do ser humano e a própria moral passou a valorizar, de novo, as virtudes teologais, morais e os sacramentos na vida. A influência greco-latina da filosofia sobre a reflexão moral deixou de considerar o pecado como oposição a Cristo para ficar restrito à oposição à lei natural; assim as virtudes passam a ser mais ascético-estóicas e distantes dos gestos de Cristo. Este período também gerou as bases para formar a posterior moral casuística, segundo a qual se usavam os textos de interesse para justificar certos argumentos, e não se procurava interpretar a Bíblia para um melhor entendimento.
            Nos séculos quatorze e quinze Ockham deslocou o sentido social da Teologia Moral para o campo individual e, com isso, a moral passou a preocupar-se com os atos particulares. Este deslocamento, misturado com legalismo, criou um ambiente favorável à casuística. Criaram-se, então as sumas para os confessores, com as informações que o padre precisava saber para interpretar qualquer pecado, deixando totalmente de lado a Bíblia e tomando e pensamento escolástico para fundamentar a moral.
         No século XVI, a polêmica com o protestantismo levou a uma série de revisões de postura da Teologia Moral Católica em relação à liberdade humana, conselhos evangélicos e a doutrina sacramental contra a doutrina protestante. Neste momento histórico, a Teologia Moral se centralizou no sacramento da penitência. O confessor deveria saber a dimensão de cada pecado, que, após exame de consciência e confissão, deveria ser adequadamente julgado. Ficaram assim estabelecidas regras do que uma pessoa cristã podia ou não podia fazer. Foi o tempo do surgimento dos manuais de Teologia Moral a respeito dos mandamentos, deveres e leis da Igreja, censuras e indulgências... Deste modo, a Moral acabou em Ética particular que o cristão deveria fazer para ficar distante e distinto dos protestantes. Parecia que o centro da fé era a consciência de pecado e a necessária confissão.
            Nos séculos dezessete e dezoito, a casuística chegou ao auge: um único livro de moral chegava a apresentar solução para 20.000 casos diferentes. A Moral começou a ficar cada vez mais distante da Sagrada Escritura. Neste período surgiram as correntes laxistas e probabilísticas, por exemplo, se fez tal ato, pode vir a cometer outro ainda pior e então já se aplicava penitência e ameaças de condenação... Polêmica entre laxismo e rigorismo. O casuísmo levou a Teologia Moral a depender unicamente dos confessores. Introduziu-se, com isso, a idéia de que o sacerdote é um homem de Deus para clarear os caminhos da consciência dos cristãos. Com isso, as pessoas cristãs passam a não assumir sua responsabilidade pessoal e se colocam passivamente diante do que o padre orienta. Este é um problema ainda muito sério em nossos dias: muita gente fica desorientada e escandalizada quando deve tomar decisões de iniciativa própria. Quer simplesmente receber a solução pronta.
            No século XIX, com o maior desenvolvimento da exegese bíblica e os avanços na interpretação da Bíblia, provocou-se uma reação positiva que levou à superação gradual da Teologia Moral casuística. Com isso, a Teologia Moral começou a preocupar-se mais com os problemas jurídicos e econômicos da sociedade. A Moral passou a ser enriquecida pela Teologia que recuperou o valor da graça, o crescimento na fé como sinal de conversão. Pensou-se de novo a Moral vinculada ao projeto do Reino de Deus e uma pessoa cristã como membro do corpo de Cristo. Voltou a aparecer o destaque do amor como fator que engrandece a personalidade, porque reproduz o amor de Deus e gera liberdade.
            No século XX persistiu a casuística e uma volta à fase escolástica, mas também ocorreu um avanço nos estudos exegéticos da Bíblia e isto trouxe um fermento de renovação da Teologia Moral. O Concílio Vaticano II, na década de 1960, veio propiciar uma virada profunda na Teologia Moral, pois a ligou outra vez aos temas centrais da Teologia e da vida cristã. Com isso a casuística se rompeu. A Teologia Moral começou a preocupar-se novamente com temas importantes da estrutura cristã, tais como fé, graça, liberdade, pecado, opção fundamental por Cristo, oração e vida, ascética ao mundo, liturgia mistérica (não no sentido de mistério como algo oculto, mas, de envolvimento nos sinais do amor de Deus manifestados na pessoa de Jesus Cristo), etc.

 

3 - O agir cristão positivo: a virtude


               A Igreja, pelo fato de estar inserida na história humana, age sobre esta história, mas, também sofre seus efeitos. O convite cristão é o de que sejamos criaturas novas, agindo na fé, esperança e caridade, no meio dos outros, sob a ação do Espírito Santo.
            Na sociedade repercutem sinais de um modo de vida mais justa e aproximada dos valores evangélicos e muitos cristãos também revelam responsabilidade para que este mundo realize uma sincera conversão, a fim de que se revele mais e melhor o Deus da nossa esperança. É a luta para alcançar a ressurreição dos mortos. Por isso, o compromisso cristão com a sociedade é o do projeto de amor segundo Jesus Cristo. Este projeto, no entanto, requer cultivo de oração pessoal e comunitária para que nossa vida de fato possa vivificar a sociedade. Por outro lado, requer testemunho evangélico e a própria Igreja precisa revelar-se um serviço aos seres humanos. Os clamores de justiça são, certamente, muito fortes para que se faça algo.
            O agir da Igreja precisa relacionar-se com três aspectos importantes da vida humana: o aspecto político, econômico e social. Ainda que possa parecer estar longe do desejável, a política deveria constituir-se no melhor instrumento de justiça para o bem da sociedade. Como cristãos, teríamos que ser capazes de enriquecer a política para este rumo.
            O aspecto econômico que mais deveria revelar a justiça social, é também uma espécie de “cavalo de batalha” para que leve a mais dignidade e que diminua a exploração que um ser humano procede sobre o outro.
            No aspecto cultural, papel importante da moral cristã deveria constituir-se no importante trabalho de fazer mais o que já somos, isto é, sermos seres bem humanos... Nota-se, pois que o aspecto da moral evangélica, não nos pede coisas sobrenaturais e divinas, mas ações profundamente humanas. Dali nasce uma noção de virtude, ou agir com o Espírito Santo em nosso interior. Virtude não é mera conformação com regras e leis exteriores, mas abrir-se às interpelações do Espírito de Deus. Virtude cristã se torna, pois, algo mais que virtude humana, pois se orienta pela intencionalidade de um agir cristão. Assim, todo agir virtuoso dos cristãos deveria estar impulsionado pelo Espírito Santo.

4 – O agir cristão negativo: o pecado

         É importante não identificar pecado com sentimento de culpa. O pecado resulta da consciência moral e o sentimento de culpa vem de aspectos afetivos e normalmente procede de situações anteriores à consciência moral. Nasce especialmente do sentimento de impotência diante de algo... São muito comuns os casos de culpabilidade doentia e que levam pessoas a se confessar centenas de vezes pela mesma falta e não conseguem sentir alívio deste peso. É algo que destrói a personalidade. Hoje, constatamos muito mais sentimento de culpa do que consciência de pecado entre os cristãos.
             O sentimento de pecado resulta da falta de abertura a outra pessoa (não mais o mero descumprimento de regras exteriores). Esta noção de pecado nos remete a uma noção de salvação. Mas como em nossos dias, a noção de Deus é mera criação mental, corre-se o risco de não de não se pedir perdão ao Deus verdadeiro.
            A dimensão mais acentuada do pecado não é apenas a individual, mas, a social. O pecado normalmente é fruto de um ambiente social e a partir dali afeta os indivíduos. Por isto, certas penitências ou castigos por pecados individuais, são pecados do povo e requerem que este venha a reatar, ou unir de novo, a aliança que rompeu.
            Para o cristão, pecado significa oposição a Cristo, ao seu projeto de aliança, de graça e de vida. Portanto, pecado é uma busca autônoma e independente em relação a Deus. É fechar-se à graça.
            Pecado, no Novo Testamento, não significava atos isolados, mas a negação da graça para viver no Espírito de Deus.

5 – A quem cabe a implantação de regras morais?

As regras morais certamente não deveriam surgir apenas de confessores, de teólogos ou de pessoas importantes na hierarquia da Igreja, mas, da comunidade concreta. Se ela vive o projeto da construção do Reino de Jesus Cristo, a disciplina chamada de “Moral” deveria refletir a consciência da comunidade. A Moral cristã é uma moral humana, mas vivida num ambiente de Igreja. Segundo Jesus Cristo, é ali que o Espírito Santo orienta os rumos a serem tomados. Em outras palavras, significa que devemos agir positivamente ou fazer o bem, ou amar, não porque se trata de uma regra estabelecida por alguém, mas como expressão de liberdade. Liberdade, não no sentido de fazer o que dá na vontade, mas, porque de dentro de nós mesmos podem nascer motivações importantes despertadas pelo Espírito Santo, para um agir responsável e prudente.
Em muitos momentos da história da Igreja as regras não nasceram da busca de sintonia e de fidelidade aos valores evangélicos. Quando buscamos esta afinidade com os valeres evangélicos, não precisamos acrescentar muitas regras àquelas que já orientam a vida, mas, na medida em que nos aprofundamos nas características de Jesus Cristo, criamos lucidez para agir de formas mais responsáveis (modos como Cristo age em nossos dias).
Hoje, infelizmente, estamos constatando que poucas comunidades se tornam fonte de novos valores morais. Vemos que, numa mesma comunidade se expressam muitas morais em razão de valores bem distintos. Entretanto, também podemos notar algo positivo: o fato de muitas pessoas se aprofundarem mais no conhecimento teológico, especialmente os leigos, abre novas perspectivas de formação moral e nos aponta para o que é específico em quem quer se identificar como cristão. Por isto, cabe uma pergunta: no específico cristão, está sendo revelado o rosto de Deus? Bem, o desafio é o de que as regras morais deveriam nos ajudar a revelar algo original do bom Espírito de Deus às pessoas com as quais convivemos.
         Cabe ainda ressaltar no encerramento deste assunto, a afirmação do teólogo Josef Fuchs: a obrigação para os fiéis cristãos é o de produzir fruto na caridade para a vida do mundo e a Sagrada Escritura deve ser o alimento da Teologia Moral Cristã. O centro da Teologia Moral é Cristo e o nosso “ser-em-Cristo”; portanto, tem muito menos a ver com normas e leis do que com a alegre mensagem do Evangelho. É um apelo vocacional


Bibliografia:

DUQUE, Alberto Munera. Moral. Bogotá, Colômbia: Pontificia Universidad Javeriana, 1976.
FISICHELLA, Rino. Introdução à Teologia Fundamental. São Paulo: Loyola, 2000.
FUCHS, Josef. Existe uma moral cristã? São Paulo: Paulinas, 1972.
___________. Teologia Moral segundo o Concílio. São Paulo: Herder, 1968.
LEPAGNEUR, Hubert. Fontes da Moral na Igreja. Petrópolis: Vozes, 1978.
MOSER, Antonio. O pecado ainda existe? São Paulo: Paulinas, 1976.
VERGOTE, A. e outros. A Formação Moral.  Petrópolis: Vozes, Concilium/130 –1977/10.

Um comentário:

  1. Deus te abençoe Padre João por esse esclarecimento tão vital para nossa vida. Que remédio para as nossas neuroses ! Como é bom ler, reler e reter isto em nosso coração.

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