1 – Considerações gerais
Um
primeiro passo importante é o da definição de alguns termos que envolvem o tema:
MORAL
- Vem de mos, moris que significa,
costumes, comportamento ou regras que regem a vida. A moral tem a função de
apontar valores, normas e princípios para um bom agir humano. Quer dar dinâmica
à vida para que o mundo seja mais humano, leal, digno e realizado. O termo
Moral está relacionado com outro termo, o “Ethos”:
ETHOS – É o modo de ser, de
pensar e de organizar um povo; outro significado é moradia ou residência. Os
dois modos envolvem quatro relações: consigo, com o mundo, com os outros e com
a transcendência. Estes quatro níveis de relações organizam o tempo e o espaço.
Geram valores, normas, costumes (individuais, ou grupais, ou ainda sociais). Ao
mesmo tempo, geram a moral e o direito.
O que, então, é Teologia Moral? É um setor da Teologia
que se orienta pela Antropologia, pois envolve o campo do agir humano (seu
desenvolvimento e seu modo de lidar com o mundo). Deste modo a Teologia Moral
lê ou interpreta o campo do agir humano a partir da Teologia, ou seja, da fé.
Teologia
Moral é, portanto, um setor da Antropologia Teológica (ciência em contato com a
fé), mas que não se identifica com a fé, porque também se orienta pelo método
científico da Antropologia.
Haveria
alguma diferença marcante entre Teologia Moral e Ética?
A Teologia Moral depende da Teologia e toma por base a Revelação e,
por isso sua área de atuação está relacionada à fé e não tem razão de ser fora
da fé;
A Ética depende da Filosofia e tem por base o conhecimento do ser
humano e do seu modo de agir. A Ética pode levar em conta a Teologia, mas, não
necessariamente se ocupa da Teologia e da Fé. Existe, por exemplo, uma ética
cristã, quando ela supõe que a revelação e a fé ajudam ao entendimento do agir
humano.
Algumas dificuldades podem
ser comuns à Moral e à Ética: há pelo menos quatro modos de entendimento que as
restringem:
a) vê-las apenas pelo aspecto legalista;
b) vê-las somente pelo aspecto personalista;
c) vê-las apenas como
ciência que reflete sobre o agir humano;
d) vê-las como prática ou
moralizante.
A MORAL está estreitamente
ligada ao ETHOS (tanto em seus valores como em seus anti-valores). Ética também
deriva do ETHOS (costumes, regras e comportamentos). Segue dois caminhos: a) O
estudado pelos filósofos: neste caso a ética seria a base da moral e seria a causadora
das regras morais, dos valores e das normas, ou, então, adaptação às regras que
se vivem numa determinada época; b) O conteúdo: a palavra moral tem uma
conotação religiosa e que por longo tempo apresentava um cunho conservador e
fechado. A Ética vista como não religiosa, teria o papel de purificar e depurar
a moral.
A Moral, de fato, precisa da
ética (como capacidade crítica), pois, está suscetível de incorrer no risco de
se afastar do ETHOS e ficar ou nas nuvens das imaginações ou presa num passado
das normas distantes e fechadas.
Moral e ética requerem ALTERIDADE (diálogo com o outro) porque
da relação do “eu” e do “tu” nasce o “nós”. Portanto, não há agente e paciente
porque sempre ocorre reciprocidade.
2 - Alguns elementos históricos do desenvolvimento da Teologia Moral
Nos primeiros séculos, os
tratados de Teologia Moral se referiam simplesmente à herança evangélica, sem
entrar em questões doutrinais. Havia instrução, catequese e apologética (defesa
contra as acusações feitas contra os cristãos). Consideravam-se virtudes e
situações tidas como sendo pecado. O centro da Teologia Moral consistia no
seguimento de Jesus Cristo para salvar-se.
Uma série de questões, como
culto a outros deuses, modas, reconciliação, obediência à autoridade,
virgindade consagrada, faziam parte do assunto da Teologia Moral.
O
primeiro cristão a fazer um ensaio de Teologia Moral foi Clemente de
Alexandria, em torno do ano 206. Achava que existia apenas uma única fonte de
moralidade: Jesus Cristo.
Um
pouco mais tarde, pelo ano 253, outro cristão, Orígenes, salientava a vida de
Deus para ser imitada, tanto nas ações como na vida contemplativa.
Entre
os anos 339 e 397, Santo Ambrósio fez distinção da moral cristã da moral pagã.
Destacou a noção de virtude e de justiça, bem como a importância da honestidade
e da temperança.
Na
mesma época, Santo Agostinho (354-430) fez importantes avanços no campo da
Teologia Moral, sobre matrimônio, virgindade, virtudes, níveis de vida cristã,
natureza das paixões humanas, necessidade da fé em Cristo para a salvação, a
eficácia da oração, maldição do suicídio e a legitimidade de guerra em certas
situações...
Em
604, São Gregório Magno assumiu um ar mais moralizante para que a fé se
manifestasse na vida prática. Salientou as virtudes cardeais: prudência,
justiça, fortaleza e temperança. Também introduziu os sete pecados capitais,
portanto uma relação de pecados e virtudes. Ao poucos, com a reflexão de João
Damasceno, Santo Isidoro e outros, foi se estabelecendo uma relação mais
jurídica e sistemática da Teologia Moral.
Entre
os séculos VII ao século XII, surgiram os chamados livros penitenciais que os
missionários utilizavam para os recém convertidos. Infelizmente esqueceram a
moral positiva e salientaram mais na lista de pecados, o que deixou marcas até
os nossos dias. O sacramento da penitência passou a receber uma conotação
negativa, pois os princípios cristãos ficaram de lado para se salientar a
observância a certas leis políticas e legais. Ocorreu uma verdadeira deformação
da noção de pecado e, evidentemente, uma deformação da consciência cristã e que
ainda hoje persiste em ambientes populares.
Nos
séculos doze e treze a Escolástica, ao fazer a volta a antigos pensadores
recuperou o pensamento grego antigo e, com isso, a Moral passou a depender mais
da Filosofia, que, por sua vez, destacava mais a razão do que a vontade.
Definiram-se algumas mudanças: que o poder civil deve depender do poder divino;
que a família tem direitos que estão acima dos direitos do Estado; que a moral
fosse vista em função da finalidade última do ser humano e a própria moral
passou a valorizar, de novo, as virtudes teologais, morais e os sacramentos na
vida. A influência greco-latina da filosofia sobre a reflexão moral deixou de
considerar o pecado como oposição a Cristo para ficar restrito à oposição à lei
natural; assim as virtudes passam a ser mais ascético-estóicas e distantes dos
gestos de Cristo. Este período também gerou as bases para formar a posterior
moral casuística, segundo a qual se usavam os textos de interesse para
justificar certos argumentos, e não se procurava interpretar a Bíblia para um
melhor entendimento.
Nos
séculos quatorze e quinze Ockham deslocou o sentido social da Teologia Moral
para o campo individual e, com isso, a moral passou a preocupar-se com os atos
particulares. Este deslocamento, misturado com legalismo, criou um ambiente
favorável à casuística. Criaram-se, então as sumas para os confessores, com as
informações que o padre precisava saber para interpretar qualquer pecado,
deixando totalmente de lado a Bíblia e tomando e pensamento escolástico para
fundamentar a moral.
No século XVI, a polêmica
com o protestantismo levou a uma série de revisões de postura da Teologia Moral
Católica em relação à liberdade humana, conselhos evangélicos e a doutrina
sacramental contra a doutrina protestante. Neste momento histórico, a Teologia
Moral se centralizou no sacramento da penitência. O confessor deveria saber a
dimensão de cada pecado, que, após exame de consciência e confissão, deveria
ser adequadamente julgado. Ficaram assim estabelecidas regras do que uma pessoa
cristã podia ou não podia fazer. Foi o tempo do surgimento dos manuais de
Teologia Moral a respeito dos mandamentos, deveres e leis da Igreja, censuras e
indulgências... Deste modo, a Moral acabou em Ética particular que o cristão
deveria fazer para ficar distante e distinto dos protestantes. Parecia que o
centro da fé era a consciência de pecado e a necessária confissão.
Nos
séculos dezessete e dezoito, a casuística chegou ao auge: um único livro de
moral chegava a apresentar solução para 20.000 casos diferentes. A Moral
começou a ficar cada vez mais distante da Sagrada Escritura. Neste período
surgiram as correntes laxistas e probabilísticas, por exemplo, se fez tal ato,
pode vir a cometer outro ainda pior e então já se aplicava penitência e ameaças
de condenação... Polêmica entre laxismo e rigorismo. O casuísmo levou a
Teologia Moral a depender unicamente dos confessores. Introduziu-se, com isso,
a idéia de que o sacerdote é um homem de Deus para clarear os caminhos da
consciência dos cristãos. Com isso, as pessoas cristãs passam a não assumir sua
responsabilidade pessoal e se colocam passivamente diante do que o padre
orienta. Este é um problema ainda muito sério em nossos dias: muita gente fica
desorientada e escandalizada quando deve tomar decisões de iniciativa própria.
Quer simplesmente receber a solução pronta.
No
século XIX, com o maior desenvolvimento da exegese bíblica e os avanços na
interpretação da Bíblia, provocou-se uma reação positiva que levou à superação
gradual da Teologia Moral casuística. Com isso, a Teologia Moral começou a
preocupar-se mais com os problemas jurídicos e econômicos da sociedade. A Moral
passou a ser enriquecida pela Teologia que recuperou o valor da graça, o
crescimento na fé como sinal de conversão. Pensou-se de novo a Moral vinculada
ao projeto do Reino de Deus e uma pessoa cristã como membro do corpo de Cristo.
Voltou a aparecer o destaque do amor como fator que engrandece a personalidade,
porque reproduz o amor de Deus e gera liberdade.
No
século XX persistiu a casuística e uma volta à fase escolástica, mas também
ocorreu um avanço nos estudos exegéticos da Bíblia e isto trouxe um fermento de
renovação da Teologia Moral. O Concílio Vaticano II, na década de 1960, veio
propiciar uma virada profunda na Teologia Moral, pois a ligou outra vez aos
temas centrais da Teologia e da vida cristã. Com isso a casuística se rompeu. A
Teologia Moral começou a preocupar-se novamente com temas importantes da
estrutura cristã, tais como fé, graça, liberdade, pecado, opção fundamental por
Cristo, oração e vida, ascética ao mundo, liturgia mistérica (não no sentido de
mistério como algo oculto, mas, de envolvimento nos sinais do amor de Deus
manifestados na pessoa de Jesus Cristo), etc.
3 - O agir cristão positivo: a virtude
A Igreja, pelo fato de estar
inserida na história humana, age sobre esta história, mas, também sofre seus
efeitos. O convite cristão é o de que sejamos criaturas novas, agindo na fé,
esperança e caridade, no meio dos outros, sob a ação do Espírito Santo.
Na
sociedade repercutem sinais de um modo de vida mais justa e aproximada dos
valores evangélicos e muitos cristãos também revelam responsabilidade para que
este mundo realize uma sincera conversão, a fim de que se revele mais e melhor
o Deus da nossa esperança. É a luta para alcançar a ressurreição dos mortos.
Por isso, o compromisso cristão com a sociedade é o do projeto de amor segundo
Jesus Cristo. Este projeto, no entanto, requer cultivo de oração pessoal e
comunitária para que nossa vida de fato possa vivificar a sociedade. Por outro
lado, requer testemunho evangélico e a própria Igreja precisa revelar-se um serviço
aos seres humanos. Os clamores de justiça são, certamente, muito fortes para
que se faça algo.
O
agir da Igreja precisa relacionar-se com três aspectos importantes da vida
humana: o aspecto político, econômico e social. Ainda que possa parecer estar longe
do desejável, a política deveria constituir-se no melhor instrumento de justiça
para o bem da sociedade. Como cristãos, teríamos que ser capazes de enriquecer
a política para este rumo.
O
aspecto econômico que mais deveria revelar a justiça social, é também uma
espécie de “cavalo de batalha” para que leve a mais dignidade e que diminua a
exploração que um ser humano procede sobre o outro.
No
aspecto cultural, papel importante da moral cristã deveria constituir-se no
importante trabalho de fazer mais o que já somos, isto é, sermos seres bem
humanos... Nota-se, pois que o aspecto da moral evangélica, não nos pede coisas
sobrenaturais e divinas, mas ações profundamente humanas. Dali nasce uma noção
de virtude, ou agir com o Espírito
Santo em nosso interior. Virtude não é mera conformação com regras e leis
exteriores, mas abrir-se às interpelações do Espírito de Deus. Virtude cristã
se torna, pois, algo mais que virtude humana, pois se orienta pela
intencionalidade de um agir cristão. Assim, todo agir virtuoso dos cristãos
deveria estar impulsionado pelo Espírito Santo.
4 – O agir cristão negativo: o pecado
É importante não identificar
pecado com sentimento de culpa. O pecado resulta da consciência moral e o
sentimento de culpa vem de aspectos afetivos e normalmente procede de situações
anteriores à consciência moral. Nasce especialmente do sentimento de impotência
diante de algo... São muito comuns os casos de culpabilidade doentia e que
levam pessoas a se confessar centenas de vezes pela mesma falta e não conseguem
sentir alívio deste peso. É algo que destrói a personalidade. Hoje, constatamos
muito mais sentimento de culpa do que consciência de pecado entre os cristãos.
O sentimento de pecado resulta da falta de
abertura a outra pessoa (não mais o mero descumprimento de regras exteriores).
Esta noção de pecado nos remete a uma noção de salvação. Mas como em nossos
dias, a noção de Deus é mera criação mental, corre-se o risco de não de não se
pedir perdão ao Deus verdadeiro.
A
dimensão mais acentuada do pecado não é apenas a individual, mas, a social. O
pecado normalmente é fruto de um ambiente social e a partir dali afeta os
indivíduos. Por isto, certas penitências ou castigos por pecados individuais,
são pecados do povo e requerem que este venha a reatar, ou unir de novo, a
aliança que rompeu.
Para
o cristão, pecado significa oposição a Cristo, ao seu projeto de aliança, de
graça e de vida. Portanto, pecado é uma busca autônoma e independente em
relação a Deus. É fechar-se à graça.
Pecado,
no Novo Testamento, não significava atos isolados, mas a negação da graça para
viver no Espírito de Deus.
5 – A quem cabe a implantação de regras morais?
As regras morais certamente não deveriam surgir
apenas de confessores, de teólogos ou de pessoas importantes na hierarquia da
Igreja, mas, da comunidade concreta. Se ela vive o projeto da construção do
Reino de Jesus Cristo, a disciplina chamada de “Moral” deveria refletir a
consciência da comunidade. A Moral cristã é uma moral humana, mas vivida num ambiente
de Igreja. Segundo Jesus Cristo, é ali que o Espírito Santo orienta os rumos a
serem tomados. Em outras palavras, significa que devemos agir positivamente ou
fazer o bem, ou amar, não porque se trata de uma regra estabelecida por alguém,
mas como expressão de liberdade. Liberdade, não no sentido de fazer o que dá na
vontade, mas, porque de dentro de nós mesmos podem nascer motivações
importantes despertadas pelo Espírito Santo, para um agir responsável e
prudente.
Em muitos momentos da história da Igreja as regras
não nasceram da busca de sintonia e de fidelidade aos valores evangélicos.
Quando buscamos esta afinidade com os valeres evangélicos, não precisamos
acrescentar muitas regras àquelas que já orientam a vida, mas, na medida em que
nos aprofundamos nas características de Jesus Cristo, criamos lucidez para agir
de formas mais responsáveis (modos como Cristo age em nossos dias).
Hoje, infelizmente, estamos constatando que poucas
comunidades se tornam fonte de novos valores morais. Vemos que, numa mesma
comunidade se expressam muitas morais em razão de valores bem distintos.
Entretanto, também podemos notar algo positivo: o fato de muitas pessoas se
aprofundarem mais no conhecimento teológico, especialmente os leigos, abre
novas perspectivas de formação moral e nos aponta para o que é específico em
quem quer se identificar como cristão. Por isto, cabe uma pergunta: no
específico cristão, está sendo revelado o rosto de Deus? Bem, o desafio é o de
que as regras morais deveriam nos ajudar a revelar algo original do bom
Espírito de Deus às pessoas com as quais convivemos.
Cabe ainda ressaltar no
encerramento deste assunto, a afirmação do teólogo Josef Fuchs: a obrigação
para os fiéis cristãos é o de produzir fruto na caridade para a vida do mundo e
a Sagrada Escritura deve ser o alimento da Teologia Moral Cristã. O centro da
Teologia Moral é Cristo e o nosso “ser-em-Cristo”; portanto, tem muito menos a
ver com normas e leis do que com a alegre mensagem do Evangelho. É um apelo
vocacional
Bibliografia:
DUQUE, Alberto
Munera. Moral. Bogotá, Colômbia:
Pontificia Universidad Javeriana, 1976.
FISICHELLA,
Rino. Introdução à Teologia Fundamental.
São Paulo: Loyola, 2000.
FUCHS, Josef. Existe uma moral cristã? São Paulo:
Paulinas, 1972.
___________. Teologia Moral segundo o Concílio. São Paulo: Herder, 1968.
LEPAGNEUR,
Hubert. Fontes da Moral na Igreja.
Petrópolis: Vozes, 1978.
MOSER,
Antonio. O pecado ainda existe? São
Paulo: Paulinas, 1976.
VERGOTE, A. e
outros. A Formação Moral. Petrópolis: Vozes, Concilium/130 –1977/10.
Deus te abençoe Padre João por esse esclarecimento tão vital para nossa vida. Que remédio para as nossas neuroses ! Como é bom ler, reler e reter isto em nosso coração.
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