terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Jejum do formalismo



            Em muitos lugares criaram-se hábitos alimentares a respeito do que deve ser feito nas quartas-feiras de cinzas e nas sextas-feiras santas. Uns vão pescar para garantir o consumo de carne de peixe, outros vão ao mercado para assegurar bacalhau de boa qualidade, que, ao lado de outros tipos da farta oferta de pescados deve propiciar uma refeição capaz de fazer os olhos levar ao âmago dos apetites a melhor predisposição para saborear um prato delicioso e bem regado com vinhos especiais.
            Na quebra do cotidiano das refeições costumeiras dos outros dias, a justificativa da penitência com jejum, pode oportunizar, na verdade, mais do que nos outros dias, o momento de saborear iguarias muito deliciosas e que nem seriam possíveis de serem consumidas na saudável alimentação diária.
            Apesar da antiga tradição religiosa judaico-cristã, o ritual de evitar o consumo de carnes vermelhas, e substituí-las por variados modos de preparo da carne de peixe, pode não configurar a menor aproximação ao jejum e penitência, recomendados para tais dias.
            Afinal, o que um cardápio sugestivo, atraente, saboroso e saudável tem a ver com penitência e jejum? Seria, porventura, uma privação para alargar a sensibilidade em torno dos que carecem das calorias necessárias da alimentação diária, e por isso, tornar-se disponível para algum gesto mais solidário e de partilha?
            O esvaziamento do significado do jejum, ao longo de muitos séculos anteriores a Cristo, já havia levado muitos profetas a questionar os jejuns, porquanto tinham perdido a razão fundante de sensibilidade para maior solidariedade. Insistiam no jejum e na penitência do coração para se tornarem meios de uma qualidade de vida mais aprimorada. O profeta Joel, por exemplo, queria que o povo fizesse algo em torno de uma calamidade, porque os gafanhotos haviam devastado todas as plantações. O jejum deveria produzir algo no sentimento e na fé das pessoas.
            Jesus Cristo foi ainda mais objetivo ao remeter os discípulos ao cerne da penitência: nada a ver com a hipocrisia de apresentar uma aparente atitude de privação a fim de mostrar uma prática religiosa que não levasse a quaisquer sinais de justiça. Na verdade, parece que muito pouca gente escutou esta interpelação e, mesmo em nossos dias, segue-se um ritual escrupuloso em torno do que comer e do como penitenciar-se através de posturas e motivações sombrias e tristonhas. Podem tais procedimentos apenas coçar a própria vaidade para justificar a aparente imagem de pessoa virtuosa e boa.
            Se o jejum ritual não leva à interioridade, certamente vai prestar-se para uma auto-ilusão que pouco ou nada sensibiliza diante dos que não tem alimentação suficiente e do perverso sistema econômico que há muito tempo enterrou a noção do direito de todos. Que o jejum possa pelo menos simbolizar alguma intuição em torno da interpelação profética de que “jejum e esmola” não aumentem o egoísmo cego diante da pobreza humana, cultural e social. Que o ritual de abnegação possa, por conseguinte, despertar intuições para gestos humanitários.
           
           
           
           


domingo, 26 de fevereiro de 2017

Máscaras




A medieval prática de correção fraterna,
Levava a esconder a condição subalterna,
E ocultada sob a máscara, desferia crítica,
A mandantes desprovidos de auto-crítica.

Na gozação e deboche, apontavam erros,
E para não serem mandados a desterros,
A arte de disfarçar sua voz e seus gestos,
Ainda os desviava dos eventuais doestos.

Nesta correção benfazeja da saúde social,
Estabelecia-se critério bom e exponencial,
Para lidar com os defeitos inconscientes,
E as relações dos efeitos inconsequentes.

Nossos dias de máscaras na governança,
Conseguem confundir a vasta lambança,
Para corresponder a anseios populares,
Com novos calotes e mentiras vulgares.

As máscaras são as do perfil gerencial,
Que se atribuem um decoro especial,
Para receber valioso voto na eleição,
E, depois, facilitar sua procrastinação.

Ao invés do serviço da crítica coletiva,
Deitam e rolam com êxito na invectiva,
Que rouba a maior parte da população,
E a deixa sem acesso à farra da fruição.






sábado, 25 de fevereiro de 2017

O carnaval de todos os dias



Mais que carnaval de alguns dias,
Animados por criativas melodias,
Com máscaras de belos enredos,
Existe diário carnaval dos medos.

Escondidos atrás das roupagens,
Movem-se mundos e sacanagens,
Que ocultam sob suas aparências,
Vastos interesses de indecências.

Algumas ferem a honra pessoal,
Outras, num disfarce impessoal,
Alimentam orgulhos e vaidades,
E escondem as efetivas maldades.

No grande carnaval do cotidiano,
Um tratamento meigo de engano,
Esconde processos de exploração,
De larga e injusta procrastinação:

Logra-se no negócio pela mentira,
E no disfarce de toda a efetiva ira,
Repassa-se o verdadeiro intento,
De sugar do outro o último alento.

Máscaras ofuscam a constatação,
Do que emerge na confrontação,
De reais sentimentos sob a festa,
Que geram a fatalidade indigesta.









quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Remadores da galera




            Estamos em tempo de muita adoração da personalidade nos serviços prestados numa comunidade de fé. Se, de um lado, a centralidade de Cristo é deslocada para a personalidade de quem se sente diretamente privilegiado com poderes especiais e superiores aos demais, por outro lado diminuem cada dia mais, os que estão dispostos a “remar” junto com os outros nos serviços da comunidade.
            Nos tempos do império romano, e, possivelmente já antes dos romanos, o deslocamento de barcos pequenos ou de navios dependia da força muscular humana. Pode-se imaginar o que representava um confronto de guerra ou outra adversidade, e a velocidade do navio dependia dos remadores que ficavam no porão do navio.
             O que se aprendeu do consenso, já em tempos muito antigos, foi que o ritmo cadenciado de puxar e soltar os remos se tornava imprescindível para o êxito do processo de navegação.  Se alguém não seguisse rigorosamente o ritmo das remadas, com os demais, fazia força à toa e se cansava sem demora. Eles falavam da palavra “upêretas”. Não cabia ficar querendo algo contrário à uniformidade cadenciada de puxar e repuxar os remos, pois a sintonia com o grupo se tornava essencial para o melhor rendimento.
            São Paulo, - ao constatar que na comunidade cristã de Corinto havia acirrada disputa por precedência de algumas lideranças e formação de facções de simpatizantes em torno de uns e de outros, - foi categórico ao lhe mostrar que todos os agentes de evangelização da época teriam que estar sintonizados na finalidade do “navio” e não de seus atributos pessoais. Importava o ritmo coletivo destes agentes e a profunda sensibilidade para movimentar os remos no mesmo compasso dos demais.
            O desempenho das funções de animação numa comunidade cristã depende fundamentalmente da capacidade de sintonia dos animadores. Quando cada um quer alargar seu fã-clube, acaba, evidentemente, ficando relegada a razão e a causa do deslocamento do navio...  A galera dos agentes de sinais do amor de Deus precisa que todos se constituam em servidores de Cristo e não em protagonistas dos gostos pessoais e interesseiros.
            Paulo certamente tinha presente o ensinamento de Jesus Cristo que (segundo Mt 6, 24-34) fala da impossibilidade de se seguir adequadamente a dois senhores. Presume-se que estava em jogo um traço que já tinha causado grandes danos à religião judaica: a de fazer leis para cultivar fidelidade a Deus, e, depois ficar atrelado de forma hipócrita às exterioridades de prática destas normas. Evidencia-se da comparação que a opção por Deus deve levar a pessoa de fé a tornar-se capaz de tomar decisões, por vezes, radicais, porque o atrelamento a muitas dependências inviabiliza um bom discipulado ao projeto de Jesus Cristo.
            Muito mais do que passiva resignação à prática de certas praxes de se colocar na espera da resolução de tudo por parte de Deus, é preciso focar o que objetivamente conduz ao reino anunciado por Jesus Cristo. Podem muitas práticas, mesmo muito festivas, emocionantes e cheias de apelação aos milagres divinos induzir ao outro tipo de senhorio: o de alguém que quer aparecer a todo custo e se tornar notável pelos seus poderes espirituais, e, para a sua glorificação.


quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Partidarismo religioso



         Enquanto a função dos múltiplos partidos políticos ajuda a revelar as muitas sujeiras que são jogadas debaixo do tapete das aparências, no quadro religioso, algo similar se manifesta em torno de rompantes passageiros de alguns movimentos e, quando se presumem no papel redentor da Igreja tendem a criar grandes rupturas nas comunidades através da fanatização dos membros.
            Geralmente não costuma estar ausente uma concepção fundamentalista para assegurar que a novidade do que se oferece é da raiz essencial do cristianismo, quando, na verdade, costuma ficar bem distante das sugestões dadas por Jesus Cristo.
            A construção de uma comunidade cristã encontra reais e causticantes dificuldades para ajustar bandeiras fanatizadoras e que, facilmente, beiram o lado da morbidez, sobretudo em porta-bandeiras que se orientam excessivamente no campo afetivo-emocional e assim perdem a compostura do bom senso. Vem se manifestando muito exagero com clara perspectiva de arrebanhar um grande quadro de membros. Para a conquista, nada mais eficaz do que a apelação a milagres, a curas e a acessos especiais aos dons e poderes divinos.
            A antiga orientação do povo judaico ao orientar um caminho de santidade já sugeria que fosse do jeito que Deus é santo. Na expressão concreta de vivência do caminho da santidade deveria salientar-se, acima de tudo, a caridade para com o próximo (Lv19,1ss).
            No afã do sucesso, a caridade tende a ficar relegada e, então, o que acaba se impondo sob o quadro religioso é disputa cega em que a foice da palavra corre solta para todo lado. São Paulo ao interpretar o significado da cruz de Jesus Cristo é que ele não permite valer-se do espaço religioso e de culto para a busca da própria personalidade cultuada. A tendência de grupos e movimentos fechados no interior da Igreja, que se centralizam em fã-clubes e na mitologização de certos líderes, tende a produzir inestimável estrago. Como na comunidade primeva de Corinto, Paulo viu o desempenho da comunidade de fé desmoronar-se por causa do partidarismo de simpatias em torno de alguns dos seus animadores (1Cor 3, 16-23). Ele foi enfático ao salientar que tal procedimento anulava a comunidade na sua unidade com Cristo, e que não passava de uma insensatez e de uma sabedoria de vanglória deste mundo.
            Cristo, por sua vez havia salientado que o quadro dos seus seguidores deveria constituir-se no cultivo da capacidade de mansidão e na progressiva ascensão para chegar ao nível mais elevado (ágape) de um amor não possessivo. Sob esta condição, a aproximação do jeito de Deus de amar de graça ainda tem longo percurso a ser percorrido. E como se precisa de perdão para não entrar no ciclo da vingança de pessoas obcecadas em seus fanatismos e, por isso, de maledicências que chegam aos limiares do absurdo, mas que continuam convencidos de sua superioridade para alargar suas dilacerações contra quem não endossa suas doentias ambições.

            Que a graça de Deus nos permita caminhos religiosos que trilhem outro caminho do que o da intolerância e da agressividade aguda, presente em tantos partidos políticos, que vociferam uns contra os outros, distantes da lei do perdão.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Feitiço de criança



Seu olhar translúcido e vicejante,
Num toque mágico e fulminante,
Entrou no recôndito sentimento,
Para miná-lo com vigor de alento.

Cruzou pela área secreta da mente,
E ali acionou um lampejo atraente,
De vitalidade com discreta simpatia,
Livre de maldade e enrustida apatia.

No olhar brilhou um mundo repleto,
Do sentido existencial de bom afeto,
Que ativou anseio tão vivo e ardente,
De uma vida leve, serena e contente.

Conseguiu roubar o centro da atenção,
E apagar no dia a ordinária pretensão,
Do controle de ocorrências pensáveis,
Para eivá-las de motivações agradáveis.

Fez esquecer as enrustidas maldades,
Escondidas nas disfarçadas lealdades,
E acalantou a crença de que bondade,
É muito mais eficaz do que a maldade.

Numa expressão facial tão benfazeja,
Afigurou-se o que a vida pouco enseja,
A de um amor gratuito e desvinculado,

Da maledicência e seu perverso legado.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Vicissitudes



Aparecem como enxurradas,
Agressivas e nada extenuadas,
Que levam as regras vigentes,
E perturbam pobres viventes.

Com odores de maus indícios,
Não deixam aso a interstícios,
Dos seguros acontecimentos,
Para espalhar aborrecimentos.

Levam as regras estabelecidas,
Pisoteiam aquelas esmaecidas,
Da justa e ordeira convivência,
Para impor uma vil indecência.

Com a corrupção adaptam leis,
E favorecem suas seletas greis,
Insensíveis à dolorosa sofrência,
De uma multidão na insolvência.

Espoliam e justificam seus atos,
Com o suporte dos novos fatos,
De ações hipócritas propaladas,
Para ocultar vantagens safadas.

Nas leis que visam a auto-defesa,
Aparentam uma lídima inteireza,
Mas enganam enorme população,
E se locupletam em sua satisfação.




sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Entre o bem e o mal




            A história humana vive impregnada de polarizações estabelecidas entre o que é considerado bom e o que é assimilado como ruim. Ainda que se queira apenas o que é bom, um ato maldoso ou agressivo tende a despertar naturalmente para o revide. Neste processo, a violência se prolonga, muitas vezes para além da morte, pois, outras pessoas assumem a causa da vingança desejada.
            De uma forma geral, apenas duas instâncias conseguem brecar os processos de violência: uma instância judicial mais elevada ou a delegação religiosa para que Deus resolva a questão em conflito, o que leva uma das partes, mesmo sentindo-se prejudicada, a aceitar que perdeu. Até mesmo este perdão costuma demorar bem mais do que o desejado.
            Como o mecanismo da vingança tende a prolongar no tempo a maldade implantada, restam de fato duas alternativas: ou apelar a uma instância jurídica maior e com o risco de ser derrotada no julgamento; ou acolher a orientação religiosa de perdoar e delegar a Deus o discernimento sobre os fatos. Infelizmente o quadro religioso não está isento dos processos violentos que resultam de leituras contrárias ou antagônicas a respeito do que é considerado bom ou ruim.
            A experiência bíblica antiga já salientava que as pessoas deveriam saber colocar diante de si as duas polarizações do bem e do mal e escolher o que se encaixa no lado do bem. Assim, como em Lt 17 a 25, aparecem contraposições e convites para uma escolha que se aproxime da santidade de Deus e que, necessariamente, implica em perdoar. Este apelo moral tinha também um pressuposto para as relações com países vizinhos de Israel: em vez de guerras, conflitos e vinganças, boa acolhida aos estrangeiros. Certamente os colecionadores das frases de sabedoria já tinham percebido que o fim da vingança nunca é bom, e, num certo momento, obriga a resignar-se diante da violência ocorrida.
            Quando a educação insinua às crianças, desde muito cedo, a serem espertas e levar vantagem sobre outras da sua faixa etária, geralmente se reforça a noção de que não devem levar desaforo para casa. Das orientações dadas por Jesus Cristo (como em Mt 5, 38-48) e que, aparentemente, parecem absurdas, decorre algo mais profundo do que simplesmente resignar-se à aceitação – normalmente demorada -, mas visa o fim do processo da violência pela realimentação dos ódios. Basta observar como pequenas coisas de dissidência afetiva no ambiente doméstico conseguem, a partir de fofocas, gerar um clima de ódio intenso até entre irmãos de sangue. Jesus Cristo apontou um meio de quebrar o ciclo natural de qualquer ato de violência. Pela vingança, o processo nunca vai ter fim.
            Por conseguinte, a capacidade de perdoar e de rezar pelos inimigos, constitui uma mediação capaz de facilitar e de favorecer a ruptura do ciclo da vingança; e, com uma vantagem evidente: com menos sofrimento e muito menor desgaste, quer afetivo, psíquico ou econômico. Neste sentido, é mais sensato integrar uma humilhação do que ter que lidar com as consequências intempestivas de revides praticados diante do que foi interpretado como um mal.


quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Sinais Simbólicos



Mais preciosos que objetos dourados,
São insignificantes objetos venerados,
Porque remetem a pessoas estimadas,
E através destes sinais são lembradas.

Agem na essência da condição humana,
E enaltecem a força que dela promana,
E se fazem o sacramento de interação,
Capaz de revigorar benéfica motivação.

Ativam a circunstância da recordação,
Dos gestos e do significado da doação,
E assim avivam aquele bom momento,
De exuberante e largo contentamento.

Ao aumentarem as alegrias na mente,
Afugentam o pessimismo irreverente,
E espalham a leveza com serenidade,
Para oferecer exuberância à vontade.

Ao remeterem para outra realidade,
Amansam a obsessão da fatalidade,
E permitem criar razões plausíveis,
Para outras recordações indizíveis.

Agem mais que a falaciosa conversa,
A tentar dominar de forma perversa,
Pois ativam a linguagem do coração,
E o enlevam à genuína comunicação.


quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Magma religioso




Mistura pastosa e mesclada,
Das devoções em disparada,
Relega as raízes da religião,
E subleva a reconciliação.

Gesto de atração simpática,
Mais que atenção empática,
É que importa para a adesão,
A uma religiosa agremiação.

Milagres da disputada oferta,
Atraem os clientes de alerta,
Para alcance rápido e eficaz,
De um desejo que lhes apraz.

Sem uma paciência histórica,
Insistem na extensa retórica,
E persuadem com tenacidade,
O fito do alcance da piedade.

Da religião não esperam veto,
Nem convite para um projeto,
Que venha implicar em ação,
Para uma demorada redenção.

Como efeito do clique emitido,
Esperam o retorno consentido,
Do milagre eficaz e instantâneo,
De efeito perene e consentâneo.





segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Provisoriedade



Da pouca validade da palavra dita,
Decorre um efeito de ação maldita,
Aos prognósticos bem duradouros,
Sem presságios dos maus agouros.

A provisoriedade não deixa relegar,
Que o trabalho venha a postergar,
A urgência dos atos humanitários,
Favoráveis a carentes e deficitários.

O deificado processo de acumulação,
Acelera uma doentia procrastinação,
De considerar inútil o lúdico e o ócio,
Para obcecar pelo vantajoso negócio.

A duração tão precária e provisória,
Não se plenifica pela visão ilusória,
Da obstinada cegueira pelo capital,
Meio de desigualdade monumental.

Se o trabalho é fonte de realização,
Também se presta à escravização,
Para não almejar outra atividade,
Que alargue fruições da vontade.

Dos gestos benfazejos dos sistemas,
Da vida organizada em sub-sistemas,
Emergem indícios de reciprocidade,
Mais ricos que acúmulo à saciedade.





sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Alvores




Como a fraca luz da madrugada,
Emergem no meio da derrocada,
Sinais de claridade no horizonte,
Antes mesmo que um sol aponte.

Na antecipação do efeito da luz,
Algo inovado no psiquismo reluz,
Que ajuda a reordenar os alentos,
Acuados na eira dos sentimentos.

A tênue claridade acorda energias,
E desperta as magnéticas sinergias,
No rumo da inteireza da bondade,
Que eleva o cultivo da frugalidade.

 Se a vontade de acordar a aurora,
Não acelera diante da sua demora,
A intuição pelos fatos inovadores,
É rápida para ajustar os dissabores.

Mais ágil do que ruidosos ventos,
A intuição se reporta para eventos,
Que devolvem gosto e a satisfação,
De captar do cotidiano a elevação.

Na grandeza das pequenas coisas,
Os alvores das pequeninas loisas,
Contagiam o indizível da caridade,
E antecipam energias à saciedade.






quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Até quando uma lei é boa?




            É comum ouvir-se que “lei é lei, e que existe para ser cumprida”! No entanto, cabe uma inquirição: quem faz a lei e para favorecer a quem? À parte dos interesses, uma lei tende a ser implantada sobre uma experiência anterior ou alheia, que provou certa eficácia. Neste contexto, pode uma lei ser promulgada quando já se encontra caduca diante da inovação das relações ou dos acontecimentos. Assim, o assunto não enseja nem uma exagerada absolutização das regras vigentes, mas, tampouco uma absoluta desvalorização.
            O que constatamos no dia-a-dia é que precisamos de regras para nos organizar adequadamente diante do que desejamos. Quer sejam estabelecidas como leis, princípios, decretos, pareceres ou normas, nós carecemos, até no nível pessoal, de balizas para nos organizar adequadamente, desde programa de sono, limites na alimentação, regras de bons tratos, pois, sem a dimensão normativa, a vida se torna literalmente desorganizada e inviável.
            Embora não tenhamos a liberdade de participar e de aprovar todas as leis que regem a sociedade, temos uma fagulha de liberdade para nos situar diante das regras oficialmente estabelecidas. É evidente que muitas constituem interesses favoráveis a elites privilegiadas. Outras são impostas de forma autoritária e outras são inócuas diante dos problemas existentes. O difícil é perceber quando uma lei se torna prejudicial para setores ou categorias da sociedade.
            Podemos, pois, aprender dos ensinamentos de Jesus Cristo, segundo Mt 5,17-37, que a lei, tende a se direcionar para o formalismo (observâncias exteriores e de fachada), e, neste caso, uma lei pode revelar-se altamente prejudicial à organização humana. Portanto, mais do que insinuar abolição, ou estímulo à observância da lei, Jesus deu a entender que a lei deve perpassar o âmago das pessoas, a fim de constituir-se em verdadeira fonte amorosa, e não uma prática exterior para encobrir corrupções e falcatruas de toda natureza, e, nem com a maldade de se isentar através de hermenêuticas de interpretação ou das entrelinhas do não estabelecido.
            Deste modo, pode uma pessoa ser rigorosa observadora de leis e, com elas, tornar-se altamente injusta. Jesus falava da observância do espírito da lei, pois, a simples e cega observância da lei pela lei, pode constituir-se num deplorável instrumento de exploração injusta.
            Nas regras religiosas vemos algo deplorável alastrar-se através do fundamentalismo que vem atingindo vastos setores da Igreja católica e as leva à observância rígida e minuciosa de regras suplantadas pelo tempo, e tendem a criar um verdadeiro inferno para a vida dos que desejam submeter através de seus discursos legalistas e moralizantes.

            Ao lado das muitas outras dimensões da vida, a lei deve abrir luzes para acertos e entendimentos, a fim de que o bem de Deus possa estabelecer-se, sem a esclerose que faz das regras estabelecidas uma fonte de barganha para dominar, submeter e humilhar outras pessoas.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Tempos fúlvidos




Como raio de coloração amarelada,
Emerge com velocidade disparada,
Uma esperança de tempos amenos,
Regados por sentimentos serenos.

Nas proximidades da cor dourada,
Contagia-se uma emoção apurada,
Capaz de enaltecer a vida andante,
No rumo do sentimento extasiante.

Brilha o entorno da boa acolhida,
E a expressão da natureza erguida,
Com seus adornos bem coloridos,
Ostenta pássaros e belos alaridos.

No afã de fruir deste rico aporte,
Evade-se a dor da reiterada sorte,
Que perpetrou aborrecimentos,
No âmago dos bons sentimentos.

Com as luzes cintilando no céu,
Desfocam-se os rancores ao léu,
Para epigênese do novo tempo,
De assimilação do contratempo.

Como o clarão da fúlvida aurora,
Se desperta a saudade de outrora,
Da leveza de andar em belos dias,
Embalado na cantilena das alegrias.






segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

O Itinerante



Ejetado para ser andante,
Anda percursos adversos,
E fito no sonho anelante,
Almeja intentos diversos.

De um antigo sentimento,
Eclode vivo o da pertença,
Com bom entendimento,
Num lar de valiosa crença.

A andança indica tal fonte,
E faz procurar ambientes,
De raiz daquele vergonte,
Para emoções contentes.

Vacinado contra depressão,
E a resignação paralizante,
Migra sem cega obsessão,
Por espaço aconchegante.

No costume de recomeçar,
Em parâmetros inusitados,
Aprende a não desperdiçar,
Os valores e atos sagrados.

No auscultar do bom viver,
Vive diuturna peregrinação,
Para moldar-se e sobreviver,
No itinerário da superação.



sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

O esplendor celebrativo




            No aparente sucesso do formalismo impecável nos gestos, nas vestimentas e na execução minuciosa dos ritos e cantorias, parece que o campo religioso descobriu, enfim, um caminho de vasta e exitosa prosperidade.
            Não poucos atuantes transformam os momentos celebrativos em especiais mediações para alargar o alcance da sua imagem e para se agraciarem a si mesmos com o ar do sucesso e da jactância de sua notoriedade. Na aparente luz irradiadora que salva o séquito de admiradores, pode estar acontecendo um ledo engano, pois, no detalhismo irrepreensível da execução cúltica, e na sofisticada ornamentação para climas festivos e envolventes, não se configura nada da motivação celebrativa propugnada por Jesus Cristo.
            Na história bíblica muitos momentos repetiram esta ilusória perspectiva e profetas, como Isaías 58, 8-10, apontaram outros procedimentos como expressão valiosa de culto. Não basta cantar glórias ao Senhor e exultar pelos milagres e pelas curas, quando a vida perde a capacidade de gestos humanitários. Esta luz incandescente é como a dos rojões. O lume da claridade se some num pequeno instante. De forma parecida, muito ato serve mais para enaltecer a própria precedência do que para fazer diminuir ou desaparecer os instrumentos de controle e de opressão, desenvolvidos de maneira sutil nos autoritarismos e nas linguagens que visam maldade contra pessoas.
            Sob este contexto podemos entender o ensinamento de Jesus Cristo, ao apresentar à multidão pobre em espírito, uma nova dimensão da solidariedade: teria que ser como o sal que conserva, e que purifica o ambiente, além de propiciar sabor aos alimentos, isto é, o reino novo, o das bem-aventuranças, para os seguidores de Cristo deveria implicar em “luz” constante capaz de propiciar satisfação à organização da vida.
            O louvor e a glória de Deus decorrem de um ambiente de relacionalidade. É dele que emerge a razão da expressão efusiva de louvores. Certamente a melhor imagem da condição de uma lamparina, para poder iluminar um ambiente, é a de que esteja em lugar elevado. É da elevação de gestos e procedimentos que se ratifica a aliança nova com Deus.
            Hoje constatamos, com certeza, na imagem do sal insípido, o quanto pessoas não melhoram a qualidade da vida pelo que celebram liturgicamente. Afinal, de onde poderia advir “qualidade do sal”? A vivência religiosa certamente pode dar outro sabor às condições da vida e da convivência humana.
            Não seria desejável ver que uma prática religiosa, aliada aos sistemas injustos que espoliam fracos e pobres, agrida pelo formalismo de um culto transformado em “Schow” para distrair.


Novo tempo



Nas vergastadas decepções,
Com os anseios frustrados,
Antecipam-se as previsões,
De mais sonhos prostrados.

Resta aos faros da intuição,
Captar rastros de passagem,
E apontar o rumo e direção,
De acalentadora mensagem.

A esperança do olho perspicaz,
Percebe adiante da resignação,
Vasto horizonte de vida eficaz,
Sem tão causticante frustração.

Nas distantes luminosidades,
A brilhar na intensa escuridão,
Abrem-se rumos de novidades,
Para além da triste sofreguidão.

A luz de um ponto de chegada,
Já ilumina o caminho inseguro,
E desperta a mente desandada,
Para uma antecipação do futuro.

No alcance ainda bem incauto,
Acelera-se bom ritmo andante,
Que por si mesmo vira arauto,
De tempo inovado e vicejante.



quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Novas pestes




Antigas pestes de ampla infestação,
Cederam espaço para proliferação,
De mentes ambiciosas e corruptas,
A gerar dano e crises ininterruptas.

Piores do que as virosos invasivas,
São as eivadas pestes permissivas,
Das apropriações inescrupulosas,
Com repercussões muito danosas.

Modificam leis em veneno letal,
Para uma extorsão monumental,
Que empobrece vasta multidão,
E extirpa a sua louvável retidão.

Os efeitos advindos da ganância,
Espalham em larga abundância,
Um desrespeitoso trato afetivo,
A alastrar-se sem algum lenitivo.

Resulta uma enferma condição,
Que nega humana consideração,
Aos anseios roubados e iludidos,
Deixando os serviços preteridos.

Enleados pelos desafetos aturdidos,
Os pretensiosos valores assumidos,
Não alçam as metas estabelecidas,
E deixam as instituições denegridas.





<center>INDIFERENÇA SISUDA</center>

    O entorno da vida cotidiana, Virou o veneno que dimana, A endurecer os sentimentos, Perante humanos proventos.   Cumplicidad...