Assusta constatar o quadro religioso em que hábitos, nem tão prolongados
e rotineiros, acabam transformados em procedimentos dogmáticos e levam a
discursos categóricos para exigir a impecável observância destas normas, que, nem mesmo são oficiais na Igreja. A impressão é a de que ter fé, significa
submeter-se a certos detalhes de ritos exteriores. Nesta condição, a proposta
de Jesus Cristo vira secundária e irrelevante como caminho redentor.
Na aparente
segurança das exterioridades, subentende-se que a ação de Deus é certa e
garantida, mas, diante de qualquer pequena dificuldade, aparece o pânico e a
automática cobrança de que a ação redentora de Cristo não está sendo eficaz.
O episódio
bíblico narrado por Marcos (4,35-41) mostra como nas andanças de Jesus de
Nazaré, apareciam reações muito variadas, sobretudo, quando encontravam
algumas dificuldades: do entusiasmo à dureza de coração, da ironia à
incredulidade; no entanto, diante dos sinais de Jesus sobre a manifestação da
maldade, mostravam-se incrédulos e céticos.
Quando a
agitação das ondas do mar, - símbolo das dificuldades da vida no seguimento de
Cristo, - levou ao balançar do barco, seus discípulos sequer reconheceram, no
procedimento de Jesus acalmar o ambiente, um sinal da ação de Deus, mas,
souberam apresentar-lhe um vasto conteúdo de lamúrias.
No meio do
pavor, os discípulos ousaram repreender a Jesus, por sentirem medo de
afundamento do barco, diante das ondas agitadas, e por perceberem que ele
dormia despreocupado. Para Jesus, no entanto, a fonte dos medos certamente não
representava nenhum motivo de inquietação, mas, mesmo assim, acalmou o presumido
o espírito imundo da agitação dos discípulos. Eles, todavia, simplesmente se
calaram. As antigas crenças supersticiosas de que Leviatã teria capacidades
nocivas nas águas dos mares, e, por efeito de maus espíritos, levara os
discípulos a desnecessários medos. Estes, sequer aguçaram a sensibilidade de
perceber a serenidade que Cristo lhes passava a respeito destes medos.
Mesmo
andando com Cristo no barco, os discípulos não tiveram fé na sua capacidade de
manifestar algo de Deus. Se hoje as ondas não são, nas praxes de tantas
piedades religiosas, as dos mares, mas, aquelas dos valores culturais muito
diversificados e das dificuldades de travessia diante dos impasses na convivência,
os muitos dogmas de exterioridades formalistas, com certeza, mais ajudam a
facilitar pânicos e pavores do que calmarias de entendimento.
A pergunta
de Cristo aos apavorados do barco, - se ainda tinham fé, - certamente questiona
na radicalidade uma prática religiosa de muitas afirmações, e, de bem pouca
experiência de solidez. E, quando tudo parece desandar, ainda se atribui a
culpa a Jesus ou a Deus, como se fossem responsáveis pela inoperância diante
dos seus deveres obrigatórios de atenção e desvelo. A capacidade de reconhecer
em Cristo o poder de Deus, provavelmente implica mais em modos de proceder do
que em maneiras de explicar o que é e o que não é dos conteúdos dogmáticos.