quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A celebridade e os Amoucos


São visíveis e, escancaradas por toda a parte, as insinuações para a celebridade. O visual das celebridades passou a ocupar os mais elevados patamares dos santuários das mediações de felicidade. O que mesmo importa é a imagem divulgada, e, que esta imagem seja sequiosamente assimilada, adotada e consumida para saturar-se de celebridade, isto é, precisam todos virar célebres e empanturrar-se com a imitação de alguém que já é célebre. Já não é mais a honra, nem o poder econômico e menos ainda o perfil de boa conduta que tornam alguém importante na vida. O que importa, é ser célebre pela imagem a ser consumida.
O problema da celebridade é que ela se constitui num mito desenvolvido em torno de muito poucas pessoas. Ainda que faça multidões humanas sonhar com suas altezas angelicais de status, o mito gera uma imensidão de dependentes consumistas. Afinal, o que pode, pois, acontecer com os que sonham em ser célebres e não chegam às alturas do grande mito de nossos dias?
Sobra-lhes um segundo escalão da mediação social: absorver o caminho dos amoucos, ou seja, daqueles que não desfrutam de nenhuma auto-estima, nem de auto-imagem positiva, que não alimentam nenhum valor em torno de seu corpo, que não fazem nada por si mesmos, mas, que gastam todas as suas energias para imitar a alguém que está nas eminências da celebridade por alguma razão banal. Seja ele um Neymar da vida, um cantor sertanejo, um ator de novela ou de cinema ou um apresentador de televisão, ele precisa ser imitado.
É altamente impressionante como um jogador de futebol, porque conseguiu algumas diatribes para distinguir-se de outros no jogo, seja tão ovacionado, endeusado pela mídia e leve a tanta imitação de jovens, de crianças e até de adultos, que passam a reproduzir seu visual de penteado. Apesar do antigo ditado “De gustibus et coloribus non disputantur” (de gosto e de cor não se discute!) intriga como gestos, vestes, cortes de cabelo e tantos outras extravagâncias enaltecidas por mitos, por mas triviais e supérfluos que sejam na axiologia dos valores sociais, conseguem arrastar multidões no séquito da imitação. Ao mesmo tempo em que renunciam à peculiaridade e à originalidade única da sua corporeidade e se submetem a esta dependente e manipulada imitação, parecem eivar-se de grandeza e de plena felicidade. O mesmo se pode dizer em relação a certas modelos. De tanto que se afirma que são notáveis e belíssimas, insinua-se massivamente que todos devam absorver seu perfil como referência de beleza.
O que surpreende é que alguém, assim que consegue alguma relevância social, inventa alguma bricolagem para se distinguir e se notabilizar sobre os demais. Até ali, tudo nos direitos. No entanto, porque precisam os outros viventes ser insinuados a renunciar à sua vida pessoal e passar a viver o ideal da dita celebridade?
Tudo bem que, num momento histórico, muitos cristãos eram estimulados a imitar heróis ou celebridades de santidade, mas neles havia uma vida real de dedicação a serviço e defesa de grupos humanos desprivilegiados, com um referencial altruísta e humanitário. Se o ideal da santidade não encanta mais, como pode encantar um ideal meramente imagético?  Parece que nisto se exterioriza um lado mórbido de nosso tempo. Gastam-se fortunas para criar e manter vivas no imaginário coletivo, certas celebridades, ainda que duvidosas, com a precípua finalidade de induzir multidões a um banal consumo decorrente de imitação. Vive-se somente uma vez, e, por tão pouco tempo. Por que, então, gastar todas as energias para renunciar-se a si mesmo e viver a imitação dos outros, nem mesmo de forma real, sob a manipulada estimulação de imagem ou de visual?
 Para os amoucos, todavia, a paixão, a grande emoção e a luta incansável para aproximar-se da celebridade e viver ao máximo as suas dicas de vida, mais do que choro, emoção profunda e crises de histeria, com brigas para defender as celebridades, vislumbra-se neles um nível ainda mais radical: perseguir e, se for preciso, matar em nome da celebridade. Por isso, a grande doença ou patologia social do nosso tempo é a da “bactéria dos amoucos”, altamente invasiva e contagiosa, que ataca as pessoas de todas as idades através da mídia eletrônica e que as leva a viver não a sua vida pessoal, mas, a da idealização projetada em torno das celebridades.


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