Apresentação
É possível
que a Ética não se encontre num patamar dos mais bem conceituados e num status
de urgência das grandes inquietações humanas. No entanto, parece evidente que
sem novas luzes efetivas no campo das relações humanas, corremos risco muito
grande de ficarmos apenas como a memória dos dinossauros, isto é, não nos
entendemos a nós mesmos, não nos damos com os outros e destruímos as condições
de vida no planeta.
Um
ditado popular diz que Deus perdoa sempre, que as pessoas perdoam de vez em
quando, mas, que a Natureza não perdoa nunca. É possível que a valoração de
certos procedimentos humanos, tidos como fontes de prazer, de felicidade, de
valor, de veracidade e de utilidade, não estejam sendo suficientes para
ultrapassar a dificuldade que encontramos a fim de nos entender, para nos amar
e para lidar, da mesma forma, com a Natureza.
Sensibilizar-nos em torno de algo que possa alargar os sonhos de uma vida,
cuidada de múltiplas formas, será certamente uma tarefa que vai fazer bem a nós
mesmos e a outras pessoas. Por isso, é de real importância conhecer o passado
da normatividade ética, as tendências do nosso tempo e o que é fundamental na
legislação ética: uma atenção maior à vida.
Enquanto as religiões que poderiam ser os porta-vozes mais destacados para
apresentar regras de boa relação entre os seres humanos, emerge do fanatismo de
muitos de seus representantes o maior medo de degradação, tanto das relações
com as pessoas quanto as que se fazem necessárias com a natureza, pois,
instigam iminências de guerras. Entretanto, na medida em que procuram religar
os seres humanos com as instâncias superiores do âmbito de Deus, é de se
esperar que delas ainda possam aparecer esperançosas pistas para o bom
entendimento humano, ao lado das outras múltiplas inquietações por melhor
entendimento humano.
1. Conceitos
de Ética
É comum que pessoas indignadas com uma situação
constrangedora, causada por outra pessoa, exclamem que ela foi imoral,
indecente e anti-ética. Facilmente usa-se Ética e Moral para expressar a mesma
realidade. No entanto, o que é mesmo a Ética?
Primeiramente, existe diferença no significado dos
termos “Ética” e “Moral”. Enquanto Moral se relaciona a ações reais ou a modos
de proceder no agir com outras pessoas e coisas, e, às lidas concretas; já a
ética, é constituída de princípios para levar a determinadas e desejadas
condutas, ou seja, é uma concepção filosófica a respeito da vida e dos valores
para regê-los da melhor forma. Aproxima-se, pois, do pensar sobre o agir moral
e, por isso, também leva o nome de Filosofia Moral. Mesmo assim, pode um ato
moral não estar necessariamente ligado a uma orientação ética, de origem
racional ou filosófica.
Outra maneira fácil de distinguir a relação da
Ética com a Moral é a oferecida por Maturana e Rezepka: “Ética tem o seu
fundamento no amor, a Moral tem o seu fundamento na exigência do cumprimento de
valores”.[1]
O fato gerador da ética é o das relações humanas em
sociedade: vai de fatos simples como o modo de morar, de pessoas se ajudarem,
de serem responsáveis, de cuidar das coisas, até as complexas regras normativas
da vida social e das leis jurídicas.
Vejamos mais algumas definições de ética:
a) Ética ainda
pode ser definida como a teoria ou a ciência do comportamento moral
de seres humanos em sociedade. Trata-se de uma das muitas esferas do comportamento
humano; mas, o que o que é realmente comportamento moral? Mais do que
observância de certas regras religiosas, a moralidade implica no agir concreto
em favor da vida nos seus amplos significados.
b) Talvez
outro conceito nos ajude a clarear melhor o entendimento: ética é a arte da
convivência humana. Bem sabemos que a convivência pacífica e ordeira não é
alcançada pela guerra e por meios violentos. Os segredos da boa vontade, da
misericórdia e de tantas outras virtudes humanas permitem propiciar níveis
satisfatórios de convivência com as pessoas e com a natureza.
c) A antiga
cultura grega nos oferece outra definição ampla e valiosa de ética: reflexão ou
“saber” sobre o “Êthos”, palavra grega, que por certo tempo, significava
moradia, refúgio, ou abrigo. Implica, portanto, no lugar onde as pessoas se
sentem seguras. É claro que as quatro paredes de uma casa não são suficientes
para isso. Morada tem um significado existencial, ou seja, envolve um espaço
humano, os valores e os princípios deste ambiente humano.
d) Mais
tarde, introduziu-se outra significação para o termo, já escrito com o Épsilon
“ETHOS” (sem o acento) para conotar hábitos, crenças, costumes e instituições
da sociedade. Este novo significado de “Ethos” implica num traço bem distinto,
pois, implica em fazer-se e refazer-se constantemente em vista do bem comum.
Não se trata apenas de algo que é buscado para
satisfação pessoal, mas, um modo de agir que visa o conjunto da sociedade.
Resulta dali a conotação de que a ética constitui o conjunto de princípios,
valores e razões que levas as pessoas de uma determinada comunidade a agir de
uma forma peculiar.
O comportamento desta forma de vida reproduz
tradições, estilos de vida, modos de acolher, de conversar e hábitos no modo de
ser. Assim, pode-se falar em ética capitalista: acumular muito, pagar pouco,
explorar os outros e a natureza ao máximo e encher-se de riqueza, o que faz
entender a crise ética de nossos dias.[2]
e) Em
sentido bem amplo ética pode significar organização de um povo. Bem sabemos que
qualquer organização humana pode evoluir, pode decair, pode ser reformada ou
inovada, pode ser parcial ou ampla e ainda pode ser escrita ou não escrita. Os
modos de fazer-se e refazer-se são modificados de um lugar para outro devido a
diversos fatores: primeiramente, pela diversidade dos traços culturais. Também
as influências geográficas agem sobre a convivência humana, uma vez que a
convivência é afetada pelo frio, num lugar; pelo calor, em outro lugar; pelas
flores ou pela aridez e, até mesmo pelas estações que afetam momentos distintos
da convivência humana. Basta comparar um lugar de frio intenso, com neve, com
outro, de elevadas temperaturas tropicais.
Ética envolve, portanto, o campo das decisões
relativas ao que deve ser feito para que a dimensão social e coletiva das
pessoas seja boa, certa, correta e justa. Para tais fins, são estabelecidas
regras, funções, diretrizes ou atributos, mas, o bem coletivo também implica em
novas decisões para que os comportamentos sejam responsáveis e conduzam ao
melhor nível de vida. Tal atividade é chamada de Deontologia.
Bem sabemos que qualquer sociedade requer regras
para o funcionamento coletivo. Estas regras implicam em três características:
a) o modo como as decisões são tomadas; b) o sistema que produz e mantém estas
normas; c) o quadro cultural desta sociedade.
Cabe-nos logo uma pergunta importante: Como
se manifestam os valores éticos em nossas casas, cidades e na grande casa que é
o planeta Terra?
Evidenciam-se muitos valores fanatizados. Podem ser
religiosos, políticos e econômicos, etc., e, tanto uns como outros, tendem a
gerar morte de pessoas. Em alguns casos é morte física, em outros, morte do
nome ou da auto-imagem.
A simples consideração dos informativos de
noticiários revela manifestações de muitos valores literalmente imorais, ou
antiéticos, devido à enormidade de injustiças, de casos de corrupção e das
muitas formas opressoras contra certos grupos humanos. Nem sempre aparece em
evidência o lado positivo da ética, no sentido de personalizar, socializar e de
libertar as pessoas dos jugos e dos condicionamentos que estão sendo submetidas
por outras pessoas. Significa, pois, que se fazem necessários muitos novos
valores, tanto na justiça, quanto na economia, na política, na pedagogia, na
religião, nos esportes e até nos campos técnicos e científicos para que a vida
de convivência humana seja efetivamente boa.[3]
Enfim, que elementos são mesmo constituintes do
conceito de ética? Preocupação com a qualidade da convivência humana no planeta
e, com ele, para boas perspectivas de futuro.
1.1 – Ética Descritiva
É a que procura fazer descrições do que é observado
a respeito das noções éticas de populações ou sociedades. Não as reforça e nem
as condena, mas procura observar o que nestes grupos está estabelecido como
valioso. Trata-se, pois, do resultado de pesquisa feita a respeito do que é
considerado importante na vida deste grupo humano, seja na conduta sexual, no
modo de pagar impostos, de lidar com roubos e falcatruas, etc.
Como atualmente é fácil fazer sondagens de opinião,
podem resultar muito ambíguos os dados que mais aparecem. Por exemplo, certos
programas interativos de televisão que em poucos minutos oferecem dados
estatísticos a respeito de um procedimento ou de uma conduta. Não pode
significar que o número mais elevado de respostas a uma postura seja a mais
ética. Nem sempre as opiniões mais amplas são necessariamente corretas e, nem
tudo o que é feito por muitos é necessariamente ético ou certo. Não será pelo
roubo de mitos que o roubo será considerado um procedimento bom e ético. Uma
descrição de valores éticos ainda não significa normatividade ética. Se numa
pesquisa, por exemplo, vier a ser constatado que muitas pessoas são racistas, não
equivale a que todos possam ser racistas.
1.2 – Ética Normativa
É a que salienta as ações éticas tidas como certas,
corretas, justas e boas. A ética normativa envolve normas, valores e códigos
com a perspectiva de que sua prática Le vê a atos bons. Os dez mandamentos da
bíblia, por exemplo, constituem normas para corresponder à aliança que as doze
tribos de Israel fizeram para se entenderem entre si e com Deus e assegurar
este bom relacionamento.
Mais importante do que descrever ou prescrever o
que deve ser feito, o que realmente importa, é o agir para que nós seres
humanos não acabemos criando uma ameaça maior do que a de alguma ameaça cósmica
através da destruição os eco-sistemas capazes de permitir a nossa vida
coletiva. Sob este aspecto, estamos numa real e profunda crise ética. As
variadas revoluções técnicas e científicas aumentaram comodidades e a qualidade
da vida, mas, ao mesmo tempo, nos colocaram num consumismo tal que o planeta já
não produz o necessário para atender as ambições humanas.
Ao lado da prosperidade material talvez
devamos pensar em saídas éticas que ajudem a cada pessoa lidar melhor consigo
mesma, com outras pessoas e, sobretudo, com a natureza. A história humana dos
últimos tempos perseguiu demais a auto-afirmação humana e nos levou a perder o
horizonte da integração com a natureza. Por isso, no lugar das regras para
conquistar cada dia mais, temos que aprender a cuidar mais da vida e da
natureza, pois, tudo quanto cuidamos, tende a durar mais.
2. Objeto da
Ética
A Ética ocupa-se da realidade moral dos seres
humanos, sobretudo no que envolve atos conscientes e voluntários sobre grupos
humanos ou sobre toda a sociedade.
Segundo Riesmann, há quatro tipos de posturas
morais na sociedade:
a) O indivíduo
e a sociedade sendo dirigidos pela tradição;
b) O indivíduo
e a sociedade sendo dirigidos pela intimidade;
c) O indivíduo
e a sociedade sendo dirigidos por fatores externos;
Apesar destas posturas, transparece uma dificuldade
maior no objeto da ética, pois, revela um problema de dois riscos graves: o do
individualismo, pois consciências solitárias não conseguem resolver problemas
sociais e grupais e, a adoração exagerada de alguns valores nem sempre
essenciais na vida social. É o que se chama de fetichização[5] de
alguns valores. Este exagero pode forçar pessoas a cumprir determinados
comportamentos sociais, mas que não representam nenhum valor para a
coletividade.
3. Natureza
da Ética
Como a Ética
é um ramo da filosofia, é também chamada de Filosofia Moral. Historicamente, a
palavra “ética” era usada na Grécia, em Roma, usava-se o termo “moral”. Como
atividade filosófica, a ética estuda e avalia a conduta e o caráter humano,
seja nos conhecimentos, nas tradições ou nos costumes.
Tanto
a Ética quanto a Moral costumam ser definidos como campos de estudo que se
ocupam da atividade humana relacional, dirigida ao seu fim último, ou seja, sua
melhor ou plena realização. Este finalismo envolve dois aspectos:
a) De fundamentar e de valorizar princípios, normas e
códigos éticos para levar a convicções morais;
b) Estudar critérios capazes de separar o que é moral
do que é imoral. Geralmente os dois aspectos são complementares e andam juntos.
A ética envolve uma das áreas filosóficas que diz
respeito à moralidade, que envolve tanto problemas morais quanto juízos morais.
Por isso, o pensamento ético pode manifestar-se em três direções:
a) Para descrever
e explicar os fenômenos morais, ou seja, faz uma teorização sobre os problemas
morais;
b) Indaga sobre
o que é bom, certo, justo e obrigatório e procura os argumentos para justificar
estes juízos éticos;
c) Busca
explicações lógicas, epistemológicas ou semânticas a respeito do que é
realmente bom, certo, correto e justo.
É comum que Ética e Moral sejam usados como
sinônimos em torno do que é considerado bom e certo no comportamento. Mesmo
assim, não significam o lado oposto da imoralidade e da a-eticidade. A ética
preocupa-se com a moralidade e não com a imoralidade. Envolve um campo amplo de
juízos, códigos morais, argumentos morais e consciência moral.
A moralidade não constitui apenas uma descoberta
pessoal e intimista, mas está estreitamente vinculada com a dimensão social das
pessoas. Embora seja produto da coletividade ou de muitos indivíduos, vai além
destes indivíduos porque é social, seja pela origem, ou pelas funções ou ainda
pelo tipo de sanções.
A ética, portanto, é um instrumento da sociedade
para orientar seus membros, sejam grupos ou indivíduos. Ela os leva a
incorporar valores que lhes estabelece.
4. Origem da
Ética
A origem da Ética é a natureza social dos seres
humanos. Não se trata de uma questão meramente natural e instintiva, mas se
deve às relações das pessoas e a consciência que elas têm desta relação. Pode
esta relação apresentar traços marcados pelo tipo de trabalho, pela natureza do
ambiente cultural e das necessidades de ajustamento dos indivíduos à
coletividade. A relação ainda pode depender dos conceitos de justiça que
predominam em determinado ambiente. Poe, por exemplo, ser mais distributiva em
relação a alimentos, salários e bens e pode também ser mais retribuidora na lida
de reparação pelos males cometidos.
Na origem da ética está uma constatação:
insegurança. Geralmente ela nasce da constatação de que as relações das pessoas
perdem qualidade porque muitas delas começam a organizar a vida em torno de
seus interesses particulares e relativizam a justiça em função destes
interesses. Isto, num modo de produzir e consumir como esta do nosso tempo
impõe regras de competição, de disputa, de oposição e de ameaças de exclusão,
ao invés de valorizar a cooperação, a harmonia e a solidariedade para a boa
convivência.
Ao longo do tempo duas fontes tem se mostrado mais efetivas para a
implantação de regras éticas:
a) A razão – desde seis séculos antes de Cristo até nossos dias pensadores gastaram
tempo para fundamentar racionalmente normas que pudessem ser válidas para o
maior número de pessoas possível. Como Sócrates, Platão, Aristóteles, Agostinho
de Hipona, Tomás de Aquino, até pensadores recentes como Bergson, Habermas,
Dussel e outros, preocuparam-se para descobrir códigos éticos que pudessem ser
universalmente válidos.
b) As religiões – elas movem a maior parte dos seres humanos em torno dos valores de
pertença, e, mesmo que apresente muitas diferenças, umas em relação a outras,
convergem para um consenso de regras éticas para orientar as políticas, as
economias e as relações internacionais para que sejam respeitosas e
edificantes. Em muitas destas religiões manifesta-se, sobretudo em tempos mais
recentes uma clara preocupação pela preservação da ecologia. É claro que, também
nas guerras, evidenciam-se fortes apelos de fanatismos religiosos que
contradizem a razão de ser destas religiões, mas, de forma geral, orientam-se
pelo “ethos” de amar e de cuidar.
Segundo Leonardo Boff, a instância formadora dos
valores éticos, mais do que na razão, está no afeto, pois, é este que leva a um
sentir profundo, ou, à paixão por valores que possam melhorar as relações dos
seres humanos entre si.[6] Segundo Boff, a paixão
também é habitada por um demônio que é o do desfrute destruidor. Isto ocorre
quando valores não são levados a sério para todas as circunstâncias. Assim, a
paixão, esta extraordinária fonte de energia, desprovida de razão, pode
tornar-se avassaladora. Significa, portanto, que a paixão só se torna eficaz
quando é equilibrada pela razão. O risco que também se apresenta, é o da razão
exercer excessiva influência sobre a paixão. Neste caso, implanta-se a rigidez,
a tirania da ordem e a ética transformada em regras para interesses
utilitaristas. Requer-se, por conseguinte, que a ética seja regida por ternura
e por vigor. Ternura que leva a cuidar dos outros e das cosas; vigor, para
superar os obstáculos e para transformar utopias em realidade.[7]
5.
Fundamentos da Ética
O fato de códigos éticos ou morais estabelecerem
leis, de ditarem normas e de prescreverem deveres para uma determinada
comunidade, desperta, de imediato, uma indagação polêmica: quem aprova
estes códigos?
Hoje tendemos a não aceitar que eles estão sendo
estabelecidos de forma incontestável por autoridade divina. Por isto, aumenta a
dúvida a respeito da necessidade de ter que cumprir tais prescrições. A reação
pode ser maior ou de mais fácil acolhida de acordo com quem estabeleceu as
exigências. Dependem também do valor que representam para as pessoas e da
possibilidade de poderem ser mudadas. Dali ainda emerge outra consideração:
quem substitui as normas por outras melhores? Os governantes, a coletividade ou
cada indivíduo segundo seu gosto?
Esta discussão certamente é tão antiga como a
organização social humana. Os antigos gregos, ao entrarem em contato com outros
povos através das guerras ou outras formas imperialistas, já percebiam a
existência de enorme variedade de regras na organização da conduta humana.
Ainda hoje persiste a tendência de que governantes
de Estado se proclamem no direito de estabelecer convenções, segundo as julgam
mais oportunas, porém, para os seus interesses e não os do bem estar de todos
os cidadãos.
Os sofistas gregos por acharem que os gregos
possuíam regras éticas bem superiores aos demais povos, proclamaram-se no
direito de implantá-las sobre os demais, qualificados como bárbaros.
O filósofo Sócrates, que veio a ser chamado o
pai da filosofia moral, ao apontar outra forma de conduta para os seres humanos
e, contra as teses dos sofistas, por entender que as regras morais não poderiam
ser apenas o resultado de convenções sociais, sustentava que o fundamento das
regras deveria ser o da Natureza dos seres humanos.
Assim, ao contrário dos sofistas, Sócrates entendia
que as normas éticas e morais deveriam ser ensinadas na escola e deveriam estar
presentes nas pessoas que ensinam, e não meras regras de imposição. Para aquele
filósofo, a fundamentação das regras éticas e morais deveriam partir de um
nível mais profundo do ser humano: ser ímpio ou santo, perverso ou bom, não é a
mesma coisa. Nem todos os códigos legitimados eram merecedores de crédito e
aceitação e de legitimidade. Cada indivíduo deveria ter um critério de
moralidade que o capacitasse a distinguir entre bem e mal, para poder buscar o
bem e evitar o mal.
A palavra “ética” como conjunto de idéias sobre o
tema, começou de maneira formal apenas com Aristóteles, embora, antes dele, já
estivesse constituída como assunto filosófico. Faziam-se reflexões de caráter
ético, mas, ainda não como conjunto de normas sociais vigentes. Aristóteles,
além de criar a disciplina, se debruçou sobre os problemas que outros
pensadores iriam retomar mais tarde sobre o mesmo assunto. Classificou as
virtudes e a relação entre ética individual e social, bem como, a vida teórica
e a prática. Este foi o assunto que mais entrou na discussão dos sucessores de
Aristóteles. A questão era: faz-se teorização da prática ou faz-se teoria que
acaba em prática?
Todo o pensamento grego antigo tinha uma particular
inquietação para situar ética, como já salientamos acima, na Natureza. Já
naquele tempo pensadores preocupavam-se em torno da hierarquização dos bens a
fim de que as pessoas pudessem avaliar o grau de alcance dos bens maiores e
estabelecer um equilíbrio entre as paixões e as satisfações.
No período cristão introduziram-se mudanças e
adaptações nas idéias éticas anteriores. Primeiramente os pensadores cristãos
deslocaram o fundamento da ética, tirando-o da Natureza e passando-o para o
campo religioso, o que facilitou a criação da ética heterônoma, ou até
“Teônoma”, pois o próprio Deus estaria exigindo dos cristãos o cumprimento de
normas éticas para estes serem felizes. Assim, os pensadores cristãos adotaram
a noção grega de que o bom é o verdadeiro. E ao pensar a pessoa cristã como
peregrina que, de passagem deste mundo para o verdadeiro que viria depois da
morte, não se daria, naturalmente, ênfase à busca de felicidade neste mundo. Os
bens deste mundo, mesmo outorgados por Deus, não deveriam impedir a ascética da
antecipação do mundo que viria depois. Mais tarde, com a Escolástica, os bens
deste mundo começaram a receber maior consideração e deixaram de ser vistos
como incompatíveis com as virtudes cristãs.
Com o Renascimento reintroduziram-se noções éticas
estóicas e outras que haviam sido abandonadas há muitos séculos, e encantaram
pensadores como Descartes e Spinosa. A partir de século XVII alargaram-se
reformulações nas teorias éticas, gerando diversas correntes como a de Hobbes
que fundamentava a ética no egoísmo, os maquiavélicos, no realismo político e,
outros, como Hutcheson, no sentimento moral. O que mais preocupava os
pensadores era a origem dos preceitos éticos: para uns, era inata, para outros,
a intelectualidade, para outros ainda a emotividade, o senso comum, a
utilidade, a simpatia e, na igreja Católica permaneceu a defesa da origem
religiosa.
Uma mudança no pressuposto das origens veio com
Kant. Para ele, a origem estaria na autonomia da cada pessoa. Com isso, se
abriu uma nova polarização: o fundamento da ética é heterônomo ou autônomo?
Pelo olhar de Kant se a origem da ética procede de
coação ou de origem exterior aos seres humanos, então não há liberdade; já para
outros, seria necessária esta intervenção de Deus para que a sociedade pudesse
organizar-se adequadamente. A questão mais polêmica ficou por conta de um
pressuposto: quem tem acesso ao que deus realmente quer para o agir ético dos
seres humanos? Seriam os teólogos? E poderiam eles, por vias racionais chegar a
este plenitude?
6. O fim do
agir ético
Qual poderia ser o critério supremo do agir ético
entre o bem e o mal? Entre os filósofos existem muitas discordâncias a respeito
do limiar entre o que é bom e o que é ruim. Entre eles há, todavia, um consenso
para considerar a liberdade como condição básica. Além de condição básica a
liberdade constituiria um componente do agir moral. Uma segunda condição que os
filósofos consideram básica um ato ético, ou agir moral, é o do conhecimento ou
o da consciência. Uma pessoa para considerar que um ato é livre deve ter
consciência ou conhecimento deste ato. Uma terceira condição necessária para
que um ato seja considerado ético é o do princípio orientador, isto é, a pessoa
deve estar disposta para orientar-se em torno de alguma causa ou motivação.
Na primeira questão, a da liberdade como condição
para um ato ético, surge outra questão polêmica: a que tipo de normas precisa a
liberdade sujeitar-se? Há quem defenda que o fim último do agir ético está o
valor. Já outros, consideram as leis e os deveres como critério supremo do agir
ético. Os efeitos de uma ou outra posição são diversos.
A primeira ponderação, que defende o valor, é
conhecida como ética teleológica. A outra que sustenta as
leis e os deveres de cumpri-las é conhecida como ética deontológica.
Entretanto, tanto o fim último quanto o dever, implicam em grande variedade de
focos: pode ser o prazer, o interesse, o utilitarismo, a felicidade, etc. Estes
focos não podem ser sustentados, nem em regras divinas, nem em regras civis e
tampouco em regras naturais.
Pelo lado das defesas teleológicas, ou das
finalidades, as considerações últimas da ética poderão ser estabelecidas como
hedonismo, utilitarismo, eudaimonismo ou ética dos valores. Na outra
perspectiva, a das leis e do seu cumprimento, ou ética deontológica, os fins
predominantes são o estoicismo e o formalismo Kantiano. Voltaremos adiante a
estes aspectos.
7.
Concepções Éticas mais comuns
Ao longo da história três tipos de concepção ética
se impuseram com maior abrangência:
a) Ética da
natureza – que vincula à natureza a origem das regras
éticas. Portanto na raiz da ética estariam os fatores biológicos. Sob
esta concepção, a solidariedade, o altruísmo e a disciplina não passariam de
questões instintivas. Charles Darwin até justificou que lealdade, amor e
fidelidade, nós os experimentaríamos do mesmo jeito que os outros animais. O
efeito desta concepção reforça o determinismo biológico. A partir da
Antropologia entende-se que o ser humano depende mais da cultura do que do
determinismo biológico.
b) Ética
Heterônoma – oriunda especialmente da concepção
religiosa cristã, sustenta que a origem última das normas éticas está em Deus.
Daí o porquê de se chamar de heterônoma, pois, seria algo de fora da condição
humana que lhe pede o cumprimento de normas. Em outras palavras, algo é bom
porque vem de Deus e é ele que pede o cumprimento das leis. Como se constata,
pode muito bem uma pessoa falar em nome de Deus e impor suas exigências como
sendo de Deus. Seria, pois, uma apelação a Deus para controlar o comportamento
ético de outras pessoas...
c) Ética
Autônoma – sustenta a fonte e a origem dos atos éticos
na própria condição humana. Sobretudo a partir do filósofo Emanuel Kant,
entende-se que o psiquismo de cada pessoa já apresenta uma inata capacidade de
discernimento do que é bom ou ruim. A essência ética seria algo natural
presente em cada ser humano e que lhes daria a capacidade de julgar um
procedimento como ético ou não ético. Da noção Kantiana rapidamente se chegou à
ética do emotivismo e do instante: assim, algo é bom, certo, correto e justo
dependendo do humor daquele momento. Pode algo ser muito bom hoje, e não ser
bom no dia de amanhã.
Se prestarmos atenção às três concepções, poderemos
que, uma como as outras, reduzem o caráter histórico e social do agir ético.
Portanto, todo o campo das obrigações éticas não pode estar desvinculado das
relações sociais. As decisões para um indivíduo devem ser as dos indivíduos e
dos indivíduos em sociedade. Todo comportamento individual procede de relações
sociais e implica em modos de relações com os outros. Até o ato de agir
subjetivo segundo a consciência ou o “foro interior”, é repercussão de situações
sociais e de um agir de certo momento histórico e cultural. Nem é possível que
uma pessoa viva exclusivamente das suas opções pessoais, uma vez que estas
estão sempre relacionadas a um ambiente social e seus valores cultivados.
8. Surgimento de grandes patamares éticos
A história humana, sobretudo nos tempos mais
recentes de cerca de dois mil e seiscentos anos, revelou diversos novos aportes
de noções éticas para a convivência humana:
a) O da antigüidade grega – que apresentou como traço principal a preocupação em torno de uma
subjetivação que pudesse situar os seres humanos no universo da natureza, e o
lugar dos seres humanos nesta universalidade das formas de vida. Havia um
desejo e uma vontade de adequar vida social com leis justas para corresponder
às vontades divinas;
b) O do período cristão – no qual prevaleceu o desejo de situar os seres humanos no caminho d fé
como sinal de grandeza da sua condição de serem criaturas procedentes da
criação divina. Neste modo de concepção predominaram os argumentos em favor da
normatividade heterônoma, ou seja, as normas estariam vinculadas ao desejo da
ação de Deus;
c) O do mundo moderno – neste foram deixadas de lado tanto as buscas metafísicas para entender
o que estava além da aparência das coisas, próprias do pensamento grego, quanto
explicações decorrentes da fé que procuravam estabelece regras de vida
adequadas a pressupostos divinos. O pensamento ético moderno, que culminou em
Immanuel Kant, é o de que a normatividade ética não pode depender nem de Deus e
nem da Natureza, mas, da boa vontade e da razão prática, que estariam
naturalmente presentes nas pessoas;
d) O período de nossos dias – que através de diversas tendências, quer encontrar o máximo de
objetividade para as regras éticas. Esta nova tendência se ramifica em algumas
correntes, tais como:
1) Ética discursiva: que se preocupa mais com a validade das normas do que com a modalidade
de vida que poderia ser virtuosa e boa;
2) Ética da reciprocidade: mais preocupada com a relação entre pessoas no sentido eu-tu, a
fim de que possam situar-se num mesmo nível de respeito, de dignidade e de
complementaridade;
3) Ética da Justiça: que se empenha para que nas estruturas sociais passem a vigorar
mais regras favorecedoras de justiça, deixando de lado a preocupação com o modo
de ser de cada pessoa;
4) Ética dos direitos Humanos: que defende o direito de cada ser humano à vida, à escolha de
rumos políticos e religiosos e que todos possam obter o alcance aos necessários
bens materiais e simbólicos a fim de se sentirem cidadãos na sociedade;
5) Ética da Utilidade: que evita os valores abstratos da filosofia ou da religião, e visa
favorecer o maior bem-estar para o maior número de pessoas.
9. Ética e Valores
Um ato ético ou moral sempre pressupõe capacidade
de escolha entre vários atos possíveis. Implica na capacidade de poder dar
preferência a atos considerados mais valiosos do que outros. Os valores,
geralmente estão relacionados com utilidade, com bondade, com beleza, com
retidão, com justiça, etc. Não existem valores puros em si, mas nós atribuímos
valor a objetos ou bens sejam materiais ou simbólicos ou religiosos. O valor
não é uma propriedade de um objeto, mas é um acréscimo ao objeto devido sua
relação com a pessoa. Por exemplo, preferir uma jóia de ouro, de latão, ou de
plaquê, está relacionado ao valor simbólico que atribuímos a estes materiais.
9.1 – O que é valor?
O que desejamos alcançar com o que consideramos
importante? Os fins podem ser variados, como liberdade, status, reconhecimento,
amizade, bens materiais, etc. na busca de algo importante, percebemos que
existem valores que são meios para o alcance de outros valores. O dinheiro pode
constituir-se, por exemplo, em meio para o alcance de mais saúde, de mais
elevado nível de vida ou para adquirir algo considerado significativo.
Existem graduações de valores. Para uma ilustração,
lembramos uma antiga historinha atribuída ao Rei Midas, da antiga Grécia. Como
um dos discípulos do deus Dionísio havia se perdido dos rumos de seu deus,
Midas teria colaborado com Dionísio e fez com que aquele discípulo se voltasse
novamente para Dionísio.
Como recompensa, Midas, muito ambicioso e
preocupado com acúmulo de bens, teria solicitado ao deus Dionísio que
transformasse em ouro tudo quanto tocasse com as mãos. Dionísio teria sido
imediato na concessão.
No entanto, uma vez atendido na solicitação,
Midas logo se deu conta do absurdo de seus desejos. Foi fazer xixi e já veio o
primeiro fracasso, foi então dar um abraço na filha e esta se transformou num
monte de ouro, passou no lado da mesa para comer uns petiscos e se deu conta
que o ouro sequer matava sua fome. Arrependeu-se rapidamente e fez outro pedido
ao deus do vinho a fim de que este ajudasse a anular o atendimento da
solicitação anterior: o ouro não matava a fome e qualquer toque afetivo
transformava as pessoas em ouro e Midas descobriu que existiam outras coisas
muito mais importantes do o ouro.
Mesmo assim, meteu-se logo em outra
complicação. Convidado para ser avaliador entre as músicas cantadas por Pã e
por Apolo, o consenso indicava a superioridade dos cantos de Apolo, mas, Midas
votou a favor da Pã, e, diante da nova manifestação de estupidez, os deuses da
medicina e da música transformaram suas orelhas em orelhas de burro. Pagou o
“mico” e somente depois de passar por muita vergonha voltou a ter as orelhas
normais...[8] Em nossa lida diária somos obrigados
a fazer escolhas diante das ondas e avareza que ignora o valor da vida e aposta
na riqueza sem limites. Ademais, quem seria o deus do vinho para nos ajudar
hoje? A ação impulsiva e de forma irrefletida pode nos colocar na contramão do
bom-senso da boa convivência e escolhemos mal os cantos bonitos da vida.
No jogo de nossos conflitos de interesses
temos que fazer opções ou escolhas e, geralmente, priorizamos aquelas às quais
damos mais valor.
Um exemplo pode ser bem ilustrativo: quando vamos a
um supermercado para fazer compras de produtos, geralmente averiguamos e também
comparamos os produtos que apresentem os melhores preços, relacionados ao valor
que damos ao produto. Constatamos que nem sempre o preço corresponde ao valor
real do produto. Mas, porque, então, compramos? De modo geral, para suprir
necessidades. Sapatos e livros não são iguais para certas necessidades. Alguns
objetos adquirem valor devido a uma situação momentânea, como sede ou fome.
Assim percebemos que o valor transcende o aspecto meramente econômico. Do que
dependem, então os valores? Dos quadros subjetivos ou dos modos sociais?
Verdade, justiça, paz, seriam valores estáveis, locais ou temporários? Existem
pelo menos três formas distintas de explicar o significado e a procedência dos
valores. Vejamos:
a) Explicações
subjetivistas - Vêem os valores como algo específico da
consciência. Portanto, a fonte do valor estaria na consciência e de lá também
sairiam os juízos de valor: como desejos, agrados e interesses. Isto, porém,
complica o resultado: estas manifestações estariam restritas a uma apreciação
meramente psicologizante. Neste caso, ago seria bom, simplesmente porque me
agrada; ou seria ruim porque não gostei. Em decorrência, um desagrado, uma
desaprovação ou um gesto de indiferença seriam anti-valores.
As explicações subjetivistas de valor implicam em
problemas de objetividade. Por exemplo, nada adiantaria doar óculos para um
cego que não enxerga! Nem tudo o que alguém acha bonito, feio, justo ou injusto
se constitui em valor só porque este alguém acha que é valor.
b) Explicações
Idealistas – Consistem em atribuir valor a algo porque é
considerado valioso. Da herança platônica, valores são idealizações fixas e
atemporais. Exemplos destes valores perenes são a justiça, a verdade e a
beleza. Seriam realidades que estão além da mente humana e tampouco dependeriam
da mente, mas, pelo contrário, é a mente que depende delas. Estabelece,
portanto, um dualismo entre coisas reais e ideais. Existiria um bem como
totalidade maior que daria valor relativo a certas coisas ou procedimentos. Constata-se
que a explicações idealistas transformam valores em fins supremos e exigem que
os seres humanos se adaptem a eles. Os valores, por conseguinte, constituiriam
uma realidade que incide sobre os seres humanos e sua vida real.
c) Explicações
Realistas - Trata-se de postura contrária à anterior:
os valores não seriam projeção e nem mesmo idealizações sobre o que é
meritório, mas estariam simplesmente ligadas às pessoas e às coisas. Portanto,
valor e bem estariam sendo a mesma coisa. Algo vale mais ou menos pelo que é.
Apenas as imperfeições tirariam das pessoas e coisas a qualidade. Todavia, nem
todas as pessoas e coisas mais perfeitas que outras têm mais valor. Pode muito
bem uma mulher simples e feia valer muito mais do que uma rica e bonita, especialmente,
quando se trata da mãe. Nem as pessoas e nem as coisa despertam evidentemente o
valor real que possuem. Portanto, bem não é necessariamente sinônimo de valor.
O valor, na verdade, depende da valoração e a capacidade de valorar é muito
complexa porque envolve uma relação de inteligência, de sentimentos, de vontade
e de afeto.
Independente de explicações serem subjetivas,
realistas ou ideais, nossa tendência é a de adotar as que nos parecem mais
certas. Esta capacidade de escolher entre o que consideramos certo ou errado é
a consciência. Ela é como o alarme dos nossos critérios normativos, a maioria
deles advindos da nossa educação. Assim, podemos sentir-nos fracassados diante
de algo que fizemos, mesmo que para outras pessoas isto não represente algo
grave. Também podemos pedir desculpas e voltar atrás no que prometemos. Para
muitas pessoas a consciência se constitui na balança que mede atos, propostas
ou desejos. O que é, então, este critério último que chamamos de consciência?
Seria mero reflexo da educação mais ou menos rigorosa que recebemos?
Há pelo menos dois aspectos a considerar:
a) Consciência
como controle inato – Sócrates e a teologia cristã sustentam que a consciência
reflete o que deus espera de nós. Em ambientes não religiosos também há pessoas
que entendem que a consciência é uma realidade natural da pessoa. Nós já
nasceríamos com esta capacidade de julgar e escolher o mais adequado dos
procedimentos.
b) Consciência
como força imposta pelo nosso ambiente de vida – seria, pois, o resultado das
cobranças dos pais, do ambiente escolar e do grupo social ao qual pertencemos.
Por isso a consciência teria o molde do ambiente cultural e poderia mudar e
adequar-se a outras normas culturais.
Na verdade, parece que os dois aspectos exercem
peso decisivo na consciência e não conseguimos distinguir claramente o que é
inato e o que é adquirido do ambiente cultural em nossa consciência. Assim como
aprendemos a falar a língua, aprendemos a adotar critérios valorativos da
conduta humana que envolve esta língua. Assim, também valores de consciência
são aprendidos de múltiplas formas. O valor da responsabilidade, por exemplo,
geralmente só o adquirimos depois de muita cobrança.[9][i] Mais do que nos dizer o que é certo ou errado, o
papel da consciência é parecido com a do cachorro que late, quando
desrespeitamos certas normas da boa convivência. É uma voz interior, mas, esta
voz pode ser esquecida, assim como se esquece a própria língua quando não é
falada. A consciência, portanto, a consciência exerce um papel parecido com a
de um tribunal em nosso psiquismo: julga e decide a partir do que aprendeu a
considerar certo ou errado.
9.2 –
Propriedades e Possibilidades
Propriedade das coisas significa o que pertence a estas
coisas. A água, por exemplo, pode apresentar cor, gosto e uma série de
minerais, mas, a sua propriedade específica é H2O. A água pode até apresentar
algumas propriedades acrescentadas, como estar fervida ou em estado de gelo. No
entanto, é no H2O que se encontra a propriedade da água e o que a distingue das
demais coisas.
Se, agora, imaginamos outro exemplo, a
propriedade de uma pessoa humana, neste caso, já não é a composição química que
fornece a propriedade humana, mas, as possibilidades desta pessoa. Quando
definimos uma pessoa, certamente, a capacidade de decisão e a de esforço
pessoal é mais destacada do que a sua propriedade química. E as possibilidades
dão ao ser humano a capacidade de fazer algo com as pessoas e com as coisas.
Voltando ao exemplo da água, se ela for potável e
de um rio navegável, veremos que nem a navegabilidade e nem o fato desta água
ser potável dependem da propriedade da água, mas dependem das pessoas que se
utilizam da água. Vemos, no entanto que no exemplo as possibilidades estão
ligadas à propriedade da água porque o ser humano oferece as possibilidades.
Segundo Germán Marquínez Argote[10]
“No mundo há coisas e as coisas têm propriedades. As propriedades das coisas
oferecem possibilidades de vida. Propriedades e possibilidades dividem as
coisas em coisas reais e em coisas-sentido. O sentido diz relação positiva ou
negativa da vida. Em sentido positivo se constituem os valores, sendo a vida a
norma suprema que determina o caráter positivo ou negativo de um valor”.
Decorre disso que o ser humano cria possibilidades de vida sobre as
propriedades (faz a água ser potável e navegável, etc.). As possibilidades
estão, pois, relacionadas à vida humana, porque as pessoas têm esta capacidade
de extrapolar as propriedades das coisas para produzir obras e realizar-se a si
mesmo. Antes mesmo de fazer qualquer coisa, o ser humano se sente dotado da
capacidade de poder exercer uma ação sobre esta coisa: é a possibilidade de
poder fazer algo sobre esta coisa.
Se as
possibilidades humanas têm a capacidade de agir sobre as coisas, emerge logo
uma questão: podem todas as pessoas fazer isto em nível de igualdade? Se eu,
por exemplo, quisesse ser astronauta, poderia sê-lo, se sou pobre, analfabeto e
desempregado?
10.
Realidade e Sentido
Assim
como a água de um rio pode ser navegável e potável, a inteligência humana é uma
propriedade que se abre a muitas possibilidades. Estas possibilidades podem
acrescentar-lhe, por exemplo, o saber, capacidade de raciocínio, etc. assim
também todo o real humano é constituído de um conjunto de propriedades
psicossomáticas. Assim como a água está aberta a possibilidades, o ser humano
está aberto a coisas e a si mesmo.
O ser
humano, diferentemente dos outros animais, não está apenas aberto aos
estímulos, mas tem a capacidade de transcender esta realidade pela sua
capacidade de perguntar em torno do “quê”, do “porque” e do “para quê”. Ele se
interroga a respeito de si mesmo e de tudo quanto o rodeia e lhes dá
significados. Esta capacidade abre-lhe possibilidades de sentido. Está ali sua
propriedade específica: a de conferir sentido às coisas. Quando se inventa a
fazer um prato, uma faca ou qualquer outro objeto, ele o faz para algo. Significa
que o ser humano, através do sentido ou da intencionalidade, ultrapassa a
realidade. Assim como o átomo de hidrogênio é uma realidade, a intencionalidade
humana pode transformá-la em uma bomba.
O ser
humano não é apenas um interpretador da propriedade das coisas que o rodeiam,
mas é também um interpretador do seu próprio sentido. Em outras palavras, ele
confere sentido às coisas e estas oferecem incontáveis possibilidades para o
sentido da sua vida.
10.1-
Sentido e Valores
Quando o ser humano atribui sentido às coisas, consegue conferir-lhes uma
utilidade, que pode ser valiosa, ou o que chamamos de “bem”. Da possibilidade
resultante de uma coisa, podem resultar coisas boas. Deste ato decorre uma
valoração: as coisas trabalhadas dão um sentido relacionado à vida. Tal
processo nos indica que os valores não constituem algo pronto e acabado, como a
propriedade de qualquer objeto, e tampouco se impõem sobre a vida, mas são
escolhidos de acordo com o sentido que oferecem.
Existe diferença entre sentido e valor? Percebemos que o valor está
estreitamente ligado ao sentido, mas nem todo sentido é um valor. O sentido
somente se torna valioso quando se relaciona positivamente com a vida, ou seja,
quando a possibilita, a expressa e a dignifica. Decorre dali que os valores
sempre se relacionam com a vida.
10.2-
Valores e vida
A
vida humana não é apenas um valor, mas constitui a razão de ser dos valores.
Talvez por isso Jesus Cristo tenha dito: que tenham vida em abundância... Da
ancestralidade bíblica herdamos uma antiga noção de não matar e não roubar.
Matar
e roubar a vida, sejam em nós mesmos ou nas outras pessoas, significam atos
homicidas. São múltiplas as formas possíveis de se matar e de conduzir à morte:
pode ser por fome, por abuso, por excesso, por exclusão de acesso e de muitas
outras formas.
Roubar significa tirar meios de vida e são múltiplos os modos de matar
indiretamente. A recomendação de não roubar decorre da outra, de não matar,
para assegurar que se possa viver e viver de formas reais e plenas as muitas
possibilidades da vida. Por isso, criam-se estruturas políticas, jurídicas,
culturais e sociais para gerar valores positivos na sociedade. E, mesmo quando
da vigência destes valores, corre-se o risco de fetichização e de relativização
dos valores. De um lado se atribui valor irreal e excessivo a coisas
trabalhadas pelo ser humano; de outro lado, ignora-se que certos significados
positivos possam ser para todos os membros de uma coletividade. Por isto vale
lembrar a conhecida frase: os valores são para a vida e não pode a vida ser
manipulada para alguns valores.
Como seres humanos, constituímos um resultado que,
certamente, não é mera decorrência de um plano pré-estabelecido, mas, temos a
marca genuína de nos preocupar com os outros e até nos preocupamos com as
conseqüências do que pode acontecer a partir dos outros e com os outros modos
de vida no planeta. Segundo Maturana isto demonstra que somos animais amorosos:
“As preocupações éticas, a responsabilidade e a
liberdade existem apenas no domínio do amor. As preocupações éticas, a
responsabilidade e a liberdade têm lugar apenas enquanto alguém pode ver o
outro, a si mesmo e as conseqüências das ações de alguém nos outros ou em si
mesmo e age de acordo com a decisão entre querer ou não essas conseqüências.
Mas, para fazer isto, par ter preocupações éticas, para ser responsável , para
ser livre, é preciso ver o outro ou a si mesmo em sua legitimidade, sem que
seja preciso justificar a sua existência, isto é, é preciso operar no amor”.[11]
11. A
avaliação ética ou moral
Avaliação moral significa atribuir valores a atos ou produtos humanos. No
processo avaliativo geralmente entram três componentes:
a) O valor
atribuível;
b) Os objetos
ou normas avaliadas;
c) O sujeito
que avalia.
O ato de atribuir valor parte da pessoa, mas, esta
pessoa sempre esta condicionada a certo lugar, certo momento cultural e certa
influência social. Se, por exemplo, Pedro explora Maria através de sub-emprego
e de salário injusto, como avaliamos tal ato? Talvez, pela influência do
sistema capitalista, que autoriza a exploração de outras pessoas (pela mais
valia), Pedro é induzido a não ver o trabalho de exploração numa perspectiva
moral negativa, mas, altamente positiva, pois assim obterá mais lucro.
O que poderia significar a não submissão a tal
trabalho? Como a avaliação é feita dentro de um quadro sócio-cultural, pode ser
interpretado como mera vagabundagem. Vemos, pois que a avaliação implica em
atribuição de valor, a partir do sujeito que aprova ou reprova o agir de outro
sujeito, mas, sempre numa determinada situação. Daí porque se distingue com
critérios muito distintos, por exemplo, alguém nu num quarto ou nu numa
avenida!
11.1- O bom
como Valor
Ato
moral é aquele que visa algo que seja considerado bom. Todavia, o que é
realmente bom? Pensadores, como Platão, quiseram colocar o âmbito do bom numa
realidade absoluta, fora do mundo concreto e nem tampouco atingível em nossa
vida terrena. O bom seria a mesma coisa em qualquer circunstância e em qualquer
lugar.
O
conceito de bom também pode decorrer do que se considera “mau”. Percebemos que
nenhuma das duas realidades é a mesma em qualquer ambiente social. Pode num
lugar o bom ser considerada a pessoa forte e valente. Neste caso, má seria a
covarde e fraca.
Tende-se a considera bom um ato quando se enquadra em concepções um tanto
abstratas e universais da natureza humana porque também depende de ambientes
sociais. Por exemplo, um grupo de privilégios sociais aceitaria renunciar a
estes privilégios? Tenderá a considerar má a atitude que propõe esta perda.
Assim, o conceito de bom pode facilmente esconder aspirações de privilégios dos
grupos dominantes.
11.2- O bom
como felicidade (eudaimonia)
Aristóteles dizia que a felicidade era o único bom absoluto, pois considerava a
felicidade como o “sumo bem” e eu estaria no mais elevado grau dos bens. Como
Aristóteles desprezava o trabalho manual, como reflexo da mentalidade do seu
tempo, ele só poderia privilegiar a razão como o sumo bem. Disto veio uma
seqüela para a história posterior que associou felicidade à contemplação e a
atividade intelectual. Em conseqüência, mulheres, pobres e analfabetos não
teriam sequer possibilidades de chegar ao nível mais elevado da felicidade.
A
ética cristã passou a sustentar que aqui na terra não se consegue felicidade
plena, mas apenas felicidade relativa. Somente depois da morte se poderia
chegar a uma felicidade plena. Em nossos tempos atuais, sobretudo o pensamento
iluminista e materialista, passou a inverter a posição cristã: pode-se ser
plenamente feliz aqui na Terra. Todavia, conceberam a felicidade numa
perspectiva abstrata e idealizada de modos que, também fugiu do alcance
concreto. Estes pensadores mais recentes, mesmo pensando a felicidade concreta,
ao pensarem o ser humano de uma forma muito abstrata, pois não modificaram as
mediações econômicas e nem a da liberdade pessoal. Bem podemos imaginar que
alguém pobre, discriminado ou excluído ao acesso dos bens culturais mais
prestigiados, não poderá sentir-se feliz, a não ser em escala muito pequena e
restrita.
A
praxe do senso comum nos aponta que a busca de felicidade encontra muitos
obstáculos: podem ser os fracassos no amor e na profissão, pode ser o surgimento
de doenças e incompreensões, pode ser o imprevisível de fatos que nos afetam
como repentinas alterações de humor, etc. A noção de felicidade é condicionada
por características sociais que a restringem. Assim pode alguém sonhar em ser
feliz com a aquisição de uma propriedade e associar a felicidade ao que possui
e não ao que está vivendo. A mera posse de muitos bens não esgota a felicidade.
Por isso, poucas pessoas sustentam, em nossos dias, que a felicidade é o sumo
do que é bom. Tanto a contemplação quanto a posse de bens representam
horizontes ainda muito abstratos, egocêntricos e possessivos para uma relativa
felicidade.
11.3 - O bom
como prazer (hedonismo)
Há
dois significados para o termo prazer: um corresponde a um estado afetivo agradável,
como a presença amiga, o encantamento, a solução de algum problema difícil; o
outro equivale a sentir sensações agradáveis, como as provenientes de afagos,
cócegas, comidas, bebidas, etc.
Para
os hedonistas o critério supremo da moralidade é o do prazer sensível, de modos
que o bem moral é identificado com prazer.
Os
sofistas gregos foram defensores desta ótica, mas, o grande expoente do
hedonismo, o pensador grego Epicuro sugeria às pessoas que procurassem o máximo
de prazer, mas não em nenhum destes dois sentidos salientados acima. Ele
indicava o prazer de uma sensação intelectual e estética. A bondade, um ato ou
uma experiência seriam mais valiosos de acordo com o a capacidade de propiciar
níveis mais elevados de prazer. A esta concepção pode-se levantar o mesmo
questionamento relacionada ao bom como felicidade porque reduz o bom a
experiências psíquicas ou a vivências subjetivas. O prazer, na verdade, não é o
único fim do ser humano.
Entre
pensadores modernos, foram defensores do hedonismo Montaigne, Hobes, Helvetius,
Bentham, Stuart Mill e outros.
11.4 - O bom
como boa vontade (formalismo kantiano)
Segundo
Kant, o bom não poderia ter nenhuma restrição, isto é, não poderia, pois,
depender do nosso controle e dos nossos atos. A afirmação do referido pensador
deixa uma dúvida: poderia algo ser bom de uma maneira absoluta e independente
da nossa ação?
Para
Kant, fora da boa vontade, todo bom apresenta restrições. Vontade, sim, é boa
pelo querer. Boa pela vontade também seria algo mais do que mero desejo,
porquanto implica na determinação de fazer algo. Mesmo que surjam ações capazes
de impedir a consecução dos bons propósitos advindos da boa vontade, fica,
todavia, circunscrita a um mundo intemporal e a-histórico. Trata-se de um novo
“mais-além” e por isto, trata-se de uma noção pouco proveitosa para o mundo
concreto das pessoas, porque o bom não tem nenhuma capacodade de agir ou
regulamentar as relações das pessoas.
11.5 - O bom
como útil
Os
representantes mais significativos desta concepção são Jeremy Bentham e John
Stuart Mill. Defendem o bom como útil, mediante duas condições: a) útil para
quem? ; b) em que consiste o útil?
Talvez não tenham pensado o útil no sentido egoísta do que poderia ser
proveitoso “para mim”, mas pensaram no que poderia ser vantajoso para o maior
número de pessoas. Também esta noção é complicada, por exemplo, seria um
suicídio justificável como bom para deixar felizes muitas pessoas?
O bom
como útil depende de conseqüências e, independente do que levou à execução de
algo, acaba se impondo o valor do resultado, apreciado como bom ou, como ruim.
Como esta conseqüência é posterior ao ato moral, como se poderia avaliá-la
adequadamente antes de executá-la?
Quanto à segunda condição, que envolve o conteúdo do que é útil, surgiram duas
tendências explicativas:
a) A de Bentham
que combina o útil com o prazer (eudaimonia);
b) A de Mill,
que combina o útil com felicidade. Ele considera útil o conhecimento, o poder a
riqueza. Por isso, sustenta dois tipos diferentes de utilitarismo de acordo com
o alcance para um maior número de pessoas. Persiste, todavia um problema: o que
gera mais felicidade só depende do caso de atingir um grupo maior? Em outras
palavras, importa a maior felicidade para poucos, ou intensidade menor para
muitos? Torna-se muito difícil aplicar tal noção a uma sociedade dividida em
classes, onde facilmente uma pessoa explora a outra. Vale à pena que para a
felicidade de alguns poucos, como na “polis” grega, no colonialismo dos
europeus, ou no estado industrial de mais-valia, a felicidade de poucos tenha
que implicar em tanta infelicidade e ruindade de vida para incontáveis outros?
O que poderiam apontar estas diferentes
perspectivas do melhor para a ética? Valor, felicidade, prazer, boa vontade e
utilidade, parecem pressupor algo ainda mais significativo para um agir ético:
a capacidade de amar.
A dimensão do amor na raiz da ética
parece apontar um horizonte bem mais amplo e valioso do que os valores de
felicidade, prazer, utilidade, etc., porque o desejo de intimidade e de boa
relação com outras pessoas faz parte da essência da nossa condição humana. A interferência
neste campo nos desajusta e nos causa doenças, é também o amor a melhor
terapêutica.
Enquanto que a fundamentação da
ética foi atribuída à racionalidade, ao âmbito divino, à virtude, aos
benefícios e vantagens, passou despercebido que o fundamento da ética se situa
num âmbito bem mais simples: a convivência com outros. Esta, sempre implicar
numa questão ética de fundo: desejamos que tipo de mundo para a nossa
convivência? A agressividade certamente não será o melhor indicativo do devir. Tampouco
a dominação e sujeição dos outros às nossas ambições.
Epílogo
Na
política, na religião e em tantos outros grandes campos da vida humana social,
ouve-se falar da importância de uma filosofia de vida, ou de princípios, ou
ainda de uma coerência religiosa, que seja capaz de gerar práticas
correspondentes com o que se fala e, na certeza de que estes procedimentos
sejam melhores e mais importantes do que uma orientação subjetiva pela apatia e
pela ausência de convicções. Qual seria, por exemplo, o resultado de uma opção
pela neutralidade? Não podemos ficar passivos e indiferentes diante dos grandes
fatores humanos e ambientais que ameaçam diminuir a qualidade da vida humana.
Uma
filosofia de vida ou um conjunto de princípios religiosos ou ético-morais
permitiu a muitas pessoas, em distintos momentos históricos, abrir caminhos
novos para a convivência mais satisfatória das pessoas. Basta lembrar como
muitas pessoas agiram diante da discriminação social, das guerras, das prepotências,
dos despotismos, das crises religiosas. Por isso, tornaram-se referências e
ícones de um novo tempo. Assim, podemos pensar que nossa colaboração é capaz de
abrir novos e importantes rumos no caminho que assegura melhor futuro humano,
através da capacidade de amar e do cuidado para salvar o planeta. Certamente
não podemos continuar a destruí-lo e assegurar um futuro melhor e mais feliz
para a nossa condição humana. Nem podemos, tampouco, avançar na ciência e,
continuar omissos e acomodados diante das limitações humanas, dos sofrimentos e
das múltiplas inquietações que a vida nos apresenta.
Se
nos encantamos com quem é coerente numa filosofia de vida, com princípios, ou
religiosos ou éticos, ou de qualquer natureza humanitária, vemos, também, que
não bastam idéias a respeito do que é considerado como bom, como certo e como
justo, seja na família, na comunidade e na sociedade, ou no cuidado dos
eco-sistemas do planeta. Um eventual ato de sentir aversão diante de injustiças
encontra-se ainda distante do ato de fazer algo para que a justiça realmente se
estabeleça. A ética precisa nos envolver neste agir dinâmico.
Como
seres relacionais, mesmo vivendo numa fase de crise valores éticos, nossa
condição de seres humanos, de um lado auto-proclamados “Homo sapiens sapiens”
pela sua extraordinária inteligência, não pode deixar de ser visto, também,
como “Homo demens demens”, literalmente demente, pelo que faz com a natureza e
pelo modo como estabelece relações. Todavia, ainda corremos o risco de outra
polarização, a do “Homo sapiens amans” que, cada vez mais perde espaço para o
“Homo sapiens aggresans” (a capacidade de amar dá espaço para a capacidade
agressiva e dominadora).
Para a nobre e peculiar condição de seres
amantes, dependemos certamente muito mais da capacidade de nos emocionar nas
relações do que a de agir como seres extraordinariamente inteligentes e
altamente agressivos e destruidores. Afinal, o que mesmo queremos para o nosso
futuro?
BIBLIOGRAFIA
ARGOTE, Germán Martínez e outros. El Hombre Latinoamericano y
sus valores. Bogotá: Nueva América, 1991.
BOFF, Leonardo. Ética e Moral – a busca dos fundamentos. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2009.
DISKIN, Lia e outros. Ética, Valores Humanos e transformação.
São Paulo: Peirópolis, 1998.
FRANQUENA, William. Ética. RJ: Zahr, 1981.
GAARDER, Jostein e outros. O livro das religiões. São Paulo:
Companhia de Letras, 2005.
GÓMES, Carlos. Doce textos fundamentales de La Ética del siglo
XX. Madrid: Alianza Editorial, 2003.
KORTHE, Gustavo. Iniciação à Ética. São Paulo: Ed.
Juarez de Oliveira, 1999.
MATURANA, Humberto e REZEPKA, Sima Nisis de. Formação Humana e
Capacitação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
___________________. Cognição, Ciência e Vida Cotidiana.
Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001.
MORA Ferrater J. Dicionário de Filosofia. Tomo II. São
Paulo: Loyola, 2001.
PEGORARO, Olinto. Ética dos maiores mestres através da história. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2006.
[1] MATURANA, Humberto e REZEPKA, Sima Nisis de. Formação
Humana e Capacitação. Petrópolis, RJ: Vozes, p.43.
[2] Assim também podemos pensar numa ética possível, com traços
marcantes de amar, de cuidar, de responsabilizar-nos, de sermos solidários,
compassivos e íntegros em nosso modo de ser. Será um “ethos” no qual nossa
moradia é constituída pelo planeta.
[3] Segundo Leonardo Boff é indiscutível que estamos numa crise ética
e moral em todas as partes e temos que lidar com o penoso e difícil caminho que
nos aponte condições boas para morar e viver. Por isso é urgente que aconteçam
práticas salvadoras a fim de que não venha a acontecer o pior que é o fim da
espécie humana. Para não tomarmos o destino dos dinossauros, além de outra lida
com as pessoas, não podemos deixar de lado a biosfera e os bilhões de seres que
estão à espera de pão, de água, de saúde, de moradia e de inclusão na família
humana. (In: BOFF, Leonardo. Ética e Moral – a busca dos fundamentos.
Petrópolis: Vozes, 2009, p. 9 – 10).
[4] Apud FRANQUENA, William. Ética. Rio de Janeiro:
Zahr, 1981, p. 21.
[5] No campo psicológico “Fetiche” tem a significação de um desvio da
atenção para aspectos secundários. Por exemplo: alguém pode sentir forte
excitação sexual diante da visualização de uma calçinha ou de qualquer outro
objeto e não a sentir diante de uma mulher despida, ainda que em estado de
provocação sexual. Em nosso contexto de ética, significa valorizar excessiva e
demasiadamente alguns valores.
[6] BOFF, Leonardo. Ética e Moral – a busca dos fundamentos. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2009, p. 29-30.
[7] Boff relaciona este aspecto, valendo-se de dois termos: “Ethos” e
“Daimon”: morada e anjo protetor desta morada humana. Como morada ultrapassa as
dimensões das paredes da casa, da aldeia, ou da cidade, deve este espaço
expressar um conjunto das relações dos seres humanos. O anjo bom, certamente, é
o tato e a sensibilidade pelo que é justo e bom. (op.cit. p. 34-35)
[8] http://mitologia.blogs.sapo.pt/49974.html
[9] Na capacidade de julgar o certo e o errado está presente a ética
social com seus códigos, suas normas e prescrições, pois ela deseja que seus membros
vivam de forma honesta e recíproca. Podem as regras sociais manifestar-se
obsoletas e o discernimento de uma pessoa pode abrir caminhos para um senso
mais justo na convivência. Muitas pessoas vivem este conflito entre o que
consideram justo e o que o grupo social convencionou como sendo justo. É o que
vem ocorrendo em relação a casamento homo e hetero-sexual, aborto, ecologia,
relações internacionais, etc.
[10] ARGOTE, Germán Marquínez et alii. El Hombre
Latinoamericano y sus valores. Bogotá: Nueva América, 1991,
p.18.
[11] MATURANA, Humberto e REZEPKA, Sima Nisis de. Formação
Humana e Capacitação. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 75. Os autores ainda
complementam os dados acima: “O amor é nossa base, a proximidade é
nosso fundamento, e se os perdermos, procuramos sempre de novo recuperar o amor
e a proximidade, porque sem eles desaparecemos como seres humanos, mesmo se a
nossa corporalidade permanece como entidade zoológica Homo sapiens sapiens”.(Idem,
ibidem).
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