A mistura de traços étnicos, culturais e até regionais, que
aqui são forçadas a se integrar, nos aponta uma realidade nada fácil.
Adaptar-se a novas situações sempre mexe com nossas buscas de segurança e estabilidade.
A simbiose, entretanto, nos indica algo que
pode transcender a polarização entre cotidiano e pensamento e até mesmo o
sistema de vida capitalista que nos envolve e que tende a induzir-nos muito
mais para sermos parasitas do que hospedeiros acolhedores e hóspedes que deixam
um belo retorno pela hospedagem. Não poderiam as duas forças culturais em crise
de relações, o cotidiano e o pensamento, constituir-se em bons hóspedes e
cordiais hospedeiros?
A
história humana já teve que passar por incontáveis processos de integração,
envolvendo agressões, guerras, deportações e formas humilhantes de toda a
natureza aos vencidos.
No duro
embate destas forças humanas, ainda se passa distante de outra adaptação,
certamente não menos difícil para se chegar a uma convivência pacífica e de
benéfica interatuação, e que, no mínimo, deve ter levado milhões de anos.
Se hoje
nos encantamos com a fantástica complementariedade dos sistemas de vida do
nosso organismo, a lógica de tal síntese, não poderia indicar-nos outras
extraordinárias adaptações de harmonização de sistemas diferentes, tanto
físicos quanto culturais, para uma vida ainda mais complexa e perfeita?
O
engendramento dos sistemas de vida do corpo humano certamente envolveu uma
simbiose muito complicada e que só aos poucos foi se ajustando a ponto de hoje
ficarmos maravilhados pelas formas de relação entre hóspedes e hospedeiros que
se adaptam em nosso organismo.
Este fantástico relacionamento no interior do
nosso corpo indica que não será pelo caminho do parasitismo que vamos
harmonizar as diferenças culturais. A própria evolução cultural também deve ter
efetivado uma simbiose ao longo do processo evolutivo.
Sustenta-se, atualmente, que o corpo humano,
na verdade, é uma simbiose de distintos sistemas e subsistemas de vida.
Tal
horizonte de entendimento da condição humana poderia alentar-nos para a
privilegiada condição de um ajuntamento humano de tantas diferenças. Pode,
entretanto, a própria perspectiva simbiótica, constituir-se num mito para
justificar o sofrimento que esta integração forçada requer.
Entre as
muitas mega-teorias ou meta-relatos universalistas, está uma que diz respeito à
origem da vida humana. Ele aponta, sobretudo pelo prisma da Arqueologia, da
Paleontologia e da Antropologia Cultural, para as explicações de que os seres
humanos são frutos de uma demorada evolução através de muitos milhões de anos.
Se
tal dedução questiona diretamente as noções criacionistas, segundo as quais
Deus teria criado diretamente as pessoas humanas, aparece como ainda mais
ousada a sustentação de que a nossa condição humana é fruto e sobrevivência de
uma longa e árdua luta e seleção natural em que prosperaram os mais espertos e
fortes.
Esta perspectiva
desconsidera a dimensão simbólica, artística, cultural e mítico-religiosa,
porque nos enquadra no mero mundo animal. Ela, no entanto, afeta nossas
concepções de homem, de vida e de cosmos.
Ainda que do ponto de vista
religioso possa ser admitido que o criacionismo, também pode estar presente no
grande milagre da matéria possuir em si as virtualidades para gerar a vida,
sobra uma contraposição difícil de ser conciliada: como integrar a noção da
luta pela sobrevivência e da seleção natural com a dimensão solidária e
humanista que visa promover pobres e excluídos, limitados e doentes?
Querendo
ou não, as mega-teorias sobre a origem e a evolução se impõem em diversos
campos do conhecimento humano, tais como Física, Astronomia, Biologia,
Bioengenharia, mas também na Filosofia e na Teologia. Se, por exemplo, damos
ouvido para os dados da Astronomia de que os fótons (partículas de luz) que atingem a retina de nossos olhos
percorreram antes deste contato e, na velocidade da luz, uma duração de 15
bilhões de anos, ficamos atônitos ante uma possível imensidão de distâncias do
universo.
Se, por outro lado, a Bioquímica nos oferece,
com rapidez e precisão, toda uma cadeia de estruturas do código genético (DNA),
então, fica difícil contestar o processo evolutivo que teria se engendrado na
Terra, a partir do caos que ali reinava há cerca de quatro bilhões de anos
atrás, envolvendo uma mistura desordenada de vapor de água, nitrogênio,
monóxido de carbono, amoníaco, metano, monóxido de carbono e ácido cianídrico.
As
buscas de entendimento da origem humana, no entanto, não param de nos
surpreender com novas deduções a respeito de como o processo da vida humana
pode ter se engendrado. Joël de Rosnay (em O
homem simbiótico - perspectivas para o terceiro milênio. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1997), por exemplo, sustenta que nosso corpo humano permanece vivo,
graças a um procedimento comensual
(de hospedagem), onde um organismo vive de outro que lhe dá abrigo e lhe
devolve enzimas fundamentais para que também possa viver.
É uma espécie de hospedagem
em que ocorre a integração de muitos organismos de modos a formar uma
associação de complementariedade.
Todos
os sistemas de vida na Terra estariam marcados por este tipo de relações
simbióticas.
Tal inter-atuação se manifesta, de forma muito
clara e simples, entre animais e plantas. Nós, seres humanos, acabamos
ingerindo proteínas que foram assimiladas por leguminosas que, por sua vez,
vivem em simbiose com micróbios que eliminam azoto para nutrir as plantas.
Esta simbiose entre plantas e animais estaria
ocorrendo, de forma extraordinariamente simples, a partir da integração de dois
pigmentos: o verde da clorofila das folhas e o vermelho da hemoglobina que está
no sangue.
As
folhas das plantas captam energia solar através da fotossíntese que transforma
água e gás carbônico em nutrientes essenciais para a vida por meio de oxigênio
e açúcares.
Os açúcares procedentes da celulose, amido ou
material básico dos vegetais, acaba, através da digestão, transformado em
glicose, esta que oferece uma reserva energética para a vida.
No
processo de respiração ocorre uma combustão que queima o oxigênio que está na
hemoglobina e disso resulta a eliminação de gás carbônico, vapores de água e
sais minerais, que novamente voltam a alimentar as plantas.
Enquanto
que as células das plantas verdes, através dos cloropastos da clorofila captam a energia solar, as células dos
organismos humanos contêm no DNA as
centrais chamadas mitocôndrias que
fabricam a energia que alimenta as células.
A simbiose das mitocôndrias e dos cloropastos revela uma história de amor muito interessante, pois as
mitocôndrias são antigas bactérias, enquanto que os cloropastos são antigas
algas.
São, pois, sistemas de vida completamente
distintos que, ao longo do tempo, se associaram e se tornaram tão dependentes
um do outro, a ponto de um fornecer energia e acolhida para o outro.
Algo similar ocorre com a
digestão de todos os seres herbívoros, possuidores de bactérias no aparelho
digestivo e que tem uma enzima capaz de decompor a celulose para transformá-la
em fonte de oxigênio através da fermentação.
Estas regras de aglomeração
existentes nas diferentes condições da natureza, permitem a formação de
sistemas e sub-sistemas que aos poucos vão se tornando cada vez mais complexos
e progressivos.
É o caso das redes de partículas, átomos,
moléculas e células do organismo humano. Não seria tal condição um indicativo
de que no organismo humano, um dia possam ser absorvidos os aparelhos mecânicos
e eletrônicos?
Se a nossa existência humana
é uma confirmação das regras de aglomeração ou da simbiose de distintos
sistemas ou sub-sistemas de vida e, se estes aprenderam a conviver
pacificamente ao longo da história em que o planeta Terra se engendrou para culminar
na existência humana, podem tais indícios apontar que há razoáveis
possibilidades de que, num processo daqui para frente, possam integrar-se
máquinas aos sistemas da vida humana.
Assim como redes
interdependentes dos sistemas de vida acabaram constituindo organismos humanos
a partir de uma estreita faixa de elementos químico-físicos, como água, luz,
atmosfera e temperatura, não seria tal história um indício evidente de que
outras redes, como a de máquinas possam ser assimiladas no organismo humano?
Seria, deste modo, possível
projetar um cibionte, síntese de ser
humano com máquinas e a macro-vida existente no universo?
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