quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A perspectiva de uma humanidade simbiótica




         A mistura de traços étnicos, culturais e até regionais, que aqui são forçadas a se integrar, nos aponta uma realidade nada fácil. Adaptar-se a novas situações sempre mexe com nossas buscas de segurança e estabilidade.
 A simbiose, entretanto, nos indica algo que pode transcender a polarização entre cotidiano e pensamento e até mesmo o sistema de vida capitalista que nos envolve e que tende a induzir-nos muito mais para sermos parasitas do que hospedeiros acolhedores e hóspedes que deixam um belo retorno pela hospedagem. Não poderiam as duas forças culturais em crise de relações, o cotidiano e o pensamento, constituir-se em bons hóspedes e cordiais hospedeiros?
A história humana já teve que passar por incontáveis processos de integração, envolvendo agressões, guerras, deportações e formas humilhantes de toda a natureza aos vencidos.
No duro embate destas forças humanas, ainda se passa distante de outra adaptação, certamente não menos difícil para se chegar a uma convivência pacífica e de benéfica interatuação, e que, no mínimo, deve ter levado milhões de anos.
Se hoje nos encantamos com a fantástica complementariedade dos sistemas de vida do nosso organismo, a lógica de tal síntese, não poderia indicar-nos outras extraordinárias adaptações de harmonização de sistemas diferentes, tanto físicos quanto culturais, para uma vida ainda mais complexa e perfeita?
O engendramento dos sistemas de vida do corpo humano certamente envolveu uma simbiose muito complicada e que só aos poucos foi se ajustando a ponto de hoje ficarmos maravilhados pelas formas de relação entre hóspedes e hospedeiros que se adaptam em nosso organismo.
 Este fantástico relacionamento no interior do nosso corpo indica que não será pelo caminho do parasitismo que vamos harmonizar as diferenças culturais. A própria evolução cultural também deve ter efetivado uma simbiose ao longo do processo evolutivo.
 Sustenta-se, atualmente, que o corpo humano, na verdade, é uma simbiose de distintos sistemas e subsistemas de vida.
            Tal horizonte de entendimento da condição humana poderia alentar-nos para a privilegiada condição de um ajuntamento humano de tantas diferenças. Pode, entretanto, a própria perspectiva simbiótica, constituir-se num mito para justificar o sofrimento que esta integração forçada requer.
Entre as muitas mega-teorias ou meta-relatos universalistas, está uma que diz respeito à origem da vida humana. Ele aponta, sobretudo pelo prisma da Arqueologia, da Paleontologia e da Antropologia Cultural, para as explicações de que os seres humanos são frutos de uma demorada evolução através de muitos milhões de anos.
            Se tal dedução questiona diretamente as noções criacionistas, segundo as quais Deus teria criado diretamente as pessoas humanas, aparece como ainda mais ousada a sustentação de que a nossa condição humana é fruto e sobrevivência de uma longa e árdua luta e seleção natural em que prosperaram os mais espertos e fortes.
Esta perspectiva desconsidera a dimensão simbólica, artística, cultural e mítico-religiosa, porque nos enquadra no mero mundo animal. Ela, no entanto, afeta nossas concepções de homem, de vida e de cosmos.
Ainda que do ponto de vista religioso possa ser admitido que o criacionismo, também pode estar presente no grande milagre da matéria possuir em si as virtualidades para gerar a vida, sobra uma contraposição difícil de ser conciliada: como integrar a noção da luta pela sobrevivência e da seleção natural com a dimensão solidária e humanista que visa promover pobres e excluídos, limitados e doentes?
            Querendo ou não, as mega-teorias sobre a origem e a evolução se impõem em diversos campos do conhecimento humano, tais como Física, Astronomia, Biologia, Bioengenharia, mas também na Filosofia e na Teologia. Se, por exemplo, damos ouvido para os dados da Astronomia de que os fótons (partículas de luz) que atingem a retina de nossos olhos percorreram antes deste contato e, na velocidade da luz, uma duração de 15 bilhões de anos, ficamos atônitos ante uma possível imensidão de distâncias do universo.
 Se, por outro lado, a Bioquímica nos oferece, com rapidez e precisão, toda uma cadeia de estruturas do código genético (DNA), então, fica difícil contestar o processo evolutivo que teria se engendrado na Terra, a partir do caos que ali reinava há cerca de quatro bilhões de anos atrás, envolvendo uma mistura desordenada de vapor de água, nitrogênio, monóxido de carbono, amoníaco, metano, monóxido de carbono e ácido cianídrico.
            As buscas de entendimento da origem humana, no entanto, não param de nos surpreender com novas deduções a respeito de como o processo da vida humana pode ter se engendrado. Joël de Rosnay (em O homem simbiótico - perspectivas para o terceiro milênio. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997), por exemplo, sustenta que nosso corpo humano permanece vivo, graças a um procedimento comensual (de hospedagem), onde um organismo vive de outro que lhe dá abrigo e lhe devolve enzimas fundamentais para que também possa viver.
É uma espécie de hospedagem em que ocorre a integração de muitos organismos de modos a formar uma associação de complementariedade.
            Todos os sistemas de vida na Terra estariam marcados por este tipo de relações simbióticas.
 Tal inter-atuação se manifesta, de forma muito clara e simples, entre animais e plantas. Nós, seres humanos, acabamos ingerindo proteínas que foram assimiladas por leguminosas que, por sua vez, vivem em simbiose com micróbios que eliminam azoto para nutrir as plantas.
 Esta simbiose entre plantas e animais estaria ocorrendo, de forma extraordinariamente simples, a partir da integração de dois pigmentos: o verde da clorofila das folhas e o vermelho da hemoglobina que está no sangue.
            As folhas das plantas captam energia solar através da fotossíntese que transforma água e gás carbônico em nutrientes essenciais para a vida por meio de oxigênio e açúcares.
 Os açúcares procedentes da celulose, amido ou material básico dos vegetais, acaba, através da digestão, transformado em glicose, esta que oferece uma reserva energética para a vida.
            No processo de respiração ocorre uma combustão que queima o oxigênio que está na hemoglobina e disso resulta a eliminação de gás carbônico, vapores de água e sais minerais, que novamente voltam a alimentar as plantas.
            Enquanto que as células das plantas verdes, através dos cloropastos da clorofila captam a energia solar, as células dos organismos humanos contêm no DNA as centrais chamadas mitocôndrias que fabricam a energia que alimenta as células.
A simbiose das mitocôndrias e dos cloropastos revela uma história de amor muito interessante, pois as mitocôndrias são antigas bactérias, enquanto que os cloropastos são antigas algas.
 São, pois, sistemas de vida completamente distintos que, ao longo do tempo, se associaram e se tornaram tão dependentes um do outro, a ponto de um fornecer energia e acolhida para o outro.
Algo similar ocorre com a digestão de todos os seres herbívoros, possuidores de bactérias no aparelho digestivo e que tem uma enzima capaz de decompor a celulose para transformá-la em fonte de oxigênio através da fermentação.
Estas regras de aglomeração existentes nas diferentes condições da natureza, permitem a formação de sistemas e sub-sistemas que aos poucos vão se tornando cada vez mais complexos e progressivos.
 É o caso das redes de partículas, átomos, moléculas e células do organismo humano. Não seria tal condição um indicativo de que no organismo humano, um dia possam ser absorvidos os aparelhos mecânicos e eletrônicos?
Se a nossa existência humana é uma confirmação das regras de aglomeração ou da simbiose de distintos sistemas ou sub-sistemas de vida e, se estes aprenderam a conviver pacificamente ao longo da história em que o planeta Terra se engendrou para culminar na existência humana, podem tais indícios apontar que há razoáveis possibilidades de que, num processo daqui para frente, possam integrar-se máquinas aos sistemas da vida humana.
Assim como redes interdependentes dos sistemas de vida acabaram constituindo organismos humanos a partir de uma estreita faixa de elementos químico-físicos, como água, luz, atmosfera e temperatura, não seria tal história um indício evidente de que outras redes, como a de máquinas possam ser assimiladas no organismo humano?
Seria, deste modo, possível projetar um cibionte, síntese de ser humano com máquinas e a macro-vida existente no universo?



Nenhum comentário:

Postar um comentário

<center>ERA DIGITAL E DESCARTABILIDADE</center>

    Criativa e super-rápida na inovação, A era digital facilita a vida e a ação, Mas enfraquece relacionamentos, E produz humanos em...