quarta-feira, 29 de abril de 2015

Tensões construtivas



         Nas lidas cotidianas as tensões aparecem quando menos são esperadas, e, nos lugares os menos desejados. Nem de longe todas elas impelem ao crescimento e à qualidade de vida.
            Parte considerável das tensões decorre de auto-apreciações que levam pessoas a se sentirem guardiães, geralmente de aspectos tradicionais. Então se fecham sobre detalhes das coisas que fazem e ficam excessivamente atentas para que as outras pessoas observem estes detalhes. Tornam-se, com isso, guardiães rigoristas em torno do que pode e do que não pode ser feito. No campo de orações e praxes devocionais, bem como das práticas rituais, os olhares de controle tendem a ficar ainda mais aguçados para exigir um verdadeiro formalismo religioso.
            O zelo pelos detalhes secundários leva à perda do essencial. Diante do ensinamento de Jesus Cristo, as comunidades dos seus discípulos, sem muita demora, encontraram dificuldades para importantes inovações missionárias e a comunidade de Jerusalém encontrou muita dificuldade para acolher e admitir o que vinha dos ambientes da cultura grega, mais abertos e sensíveis às orientações de Jesus Cristo e menos rigoristas nos detalhes normativos. Os de Jerusalém, que pretendiam constituir-se nos guardiões das regras ético-morais e religiosas decorrentes dos ensinamentos de Cristo, pelo excesso de zelo, perdiam a capacidade de dar razão à sua fé e, num processo empobrecedor, queriam normatizar a vida dos estrangeiros e dos judeus que viviam na diáspora, segundo os critérios do seu ambiente.
            O apóstolo Paulo, que na sua auto-crítica pessoal já constatara o perigo que se esconde no zelo, pois, enquanto era zeloso, tramava contra a liberdade dos outros e sentia prazer em persegui-los e aprisiona-los, tinha se apegado a um legalismo exterior.  Mesmo depois da conversão, precisou da intermediação de Barnabé para vir a ser acolhido na comunidade de Jerusalém. Se não tivesse agido o bom senso de Barnabé, teria se rompido o sentimento de pertença à comunidade católica.
            Do bom-senso daquele encontro, as tensões surgidas na diferenciação de normas dos que atuavam em ambientes gregos em relação ao de Jerusalém, deram lugar à admissão das diferenças, sem, contudo, romper a unidade da mensagem. Assim, a única mensagem de Cristo adquiria fisionomias próprias em culturas distintas.
            Este importante fato da Igreja primitiva nos remete a lidar com as múltiplas tensões de nossos dias, tanto pessoais, como comunitárias, religiosas e políticas. Há, de um lado, o perigo de produzirem um processo entrópico, ou seja, de fechamento e de acirramento fanático em torno de detalhes exteriores que pouco ou nada tem a ver com o grande mandamento de Jesus Cristo. Por outro lado, podem constituir-se em muito importantes meios para gerar crescimento na qualidade da fé e de seguimento de Jesus Cristo.
            Se a intolerância perante pequenos detalhes vem produzindo, em nossos dias, um imenso processo de sectarismo, com muitos mordazes e disfarçados processos de excomunhão, convém lembrar que o projeto de Cristo é o de comunhão e não de rupturas por pequenas ninharias.


quinta-feira, 23 de abril de 2015

Bom Pastor



Da imagem alegórica a Cristo atribuída,
Para diferenciá-lo de analogia esvaída,
Da safadeza dos reis do antigo Israel,
O que resta daquele imaginário infiel?

Os reis por séculos iludiram o povo,
Sem apresentar os indícios do novo,
E no discurso do desvelo e proteção:
Deixaram o povo na vil postergação.

Ao apontar segurança aos relegados,
Cristo deixou valiosas interpelações,
Para atos de atenção mais dedicados,
Dos pastores de evasivas insinuações.

Mais do que promessas e discursos,
Deveriam pautar-se pela dedicação,
Sem desviar do povo os percursos,
Que apontem superar sua desolação.

Se tantos foram apenas mercenários,
Cristo apontou para outros cenários,
                 De serviço e de progressiva doação,
Pelo início de uma efetiva superação.

Como Pedro induziu o aleijado a andar,
Movido pela fé, e, sem nada requisitar,
Cabe ao serviço comunitário abrandar,
Um imenso abandono a nos bisbilhotar.



quarta-feira, 22 de abril de 2015

Entre lobos e mercenários



            A satisfação de visualizar seguidamente lobos guarás andando nas beiras de estrada, esbeltos, não permite associá-los ao imaginário cultural de serem maus. Pelo simples fato de gostarem das mesmas aves que nós apreciamos em nossas iguarias alimentares, passaram a ser rotulados de maus, e, por isso mesmo, merecedores de perseguição e de morte.
            Quanto aos mercenários, desde os flibusteiros das antigas histórias de guerra, passando por todos os avanços culturais e de educação humanizadora, causa perplexidade que tantas pessoas que enganem com suas conversas, e fazem o avesso do que, supostamente, proclamam fazer. Em nossos dias, certamente nada indigna tanto, quanto ouvir todos os dias, informações sobre a extensão e o volume do que se rouba e se espolia escancaradamente a nível nacional e mundial.
            Se os desejos levam ao avesso das regras de honestidade, de respeito e de dignidade, talvez mais do que discursos religiosos e políticos, faz-se necessária alguma intuição que leve a lidar de maneira nova com os desejos. A massiva insinuação em torno do alargamento dos desejos leva a uma obsessão quase infinita pelo aumento de posses de bens materiais e simbólicos. Estaria este caminho alargando a vida que a maioria humana almeja? Onde está, então, o efeito dos proclamados discursos de democracia e do papel do Estado e o de tantas instituições tradicionais?
            Quando o evangelista São João (10,11-18) apresentou Jesus Cristo como bom pastor, certamente quis dar a entender que seus seguidores deveriam, também, como ele, assimilar suas características no modo de agir em favor dos outros. Do seu peculiar jeito de ser, salientou-se como proeminente a amizade e as atitudes que efetivamente levam a alargar o bem-estar dos outros.
 Enquanto o benefício próprio, - como o prestígio e a ascensão política, - está na motivação central do agir, bem sabemos do resultado que causa: não conduz a nenhum redil seguro e, muito menos, nada protege na hora da crise. Bem pelo contrário, muito mercenário vale-se precisamente desta hora, para alargar miséria e sofrimento, através dos atalhos das regras sociais, a fim de saquear, - não para matar a fome como os lobos, - mas, para empanturrar-se, e saltar o muro para procurar outros lugares de desfrute.
A possibilidade de um rebanho universal de boa convivência, conduzido historicamente para “melhores pastagens”, provavelmente não se viabilizará no itinerário dos mercenários. Enquanto os lobos são eliminados, os mercenários proliferam como praga devastadora.


terça-feira, 21 de abril de 2015

Terapeutas enfermas



Nada tão sedutor, nos tempos de crises,
E de perplexos pasmos diante de valores,
Do que ditar especiais caminhos felizes,
Para devolver bons e ancestrais vigores.

Fácil como a ascensão ao poder da cura,
É a queda das presumidas superdotadas;
Que, mesmo acima do mal da vida dura,
Vacilam quando não se vêem bajuladas.

 Ocupam-se com disputas por precedência,
Distantes de exalarem os poderes divinos,
Pois, na obcecada busca de benemerência,
Encontram concorrentes dos mais felinos.

No suposto poder de cura e libertação,
Do divino espírito, concessão especial,
Aspiram êxitos da mais alta exaltação,
Para alargar extenso lastro referencial.

Cruel é constatar seu dia-a-dia de brigas,
Das mais variadas e sorrateiras intrigas,
Que longe dum itinerário de conversão,
Perpetram as querelas da malversação.

Nas afirmações autoritárias e categóricas,
Longe de soltar os milagres proclamados,
Vivem o efeito de mágoas nada retóricas,
Com muitas ameaças de divinos recados.



sexta-feira, 17 de abril de 2015

Moralismo alienante



Do novo aerópago da pregação emocional,
Ecoa um modo de oração sensacionalista,
Que perpetra imaginário popular simplista,
Dum sentimentalismo pouco proporcional.

A suposta oração de palavreado fantasioso,
Não vai além da tergiversação moralizante,
De um presumido e raro patamar edificante,
Que nada controla do humano contencioso.

Nas ordens diretivas e bem controladoras,
Orientam a fechar olhos e dizer no coração,
Que somente querem configurar boa ação,
Desde que aceitem as ordens dominadoras.

Constituem-se no direito de direcionar a vida,
E de alçar quaisquer ditames para a reta lida,
Mas, estão impregnadas da mesma franqueza,
Que tampouco disfarça sua mania de grandeza.

Gesticulam muito e floreiam suas cordas vocais,
E supondo estar nos altos parâmetros angelicais,
Ditam orientações vulgares de baixos patamares,
Como se fossem dos mais elevados e divinos ares.






quinta-feira, 16 de abril de 2015

Um messias servo



         No clima pós-pascal torna-se oportuno lembrar o dinamismo das comunidades emergentes em torno do modo de ser de Jesus Cristo. A impressão é a de que não se identificaram com um Jesus mirabolante, poderoso, arrasador, mas, muito mais com aquele que se revelou justo, servidor e santo.
            A proposta de Jesus evidenciou-se aos discípulos como muito mais ampla do que a da antiga Lei; seu profetismo foi notavelmente distinto do profetismo antigo que teve a peculiaridade de intimidar com pressupostos de vingança por parte de Deus; a forma de Jesus rezar também se mostrou diametralmente distinta das orações dos salmistas. Por outro lado, a forma como Jesus sofreu e lidou com a violência que o levou à morte de Cruz, deixou explícita uma imagem totalmente inusitada e distinta do amor de Deus.
            Se para os primeiros cristãos não foi fácil assimilar que a grandeza do amor de Deus tenha passado pela morte e ressurreição de Jesus, aparentemente um fato humilhante e que sequer correspondia à expectativa messiânica nacionalista, foram, contudo, capazes de descobrir bem outra dimensão, para a qual não haviam estado atentos: um messias humilde e não prepotente, enfim, alguém que se assemelhava muito mais ao servo sofredor dos poemas de Isaías do que a um espalhafatoso visionário de política nacionalista.
            Na humilde capacidade de reler os acontecimentos e, diante dos dados bíblicos que já conheciam, redescobriram a notável riqueza da mensagem do que Jesus falara, bem como do que tinha dado testemunho.
            Na importante síntese que permitiu entrever o “novo” que Jesus representava em relação aos dados bíblicos do primeiro testamento, souberam os primeiros cristãos alegrar-se com a “boa novidade” que Jesus representava para sua vida e seus projetos.

            Em nossos dias, temos pela frente a necessidade de refazer uma contextualização similar à dos primeiros cristãos: em contextos culturais muito distintos, cabe-nos reler o acontecimento Jesus Cristo, a fim de tornar-nos capazes de expressá-lo na linguagem de nossos dias. Afinal, pode seu jeito e sua postura ainda constituir caminho que salva? Com certeza, desde que saibamos fazer algo parecido com o que os primeiros cristãos fizeram. Isto requer um procedimento muito distinto daquele dos dogmatismos categóricos criados muito tempo depois.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

As vítimas de expiação



As pessoas que se criaram em ambientes rurais sabem o quanto naqueles ambientes se descarregam raivas e tensões sobre animais, especialmente, cavalos, vacas leiteiras e bois de arado. Estes levam muitas chicotadas por conta do deslocamento dos sintomas de quem lida com eles.
Da memória bíblica sabemos que, desde muitos séculos antes de Cristo, vitimavam-se animais para servirem de reparação pelos pecados humanos, ou, de mediação para obtenção dos especiais favores de Deus. Ainda no tempo de Cristo era praxe normal sacrificar animais como meio de estabelecer sintonia e diálogo com Deus.
 Embora profetas já se exaurissem de tanto falar que, para Deus, interessaria muito mais uma penitência do coração com perspectivas de mudanças para ser melhor, ao invés de penitências exteriores e sacrifícios vitimatórios, nem mesmo a morte de Jesus Cristo, esmoreceu a antiga tradição. Sua morte serviu como referencial para que, finalmente, se parasse de uma vez por todas com o sacrificialismo expiatório, isto é, o ato de sacrificar outras vítimas que nada tinham a ver com os pecados humanos.
Sem muita demora, o próprio Jesus Cristo foi transformado em vítima expiatória, e, ainda em nossos dias, Ele continua sendo assimilado como aquele que morre diuturnamente pelos nossos pecados e, até mesmo, nos memoriais da Eucaristia. Trata-se de uma associação complicada, pois, pode induzir ao passivismo fatalista: ao se pecar, Jesus já morre mais uma vez como perene moribundo, a fim de expiar o pecado cometido.
Neste círculo vicioso, e, nitidamente mágico, não se considera nada da memória do que Jesus falou antes de ser transformado em vítima expiatória de um momento histórico concreto. Seu modo de vida e, de lida com as pessoas, mostrou que estava movido pelo evidente fim do vitimalismo expiatório, ou seja, a histórica prática que requer que outra pessoa ou animal pague pelo que alguém fez de mal ou de errado.

Talvez já esteja mais do que na hora de mudar a linguagem religiosa que tanto repete o termo “sacrifício”, sobretudo, nas celebrações eucarísticas. A palavra “sacrifício” presta-se muito para ratificar o antigo conceito de vítima expiatória e, muito pouco para o rico contexto da celebração memorial dos grandes sinais de Deus revelados em Jesus Cristo e que nos interpelam para uma agir similar.

Beatério estéril



Sentimental e intimista,
Almeja alta conquista,
Nas preces devocionais,
Repetitivas e medievais.

Nas vagas suposições espirituais,
Sem afetar os desafios eclesiais,
Procura algo não Cristológico,
E, muito menos, eclesiológico.

Bem distante da ação comunitária,
Esfalfa-se em bajulação mariana,
Sem mínima perspectiva libertária,
Da tão difícil contingência humana.

Reza e disputa pela precedência,
Sem mínimo disfarce, e decência,
Para assegurar os cargos simbólicos,
Dos supostos exoterismos bucólicos.

No cotidiano enche-se de desafetos,
E revida com palavrões nada retos,
Para assegurar as funções de honra,
Mesmo que a vida efetiva a desonra.


sexta-feira, 10 de abril de 2015

Em tempos do "Homo consumens"



A forte marca cultural do consumismo de nossos dias exerce uma força extraordinária para persuadir cada vez mais pessoas a aumentarem seu potencial de compradoras de produtos. É uma pressão mundial de um modelo de economia, construído sob a condição de que se consuma mais, para gerar lucros e renda. Este pressuposto requer duas condições; que não se diminua o consumo obcecado; e que o produto adquirido dure pouco.
A simples suposição de algo muito forte, durável e resistente, levaria a consumir menos. Por isso, junto com o consumo, também estão envolvidas duas outras situações: a de ficar feliz com o que se adquire; e a de mudar constantemente para conseguir alcançar mais felicidade. Nesta maleabilidade, que Zygmund Baumann chama de “sociedade líquida”, o central da vida passa a ser o provisório e a constante adaptação à moda e à publicidade. Ao lado desta força, há uma ocultação dos problemas reais decorrentes das diferenciações sociais, econômicas e culturais, porque todos são considerados iguais para obter felicidade: basta que aumentem o consumo!
A lógica do que se faz, com os produtos a serem adquiridos e consumidos, acaba afetando, do mesmo modo, as relações humanas e familiares. Quer-se demonstração do que o produto faz e do que produz em termos de felicidade e de praticidade de uso. Assim, além da provisoriedade do “ficar”, motivado pela condição de propiciar felicidade, a não produção da aludida felicidade, leva à descartabilidade.
Basta que alguém declare amar uma pessoa, que a outra, já exige provas e experimentação. A prometida felicidade, no entanto, parece se deslocar imediatamente para um novo foco de consumo. Assim, desmoronam os tradicionais valores da estabilidade, da lealdade e da fidelidade para longos prazos. Na condição de que qualquer objeto deva ser usado e rapidamente descartado, algo similar já se efetua nas relações humanas e de fé religiosa. Nada escapa deste determinismo cruel.

Seja na oração, ou nas mil modalidades de súplica, aumenta, de forma assustadora, o número de crentes que estabelecem uma condição até mesmo para Deus: que Ele dê demonstração de sinais do que é capaz de fazer. Deste modo, o que Jesus falou e fez, bem como o que sugeriu para uma efetiva felicidade num projeto de construção positiva da vida, já não é mais levado em conta. No migracionismo constante entre formas e modos religiosos, mais do que em outros momentos históricos, vive-se a dificuldade da segunda geração dos seguidores de Jesus Cristo: como Tomé, até se promete crer, mas, desde que Deus apresente primeiro as convincentes provas de felicidade. Acolher sua Palavra com vistas a vivenciá-la, e, - alargar os níveis de felicidade, - parece demorar demais. Já não cabe na provisoriedade do “ficar”, até com Ele.

<center>INDIFERENÇA SISUDA</center>

    O entorno da vida cotidiana, Virou o veneno que dimana, A endurecer os sentimentos, Perante humanos proventos.   Cumplicidad...