quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Dispositivos eletrônicos e violência na escola

RESUMO:
A cultura de consumo de nossos dias, ao produzir produtos para serem comprados e rapidamente descartados, provoca uma aparente e momentânea sensação de plenitude sob a promessa de gozo, mas, com isto o sistema capitalista frustra, porque ao remeter para o consumo de novos produtos, diminui as fontes de bem-estar com os outros, protela o gozo e, com tal processo, torna-se importante fator que gera violência humana.[1]
Palavras-chave: Violência. Consumo. Frustração. Agressividade. Desajuste familiar.

Introdução

            Um fenômeno curioso é o da panacéia da mídia eletrônica em torno dos atos violentos praticados em ambientes escolares. Repetem-se à exaustão, durante muitas semanas, os menores detalhes de algum ato violento, e, com extraordinária exploração emocional. Essa obsessão, mais do que a exploração de algum fato doentio, parece envolver uma orquestração conservadora para justificar maior violência dos meios repressivos e, como se sabe, as vítimas são sempre representantes das classes menos privilegiadas.
            Na abordagem do tema da violência prevalece a exploração da idéia de que somos um povo pacato, cordial, ordeiro e trabalhador. Eventuais surtos de violência precisam, pois, ser energicamente combatidos, a fim de que não abram precedentes que possam macular a boa imagem da sociedade. No entanto, todo o sistema de vida que nos move é mais violento, e constitui certamente uma das grandes fontes da violência, porque desloca o sentido da socialização, o respeito ao Outro e a boa convivência, para o sentido do consumo de objetos. Ao induzir que o consumo permite o máximo de gozo, frustra numa dupla dimensão: de um lado, decepciona e frustra por não propiciar o alcance do gozo e, de outro lado, protela o gozo com a oferta de outros produtos (latusas).  Assim agride de forma sutil e tal processo se exterioriza em atos violentes decorrentes do deslocamento de sintomas.
            Nosso ponto de vista é o de que o sistema capitalista ao considerar todas as pessoas na mesma condição de igualdade de consumo, torna-se o principal articulador das violências, não somente nas escolas, mas no âmbito de toda a sociedade. Como grande parcela humana não consegue acesso ao que aprendeu a desejar, tenderá a envolver-se em atos ilícitos e violentos para a obtenção do mesmo alcance que outros privilegiados possuem.
            Evitamos as clássicas análises da violência a partir da citação de centenas de autores renomados sobre o assunto, para realçar um aspecto de ocultação da violência institucionalizada do poder repressivo, que não trata a todos com a mesma medida. Precisamente desta contradição emerge uma das grandes fontes de violência.
            A escolha do tema decorreu da nauseante exploração da mídia televisiva em torno de atos violentos ocorridos em salas de aula e da diuturna justificação de que o assunto deve ser combatido com mais rigor e que a fonte destes atos está estreitamente relacionada a problemas de desestruturação familiar. Ideologicamente o Estado fica isento de qualquer culpabilidade. Todavia, não se pergunta sobre o porquê de tantas famílias estarem desestruturadas. Afinal, não caberia ao Estado e ao poder público – pelo que argumenta em favor da sua existência - agir positivamente para que não existam tantas famílias excluídas, negadas e deixadas à própria sorte?
            Tencionamos salientar que a violência decorre mais de um processo de indução ao consumo desenfreado do que a fatores mórbidos dos blocos familiares. Nosso procedimento é o de uma modesta reflexão hermenêutica que evidencia problemas estruturais mais profundos de violência do que os focos isolados e exaustivamente explorados na mídia televisiva.

1.    O alarmismo em torno da violência nas escolas

Um dos assuntos mais badalados, tanto na mídia de informação quanto nas conversas cotidianas, envolve atos violentos nas escolas. Parece que este rápido, repentino e intenso avanço da violência localizada precisa ser urgentemente extirpado da sociedade, a fim de se prevenir que se estabeleça o caos e uma “anomia social”, capaz de quebrar todas as boas regras de convivência e de desequilibrar a boa ordem e a natural tendência pacífica do povo brasileiro.
Primeiramente, como na ancestralidade da nossa história, não somos tão dóceis, pacíficos e tão ordeiros quanto se apregoou nas últimas décadas da história brasileira, presumidamente, para esconder a violência efetiva e a truculência cotidiana da polícia, especialmente contra as classes mais desprivilegiadas. Tampouco estamos próximos do mito da cordialidade, do jeitinho e da convivência ordeira e pacífica entre etnias, apontado como fenômeno único do universo cultural. Nós brasileiros, os privilegiados desta peculiaridade inusitada no planeta Terra, na verdade, fomos e somos agressivos como os demais povos e culturas.
 Tende-se a encaixar como violência quase tudo o que se aproxima de vandalismo, extorsão, linguagem chula, empurrões, brincadeiras de mau gosto, deboches, porque o sensacionalismo da mídia parece insinuar com esta extrapolação de conceitos, que já vem se generalizando a violência, o que requer rápida providência e uma rigorosa e bem enérgica repressão aos considerados “maus elementos”, “marginais” da sociedade. Por trás deste interesse político de alarme geral a respeito do que acontece nas escolas, estão representações conservadoras que querem justificar repressões políticas, pois dão a entender que tudo decorre da infância indisciplinada. Com isso, o estado e o poder público ficam desincumbidos de sua responsabilidade e se sentem no direito de continuar com sistemática repressão, o que camufla e esconde a violência do próprio poder repressivo.
No fundo, a suposta barbárie infantil fica restrita ao âmbito da família e tira de cena a televisão e a violência do poder público na sociedade que faz sonhar com promessas de muito gozo. Deste modo, fica subentendido que esta violência não decorre dos problemas das classes sociais, da pobreza, da marginalização, de exclusão, mas que constitui um momentâneo problema de desestruturação do ambiente familiar. Este enfoque esconde os reais interesses ideológicos de elites mais abastadas que definem as regras do controle social.
Também as incontáveis pesquisas financiadas pelo poder público podem contribuir para o sensacionalismo da mídia, porque as serem financiadas pelo Estado, com certeza não vão incriminá-lo como um dos grandes agentes da violência na sociedade. Isto, contudo, não significa afirmar que não exista violência em ambientes escolares, mas o apregoado alarmismo de exageros se presta para justificar repressões numa perspectiva conservadora.
 Aparentemente, tratar da violência no ambiente da escola parece tratar-se de um assunto muito recente, muito novo e até muito inusitado. No entanto, é extraordinariamente antigo. O que tem mudado a partir da legislação das últimas décadas foi o foco de procedência de atos violentos. Não é preciso ser muito velho para lembrar que os atos violentos no ambiente escolar normalmente provinham dos professores e da direção. Batiam, humilhavam, apelavam a comparações degradantes, discriminavam, intimidavam, ameaçavam e desqualificavam através de notas nem sempre adequadas. Geralmente tratava-se de uma violência institucionalizada e socialmente aceita, porque era vista e reconhecida como forma de socialização e de educação para a boa convivência dos futuros membros da sociedade. Ao ser inibida esta forma, os professores acabaram vítimas indefesas diante dos atos violentos que procedem dos alunos e das exigências da instituição educacional. Certamente falta uma legislação mais adequada de limites e de regras para crianças, adolescentes e jovens.
Também os alunos sempre tiveram truculências no relacionamento, por meios de atos violentos, de intimidação, deboche, apelidos, comparações ofensivas, dominações, agressões físicas, psíquicas, simbólicas, e também por atos grosseiros como uso de termos chulos desrespeitosos e de incivilidade. Alguns alunos podem de fato transgredir os limites porque sabem que os professores estão rigorosamente proibidos, por lei, de lhes exteriorizar qualquer forma agressiva. Neste estado de resignação, os professores, prensados pelas cobranças da instituição e pela defesa dos direitos dos alunos, sabem que o melhor que podem receber são críticas. Elogios que possam transformar em qualidade melhor o seu ofício e sua qualidade de vida raramente ocorrem, embora, nos discursos oficiais, sejam vistos como de fundamental relevância para a sociedade na tarefa educadora. A estes elogios fantasiosos não correspondem reais condições básicas de ensino e a negligência da profissão fica evidente, apesar dos discursos demagógicos, sobretudo de políticos e governantes.
Se sempre foi praxe normal o uso de atos violentos em ambientes escolares, por que toda esta ênfase de nossos dias em torno do assunto?
Podem estar em jogo interesses para desincumbir os poderes públicos ao dar a entender que se trata de efeitos emergentes dos ambientes domésticos e das crises próprias da fase juvenil. Podem também estar dissuadidos os caminhos perversos do sistema capitalista que induz sistematicamente ao consumo, sobretudo na fase juvenil, e que a invade e a bombardeia com insinuações de procedimentos violentos para serem heróis e vencedores. Portanto, pode a violência constituir-se em mero reflexo da osmose da sociedade violenta, tão violenta ou, até mais do que em outros momentos históricos. No entanto, sempre ocorreram violências em âmbitos públicos e privados, muitas até tão recônditos que sequer chegam a ser esclarecidos.
Sabemos que no mundo antigo o que mais gerava atos violentos entre seres humanos eram causas de vingança e as que visavam salvar ou preservar a honra. No tempo do império romano estimulavam-se atos violentos nas arenas, com fins de deleite para o público assistente. Em tempos mais recentes, com o expansionismo colonial, as conquistas levavam a eliminar, a submeter, a enquadrar e a explorar grandes parcelas dos seres humanos. As tentativas posteriores de coerção aos atos violentos transformaram o Estado e os poderes estabelecidos, em fontes de grande arbitrariedade e intolerância, sob a alegação de humanizar as relações humanas e de coibir atos violentos. Mesmo dissimulada, a violência foi largamente praticada com a pretensa finalidade de terminar com as formas de barbárie, atribuídas sempre a terceiros.
Tempos ainda mais próximos de nós deixaram a triste memória das guerras mundiais, dos imensos genocídios, das guerras civis e das prepotências de governantes que dizimaram insondáveis somas de seres humanos. Portanto, a abordagem da violência na escola não é fato isolado e nem apenas conjuntural de nossos dias e, tampouco, mera conseqüência da chamada crise da adolescência. Se fosse somente fruto desta crise, então as soluções poderiam ser facilmente resolvidas. Mesmo que existam problemas de inadaptabilidade na escola os fatores que geram violência certamente têm raízes mais abrangentes do que os da procedência familiar.
Adolescência e juventude são conceitos relativamente recentes, pois a forma tradicional de entendimento da pessoa humana implicava em passagem direta da infância para a vida adulta, porque a socialização das crianças com adultos também era muito distinta de nossos dias. Os filhos costumavam ficar muito próximos dos pais e aprendiam cedo a ajudá-los nas lidas domésticas. Se a manifestação do amor não era tão afetuosa como na atualidade, havia, contudo, um alargamento de laços afetivos com tios, primos, vizinhos e babás, que muitas vezes se mostravam mais afetuosos dos os próprios pais.
A diminuição do número de filhos e mais a instabilidade da vida matrimonial, aumentam intensamente o número de famílias monoparentais e reconstituídas, onde os filhos tendem a receber menos afeto do que esperam receber. Em razão disto, a família nem sempre é a primeira boa escola que educa para integrar a dimensão afetiva com a cognitiva e para adequar-se a normas e assimilar valores. Geralmente nestas famílias e preocupação maior envolve necessidades básicas como alimentação, higiene, repouso, e lazer. Com isso, os filhos tendem a ser bombardeados com muitas informações e ofertas de passatempo que insinuam violência por todos os lados. Na verdade, como é o caso dos desenhos animados, filmes e noticiários, repassam altos níveis de violência. Já nos momentos de socialização, tende a predominar o lazer. Deste modo, os parâmetros de ordem, de regras e de limites, acabam ficando relegados a um segundo plano. Em decorrência, a identidade de crianças e jovens se forma muito mais fora do ambiente da família do que a partir desta. Ao entrarem na escola, onde há rigor e disciplina, a adaptação se torna muito tensa porque a ancestralidade de atos violentos já se sedimentou a partir de crenças em torno da força bruta, de valores e de preceitos estabelecidos a partir dos mais fortes e atrevidos.

      2.    Violência, indisciplina e incivilidade

Para justificar a ênfase dos elevados graus de violência nas escolas, costuma-se aplicar um conceito geral que envolve até mesmo atos não violentos. Embora existam formas muito variadas de exercício de violência, quer de direção, de professores, de funcionários e de alunos, a recente onda alarmante da violência escolar engloba qualquer pequeno ato de indisciplina e de incivilidade como sendo atos de violência.
A violência implica em lesões, insultos, extorsões, intimidações e ameaças físicas, psíquicas, morais e simbólicas. Já a indisciplina é geralmente constituída por transgressão de normas estabelecidas, e a incivilidade, é vista como trato inadequado por ignorância, como uso de palavrões, indelicadezas e brincadeiras de mau gosto. Pode evidentemente um ato de incivilidade ser movido por inconsciente ou consciente ato de indisciplina e, até constituir exteriorização de atos de violência.
Os fatores de indisciplina e incivilidade costumam ser atribuídos às falhas de educação dos pais, mas, mesmo que não seja o caso, por melhor que sejam os procedimentos dos pais, sua influência fica minimizada diante de outros fatores de influência, como televisão, games, sites de internet e o próprio grupo no qual as crianças e os jovens se inserem. Muitas características são insinuadas nestes grupos como modelares para a conduta de jovens. Assim, se alunos não chegam a explicitar desejos de matar os professores, podem perfeitamente desejar tal ato, no sentido simbólico de bloquear suas atividades ou de difamá-los em razão de nota que não agradou, ou pela avaliação de seus traços de personalidade tidos como não muito simpáticos.
Infelizmente o velho esquema platônico de que os professores seriam como um fogo para acrisolar a qualidade do material dos alunos que tem diante de si, através da aferição de notas, classifica os alunos segundo os materiais ouro, prata e latão. Na sutileza da moderna representação capitalista, o simbolismo do dinheiro, que deve gerar dividendos, é expresso por notas. Os alunos, constituídos, na analogia dos materiais, ouro, prata e latão, precisam ser testados pelo fogo e o tirocínio dos professores age como elemento purificador e delineador que ajuda os alunos a descobrir elementos de valor social que os constituem, a fim de aceitá-los e conformar-se a esta constituição interior. De acordo com Platão, os possuidores de alma de ouro deveriam ser governantes; os de alma de prata teriam a função de fazer serviços de segundo escalão tais como os do exército que protege o governo, e, os constituídos por alma de latão, teriam que ficar contentes e felizes ao ocupar-se com serviços braçais e próprios da condição de escravos.
Em nossos dias o serviço educacional, mais do que a finalidade precípua de depurar as qualidades e virtualidades de cada aluno, se presta para um interesse exatamente oposto: eliminar todos quantos não interessam ao quadro burocrático do poder estabelecido. Pela assimilação dos conteúdos, dos quais o professor deve ser mero transmissor, os alunos são separados pelas notas e induzidos a uma decisão que delas decorre: se é ouro, continuar e se é prata ou latão, que procurem outro caminho na vida. Neste caso, o papel fundamental do serviço educacional é mais de eliminar do que a de oferecer igualdade de chances para todos, de acordo com os discursos que tanto gostam de explorar esta dimensão de chances iguais para todos. Desta forma, o ambiente escolar pode estar fazendo o contrário da depuração de qualidade dos materiais e exercer um sutil modo de eliminação ou de exclusão dos menos bem dotados. A seletividade para depurar os melhores gera um dos maiores germes de violência, o da constituição de classes sociais. Estas, com certeza, jamais serão capazes de convivência ordeira e pacífica. Mesmo que o discurso seja o de construir saber, para ser degustado e socializado, geralmente o processo é o inverso. Os melhores são promovidos e os demais são relegados e excluídos. Nesta competição para saber quem é mais e melhor, afloram sempre atos anti-sociais.

       3.    A herança familiar

Apesar de que as causas da violência de correm de uma enormidade de fatores e, mesmo que fossem inventariados não necessariamente indicam a supressão dos atos violentos. Em todo caso, das violências que se manifestam nas escolas, além das que decorrem de maus tratos, de abusos sexuais de autoritarismo dos pais, da ingestão de bebidas alcoólicas e estupefacientes, os pais muitas vezes constituem a causa quando participam diretamente das agressões e se acham no direito de proteger seus filhos porque os protegem excessivamente. Também as escolas nem sempre estão habilitadas para lidar com atos violentos porque estigmatiza e marginaliza certos alunos, ao contrário dos discursos de posturas altamente inclusivas.
Bem sabemos que muitos atos violentos nas escolas vêm de fora para dentro e, impõem regras de desrespeito no ambiente familiar, porque certos contextos sociais favorecem a violência. Isto também é normal em qualquer outro ambiente onde a normalidade do relacionamento é rompida, mas sem envolver quadros mórbidos ou patológicos, pois, quando a ruptura ou desencontro ocorrem, ocorre um retorno ao estado da normalidade anterior.
A mudança da vida familiar nas últimas décadas certamente contribui com parte da agressividade dos jovens. A concentração nas áreas urbanas, o migração em busca de emprego e melhores condições de vida, afetam muitos ambientes domésticos com inseguranças, medos e fatores de risco. Com isso, o processo da infância e adolescência ocorre com menos companhia dos pais em relação a outros tempos do passado. Muitas famílias não têm vida familiar e os filhos, para ficarem sossegados diante das interpelações por afeto, amparo e segurança básica, são agraciados com mais coisas de que precisam, porém, sem critérios morais, sem apoio emocional e sem perspectivas que lhes apontem itinerários de identidade.
Com muitas geringonças eletrônicas os pais pressupõem que os filhos se encaminhem muito bem na carreira da “cultura do êxito”, pois deles não esperam nada menos do que a condição de serem heróis e vencedores. Os filhos, quando não se identificam com as exigências do consumismo, ou se sentem desprovidos de habilidades para tal êxito, além dos sentimentos de incapacidade, de inferioridade e de culpa, tornam-se prisioneiros das imagens de nulidade, o que os induz às tentativas de vencer os medos e a fazer algo que possa despertar admiração e impacto social. Mas o ideal mais insinuado pela mídia é o de carreiras que não requerem estudo e nem escolaridade: basta apostar na carreira futebolística e de modelo para desfile em passarelas, o que apenas requer força, músculo, agilidade e beleza.
Como os filhos tendem a ficar submetidos a um clima de solidão e estresse, a tendência é a de extravasar comportamentos agressivos em salas de aula, porque vivendo muito sozinhos e indefesos, tendem a absorver poucas regras e limites para o comportamento.

      4.   O uso dos dispositivos eletrônicos

Os dispositivos eletrônicos não constituem fonte direta de atos violentos, indisciplina e incivilidade. Estes fenômenos sempre ocorreram, mas existe uma peculiaridade própria de nossos dias em que a inobservância de responsabilidades e os considerados edificantes traços de solidariedade, cooperação e boa convivência, tendem a dar lugar para atos mais agressivos, para desrespeito, para indiferença e para o desaparecimento dos referenciais de alteridade, isto é, perde-se a capacidade de percepção do outro, como semelhante, e, dotados dos mesmos traços de emoções e de sentimentos.
            Sem este quadro de referências, algumas coisas costumeiras desaparecem: alunos e professores tendem a afastar-se de programas fora das salas de aula; a direção perde muito tempo em torno de cobranças de material danificado; muito dinheiro é investido em reposição de material danificado e sobra menos para aquisição de materiais com inovação pedagógica. Ao lado destes sinais, ampliam-se os históricos de permissividade doméstica que faz os filhos crescer quase autônomos, sem normatividade de exigências e sem limites para o que desejam. Ao chegarem à escola, a disciplina, as exigências e os limites acabam despertando irritabilidade e favorecendo indisciplina e incivilidade que, dependendo do desfecho, pode acabar em atos violentos. Certamente por isso que uma pesquisa feita no ano de 2000 em 496 escolas da rede estadual de São Paulo apontou que muito poucos jovens acreditam que seu futuro possa ser melhor através da educação escolar. No levantamento de dados sobre o porquê da agressividade foi apontado como elemento principal uma falta de perspectivas, a descrença nas instituições, o desinteresse pela escola, a falta de identificação com os professores e com a escola.
            Ocorre que crianças, adolescentes e jovens se vêem cada vez mais atraídos por objetos que não conseguem comprar. Como o sistema capitalista nega o valor do Outro, como ser humano digno de respeito, de valor e de dignidade, oferece no lugar da derrubada destes ideais, o imperativo do gozo. A lógica do discurso capitalista já não é a de favorecer o outro, mas com o gradual e crescente consumo de objetos produzidos para serem cada vez mais consumidos e descartados. Sem o descarte não haveria interesse por algo novo. A ordem das propagandas e a de que crianças e jovens precisam de “gadgets”, ou seja, uma parafernália de dispositivos eletrônicos como celular, smartphone, leitores de mp3, PADs, etc.
            Estes dispositivos eletrônicos são fabricados com vistas a um segundo interesse: como os outros não preenchem a voracidade do consumo e frustram por não levar ao alcance do que prometem, possam substituí-los. Já não vêem sujeitos diante de si, mas um mundo de consumidores cada vez mais afoitos por novidades, que funcionam como latusas de manutenção do próprio sistema. Para os que são despertados a sonhar com o desfrute das aquisições, mas que não dispõem dos recursos para o consumo porque se encontram segregados na sociedade consumista, o que pode manifestar-se senão um desencadeamento de agressividades em relação a si e aos outros?
            Uma vez substituídos as tradicionais idealizações em torno da convivência e do sentido do Outro, apresenta-se a latusa (um neologismo da linguagem lacaniana) de conseguir algo ainda melhor que possa propiciar o máximo de gozo. Esta violência simbólica atinge o âmago da educação. Se o importante é o máximo de gozo que possa ser gozado, como não aproveitar o consumo de drogas, como não tomar coca-cola todos os dias se ela vem associada à alegria de viver?
            De nada adianta pretender coibir o consumo de drogas se ela é uma das latusas que assegura gozo. O amplo horizonte de potencialidades de consumo para quem se vê situado num nível de exclusão social é pelo menos tentar apelar para as latusas. Como são despertados a possuir uma enormidade de utensílios e como não se encontram com recursos de adquiri-los, certamente não vão conformar-se a vida inteira com uma simples inveja dos outros privilegiados da compra destes objetos. Se podem somente olhar sem tocar e manusear, sentirão, com certeza ímpetos para adquiri-los de formas ilícitas.
            Como o modelo capitalista pressupõe que todas as crianças, adolescentes e jovens são iguais para ter acesso às mesmas coisas, a padronização se sobrepõe a toda tentativa de educar para o respeito e a convivência harmônica. Na verdade, o modelo de desenvolvimento que nos é apresentado especialmente pelo discurso norte-americano, este sim é a fonte primigênia de muitas manifestações de violência no âmbito das escolas. Ainda que não o desejem os professores se constituem em fontes para privilegiar os mais habilidosos e avantajados na utilização dos utensílios eletrônicos e se tornam mediação para a segregação e exclusão que transforma a fase juvenil em categorização de objeto. Assim, a mídia eletrônica, movida pela indústria cultural, que fabrica objetos e inventa necessidades para que sejam consumidos como fontes de gozo, gera a contradição de pressupor o gozo amplo e generalizado e pratica a violência contra uma enorme demanda que não tem a menor possibilidade de alcance deste pressuposto gozo.
            Na lógica do sistema está uma promessa de que o objeto de satisfação perene e transforma o desejo em necessidade. Neste engodo compensatório desmantelam-se os laços sociais porque as pessoas são envolvidas na dependência do consumo de objetos. Deste modo os sujeitos são alienados porque são absorvidos pelo imperativo do consumo. Ao estimular o consumo o sistema capitalista já não regula a boa convivência, mas induz a um individualismo frustrante que gera violência.

Conclusão

         Os atos violentos que ocorrem em escolas precisam ser vistos dentro de suas proporções e dentro dos parâmetros que permitem sua manifestação. Tempos seculares admitiam atos violentos por parte dos professores. Os alunos sempre constituíram o lado das vítimas destes atos violentos. A legislação das últimas décadas, ao desautorizar esta violência, inverteu o quadro e deixou os professores em situação de “bodes expiatórios” no meio de um “fogo-cruzado” entre a violência da direção e a dos alunos.
            Se os professores praticaram, por longo tempo, violência física, psíquica e moral, amparados pela sociedade que considerava edificante tal prática, a proibição desta prática permitiu o extravasamento da agressividade dos alunos. Talvez falte uma legislação que estabeleça limites ao livre arbítrio dos alunos. Por outro lado, a violência da direção vem geralmente caracterizada por formas simbólicas ou indiretas, através de cobranças de procedimentos e atividades.
            A exploração dos efeitos de famílias desajustadas, por outro lado, ajuda a encobrir os graves problemas sociais, sobretudo o da estratificação de classes, que muito mais do que problemas psíquicos, é fonte e fator de violência. Afinal, se uns conseguem quase tudo quanto desejam, porque outros precisam ficar privados?
            A protelação do gozo efetivada pela onda consumista é certamente um dos maiores fatores de violência porque frustra diuturnamente os obcecados pelo consumo que não encontram o gozo prometido. Com o pressuposto de que todas as pessoas têm o mesmo potencial de consumo, todas são despertadas e movidas por desejos intensos de aquisição de produtos, mas, simultaneamente a maior parte se sente frustrada porque sequer tem as necessárias condições para tal aquisição. Por isso a parafernália de dispositivos eletrônicos, além de não suprimir os desejos e nem o gozo, aprofunda a perda do sentido do outro, da boa convivência porque leva à obsessiva focagem de interesses na aquisição de objetos, com a expectativa de ser feliz.

BIBLIOGRAFIA

ANJOS, André Gustavo Cosme dos. A violência e sua relação com o fracasso escolar. Disponível em: http://br.monografias.com/trabalhos3/violência
AZEVEDO, Sónia Carla Aroso. A violência nas escolas como resultado dos problemas de inadaptação social. Disponível em: http://br.moonografias.com/trabalhos/violência
DABARBIEUX, Éric. Violência nas Escolas: dez abordagens européias. Brasília: UNESCO, 2002. Disponível em: http://pt.scribt.com/doc/5993174/violencia-Nas-Escolas
GARRITANO, Eliana Júlia de Barros. Adolescência, violência, a cultura do corpo e a práxis ROMAIN ROMAIN-THIERS. Disponível em: http://www.romain-thiers.sociopsicomotricidade
CASTILLO, Gerardo. Adolescentes e violência escolar. Disponível em: http://educação.aaldeia.net/violencia-escolar
L’APICCIRELLA, Nadime. O Papel da Educação na Legitimação da Violência Simbólica. Disponível em: http://www.cdcc.usp.br/ciência/artigos/art-20
LIMA, Raymundo de. Escola x violência. Disponível em: http://www.espaçoacademico.com.br/080/80lin 
MRECH, Leny Magalhães. O adolescente e a violência simbólica nas escolas. Disponível em: http://www.educacaoonline.pro.br
SILVA, Valdeci Gonçalves da. Violência na Escola: “não Mate Aula, Mate o Professor”. Disponível em: http://www.algosobre.com.br/cultura/violência
STELCO-PEREIRA, Ana Carina e WILLIAMS, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque. Reflexões sobre o conceito de violência escolar e a busca por uma definição abrangente. Disponível em: http://www.sbponline.org.br/rervista2/vol18n1/PDF 
 THOMAZ, Sueli Barbosa. Violência na escola, ética, poder e cidadania. Disponível em: http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/pdf





[1]  Texto já disponível no site das Faculdades La Salle de Lucas do Rio Verde – MT.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

<center>ERA DIGITAL E DESCARTABILIDADE</center>

    Criativa e super-rápida na inovação, A era digital facilita a vida e a ação, Mas enfraquece relacionamentos, E produz humanos em...