RESUMO:
A cultura de consumo de
nossos dias, ao produzir produtos para serem comprados e rapidamente
descartados, provoca uma aparente e momentânea sensação de plenitude sob a
promessa de gozo, mas, com isto o sistema capitalista frustra, porque ao
remeter para o consumo de novos produtos, diminui as fontes de bem-estar com os
outros, protela o gozo e, com tal processo, torna-se importante fator que gera
violência humana. [1]
Palavras-chave: Violência. Consumo. Frustração. Agressividade. Desajuste familiar.
Introdução
Um fenômeno curioso é o da panacéia
da mídia eletrônica em torno dos atos violentos praticados em ambientes
escolares. Repetem-se à exaustão, durante muitas semanas, os menores detalhes
de algum ato violento, e, com extraordinária exploração emocional. Essa
obsessão, mais do que a exploração de algum fato doentio, parece envolver uma
orquestração conservadora para justificar maior violência dos meios repressivos
e, como se sabe, as vítimas são sempre representantes das classes menos
privilegiadas.
Na
abordagem do tema da violência prevalece a exploração da idéia de que somos um
povo pacato, cordial, ordeiro e trabalhador. Eventuais surtos de violência
precisam, pois, ser energicamente combatidos, a fim de que não abram
precedentes que possam macular a boa imagem da sociedade. No entanto, todo o
sistema de vida que nos move é mais violento, e constitui certamente uma das
grandes fontes da violência, porque desloca o sentido da socialização, o
respeito ao Outro e a boa convivência, para o sentido do consumo de objetos. Ao
induzir que o consumo permite o máximo de gozo, frustra numa dupla dimensão: de
um lado, decepciona e frustra por não propiciar o alcance do gozo e, de outro
lado, protela o gozo com a oferta de outros produtos (latusas). Assim agride de forma sutil e tal processo se
exterioriza em atos violentes decorrentes do deslocamento de sintomas.
Nosso
ponto de vista é o de que o sistema capitalista ao considerar todas as pessoas
na mesma condição de igualdade de consumo, torna-se o principal articulador das
violências, não somente nas escolas, mas no âmbito de toda a sociedade. Como
grande parcela humana não consegue acesso ao que aprendeu a desejar, tenderá a
envolver-se em atos ilícitos e violentos para a obtenção do mesmo alcance que
outros privilegiados possuem.
Evitamos
as clássicas análises da violência a partir da citação de centenas de autores renomados
sobre o assunto, para realçar um aspecto de ocultação da violência
institucionalizada do poder repressivo, que não trata a todos com a mesma
medida. Precisamente desta contradição emerge uma das grandes fontes de
violência.
A
escolha do tema decorreu da nauseante exploração da mídia televisiva em torno
de atos violentos ocorridos em salas de aula e da diuturna justificação de que
o assunto deve ser combatido com mais rigor e que a fonte destes atos está
estreitamente relacionada a problemas de desestruturação familiar.
Ideologicamente o Estado fica isento de qualquer culpabilidade. Todavia, não se
pergunta sobre o porquê de tantas famílias estarem desestruturadas. Afinal, não
caberia ao Estado e ao poder público – pelo que argumenta em favor da sua
existência - agir positivamente para que não existam tantas famílias excluídas,
negadas e deixadas à própria sorte?
Tencionamos
salientar que a violência decorre mais de um processo de indução ao consumo
desenfreado do que a fatores mórbidos dos blocos familiares. Nosso procedimento
é o de uma modesta reflexão hermenêutica que evidencia problemas estruturais
mais profundos de violência do que os focos isolados e exaustivamente explorados
na mídia televisiva.
1. O alarmismo em torno da violência nas escolas
Um dos assuntos mais
badalados, tanto na mídia de informação quanto nas conversas cotidianas,
envolve atos violentos nas escolas. Parece que este rápido, repentino e intenso
avanço da violência localizada precisa ser urgentemente extirpado da sociedade,
a fim de se prevenir que se estabeleça o caos e uma “anomia social”, capaz de
quebrar todas as boas regras de convivência e de desequilibrar a boa ordem e a
natural tendência pacífica do povo brasileiro.
Primeiramente, como na
ancestralidade da nossa história, não somos tão dóceis, pacíficos e tão
ordeiros quanto se apregoou nas últimas décadas da história brasileira,
presumidamente, para esconder a violência efetiva e a truculência cotidiana da
polícia, especialmente contra as classes mais desprivilegiadas. Tampouco
estamos próximos do mito da cordialidade, do jeitinho e da convivência ordeira
e pacífica entre etnias, apontado como fenômeno único do universo cultural. Nós
brasileiros, os privilegiados desta peculiaridade inusitada no planeta Terra,
na verdade, fomos e somos agressivos como os demais povos e culturas.
Tende-se a encaixar como violência quase tudo
o que se aproxima de vandalismo, extorsão, linguagem chula, empurrões,
brincadeiras de mau gosto, deboches, porque o sensacionalismo da mídia parece
insinuar com esta extrapolação de conceitos, que já vem se generalizando a violência,
o que requer rápida providência e uma rigorosa e bem enérgica repressão aos considerados
“maus elementos”, “marginais” da sociedade. Por trás deste interesse político
de alarme geral a respeito do que acontece nas escolas, estão representações
conservadoras que querem justificar repressões políticas, pois dão a entender
que tudo decorre da infância indisciplinada. Com isso, o estado e o poder
público ficam desincumbidos de sua responsabilidade e se sentem no direito de
continuar com sistemática repressão, o que camufla e esconde a violência do
próprio poder repressivo.
No fundo, a suposta
barbárie infantil fica restrita ao âmbito da família e tira de cena a televisão
e a violência do poder público na sociedade que faz sonhar com promessas de muito
gozo. Deste modo, fica subentendido que esta violência não decorre dos
problemas das classes sociais, da pobreza, da marginalização, de exclusão, mas
que constitui um momentâneo problema de desestruturação do ambiente familiar.
Este enfoque esconde os reais interesses ideológicos de elites mais abastadas
que definem as regras do controle social.
Também as incontáveis
pesquisas financiadas pelo poder público podem contribuir para o
sensacionalismo da mídia, porque as serem financiadas pelo Estado, com certeza
não vão incriminá-lo como um dos grandes agentes da violência na sociedade.
Isto, contudo, não significa afirmar que não exista violência em ambientes
escolares, mas o apregoado alarmismo de exageros se presta para justificar
repressões numa perspectiva conservadora.
Aparentemente, tratar da violência no ambiente
da escola parece tratar-se de um assunto muito recente, muito novo e até muito
inusitado. No entanto, é extraordinariamente antigo. O que tem mudado a partir
da legislação das últimas décadas foi o foco de procedência de atos violentos.
Não é preciso ser muito velho para lembrar que os atos violentos no ambiente
escolar normalmente provinham dos professores e da direção. Batiam, humilhavam,
apelavam a comparações degradantes, discriminavam, intimidavam, ameaçavam e
desqualificavam através de notas nem sempre adequadas. Geralmente tratava-se de
uma violência institucionalizada e socialmente aceita, porque era vista e
reconhecida como forma de socialização e de educação para a boa convivência dos
futuros membros da sociedade. Ao ser inibida esta forma, os professores
acabaram vítimas indefesas diante dos atos violentos que procedem dos alunos e
das exigências da instituição educacional. Certamente falta uma legislação mais
adequada de limites e de regras para crianças, adolescentes e jovens.
Também os alunos sempre
tiveram truculências no relacionamento, por meios de atos violentos, de
intimidação, deboche, apelidos, comparações ofensivas, dominações, agressões
físicas, psíquicas, simbólicas, e também por atos grosseiros como uso de termos
chulos desrespeitosos e de incivilidade. Alguns alunos podem de fato
transgredir os limites porque sabem que os professores estão rigorosamente
proibidos, por lei, de lhes exteriorizar qualquer forma agressiva. Neste estado
de resignação, os professores, prensados pelas cobranças da instituição e pela
defesa dos direitos dos alunos, sabem que o melhor que podem receber são
críticas. Elogios que possam transformar em qualidade melhor o seu ofício e sua
qualidade de vida raramente ocorrem, embora, nos discursos oficiais, sejam
vistos como de fundamental relevância para a sociedade na tarefa educadora. A
estes elogios fantasiosos não correspondem reais condições básicas de ensino e
a negligência da profissão fica evidente, apesar dos discursos demagógicos,
sobretudo de políticos e governantes.
Se sempre foi praxe
normal o uso de atos violentos em ambientes escolares, por que toda esta ênfase
de nossos dias em torno do assunto?
Podem estar em jogo
interesses para desincumbir os poderes públicos ao dar a entender que se trata
de efeitos emergentes dos ambientes domésticos e das crises próprias da fase
juvenil. Podem também estar dissuadidos os caminhos perversos do sistema capitalista
que induz sistematicamente ao consumo, sobretudo na fase juvenil, e que a
invade e a bombardeia com insinuações de procedimentos violentos para serem
heróis e vencedores. Portanto, pode a violência constituir-se em mero reflexo
da osmose da sociedade violenta, tão violenta ou, até mais do que em outros
momentos históricos. No entanto, sempre ocorreram violências em âmbitos
públicos e privados, muitas até tão recônditos que sequer chegam a ser
esclarecidos.
Sabemos que no mundo
antigo o que mais gerava atos violentos entre seres humanos eram causas de
vingança e as que visavam salvar ou preservar a honra. No tempo do império
romano estimulavam-se atos violentos nas arenas, com fins de deleite para o
público assistente. Em tempos mais recentes, com o expansionismo colonial, as
conquistas levavam a eliminar, a submeter, a enquadrar e a explorar grandes
parcelas dos seres humanos. As tentativas posteriores de coerção aos atos
violentos transformaram o Estado e os poderes estabelecidos, em fontes de grande
arbitrariedade e intolerância, sob a alegação de humanizar as relações humanas
e de coibir atos violentos. Mesmo dissimulada, a violência foi largamente
praticada com a pretensa finalidade de terminar com as formas de barbárie,
atribuídas sempre a terceiros.
Tempos ainda mais
próximos de nós deixaram a triste memória das guerras mundiais, dos imensos
genocídios, das guerras civis e das prepotências de governantes que dizimaram
insondáveis somas de seres humanos. Portanto, a abordagem da violência na escola
não é fato isolado e nem apenas conjuntural de nossos dias e, tampouco, mera
conseqüência da chamada crise da adolescência. Se fosse somente fruto desta
crise, então as soluções poderiam ser facilmente resolvidas. Mesmo que existam
problemas de inadaptabilidade na escola os fatores que geram violência
certamente têm raízes mais abrangentes do que os da procedência familiar.
Adolescência e juventude
são conceitos relativamente recentes, pois a forma tradicional de entendimento
da pessoa humana implicava em passagem direta da infância para a vida adulta,
porque a socialização das crianças com adultos também era muito distinta de
nossos dias. Os filhos costumavam ficar muito próximos dos pais e aprendiam
cedo a ajudá-los nas lidas domésticas. Se a manifestação do amor não era tão
afetuosa como na atualidade, havia, contudo, um alargamento de laços afetivos
com tios, primos, vizinhos e babás, que muitas vezes se mostravam mais
afetuosos dos os próprios pais.
A diminuição do número de
filhos e mais a instabilidade da vida matrimonial, aumentam intensamente o
número de famílias monoparentais e reconstituídas, onde os filhos tendem a
receber menos afeto do que esperam receber. Em razão disto, a família nem
sempre é a primeira boa escola que educa para integrar a dimensão afetiva com a
cognitiva e para adequar-se a normas e assimilar valores. Geralmente nestas
famílias e preocupação maior envolve necessidades básicas como alimentação,
higiene, repouso, e lazer. Com isso, os filhos tendem a ser bombardeados com muitas
informações e ofertas de passatempo que insinuam violência por todos os lados.
Na verdade, como é o caso dos desenhos animados, filmes e noticiários, repassam
altos níveis de violência. Já nos momentos de socialização, tende a predominar
o lazer. Deste modo, os parâmetros de ordem, de regras e de limites, acabam
ficando relegados a um segundo plano. Em decorrência, a identidade de crianças
e jovens se forma muito mais fora do ambiente da família do que a partir desta.
Ao entrarem na escola, onde há rigor e disciplina, a adaptação se torna muito tensa
porque a ancestralidade de atos violentos já se sedimentou a partir de crenças
em torno da força bruta, de valores e de preceitos estabelecidos a partir dos
mais fortes e atrevidos.
2. Violência, indisciplina e incivilidade
Para justificar a ênfase
dos elevados graus de violência nas escolas, costuma-se aplicar um conceito
geral que envolve até mesmo atos não violentos. Embora existam formas muito
variadas de exercício de violência, quer de direção, de professores, de
funcionários e de alunos, a recente onda alarmante da violência escolar engloba
qualquer pequeno ato de indisciplina e de incivilidade como sendo atos de
violência.
A violência implica em
lesões, insultos, extorsões, intimidações e ameaças físicas, psíquicas, morais
e simbólicas. Já a indisciplina é geralmente constituída por transgressão de
normas estabelecidas, e a incivilidade, é vista como trato inadequado por
ignorância, como uso de palavrões, indelicadezas e brincadeiras de mau gosto.
Pode evidentemente um ato de incivilidade ser movido por inconsciente ou
consciente ato de indisciplina e, até constituir exteriorização de atos de violência.
Os fatores de
indisciplina e incivilidade costumam ser atribuídos às falhas de educação dos
pais, mas, mesmo que não seja o caso, por melhor que sejam os procedimentos dos
pais, sua influência fica minimizada diante de outros fatores de influência,
como televisão, games, sites de internet e o próprio grupo no qual as crianças
e os jovens se inserem. Muitas características são insinuadas nestes grupos
como modelares para a conduta de jovens. Assim, se alunos não chegam a
explicitar desejos de matar os professores, podem perfeitamente desejar tal ato,
no sentido simbólico de bloquear suas atividades ou de difamá-los em razão de
nota que não agradou, ou pela avaliação de seus traços de personalidade tidos
como não muito simpáticos.
Infelizmente o velho
esquema platônico de que os professores seriam como um fogo para acrisolar a
qualidade do material dos alunos que tem diante de si, através da aferição de
notas, classifica os alunos segundo os materiais ouro, prata e latão. Na
sutileza da moderna representação capitalista, o simbolismo do dinheiro, que
deve gerar dividendos, é expresso por notas. Os alunos, constituídos, na
analogia dos materiais, ouro, prata e latão, precisam ser testados pelo fogo e
o tirocínio dos professores age como elemento purificador e delineador que
ajuda os alunos a descobrir elementos de valor social que os constituem, a fim
de aceitá-los e conformar-se a esta constituição interior. De acordo com
Platão, os possuidores de alma de ouro deveriam ser governantes; os de alma de
prata teriam a função de fazer serviços de segundo escalão tais como os do
exército que protege o governo, e, os constituídos por alma de latão, teriam
que ficar contentes e felizes ao ocupar-se com serviços braçais e próprios da
condição de escravos.
Em nossos dias o serviço
educacional, mais do que a finalidade precípua de depurar as qualidades e
virtualidades de cada aluno, se presta para um interesse exatamente oposto:
eliminar todos quantos não interessam ao quadro burocrático do poder
estabelecido. Pela assimilação dos conteúdos, dos quais o professor deve ser
mero transmissor, os alunos são separados pelas notas e induzidos a uma decisão
que delas decorre: se é ouro, continuar e se é prata ou latão, que procurem
outro caminho na vida. Neste caso, o papel fundamental do serviço educacional é
mais de eliminar do que a de oferecer igualdade de chances para todos, de
acordo com os discursos que tanto gostam de explorar esta dimensão de chances
iguais para todos. Desta forma, o ambiente escolar pode estar fazendo o
contrário da depuração de qualidade dos materiais e exercer um sutil modo de
eliminação ou de exclusão dos menos bem dotados. A seletividade para depurar os
melhores gera um dos maiores germes de violência, o da constituição de classes
sociais. Estas, com certeza, jamais serão capazes de convivência ordeira e
pacífica. Mesmo que o discurso seja o de construir saber, para ser degustado e
socializado, geralmente o processo é o inverso. Os melhores são promovidos e os
demais são relegados e excluídos. Nesta competição para saber quem é mais e
melhor, afloram sempre atos anti-sociais.
3. A herança familiar
Apesar de que as causas da violência de correm de uma
enormidade de fatores e, mesmo que fossem inventariados não necessariamente
indicam a supressão dos atos violentos. Em todo caso, das violências que se
manifestam nas escolas, além das que decorrem de maus tratos, de abusos sexuais
de autoritarismo dos pais, da ingestão de bebidas alcoólicas e estupefacientes,
os pais muitas vezes constituem a causa quando participam diretamente das
agressões e se acham no direito de proteger seus filhos porque os protegem
excessivamente. Também as escolas nem sempre estão habilitadas para lidar com
atos violentos porque estigmatiza e marginaliza certos alunos, ao contrário dos
discursos de posturas altamente inclusivas.
Bem sabemos que muitos atos violentos nas escolas vêm de
fora para dentro e, impõem regras de desrespeito no ambiente familiar, porque
certos contextos sociais favorecem a violência. Isto também é normal em
qualquer outro ambiente onde a normalidade do relacionamento é rompida, mas sem
envolver quadros mórbidos ou patológicos, pois, quando a ruptura ou desencontro
ocorrem, ocorre um retorno ao estado da normalidade anterior.
A mudança da vida familiar nas últimas décadas
certamente contribui com parte da agressividade dos jovens. A concentração nas
áreas urbanas, o migração em busca de emprego e melhores condições de vida,
afetam muitos ambientes domésticos com inseguranças, medos e fatores de risco.
Com isso, o processo da infância e adolescência ocorre com menos companhia dos
pais em relação a outros tempos do passado. Muitas famílias não têm vida
familiar e os filhos, para ficarem sossegados diante das interpelações por
afeto, amparo e segurança básica, são agraciados com mais coisas de que
precisam, porém, sem critérios morais, sem apoio emocional e sem perspectivas
que lhes apontem itinerários de identidade.
Com muitas geringonças eletrônicas os pais pressupõem
que os filhos se encaminhem muito bem na carreira da “cultura do êxito”, pois
deles não esperam nada menos do que a condição de serem heróis e vencedores. Os
filhos, quando não se identificam com as exigências do consumismo, ou se sentem
desprovidos de habilidades para tal êxito, além dos sentimentos de
incapacidade, de inferioridade e de culpa, tornam-se prisioneiros das imagens
de nulidade, o que os induz às tentativas de vencer os medos e a fazer algo que
possa despertar admiração e impacto social. Mas o ideal mais insinuado pela
mídia é o de carreiras que não requerem estudo e nem escolaridade: basta
apostar na carreira futebolística e de modelo para desfile em passarelas, o que
apenas requer força, músculo, agilidade e beleza.
Como os filhos tendem a ficar submetidos a um clima de
solidão e estresse, a tendência é a de extravasar comportamentos agressivos em
salas de aula, porque vivendo muito sozinhos e indefesos, tendem a absorver
poucas regras e limites para o comportamento.
4. O uso dos dispositivos eletrônicos
Os dispositivos
eletrônicos não constituem fonte direta de atos violentos, indisciplina e
incivilidade. Estes fenômenos sempre ocorreram, mas existe uma peculiaridade
própria de nossos dias em que a inobservância de responsabilidades e os
considerados edificantes traços de solidariedade, cooperação e boa convivência,
tendem a dar lugar para atos mais agressivos, para desrespeito, para
indiferença e para o desaparecimento dos referenciais de alteridade, isto é,
perde-se a capacidade de percepção do outro, como semelhante, e, dotados dos
mesmos traços de emoções e de sentimentos.
Sem
este quadro de referências, algumas coisas costumeiras desaparecem: alunos e
professores tendem a afastar-se de programas fora das salas de aula; a direção
perde muito tempo em torno de cobranças de material danificado; muito dinheiro
é investido em reposição de material danificado e sobra menos para aquisição de
materiais com inovação pedagógica. Ao lado destes sinais, ampliam-se os
históricos de permissividade doméstica que faz os filhos crescer quase
autônomos, sem normatividade de exigências e sem limites para o que desejam. Ao
chegarem à escola, a disciplina, as exigências e os limites acabam despertando
irritabilidade e favorecendo indisciplina e incivilidade que, dependendo do
desfecho, pode acabar em atos violentos. Certamente por isso que uma pesquisa
feita no ano de 2000 em 496 escolas da rede estadual de São Paulo apontou que
muito poucos jovens acreditam que seu futuro possa ser melhor através da
educação escolar. No levantamento de dados sobre o porquê da agressividade foi
apontado como elemento principal uma falta de perspectivas, a descrença nas
instituições, o desinteresse pela escola, a falta de identificação com os
professores e com a escola.
Ocorre
que crianças, adolescentes e jovens se vêem cada vez mais atraídos por objetos
que não conseguem comprar. Como o sistema capitalista nega o valor do Outro,
como ser humano digno de respeito, de valor e de dignidade, oferece no lugar da
derrubada destes ideais, o imperativo do gozo. A lógica do discurso capitalista
já não é a de favorecer o outro, mas com o gradual e crescente consumo de objetos
produzidos para serem cada vez mais consumidos e descartados. Sem o descarte
não haveria interesse por algo novo. A ordem das propagandas e a de que
crianças e jovens precisam de “gadgets”, ou seja, uma parafernália de
dispositivos eletrônicos como celular, smartphone, leitores de mp3, PADs, etc.
Estes
dispositivos eletrônicos são fabricados com vistas a um segundo interesse: como
os outros não preenchem a voracidade do consumo e frustram por não levar ao alcance
do que prometem, possam substituí-los. Já não vêem sujeitos diante de si, mas
um mundo de consumidores cada vez mais afoitos por novidades, que funcionam
como latusas de manutenção do próprio sistema. Para os que são despertados a
sonhar com o desfrute das aquisições, mas que não dispõem dos recursos para o
consumo porque se encontram segregados na sociedade consumista, o que pode
manifestar-se senão um desencadeamento de agressividades em relação a si e aos
outros?
Uma
vez substituídos as tradicionais idealizações em torno da convivência e do
sentido do Outro, apresenta-se a latusa (um neologismo da linguagem lacaniana)
de conseguir algo ainda melhor que possa propiciar o máximo de gozo. Esta
violência simbólica atinge o âmago da educação. Se o importante é o máximo de
gozo que possa ser gozado, como não aproveitar o consumo de drogas, como não
tomar coca-cola todos os dias se ela vem associada à alegria de viver?
De
nada adianta pretender coibir o consumo de drogas se ela é uma das latusas que
assegura gozo. O amplo horizonte de potencialidades de consumo para quem se vê
situado num nível de exclusão social é pelo menos tentar apelar para as
latusas. Como são despertados a possuir uma enormidade de utensílios e como não
se encontram com recursos de adquiri-los, certamente não vão conformar-se a
vida inteira com uma simples inveja dos outros privilegiados da compra destes
objetos. Se podem somente olhar sem tocar e manusear, sentirão, com certeza
ímpetos para adquiri-los de formas ilícitas.
Como
o modelo capitalista pressupõe que todas as crianças, adolescentes e jovens são
iguais para ter acesso às mesmas coisas, a padronização se sobrepõe a toda
tentativa de educar para o respeito e a convivência harmônica. Na verdade, o
modelo de desenvolvimento que nos é apresentado especialmente pelo discurso
norte-americano, este sim é a fonte primigênia de muitas manifestações de
violência no âmbito das escolas. Ainda que não o desejem os professores se
constituem em fontes para privilegiar os mais habilidosos e avantajados na
utilização dos utensílios eletrônicos e se tornam mediação para a segregação e
exclusão que transforma a fase juvenil em categorização de objeto. Assim, a
mídia eletrônica, movida pela indústria cultural, que fabrica objetos e inventa
necessidades para que sejam consumidos como fontes de gozo, gera a contradição
de pressupor o gozo amplo e generalizado e pratica a violência contra uma
enorme demanda que não tem a menor possibilidade de alcance deste pressuposto
gozo.
Na
lógica do sistema está uma promessa de que o objeto de satisfação perene e
transforma o desejo em necessidade. Neste engodo compensatório desmantelam-se
os laços sociais porque as pessoas são envolvidas na dependência do consumo de
objetos. Deste modo os sujeitos são alienados porque são absorvidos pelo
imperativo do consumo. Ao estimular o consumo o sistema capitalista já não
regula a boa convivência, mas induz a um individualismo frustrante que gera
violência.
Conclusão
Os atos violentos que ocorrem em
escolas precisam ser vistos dentro de suas proporções e dentro dos parâmetros
que permitem sua manifestação. Tempos seculares admitiam atos violentos por
parte dos professores. Os alunos sempre constituíram o lado das vítimas destes
atos violentos. A legislação das últimas décadas, ao desautorizar esta
violência, inverteu o quadro e deixou os professores em situação de “bodes
expiatórios” no meio de um “fogo-cruzado” entre a violência da direção e a dos
alunos.
Se
os professores praticaram, por longo tempo, violência física, psíquica e moral,
amparados pela sociedade que considerava edificante tal prática, a proibição
desta prática permitiu o extravasamento da agressividade dos alunos. Talvez
falte uma legislação que estabeleça limites ao livre arbítrio dos alunos. Por
outro lado, a violência da direção vem geralmente caracterizada por formas
simbólicas ou indiretas, através de cobranças de procedimentos e atividades.
A
exploração dos efeitos de famílias desajustadas, por outro lado, ajuda a
encobrir os graves problemas sociais, sobretudo o da estratificação de classes,
que muito mais do que problemas psíquicos, é fonte e fator de violência. Afinal,
se uns conseguem quase tudo quanto desejam, porque outros precisam ficar
privados?
A
protelação do gozo efetivada pela onda consumista é certamente um dos maiores
fatores de violência porque frustra diuturnamente os obcecados pelo consumo que
não encontram o gozo prometido. Com o pressuposto de que todas as pessoas têm o
mesmo potencial de consumo, todas são despertadas e movidas por desejos
intensos de aquisição de produtos, mas, simultaneamente a maior parte se sente
frustrada porque sequer tem as necessárias condições para tal aquisição. Por
isso a parafernália de dispositivos eletrônicos, além de não suprimir os
desejos e nem o gozo, aprofunda a perda do sentido do outro, da boa convivência
porque leva à obsessiva focagem de interesses na aquisição de objetos, com a
expectativa de ser feliz.
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