quinta-feira, 31 de outubro de 2013

A vetusta mandona



            Dona Jesuína tem a subida honra de encontrar-se em provecta idade. Apesar de seu rico passado, ela, no entanto, intriga pela forma como manda nas pessoas. Tudo bem que foi supermãe e professora por longo tempo, mas parece viver demais dos louros deste passado. O rosto enrugado gera certa condescendência com sua vida de muitas histórias, mas dona Jesuína ainda se mantém altiva e não dá sinais de entregar-se tão cedo no super-controle dos filhos.
            A infância da dona Jesuína foi deveras difícil. A gestação foi de alto risco e, o nascimento, marcado por um clima de inseguranças e de incertezas. Ela, todavia, sobreviveu. A infância foi humilde, despretensiosa e marcada por muitas intrigas em torno do seu legado. Na adolescência, Jesuína começou a experimentar o valor dos encantamentos e sua imagem tornou-se notória e ela passou a ser ovacionada até por quem a relegou à existência desprezível. Como era humilde, discreta e servidora, soube transcender os contratempos e abrir-se como uma bela flor para enlevo das almas benditas.
            Na medida em que Jesuína se tornou adulta, começou a encher-se de poder, de autoconfiança e de pretensões universalistas. Se uns a admiravam pela beleza de suas obras e pela sua bela imagem, outros passaram a vê-la como uma grande dama da humanidade. Enquanto ia se distanciando e se esquecendo gradualmente mais da sua origem, Jesuína passou a entusiasmar-se, proporcionalmente mais, pelo alcance infinito do seu presumido poder, pois, descobriu que seu poder era espiritual e que, por isto mesmo, deveria fazê-lo chegar até os confins da Terra. Adveio dali a convicção de que deveria reger todos os povos e todas as culturas do planeta. Vieram, então, negociatas, intervenções, e uma série de procedimentos autoritários e nada simpáticos.
            O casamento de Jesuína com o fastidioso e egrégio poder, propiciou-lhe muitos filhos, mas, também muitas ciumeiras, intrigas e descontroles da boa índole. Alguns filhos chegaram a ameaçar ruptura de relações com a família, mas dona Jesuína tinha um poderoso amparo para não ceder em nada: fundamentava-se na tradição e no que considerava o mais natural e precípuo da natureza humana. Ainda que alguns dos filhos quisessem mover dona Jesuína para ceder em alguns pontos do relacionamento, ela, no entanto, mostrava o grande anel no dedo anular, como expressão mais excelsa da plenitude da sua aliança, e os mandava ficar calados. Ademais, gostava demais apontar para a touca branca que escondem seus cabelos, agora já grisalhos, para salientar que esta se constitui no apanágio do que de melhor fez ao longo de toda a sua existência.
            Os tempos foram passando e parte dos filhos de dona Jesuína resolveu romper com os laços familiares, mas, ela, prossegue impassível seu itinerário de poder estribado sobre a extensa tradição do seu passado. Por isso mesmo, se auto-interpreta como mãe e professora, que sabe ensinar e educar para as certezas do futuro. Embora diga que ninguém como ela sabe acolher os filhinhos debaixo das asas, igual a uma choca que ampara e que protege os pintainhos, dona Jesuína sequer chega a cogitar outras possibilidades de eventuais formas de relação que não sejam as de mãe e professora.
            A seu favor dona Jesuína, não soma apenas o passado, mas, também a condição de ser a melhor mediadora para o futuro dos filhos. Tal argumentação lhe propicia imensa segurança em torno do que faz e do que manda. Nas conversas gerais dona Jesuína sabe tudo o que os outros precisam fazer para serem felizes, mas ela mesma dá poucos sinais que poderiam servir de indício desta sabedoria da sua maternidade agregada ao magistério.
            Hoje, vetusta, sobrevivente exitosa de longa história de dificuldades solucionadas, dona Jesuína se auto-apresenta como aquela mulher sábia que possui as virtualidades de orientar para além dos seus filhos, e que, sua palavra está impregnada de uma força especial para transformar vidas mediante lumes que aponta para a humanidade.

 O despautério é que pouca gente escuta efetivamente dona Jesuína. Alguns aparentam escutá-la, falam muito do seu nome e do seu rico passado, mas passam distantes de fazer o que ela pede. Outros a escutam para alguns aspectos convenientes e em alguns momentos festivos, mas, não a levam a sério em nada. Outros, ainda, procuram o calor sob suas asas apenas para desfrutar das vantagens que não encontrariam sob outras asas, caso tivessem que assumir sua história pessoal. Alguns, evidentemente, leais, sinceros, desfrutam dos mimos de dona Jesuína porque se colocam ao seu lado para afirmar o poder, mas com a evidente expectativa de aproximar-se na ascendência a dona Jesuína e também mandar como ela. Ainda outro pequeno resto dos filhos, pelo menos, se esforça para ser coerente ao que ela ensinou e apesar de considerá-la um tanto desprovida dos plenos poderes da lucidez de outrora, lembram que ela como professora, de fato, falava alto demais e com excessivo autoritarismo, mas, que continua a ser a boa mãe Jesuína que apesar de seu jeito de ser mandona, afirma valores dignos de serem vividos.

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