quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O Jacó do Frederico



            O Jacó era um moço extrovertido, sempre tinha assunto para muitas horas de conversa. Gostava de vir, acompanhado de seu irmão Celso, fazer visitas à nossa casa.
            Geralmente vinha de pés descalços. Com o passar de alguns anos, fora agraciado por um corpo alto, robusto e forte, beirando um metro e noventa centímetros de altura e, aqueles pés de calçar sapatos com número 45 para mais, constituíam o maior foco dos desvios de atenção.
            Ao se retribuir a visita à casa de Jacó, já não eram aqueles pés enormes que prendiam a atenção, mas a cabeça e o rosto do seu Frederico, pai do Jacó. Formavam um conjunto luminoso diante dos raios dos pequenos lampiões movidos a querozene, refletidos pelo vermelho intenso do rosto inchado de tanto tomar cachaça e da cabeça careca, que parecia fazer parte do mesmo círculo de irradiação da cor avermelhada.
            Quando não andava bêbado demais, o seu Frederico era muito divertido, porque sua conversa, intercalada por tosse intensa, e as constantes cusparadas de catarro, geralmente era hilariante.
            Alcoólatra inveterado desde muitos anos, Frederico não produzia, com seu trabalho nas lidas agrícolas, mais do que o necessário para matar a sede de cachaça. A esposa e os filhos, mesmo sem maiores recursos, asseguravam o suprimento alimentar e se apresentavam no nível social da comunidade.
            Embora Frederico tivesse morrido cedo, pensava-se que seus filhos jamais iriam enveredar pelo caminho do pai, mas, foi ledo engano. Poucos anos depois de casados, Jacó e Celso imitaram o itinerário da dependência alcoólica do pai.
             Celso, diante de cirrose hepática aguda, conseguiu depois de muita lida médica abandonar o vício e, ainda hoje, continua a ser um homem discreto e bom, mas Jacó, o especial amigo, continua alegre e divertido como nos tempos de menino, mas herdou, com as terras do pai, o mesmo defeito de gostar demais da pinga. Pelo menos num traço superou largamente o pai: trabalha ainda menos e, de fato, se não tivesse a esposa trabalhando numa função pública, já estaria morto, de fome e sede, há muito tempo.
            Numa outra peculiaridade Jacó também superou seu pai, pois, Frederico somente bebia às escondidas na casa. Jacó tem um ritual diário e muito especial. Bebe nos bares e nas festas e, em todos os dias, leva uma garrafa para casa. Faz rodízio nos bares da cidade e vai a cada dia num outro bar comprar a dita garrafa de cachaça para disfarçar seu consumo. Assim que chega ao bar, animado e conversador, vai falando para o bodegueiro e os demais que ali se encontram:
- Pois é! O pessoal me avisou que vai fazer uma visita lá em casa, hoje de noite, e, o melhor e mais fácil e mais barato para expressar-lhes um sinal de acolhida, é oferecer-lhes uma caipirinha!
            Ele já tem uns bolsos tão grandes nas calças que neles esconde a garrafa e sai andando sem despertar suspeitas nos transeuntes que eventualmente o olham de alto a baixo. Embora Jacó receba visitas só de vez em quando, ele se encarrega de secar a garrafa de pinga todos os dias, porque ela poderia azedar de um dia para outro e vir a fazer mal à saúde.
            Sem considerar o capítulo da preguiça do Jacó, ele pode sofrer, mas não se queixa para ninguém. Da estrada até a casa onde Jacó mora, existe mato e inço de todo tipo imaginável. O que mais tem é Guanchuma. Volta e meia, alguns rapazes vão lá e amarram dois pés de Guanchuma, puxando um de cada lado, sobre o trilho, e o Jacó, que não costuma olhar para o chão quando caminha, enrosca nesta arapuca, cai feio como uma árvore serrada no pé do tronco, se retorce, mas, não emite xingamentos contra ninguém e nem reclama da vida. Nem mesmo quando vão especular sobre os tais tombos para saberem se a garrafa de cachaça foi salva ou não, ele não se atrapalha: tem sempre uma explicação bem humorada para explicar o dito sinistro.
            A cabeça do Jacó já se encontra careca igual à do seu falecido pai Frederico. O rosto já se encontra redondo e inchado como era o do seu pai, mas num aspecto Jacó ainda leva vantagem: não está ainda com tosse brônquica aguda, nem com cirrose hepática avançada e ainda não cospe catarro como seu pai Frederico.
            Seria fatalidade da vida que a história de um pai se repete na vida de um filho? Seria uma predisposição genética ou uma labilidade psíquica, ou uma indução do ambiente cultural?
O bom companheiro Jacó, desde os tempos de infância, continua a ser o bom e alegre homem que não perde nenhum evento social da comunidade e sempre está de boa lua com a vida. Presume-se que a malvada cachaça, deve preencher, pelo menos no desejo, o suprimento de uma série de labilidades subjetivas ou de frustração afetiva.
 Por outro lado, representa também a dimensão contraditória da produção deste líquido estimulante, pois o excessivo bombardeio das propagandas sobre os benefícios do consumo desta malvada pinga, visa somente o lucro do vendedor. Neste caso, o bom Jacó do consumo diário é mais uma pobre vítima de um sistema perverso que alardeia o vício e mata antes do tempo normal da duração da vida.

















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