O Jacó era um moço extrovertido,
sempre tinha assunto para muitas horas de conversa. Gostava de vir, acompanhado
de seu irmão Celso, fazer visitas à nossa casa.
Geralmente vinha de pés descalços.
Com o passar de alguns anos, fora agraciado por um corpo alto, robusto e forte,
beirando um metro e noventa centímetros de altura e, aqueles pés de calçar
sapatos com número 45 para mais, constituíam o maior foco dos desvios de
atenção.
Ao se retribuir a visita à casa de
Jacó, já não eram aqueles pés enormes que prendiam a atenção, mas a cabeça e o
rosto do seu Frederico, pai do Jacó. Formavam um conjunto luminoso diante dos
raios dos pequenos lampiões movidos a querozene, refletidos pelo vermelho
intenso do rosto inchado de tanto tomar cachaça e da cabeça careca, que parecia
fazer parte do mesmo círculo de irradiação da cor avermelhada.
Quando não andava bêbado demais, o
seu Frederico era muito divertido, porque sua conversa, intercalada por tosse
intensa, e as constantes cusparadas de catarro, geralmente era hilariante.
Alcoólatra inveterado desde muitos
anos, Frederico não produzia, com seu trabalho nas lidas agrícolas, mais do que
o necessário para matar a sede de cachaça. A esposa e os filhos, mesmo sem
maiores recursos, asseguravam o suprimento alimentar e se apresentavam no nível
social da comunidade.
Embora Frederico tivesse morrido
cedo, pensava-se que seus filhos jamais iriam enveredar pelo caminho do pai,
mas, foi ledo engano. Poucos anos depois de casados, Jacó e Celso imitaram o
itinerário da dependência alcoólica do pai.
Celso, diante de cirrose hepática aguda,
conseguiu depois de muita lida médica abandonar o vício e, ainda hoje, continua
a ser um homem discreto e bom, mas Jacó, o especial amigo, continua alegre e
divertido como nos tempos de menino, mas herdou, com as terras do pai, o mesmo
defeito de gostar demais da pinga. Pelo menos num traço superou largamente o
pai: trabalha ainda menos e, de fato, se não tivesse a esposa trabalhando numa
função pública, já estaria morto, de fome e sede, há muito tempo.
Numa outra peculiaridade Jacó também
superou seu pai, pois, Frederico somente bebia às escondidas na casa. Jacó tem
um ritual diário e muito especial. Bebe nos bares e nas festas e, em todos os
dias, leva uma garrafa para casa. Faz rodízio nos bares da cidade e vai a cada
dia num outro bar comprar a dita garrafa de cachaça para disfarçar seu consumo.
Assim que chega ao bar, animado e conversador, vai falando para o bodegueiro e
os demais que ali se encontram:
- Pois é! O
pessoal me avisou que vai fazer uma visita lá em casa, hoje de noite, e, o
melhor e mais fácil e mais barato para expressar-lhes um sinal de acolhida, é
oferecer-lhes uma caipirinha!
Ele já tem uns bolsos tão grandes
nas calças que neles esconde a garrafa e sai andando sem despertar suspeitas
nos transeuntes que eventualmente o olham de alto a baixo. Embora Jacó receba
visitas só de vez em quando, ele se encarrega de secar a garrafa de pinga todos
os dias, porque ela poderia azedar de um dia para outro e vir a fazer mal à
saúde.
Sem considerar o capítulo da
preguiça do Jacó, ele pode sofrer, mas não se queixa para ninguém. Da estrada
até a casa onde Jacó mora, existe mato e inço de todo tipo imaginável. O que
mais tem é Guanchuma. Volta e meia, alguns rapazes vão lá e amarram dois pés de
Guanchuma, puxando um de cada lado, sobre o trilho, e o Jacó, que não costuma
olhar para o chão quando caminha, enrosca nesta arapuca, cai feio como uma
árvore serrada no pé do tronco, se retorce, mas, não emite xingamentos contra
ninguém e nem reclama da vida. Nem mesmo quando vão especular sobre os tais
tombos para saberem se a garrafa de cachaça foi salva ou não, ele não se
atrapalha: tem sempre uma explicação bem humorada para explicar o dito
sinistro.
A cabeça do Jacó já se encontra
careca igual à do seu falecido pai Frederico. O rosto já se encontra redondo e
inchado como era o do seu pai, mas num aspecto Jacó ainda leva vantagem: não
está ainda com tosse brônquica aguda, nem com cirrose hepática avançada e ainda
não cospe catarro como seu pai Frederico.
Seria fatalidade da vida que a
história de um pai se repete na vida de um filho? Seria uma predisposição
genética ou uma labilidade psíquica, ou uma indução do ambiente cultural?
O bom companheiro Jacó, desde os tempos de infância, continua a ser o bom
e alegre homem que não perde nenhum evento social da comunidade e sempre está
de boa lua com a vida. Presume-se que a malvada cachaça, deve preencher, pelo
menos no desejo, o suprimento de uma série de labilidades subjetivas ou de
frustração afetiva.
Por outro lado, representa também
a dimensão contraditória da produção deste líquido estimulante, pois o
excessivo bombardeio das propagandas sobre os benefícios do consumo desta
malvada pinga, visa somente o lucro do vendedor. Neste caso, o bom Jacó do
consumo diário é mais uma pobre vítima de um sistema perverso que alardeia o
vício e mata antes do tempo normal da duração da vida.
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