terça-feira, 31 de março de 2015

Renovação na vivência da fé



            De Jesus Cristo recebemos o mandato missionário de evangelizar e, no dinamismo de “saída”, que a Igreja de nossos dias espera dos agentes missionários, somos também convocados a “ousar” nas iniciativas que possam aproximar-nos mais dos traços centrais de quem nos convoca (EG, 24).
          O anúncio renovado do Evangelho, gerador de alegria na fé e fecundidade evangelizadora, igualmente nos interpela ao verdadeiro dinamismo da realização pessoal. “A vida se alcança e amadurece na medida em que é entregue para dar vida aos outros” (EG, 10).
            O Sínodo dos Bispos de 2012 já salientou que a evangelização requer atuação em três âmbitos: a) o da pastoral ordinária dos que regularmente frequentam a comunidade; b) o das pessoas batizadas que não vivem as exigências do Batismo e que já deixaram de pertencer à Igreja; c) o dos que não conhecem Jesus Cristo ou que o recusaram (EG, 14).
            As Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, por sua vez, indicam urgências e interpelações para que as comunidades se constituam em Igrejas de permanente atividade de evangelização; que criem espaços para ampliar e qualificar a iniciação à vida cristã; que se constituam numa rede de comunidades; e, que também se constituam num serviço humanitário eficaz para a vida mais plena das pessoas e dos ambientes da natureza.
            O Papa Francisco, na sua intuição profética, sugere que não convém esperar do magistério papal uma palavra definitiva ou completa a respeito da Igreja e do mundo; e, ao afirmar que não lhe cabe substituir os episcopados locais no discernimento de todas as problemáticas que se destacam em seus territórios (EG, 16), salientou: “Cada Igreja particular, porção da Igreja Católica sob a guia do seu bispo, está, também ela, chamada à conversão missionária” (EG 30). Tal desafio requer abertura à ação do Espírito Santo, a fim de captar uma moção, ou força interior que entusiasma, encoraja e que dá sentido ao agir pessoal e comunitário: “Como gostaria de encontrar palavras para encorajar uma estação evangelizadora mais ardorosa, alegre, generosa, ousada, cheia de amor até o fiel e feita de vida contagiante! (EG, 261).
            Assim como os primeiros cristãos e, tantos outros que nos antecederam na fé souberam alargar o transbordamento de alegria, de coragem e de dedicação no anúncio, bem como o de fortalecer-se numa grande resistência ativa (EG 263), nós, com a riqueza de nossas capacidades, - no discipulado de Cristo, - somos também incitados a lidar com a nova territorialidade de pertença afetiva dos ambientes urbanos e da comunicação através da tecnologia eletrônica.
            O Documento de Estudo da CNBB sobre os leigos, nos surpreende já no título “Leigos na Igreja e na sociedade”, para serem sal e luz. Aponta o importante protagonismo dos batizados para o testemunho e a ação eficaz na sociedade. Tal perspectiva requer uma importante conversão pastoral da paróquia, como tão bem sugere o documento da CNBB: “Comunidade de comunidades – uma nova paróquia (Doc. 100). Indica-se ali uma possível mediação para revitalizar as comunidades no caminho do discipulado de Jesus Cristo. O referido documento também aponta para a necessária descentralização, revisão da atuação dos ministérios ordenados, consagrados e leigos, com vistas a uma efetiva conversão pastoral.
Como a Igreja faz parte deste mundo globalizado de nossos dias, que tende a nivelar as diferenças sociais e a favorecer o consumo individualista, cabe aos cristãos membros desta Igreja um diálogo edificante, mas, igualmente, um serviço eficiente que possa ajudar a diminuir os imensos problemas do mundo hodierno. Tal ação missionária requer discernimento a fim de que, neste mundo plural, relativo, secular, tecnológico, hedonista e consumista, se percebam muitas interpelações de Deus e se estabeleçam escolas de convivência, de organização comunitária e de comunidade, como espaços privilegiados para maior humanização.
            Vem ocorrendo uma tendência induzida pela tecnologia da comunicação e regida por um poder anônimo, que incrementa cada dia mais, uma busca de satisfação pessoal através de consumo intenso, ao lado da hiper-valorização da imagem e da aparência. Ao mesmo tempo, evidencia-se pouca atenção ao real e certa inércia diante dos graves sofrimentos humanos que afetam a maior parte do gênero humano.
Ao lado desse desvio induzido, a promessa liberal do ajuste do equilíbrio de mercado para a solução dos graves problemas sociais, na verdade, não aponta indícios de bons resultados, pois, vem ampliando a diferenciação social, econômica, política e cultural. Simultaneamente, prolifera a escandalosa corrupção, o enriquecimento ilícito, e, por outro lado, as relações familiares, comunitárias e sociais refletem notável processo de degradação. Os meios de comunicação social induzem a comportamentos cada vez mais uniformizados e sectários e que quebram os sentimentos de pertença à família e à comunidade.
 Diante deste quadro, recai sobre nós uma enorme responsabilidade para ajudar a melhorar o rumo da nossa história. Como discípulos de Cristo para a construção do Reino de Deus, somos interpelados a revigorar nosso empenho, a fim de nos constituir em autênticos sujeitos eclesiais, que, de modos adequados à cultura do nosso tempo, descobrem novo jeito de expressar afeto, amor, alegria e fé aos demais e à natureza. As variadas pistas de ação indicadas pelo documento 100 da CNBB, certamente nos ajudarão a alcançar uma notável renovação pastoral e espiritual na evangelização.


sábado, 28 de março de 2015

Mais uma vez Páscoa!



            As mui antigas festas agrícolas de nômades do oriente médio, em torno do nascimento de carneiros e de outros filhotes de animais que nasciam no início da primavera, levavam à celebração festiva do fenômeno da vida que se renovava. Quase paralelamente, a incipiente agricultura, levava também, na colheita dos primeiros grãos, a celebrações festivas parecidas, pois, também evidenciava a certeza de uma esperança: teriam comida para mais um ano.
            A possibilidade de olhar para frente com esta certeza, constituía, sem dúvida, um clima de exuberância na lida cotidiana, capaz de dar sentido a uma festividade: uma alegria interior e partilhada, permitia lembrar o passado e recriava motivações boas para captar as grandezas de Deus, nestes ciclos de renovação da vida, e motivava continuidade na dura lida para que o ciclo da produção de alimentos e da renovação da vida pudesse perpetuar-se.
            Estas festas espontâneas do sentimento religioso despertaram uma tradição que perpassou muitíssimos séculos e que, de repente, foram alargadas com mais um significado: uma experiência da ajuda explícita de Deus para a formação do povo de Israel, porque diversas tribos escravizadas no Egito conseguiram organizar-se e fugir daquela condição humilhante e sentiram participação efetiva de Deus. Foi um percurso dramático, difícil e muito sofrido, mas, simultaneamente, amadureceu a consciência de pertença e a elevação do sentimento religioso, que culminou num grande pacto no alto de uma montanha: a aliança de dez regras para se entenderem, se respeitarem e continuarem no privilégio da proximidade de Deus.
            Junto com os antigos sinais de carnes e grãos, a memória da saída do Egito levava os filhos de judeus a reler os textos que narravam o surgimento da constituição do povo de Israel, e, tal memória, despertava um clima de muita alegria, celebrada como passagem, que apontava novas e boas motivações para viver com mais intensidade o sentido dos dez mandamentos.
            Da memória dos acontecimentos da semana derradeira da vida de Jesus Cristo, morto, precisamente quando se celebrava com grande fervor religioso a festa da Páscoa, nós cristãos passamos a assimilar uma quarta razão de sentido para esta antiga festa: ao lado da memória das tradições ancestrais do povo da Bíblia, recordamos uma manifestação ainda mais expressiva da parte de Deus, pois, na vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo, Deus manifestou estima e misericórdia profunda à condição humana toda.
            Ao lado das passagens dos ciclos de vida, que se renovam com a natureza, e, da passagem do povo através do deserto na fuga do Egito, lembramos também a passagem de Jesus Cristo na condição humana e nos damos conta da nossa passagem pela vida. Por isso, na memória da culminância do amor de Deus, explicitada em Jesus Cristo, não só renovamos nossas esperanças de transcendência, mas, também integramos o sentido da cruz, do sofrimento e da causa maior que se antecipa na esperança: como Jesus se transcendeu ao longo da sua vida, esperamos aproximar-nos do seu itinerário, na certeza de que o amor de Deus nos redime. Por isso celebramos “Feliz Páscoa”!


sexta-feira, 27 de março de 2015

Ambições felinas


Enquanto a voracidade,
De seres famigerados,
Amontoa à saciedade,
Deixa outros relegados.

 O tanto que abocanham,
Não supre as ambições,
Pois ainda se assanham,
Para serem mais vilões.

Ao serem contrariados,
Na ambição possessiva,
Apelam a atos variados,
De proteção defensiva.

Contra-atacam com fúria,
Para denegrir a imagem,
De quem na sua penúria,
Não espera a sacanagem.

Tramam vasta difamação,
Sob a roupagem decente,
                                                              E justificam sua má ação,
Como gesto competente.

Sem o êxito na ambição,
Mostram-se meticulosos,
Para requerer, na coação,
Os pérfidos planos dolosos.

 Este tão antigo resquício,
De níveis de classe social,
Causa tão insano suplício,

De desumano referencial.

quarta-feira, 25 de março de 2015

Entusiasmo passageiro



            O humor é afetado por muitas e imprevisíveis situações. Ora é surpreendido por quadros desagradáveis, ora por encantadoras surpresas. Em alguns momentos o humor alarga o melhor dos entusiasmos; já em outros, aponta melancólico desfecho de algo que parecia importante e valioso.
            O entusiasmo por algo novo, estável, melhor e mais duradouro, marca grandes momentos existenciais, geralmente celebrados com ritos de passagem e com as melhores promessas. Mesmo assim, certos momentos marcantes fenecem rapidamente, porque aparecem outros horizontes e possibilidades totalmente inéditas; ainda outros grandes pactos se fragilizam, com o tempo, por falta de atualização. Mesmo aqueles melhores entusiasmos que queremos tornar inesquecíveis, precisam ser reativados para continuar a nos encantar.
            O entusiasmo depende muito mais do que da vontade própria, do entorno dos ambientes sociais e coletivos e, facilmente, leva-nos a oscilar de uma perspectiva a outra: vai-se ao encontro de alguém para expressar alegria e amizade e volta-se frustrado; quer-se fazer um protesto pacífico e acaba-se em atos de violência; quer-se honrar a palavra dita, prometida e confirmada e, rapidamente, faz-se o avesso.
            A proximidade da celebração da Páscoa, culminada na grande passagem de Jesus, nos ativa a memória de como foi curto o entusiasmo dos que receberam Jesus na entrada de Jerusalém. Num momento, acolheram-no com os mais expressivos símbolos da alegria e do contentamento e, poucos dias depois, já se posicionaram do outro lado, e toleraram sua eliminação através de morte, pregado numa cruz. Os textos evangélicos salientam que, ao lado da efusiva acolhida, Jesus entrou na cidade montado num jumento.
Trata-se de um símbolo muito importante: reis, nobres, guerreiros e invasores entravam nas cidades montados em cavalos amestrados e velozes. Jamais alguém ousaria confrontar-se montado num jumento para guerrear contra alguém sobre um cavalo e, tampouco, alguém ousaria fazer guerra utilizando-se da montaria de jumentos, pois, são animais lerdos, embora fortes pelo seu tamanho.
A recordação deste episódio da semana que antecedeu a morte de Jesus Cristo, desperta a constatação de quão facilmente também nós esquecemos propósitos, pactos, promessas e solenes celebrações de procedimentos para o resto da vida, mas que, por razões as mais variadas, esfriaram, perderam elã e, de repente, passaram a ser vistos como um jugo insuportável ou como situação sem nenhum sentido e, por isso mesmo, foram relegados.
 Possa a nossa motivação despertada em torno da memória da Páscoa, reavivar o entusiasmo pelos bons sentimentos de passagem a fim estes voltem a apontar mais qualidade ao nosso oscilante mundo de entusiasmos e tornar mais estáveis as forças da ação solidária e da boa conservação do planeta.


sexta-feira, 20 de março de 2015

Provas para crer



São tantos os desejosos,
De pródigos atos divinos,
E, em anseios fervorosos,
Revelam modos cretinos.

Na pretensão mercantilista,
De bom negócio com Deus,
Esperam da ação paternalista,
O efeito instantâneo de Deus.

Ao pedir provas antecipadas,
Para posterior ativação de fé,
Relegam as ações postergadas,
Das vivências cotidianas da fé.

Se das palavras do salvador,
Não decorrem atos eficazes,
E nem comiserações na dor,
Como supor sinais eficazes?

Mais do que olhar e adorar,
Ele propõe o ato de acolher,
Seu modo de falar e de orar
                        Para nutritivos frutos colher.

No desempenho do humano,
A lida que tanto engrandece,
É a de elevar todo o profano,

Para integralizar o que fenece. 

quarta-feira, 18 de março de 2015

Retidão e honestidade



            Um dos assuntos mais falados e comentados dos últimos meses é, certamente, o do impacto da corrupção e da desonestidade de pessoas que dizem trabalhar para o bem do povo.
            Numa afronta à legislação e num desrespeito profundo aos direitos auferidos ao povo, iguais a todas as pessoas deste país, a ambição desmesurada de parte deste povo, deixa a outra grande maioria das pessoas em situações muito precárias e difíceis.
            Se olharmos para a história do povo bíblico, vemos que algo similar se manifestou em diversos momentos. Basta lembrar os discursos dos profetas, sobretudo, nos períodos de monarquia. Na intuição destes profetas manifestava-se uma tônica e uma esperança comum: um olhar para além da crise e do momento desanimador, provocado pela desonestidade e falsidade ideológica de setores daquela sociedade.
Os profetas, ao mesmo tempo, reliam o passado e procuravam detectar as raízes causadoras do desequilíbrio social. Jeremias (31,31-34), por exemplo, num momento de crise aguda, apontava a misericórdia de Deus diante da quebra da antiga aliança estabelecida sobre o monte Sinai. As importantes regras éticas dos 10 mandamentos, já não produziam efeitos eficazes, e, tampouco, sensibilizavam as pessoas para a honestidade.
Jeremias passou a anunciar o desejo de Deus, disposto a uma nova aliança: teria que ser uma lei a mover o coração e as entranhas! A partir desta disposição interior, não haveria mais necessidade de moralização do outro e, nem de sua condenação por pecados cometidos. Em outras palavras, a intuição de Jeremias, apontava para além da imagem, da aparência e do disfarce de ser bom, o valor essencial do testemunho de vida. Entranhas e coração significam a profunda coerência para realmente testemunhar – mais do que falar – os valores religiosos.
Quando tantos pecados sociais refletem a falência das regras estabelecidas e, nos incitam a entrar no mesmo jogo, com a perspectiva das melhores vantagens pessoais, cabe um oportuno critério profético para além desta praxe. Um dos possíveis caminhos é o de aceitar os pecados que aconteceram, mas, predispor-se para assumir outros critérios mais coerentes.

Segundo o evangelista São João (12, 20-33), quando gregos foram a Jerusalém com o desejo de adorar Jesus Cristo, este mandou alguns discípulos informá-los de que seu discipulado implicava em angústia, em cruz e em morte, e, simultaneamente, lhes apontou que aquele momento presente constituía o julgamento, pois, na medida em que a maldade deste mundo fosse evadida, os envolvidos neste processo, seriam atraídos a Jesus Cristo. Por conseguinte, mais do que adorar um Jesus divino, convém acolher sua interpelação para um modo de ser reto e honesto, que mais se aproxima do seu modo de ser, e que será capaz de apontar um caminho que realmente salva.

quinta-feira, 12 de março de 2015

Exploração em nome de Deus



Como gregos no período da decadência,
Muitos inteligentes, espertos e astutos,
Cultivam belas fantasias, sem decência,
Para garantir os interesses mais argutos.

Ao falarem das sobrenaturais estratégias,
Asseguram-se nas condições privilegiadas,
Do direito de legislar as condições régias,
E inebriar-se em ambições desmesuradas.

A ação divina, favorável apenas aos ricos,
Dissimulada pelas superstições e medos,
Impregna a vida de formalismos mágicos,
No pretexto de acessar divinos segredos.

Nas tragédias explicadas pela adivinhação,
Se desperta um vasto formalismo religioso,
Que repetido para obter melhor condição,
Termina em protelação do elementar gozo.

No antropomorfismo atribuído aos céus,
O Deus odioso e vingativo se intromete,
E tira a alegria dos empobrecidos réus,
E tudo protela do que dele se promete.

O pavor diante de forças sobrenaturais,
Permite a espertos pensar, dizer e fazer,
Tudo para favorecer ambições colossais,
Como bênçãos que os levam a bendizer.

Enquanto nos pobres fenecem as alegrias,
Os aristocratas se exaurem na acumulação,
E a festejam em sofisticadas e ricas orgias,
Imperturbáveis ao itinerário da população.

Os espertalhões da fala dos divinos poderes,
Na aplicação das leis com múltiplos deveres,
Sabem reproduzir os prazeres aristocráticos,
E deixar pobres trabalhadores mais erráticos.



quarta-feira, 11 de março de 2015

A capacidade de perscrutar



            O verbo perscrutar (investigar minunciosamente, indagar, perquirir, procurar o futuro de algo, cf. Dicionário Aurélio,) não é muito comum em conversações do dia-a-dia, e, nem mesmo nos procedimentos cotidianos. Requer treino e exercício, pois, entender possíveis causas, efeitos e possibilidades dos acontecimentos, pressupõe capacidade de análise e exige certo clima de atenção para além das rotinas.
            Na linguagem religiosa podemos captar um rico legado de como o povo da Bíblia cultivou esta arte para melhor ajustar-se na vida. Desde muitos séculos antes de Cristo pessoas procuraram entender o passado e porque se desencadeou daquele modo. Procuravam igualmente perceber sinais ou interpelações de Deus nestes fatos.
            Os momentos de crise cultural profunda levavam muitas pessoas a inquirir possíveis sinais de Deus, manifestando misericórdia, mas, ao mesmo tempo, despertando o bom-senso para outro modo de ser e de agir.
 Ao reinterpretarem os acontecimentos, sobretudo os fracassos, derrotas, exílios, invasões e destruição do que arduamente fora construído, além das vidas ceifadas a fio de espada, deduziam, que a causa não estava em Deus, mas, nos seres humanos que não souberam organizar-se adequadamente e, que esvaziaram os cultos e celebrações para transformá-los em meros meios ilícitos de lucro e de controle das pessoas.
No segundo livro das Crônicas (36,14 ss) consta uma bela ilustração de reinterpretação do passado com simultânea constatação das causas dos fracassos e do que Deus, por trás destes acontecimentos, estava revelando ao povo bíblico daquela época. E, o mais importante de tudo, Deus sempre acabava revelando sua bondade em novos fatos, para os quais não estavam atentos. Deste modo, descobriam sempre de novo, mais do que a confirmação da misericórdia, um incisivo convite para colocar-se a serviço da reconstrução da vida.
Nossos dias parecem desafiar-nos para este mesmo processo de perscrutar por onde Deus chama para ajudar a melhorar a organização social, tão perturbada. Em vez de constituir-nos em profetas da desgraça, abundantes por todo lado, talvez convenha treinar a atenção para captar ou perceber algo novo que possa ser feito e que possa contagiar positivamente a convivência, a fim de torná-la capaz de vivenciar valores humanos básicos, que, muitas vezes no passado já foram mais marcantes.
 Não basta simplesmente repetir formas e fórmulas que deram certo no passado, mas, ao constatar as motivações que levaram à mudança, cabe-nos intuir que podemos agir de outros modos mais edificantes. Na insistência do Papa Francisco, é preciso “ousar”, mesmo correndo o risco de não encontrar êxito, pois, não tentar fazer algo novo e melhor, já é a ratificação do fracasso.


quinta-feira, 5 de março de 2015

Religião e comércio religioso



Como a religião tem um vínculo muito estreito com a cultura, facilmente se impregna de valores culturais nem sempre os mais adequados aos princípios religiosos. A divisa entre religião e ideologia muitas vezes não é clara, assim como não é clara a ação no espaço religioso, pois, pode mover-se por interesse de auto-afirmação, de busca de poder e até por mera aspiração de ascensão social.
Recordações antigas da Bíblia nos mostram como num momento histórico da vida religiosa do povo de Israel se falava como sendo atributo de Deus o que na verdade constituía desejo de controlar as pessoas. Basta lembrar o texto do Êxodo, 20, 1-17: na valiosa recordação do que Deus ajudou no passado, os possíveis líderes religiosos passaram a fazer ameaças em nome deste Deus, movidos por um excessivo zelo: veicularam a noção de que Deus é vingativo com os que o odeiam e sua ação se não atinge os autores diretos, vai atingir filhos, netos e até bisnetos. Apesar desta consideração, souberam reconhecer o lado extremamente misericordioso de Deus: aos que guardam seus mandamentos e o amam, a misericórdia iria perpetuar-se até a milésima geração.
Nos ensinamentos de Jesus Cristo encontramos a reafirmação da misericórdia de Deus, sem limites, porém, sem as ameaças de vingança. No modo de agir de Jesus Cristo, entretanto, transparece profunda indignação com o desrespeito aos lugares de oração e de dignidade das pessoas. No Evangelho de São João (2, 13-25) descreve-se como Jesus agiu no templo, ao vê-lo transformado em lugar de negócios.
Estamos num momento histórico em que não apenas os espaços religiosos centralizam os resultados econômicos, mas, até se criou uma próspera indústria do comércio dos chamados “produtos religiosos”. Se de um lado é importante expressar os sentimentos com imagens, ícones ou referenciais simbólicos dos valores importantes da fé, isto, por outro lado, pode deslocar o foco do que realmente é essencial ao âmbito religioso.
 Quando tudo é transformado em produto de vendas, até o “sagrado” vira mercadoria de boa venda. Ser religioso deve implicar em muito mais do que mero consumo de objetos religiosos. E, mais do que frequentar espaços religiosos, deve levar-nos a dignificar o valor de nós mesmos, para aumentar a capacidade de respeito aos outros.
Ao lado da valorização dos templos também somos interpelados a  respeitar profundamente o grande tempo do espaço que nos envolve, uma vez que, toda a natureza, com seus ricos eco-sistemas, já é um extraordinário templo a ser contemplado para encher a vida dos melhores sentimentos de riqueza desta alma ampla da vida que transluz muito mais do que vingança e misericórdia, pois, revela uma razão ao nosso existir e uma motivação para valorizar intensamente a preciosidade do nosso corpo.


<center>INDIFERENÇA SISUDA</center>

    O entorno da vida cotidiana, Virou o veneno que dimana, A endurecer os sentimentos, Perante humanos proventos.   Cumplicidad...