sexta-feira, 27 de maio de 2016

Mobilização na fé e discurso religioso



            Em tempos de visível exploração emocional, tida como sinal e meio vistoso de demonstração da manifestação de fé, parece que o único caminho que salva é aquele que passa por grandes envolvimentos de transe, por muito choro e por exageradas narrativas em torno de experiências hierofânicas: importa persuadir ao máximo para que outras pessoas se convertam e se submetam a uma visão de discurso religioso, peculiar de um movimento ou de alguma pastoral.
            Diante deste quadro diluidor de fé, pode ajudar-nos um indicativo bíblico de Lucas ( 7, 1-10). Um homem romano, constituído em autoridade, teria total e absoluta hegemonia sobre um judeu. Mas, a narrativa salienta que este homem centurião (chefe de cem soldados) a controlar judeus em Cafarnaum, foi extremamente sensível à dor e ao sofrimento de um súdito. Ao ter ouvido falar de Jesus Cristo, explicitou uma humildade impressionante: achou-se indigno de chegar e pedir-lhe intercessão. Pediu, então, a alguns anciãos judeus para que estes fossem solicitar uma intervenção de Jesus em favor do enfermo.
            Como Jesus, foi, com os idosos, à casa do enfermo, o centurião foi ao seu encontro, não com ordens autoritárias e nem com presunção arrogante ou bajuladora. Declarou-se indigno de receber Jesus em sua casa, mas, mesmo assim, ousou pedir que Jesus dissesse pelo menos uma palavra capaz de salvar seu servo.
            O reconhecimento da extraordinária fé deste centurião, por parte de Jesus Cristo, explicita um indicativo do que ainda hoje é central e básico no discipulado: a simplicidade, capaz de refletir um alcance maior do que o da indução discursiva, que pretende convencer de qualquer modo a uma determinada submissão.
            O que surpreende ainda mais do que a fé do cidadão romano (um estrangeiro desprezado) foi a declaração de Jesus referente à fé daquele homem: de que não tinha constatado tamanha fé em Israel, precisamente naquele povo, que se pensava superior aos demais devido à sua fé em Deus.
            Afinal, o que Jesus poderia, em nossos dias, falar a respeito do que se proclama em seu nome, mas, que não leva a nenhuma avanço da irrupção do reino de Deus, tão vivamente demonstrado no estrangeiro em favor do seu súdito?

            Possivelmente fora de muitos movimentos e pastorais fanatizadas ocorram mais sinais de salvação do que sob o “oba-oba” de tantos encontros, retiros, e momentos de cura e libertação. 

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Fonte da escuta



Atordoados por estimulação imensurável,
Da cultura que satura com informações,
Anula-se o filtro de grandeza inestimável,
Que é o silêncio para nortear as decisões.

Este fogo abrasador de raios reluzentes,
Que clareia o caminho e firma o sentido,
Leva a captar dos anseios mais ardentes,
Do que eleva para além do pressentido.

Quando quase tudo é submetido ao ruído,
O silêncio aparece como alarde aterrador,
Que desvela todo o submundo denegrido,
Anestesiado pelo ostracismo consumidor.

A diversão, o espetáculo e a velocidade,
Exorcizam o silêncio como monstro voraz,
E disfarçam dor, o vazio e toda crueldade,
Na corrida da alucinação do delírio fugaz.

No prurido colonizador das consciências,
Abafa-se o silêncio de rara peculiaridade,
Pela sedução de publicitárias indecências,
Consagradas como caminho de felicidade.

A ternura, a gratuidade e a benevolência,
Já distantes da sabedoria do bom senso,
Acabam evadidas da humana consciência,
Sem arrostar a prodigalidade de consenso.



sábado, 21 de maio de 2016

Quietude



Capacidade em extinção,
E rara de ser encontrada;
Eis a pérola de distinção,
Acintosamente ignorada.

Os sons potencializados,
Invadem na intimidade,
Espaços tão silenciados,
Com perversa maldade.

Impõem ritmos e ruídos,
Para deletério consumo,
Mas enchem de zunidos,
O abscôndito do aprumo.

Como droga entorpecente,
Aquietam o discernimento,
E o alucinógeno da mente,
Produz um falso unguento.

Sem tempo para ponderar,
Nem momento para aferir,
O modo dos atos perpetrar,
Aponta-se o vazio do porvir.

Mesmo conectados com tudo,
Calam-se as vozes da amizade,
E nos ruídos que abafam tudo,
Fica negligenciada a lealdade.

No imperialismo da tagarelice,
Anula-se a capacidade taciturna,
E na aparente e festiva faceirice,
Os decibéis causam vida soturna.

Na invasão do icônico-musical,
Degrada-se até o ato religioso,
Pois sua prosternação radical,
Humilha de modo estrepitoso.







quarta-feira, 18 de maio de 2016

Interpretações do agir de Deus

Interpretações do agir de Deus

·       Informo aos que costumam acessar este BLOG, que um efeito ou sequela da virose de Chikungunya, no início de janeiro passado, afetou minha visão, por alguns meses, com grave infecção viral e que se tornou resistente aos antibióticos. Sem condições de exercer a atividade em Várzea Grande, pedi afastamento das funções que exercia por lá e, no atencioso desvelo do bispo Dom Vital, encontro-me na paróquia Sagrada Família da cidade de Nova Mutum - MT, como vigário paroquial. Graças a Deus, nesta semana já me sinto livre da virose, e, mesmo com a visão limitada por lesões nas córneas, ainda não completamente cicatrizadas, volto novamente a ler e escrever, além de me sentir de bem com a vida.
         O povo da Bíblia usava diferentes termos para expressar a experiência do agir de Deus. Ao mesmo tempo em que percebia Deus como mistério totalmente outro e além da condição humana, sentia sua proximidade sob a forma de um espírito ou de uma força motivadora e alentadora na vida das pessoas e das comunidades.
            Mais tarde, recorreu à palavra “sabedoria” como termo que melhor aproximava à constatação do que experimentava da ação deste Deus de amor.
            Na manifestação de Jesus Cristo, o agir de Deus passou a ser assimilado como “Palavra”, porque a fala de Jesus revelava à condição humana o quanto este Deus queria bem às pessoas humanas.
            No discurso teológico criou-se a palavra “Trindade” para resumir as três grandes formas de manifestação do amor de Deus, experimentado por pessoas em momentos e modos distintos. O mesmo Deus bom envolveu grupos humanos em seu amor, de formas bem explícitas: seu Espírito foi sentido; sua sabedoria foi reconhecida como algo extraordinário e encantador e tudo quanto manifestou em Jesus de Nazaré acabou ratificando de forma ainda mais explícita a certeza de que Ele nos quer muito bem (Não é um castigador vingativo e chantagista, um ameaçador em torno da demonização de tudo e muito menos um formalista de exigências das incontáveis regrinhas de submissão). Jesus tanto manifestou o espírito de Deus, quanto sua sabedoria e quanto seu desejo de que vivamos bem. Portanto, abriu perspectivas de redenção e de salvação!
            Assim, a atribuição da Trindade de Deus, mais do que assunto para persuadir e convencer, é constatação de síntese de como manifestações do bem-querer de Deus à condição humana foram experimentadas: modos de Deus nos envolver e nos apontar um itinerário de vida mais satisfatória.
            Infelizmente sob o conceito “Palavra”, ainda que se refira a Jesus Cristo, abusa-se do discurso do controle e da submissão das pessoas para interesses religiosos e ideológicos. Assim, a palavra fica restrita ao intimismo de piedades, de conversas interesseiras para dobrar Deus. Já não se cria condições para o difícil caminho da escuta ou da espiritualidade para um modo agir que Deus manifestou em Jesus Cristo.
            Até mesmo a saturação do uso e do abuso da “Palavra”, mencionada exaustivamente por pregadores religiosos, tende a matar a capacidade do diálogo com Deus para restringir-se a mero instrumento de alargamento do controle de pessoas para interesses bem distantes do Espírito, da Sabedoria e da Palavra de Deus.


terça-feira, 17 de maio de 2016

Dureza da vida



Nas difíceis etapas evolutivas,
Desde o nascer, até o andejar,
Surgem disputas e invectivas,
Duras e cruéis de sobrepujar.

Umas, gestam amargada culpa,
Enquanto outras, exitosa manha,
Que, além de eventual desculpa,
Apontam o rol de nova façanha.

Nas perdas, alguns se desesperam,
E não admitem uma benemerência,
Outros, imediatamente se esmeram,
E acham as luzes da transcendência.

Há quem teima em aceitar os fatos,
E inventa motivações desagradáveis,
Para persistir na narrativa de relatos,
De suas dores nefastas e insondáveis.

Bom é encontrar criaturas traquejadas,
Capazes de intuir novas possibilidades,
Que apontem nas ideias desordenadas,
As capazes de encetar novas atividades.






O fascinante que assusta


O encantamento das incontáveis tonalidades,
Das folhas verdes a reluzir de modo atraente,
Faz da densa floresta de secretas beldades,
Persuasiva sedução por algo comovente.

A suave movimentação da verde fachada,
Convida a adentar-se para maior fruição,
Mas desperta a emoção, tão acanhada,
E a envolve numa insegura agitação:

Quantas sucuris e onças esfaimadas,
E as grandes antas em polvorosa,
Ou as muitas bravas queixadas,
Ali esperam refeição gostosa?

O medo só permite atento olhar,
Dos encantos da bela fachada,
E inibe até o sutil desfolhar,
Do que excede a beirada.

 Se o manto verde seduz,
Para algo que avança,
A mente segue a luz,
Da desconfiança.






<center>INDIFERENÇA SISUDA</center>

    O entorno da vida cotidiana, Virou o veneno que dimana, A endurecer os sentimentos, Perante humanos proventos.   Cumplicidad...