quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

A fome que não sossega



Enquanto sinais fisiológicos pedem comida,
Outra fome, muito obsessiva e compulsiva,
Produzida, para ricos e pobres de toda lida,
Grita por artefatos eletrônicos na invectiva.

A criação de desejos em profusão ilimitada,
Move mais que o apelo de vivente faminto,
Porque o preço almejado que tanto agrada,
Fica compatível com os aparatos do recinto.

Tudo como numa miragem acaba sem valia,
E requer algo novo que possa empanturrar,
Pois, o contentamento é fugaz e não avalia,
O que o humano esplendor pode perpetrar.

Resta a protelação constante da felicidade,
Por não efetivar-se nos objetos desejados,
A exaurir as fontes com imensa voracidade,
Apesar dos efeitos perversos e dos enfados.

Como o planeta dá indícios de decrepitude,
Impõe-se, ao que é obsoleto uma utilidade:
Que restaure a simples e cotidiana virtude,
De diminuir fome, com saúde e cordialidade.




quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Discipulado e obediência



            As duas características basilares do seguimento de Cristo encontram dificuldades especiais em nossos dias porque a insinuação da autonomia leva-nos a ficar distantes do discipulado de Cristo e a dar pouco ouvido à sua palavra. Aceitamos apenas o que é conveniente, simpático, prazeroso ou confortável. Por isso, preferimos um Cristo totalmente divino, mágico ou o dos enlevados climas de emoção e louvor, mas, relegamos sua interpelação de agir positivamente para ampliar as comunidades e acrescentar qualidade à condição humana.
            A intuição de um dos patriarcas da constituição do povo de Israel, Abraão, revelou-lhe que, a fé em Deus, implicaria em proteger a vida. Segundo o costume dos seguidores do deus Molloch, quando um casal matasse o filho primogênito em sacrifício para louvar Molloch, este devolveria a graça de grande número de outros filhos. Abraão deixou de obedecer ao costume e fez prevalecer uma atenção à vida de seu filho Isaac, e, no bom-senso da época, sacrificou um cordeiro em seu lugar.
 Hoje até podemos questionar este tipo de vitimalismo expiatório, pois, entendemos que não é conveniente tal deslocamento para agradar a Molloch ou a Deus, que conhecemos através de Jesus Cristo. No entanto, parece que os sacrifícios humanos em nossos dias continuam abundantes, de formas muito variadas, e, geralmente, dependendo de meros interesses de pais: fetos e embriões são eliminados como coisa banal.
No segundo testamento da Bíblia, um episódio que envolveu Pedro Tiago e João (Mc 9,2-10) revela a grandeza de saber escutar com atenção e, ao fazer isso diante de Jesus em momento de oração, eles constataram que Jesus era totalmente distinto do que eles tinham imaginado a respeito dele.
 O destaque da veste branca fazia lembrar dedicação e martírio; a imagem de Moisés e Elias indicava o modo deles, parecidos ao modo de Jesus atuar em meio aos conflitos, pois, como eles, e, mais do que eles, agia positivamente em favor das vítimas que não interessavam ao sistema dominante.
Pedro certamente não tinha percebido este traço essencial de Jesus Cristo e, por isso mesmo, quis permanecer naquele lugar elevado. Movido pelo desejo de ser feliz sozinho – como tantos se movem em nossos dias – entendeu que o projeto de Jesus Cristo era bem diferente e que não implicaria em descer da montanha para agir, como Cristo, e contribuir para sua missão no meio do povo. Num estranho paradoxo, vemos tantos cristãos católicos de nossos dias correrem obcecados para retiros e lugares altos dos santuários, a fim de preencherem seus anseios intimistas, sem sequer constatar quaisquer conflitos e, muito menos, as tramas que levam à morte tantas vítimas inocentes e indefesas. 
A tentação de Pedro continua a constituir a nossa grande tentação: a da religião fácil, motivada para subir ao alto das conquistas pessoais, mas, não para descer à fragilidade humana e ser solidário com os sofredores. Esta busca, no entanto, pode, como em Pedro, transfigurar nosso rosto e nosso modo de entender a fé e levar-nos a descer num processo de conversão, a fim de agirmos de formas mais parecidas com as de Jesus Cristo.


segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Beatitude



As evidências tão claras da finitude,
Levam-nos ao sonho de felicidade,
E nos interpelam por mais virtude,
Que preconize sinal de eternidade.

Nas alegrias já experimentadas,
E no prazer de intensos desejos,
Com expectativas tão auguradas,
A perfeição solta fortes lampejos.

Quando a alegria alarga a perfeição,
E abre um grau superior à realidade,
O existir e o agir em larga expansão,
Intensificam a humana virtualidade.

O afeto da alegria atrai outros afetos,
Como o da rica esperança e do amor,
E se torna liberador de outros tetos,
De felicidade que curam o desamor.

Quando tanto ódio bem cultivado,
Aumenta pânico geral e a tristeza,
Todo e qualquer sinal desanuviado,
Reascende a alegria com rara leveza.
Assim a beatitude é caminho aberto,
Que permeia atos e impregna a ação,
E tudo quanto nos envolve de perto,
Engrandece as potências do coração.


sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Ares sombrios



Quando a novidade indica outra maldade,
Das falcatruas, desveladas com acuidade,
Indica-se o melhor caminho de proceder:
Mentir para deixar os outros se escafeder.

Pensar-se reto e bom virou ideal superado,
Já que importante é aparentar bom agrado,
E desfrutar, sem a mínima culpa, do prazer,
E valer-se das melhores vantagens do lazer.

Ser cordial e sensível ao sentimento alheio,
Além de não propiciar lucro parece ato feio,
Que nada acrescenta aos ares de grandeza,
E nem tampouco, às convenções de beleza.

Sem dignidade e parâmetros de respeito,
Sobra ao vivente, a imagem sem defeito,
Distante do real que degrada o humano,
Para pensar-se feliz consumidor profano.

Que os sonhos de bons e abençoados dias,
Possam ajuntar motivações retas e sadias,
Para interagir com a orquestração da vida,
Em favor de melhores patamares de lida.






quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Renovação da vida



            Ainda que possa ser desconfortável e, até causar ímpetos de resistência, a lida com o passado acaba insinuando que nem sempre agimos do melhor jeito; e, a consciência logo nos aponta que poderíamos ter evitado muitas brigas, muitos desencontros e inúmeras rupturas que em nada melhoraram a satisfação pessoal e, nem tampouco, a boa convivência.
            Admitir a possibilidade de que a vida pode ser melhor do que foi é um pressuposto de muitas boas conseqüências: uma delas é a da alegria da antecipação do que vai melhorar. A condição de ser melhor, no entanto, requer reconciliação com o passado. E quanta gente sofre ao longo de décadas e, até pela vida inteira, porque não aceita e nem perdoa fatos que ocorreram no passado, com culpa ou sem culpa.
            Bem sabemos que o passado não muda mais, porém, nós podemos mudar a interpretação do que nele se manifestou e do que dele está registrado em nosso psiquismo. Entender doenças, dificuldades e marcas traumatizantes é condição básica para que este passado não seja determinante das mesmas reações diante de outros e novos acontecimentos parecidos. Aceitar, perdoar e brincar com o passado, pelo modo como se desencadeou, torna-se, por conseguinte, uma salutar terapia para viver melhor.
            A condição de confiança de que possamos viver dias melhores já nos predispõe para harmonizar o passado, a convivência e a auto-estima. Na Igreja católica temos uma longa tradição de um período cronológico forte e especial para esta motivação. E se este tempo – chamado de quaresma - quer constituir-se numa boa preparação da grande e significativa festa de Páscoa, nada melhor do que lembrar o mundo simbólico desta passagem a fim de efetuar outra passagem que leve a mais qualidade de vida!
            Quando tanta conversa, mesmo do âmbito religioso explora o medo em torno da satanização do mal, pois vê “diabo” em tudo, convêm lembrar a “Boa Notícia” de Jesus Cristo: não foi de barganha para submissão religiosa, nem da ameaça de malefícios, mas, foi precipuamente o da revelação de que Deus sempre dá chances para que possamos redimir-nos e ser melhores. Assim, mesmo vivendo em situações que fazem muito mal à nossa vida, podemos antever outras chances que, no modo de ser de Jesus Cristo, nos apontam um itinerário messiânico, isto é, um caminho que nos redime e nos salva.
            Se tantos ambientes humanos se transformam em ambientes de feras vorazes, ameaçadoras e vingativas, a “Boa Notícia” de Cristo nos aponta mais do que os noticiários – que nos bombardeiam com notícias ruins – uma postura leve e lúdica, do viver sob o olhar atencioso de um Deus bom. Nesta condição, as grandes tentações da ascensão social pela fama, poder e autoridade, deixam de ocupar a centralidade da vida e abrem espaço para uma convivência alegre e confiante.




Húmus e cinzas



Da mais antiga intuição humana,
Acolhemos o arquétipo cultural,
Do vínculo, que da terra emana,
Para uma existência tão natural.

A dedução da procedência divina,
Levou a desconsiderar o entorno,
E a lidar de maneira mui cretina,
E, sem o real valor do contorno.

Dependentes do húmus da terra,
E reféns da vida que dela resulta,
Não dá para ignorar que encerra,
Muito mais que a mente ausculta.

Qual Fênix que renasce da cinza,
E brota com majestade de vida,
Nossa condição frágil e ranzinza,
Requer uma terra não denegrida.

Enquanto glúteos são enaltecidos,
E, coroados os abundantes seios,
Negam-se tantos seres combalidos,
Em seus mais elementares anseios.

As cinzas que lembram o pó da terra,
Apontam para irredutível conversão,
De mergulhar no que a vida emperra,
Para deixá-la fruir em larga profusão.

Faz mal à terra a consciência farisaica,
De transformar a alegria carnavalesca,
Em excessos e abusos de lida arcaica,
E esperar purificação da cinza grotesca.




sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Folia e estripulia



De direito institucionalizado,
Feito sob mui antigo legado,
Quebra-se contida decência,
Para soltar a concupiscência.

Na convincente estimulação,
Aponta-se a procrastinação,
Para muito fruir e desfrutar,
Tudo quanto possa deleitar.

A catarse de fortes tensões,
Adia as urgentes questões,
E silencia os reais clamores,
Favoráveis a bons pendores.

Mas o dia de curar as ressacas,
Lembra recalcitrantes babacas,
A merecer efetiva condenação,
Pelas tentações de ignóbil ação.

Resta então a farsa farisaica,
De tradição antiga e arcaica
Do apelo ao perdão e cinzas,
Para dirimir os ares ranzinzas.



quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Dor contida



Se os olhos a revelam,
E no esmero protelam,
Que apareça evidente,
Emerge tão de repente,
No centro da conversa.

Seu reboliço nas emoções,
Relega as contidas razões,
E estabelece, sob pressão,
Nas comportas do coração,
O espargir da dor incontida.

Eclode em saltos e fluidez,
Sem delegar voz à rigidez,
No debulhar assunto doído,
Em tantas noites, remoído,
Sem algum alívio almejado.

Ao dilatar-se sem rumo certo,
Deseja ouvinte bem esperto,
Capaz de aglutinar a empatia,
Mais do que atenta simpatia,
Para uma catarse alentadora.

Assim, o espaço dos alentos,
Tão fugazes aos desatentos,
Abre potencial de recriação,
Que alivia a dor do coração,
E aponta  inéditos portentos.


quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Autoridade e compaixão



            Um assunto que com certeza mobiliza a conversa de muitos milhões de brasileiros está sendo o da indignação diante da forma como pessoas lidam com os bens públicos, e, como governantes, em nome da democracia, roubam não somente os bens, mas também a honra do povo. Revelam-se, literalmente insensíveis aos seus problemas.
            A insensibilidade produzida pela ambição é, sem dúvida, uma manifestação nitidamente diabólica, pois divide e marginaliza pessoas, mesmo que cultivem belos e bons sonhos, ou sentimentos humanitários para a vida. Na verdade, acabam relegadas e ainda deixadas em níveis de desprezo, jogadas à própria sorte.
            Da Bíblia podemos lembrar duas situações em que uma lida humanitária transformou a experiência de pessoas. Uma, é narrada em 2 Rs 5, 9-14; e, a outra, em Mc 1, 40-45.
            O primeiro texto descreve a atenção do profeta Eliseu ao estrangeiro, rico e poderoso, chamado Namaã. A doença levara este homem ao desespero e, ao ser informado de que em Israel, um profeta de Deus despertava transformação na vida das pessoas, foi procurá-lo, com muitos presentes, para demonstrar o status da recompensa de uma eventual cura.
Em nossos dias, quem tem muito dinheiro também alcança melhores tratamentos de doenças do que os espoliados. Embora o rico Namaã considerasse a terapêutica de banhar-se no rio Jordão (simbólico pela capacidade de regeneração através do batismo como sinal de discipulado) muito banal para sua doença, aceitou a tarefa mediante insistência dos servos e acabou curado da sua doença de pele. Para aquele homem rico, um grave problema de pele, iria, sem dúvida, ferir a auto-estima, desbancar a honra, o status, e relativizar a ostentação da riqueza.
Do agir de Jesus Cristo o evangelista Marcos salientou um gesto de outra perspectiva: não foi ao encontro dos que poderiam dar fama e muita fartura de recompensa econômica (precípua da ótica teológica da prosperidade, em que o enriquecer-se é interpretado como bênção!), mas foi ao encontro dos que estavam marginalizados. No meio destes, ele, como o profeta Eliseu, viu-se diante de um leproso, com um traço muito marcante: pobre e excluído!
Também este excluído desejou a inserção social. Jesus manifestou compaixão, venceu o tabu do distanciamento prescrito diante de leprosos, e revelou autoridade no jeito de Deus: mesmo contra a Lei oficial, valorizou o caminho e viabilizou o desejo do pobre, que era o de evadir-se da doença que o deixara à margem da sociedade.
Em nossos dias, grupo considerável de ricos, similares a Naamã, empina o nariz da auto-suficiência e busca comprar o que deseja. Descer à condição humilde de acolher um procedimento mais humanitário e de efetiva partilha, certamente os levaria a veementes resistências. No entanto, do caminho da compaixão, revelado num dia comum de Jesus Cristo, além do indicativo eficaz para a socialização, emergiu a clara interpelação que pode fazer muito bem para os quase incontáveis excluídos e relegados da sociedade. Dar-lhes atenção seria um passo, não uma sociedade de discursos democráticos, mas de ações efetivas em favor do bem-estar de todo seu povo!

            

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Sofrimento e prosperidade



Não é recente a noção de que Deus recompensa e abençoa a quem estima, e, que castiga quem é mau. Se assim fosse, nem caberia nas manchetes a informação de castigos só dos corruptos do Brasil.
Muitos séculos antes de Cristo, textos bíblicos em torno de Jó, já se inquietavam com esta problemática. Jó, um homem justo, perdeu tudo, ficou muito doente e revoltou-se contra o sofrimento que isso lhe causou.
 Amigos próximos quiseram convencê-lo à força de que tal situação decorria de um acerto de contas com Deus. Caso ele mesmo não tivesse nenhuma situação de pecado, então estaria pagando o preço do castigo pelo que algum dos antepassados teria feito contra os agrados de Deus.
Por isso, os presumidos amigos de Jó queriam convencê-lo a reconhecer que era pecador a fim de reaver da parte de Deus a bênção e prosperidade com os bens. Tal arrependimento poderia despertar o olhar bondoso de Deus e levá-lo a tornar-se rico outra vez. Ao associar vida feliz à prosperidade, queriam dar um salto mágico para livrar-se do sofrimento.
Jó não se conformou com a insinuação e queria entender o sofrimento. Não aceitou de forma alguma que seu sofrimento pudesse ser castigo por eventual impiedade e que, caso fosse justo, voltaria a ser próspero.
 Na revolta, Jó chegou a maldizer seu próprio nascimento diante dos intensos sofrimentos, mas, reconheceu que escondiam uma grandeza aos olhos de Deus; e assim Jó aceitou que no sofrimento se revela algum mistério maior do amor de Deus e expressou a certeza de um dia visualizá-lo face a face.
Séculos mais tarde, Jesus Cristo não reafirmou a antiga teologia da retribuição do bem com o bem e do mal com o mal da relação humana com Deus, mas mostrou solidariedade intensa e profunda com os sofredores para ajudá-los a lidar com as limitações e levava-os a servir para diminuir o sofrimento.
Pelo modo como Jesus assumiu o enfrentamento das dores da condenação e morte, demonstrou responsabilidade e não negou o sofrimento.
Passados mais de dois milênios do testemunho e da ação de Jesus, volta com intensidade assustadora uma teologia da prosperidade que explora doenças e momentos de sofrimento para subjugar pessoas a agremiações religiosas e, de maneira ainda mais fanática e insistente do que os amigos de Jó. No sofrimento precisamos de amparo e solidariedade, mas em nada ajuda a chantagem para uma submissão com promessas falsas de cura, de milagre e de resignação fatalista diante do que gera sofrimento. O que carecemos nestas horas é o que Jesus tanto fez ao longo dos dias: ajudar as pessoas a encontrar um significado para além do sofrimento e, sem nenhum rótulo condenatório!



<center>INDIFERENÇA SISUDA</center>

    O entorno da vida cotidiana, Virou o veneno que dimana, A endurecer os sentimentos, Perante humanos proventos.   Cumplicidad...