João Inácio Kolling
O mitomaníaco político, como o
jogador de baralho obsessivo pelo triunfo, esconde na manga da camisa a última
cartada, que é a de apelar e de garantir que sua mentira foi
descontextualizada.
SINOPSE
A mitomania
do âmbito político apresenta maior visibilidade e incidência do que a de outras
associações. Enquanto as perturbações psíquicas oriundas destes grupos tendem a
procurar terapia e orientação psiquiátrica, os políticos, por não se submeter a
tratamento terapêutico, tendem a expandir e a agravar esta doença de
perturbação psíquica, de tal forma, que se colocam acima das leis e das regras
vigentes na sociedade, com o intento de perseguir seus objetivos narcisistas.
Tornam-se assim, profissionais na capacidade de enganar através de projetos
falaciosos e eivados de fantasia, para sua grandeza pessoal.
Palavras-chave:
mentira- negação – patologia - superioridade – megalomania.
Preâmbulo
Ante
a diária encenação do teatro televisivo, que apresenta mentiras de políticos,
com as automáticas e viciadas negações destas mentiras - por outros políticos, -
emerge uma espontânea inquirição: continuaremos sendo distraídos por tempo
ilimitado com este mesmo jogo doentio, e induzidos a imaginar que em algum dia
do futuro o quadro político venha a ser diferente?
A constante
contraposição das mentiras desveladas com a automática negação das que foram
efetuadas, afeta nosso humor e o bom-senso, porque nos adoece pela insistente
afirmação obsessiva em busca de notoriedade, que passa de roldão por cima das
regras, das normas e das leis estabelecidas, para ocupar-nos, enfim e
infelizmente, com as mesmas lorotas todos os dias.
Como a
grande parte das informações de fatos novos, do dia-a-dia envolve atos e
negações de políticos, surge também uma segunda inquirição: é o ambiente dos
políticos que seduz seus membros à mitomania, ou, ocorre uma ancestralidade que
facilita a ascensão dos mitomaníacos mórbidos no campo da política?
A partir de
ponderações de psicólogos e de psiquiatras, existe uma ancestralidade, pois, a
mitomania costuma desenvolver-se na infância. No entanto, seria o campo
político o caminho natural e de excelência para os mitomaníacos? Neste caso, a
sociedade seria culpada pelo quadro desconcertante da política, pois, facilita
a ascensão de pessoas doentes e sem condições psíquicas para ocupar cargos de
confiança política.
De qualquer
forma, fica difícil dissociar político de mentira, pois, se mitomania é doença
de transtorno mental grave, será totalmente evidente que, na função política,
estes doentes vão procurar somente as vantagens narcizistas e não as do bem
coletivo.
1 – Mitomania na
infância
Diz-se que a
causa principal da mitomania vem da imitação de adultos, e ela pode manifestar-se
em quaisquer grupos sociais, como religiosos, políticos, esportivos, culturais,
etc. No entanto, há um senso comum de que políticos mentem escancaradamente bem
mais do que os membros de outros grupos sociais.
O que
poderia estar na raiz da mitomania?
O argumento
mais geral é o de que a progressividade na mentira decorre da baixa auto-estima
e da forte aspiração de integrar algum grupo. Deste modo, o indivíduo é movido
por uma incessante necessidade de atenção. Segundo o renomado professor
catedrático de Psicologia da Universidade de Múrcia, José Maria Martínez Selva,
a mitomania á a doença de quem cria mundos paralelos e fabulosos e, segundo o
referido professor, os políticos são os que mais mentem:
“O político move-se pela necessidade de
conquistar as pessoas e, de seduzi-las para que o apoiem e votem nele. Tem de
dizer que sua mensagem é melhor que a do adversário; precisa fazer promessas,
falar do futuro que é imprevisível. Nesse processo é difícil que não minta – e
muitos aprendem a mentir bem, confirmando o ditado de que a prática leva à
perfeição”.[1]
Já o
psiquiatra José Fernandes Pedrosa destaca que, apesar de muitas mitomanias
serem socialmente aceitas e, até assimiladas com certo grau de veracidade, “a mitomania pode trazer consequências
danosas, não só para outras pessoas, mas também para o próprio mitômano. Ele
que muitas vezes fica famoso pelas histórias mirabolantes, pode sofrer
consequências graves e irreparáveis, como a falta de confiança, zombarias, fim
de relacionamentos, amizades destruídas e problemas legais”.[2]
Este transtorno psicológico de enganar de maneira compulsória e doentia,
presente em tantos políticos, certamente se relaciona também a outro motivo
oculto, que é o de buscar notoriedade diante dos olhos alheios, com vistas a
salientar que ele, sendo político, é mais poderoso do que os outros, e, ainda,
mais forte, corajoso, inteligente e esperto, do que de fato é. Move-se por uma
única obsessão: a de angariar aceitação e admiração da parte dos interlocutores,
sem balizas sobre os meios e as formas que utiliza para alcançar tais
objetivos.
Segundo C.
Franco Lolito, “neste sentido o sujeito
mitomaníaco mostra uma constante inclinação e uma atração para falsear,
dissecar e alterar a realidade que o rodeia, com o intento de converter ‘sua’
realidade em algo mais grandioso, mais extraordinário e grandiloquente, o que
objetivamente é o que conduz, paulatinamente, a gerar uma imagem distorcida de
si mesmo, geralmente com ar de delírios de grandeza, uma característica que
muito vemos refletida em nossa classe política e que, ademais, lhes agrega a
firme crença de estarem acima da lei, assim como os rompantes de cinismo,
incoerência e hipocrisia”.[3]
Deste quadro
doentio dos mitomaníacos políticos decorrem algumas características específicas:
a)
Mentem
e enganam seus seguidores e o público em geral;
b)
Exageram
na informação de seus grandes atos em favor do bem coletivo;
c)
Manipulam
constantemente as pessoas do seu entorno;
d)
Prometem
o céu, a terra e o mar, para esquecer imediatamente a promessa, numa mistura de
arteriosclerose e Alzheimer, que através de tudo quanto prometeram, já alcançaram
os seus objetivos;
e)
São
hipócritas, oportunistas e cínicos, para perpetrar as conhecidas ‘voltas de
carneiro’ a fim de, rapidamente desmentir, gritar aos céus e ameaçar arrancar
as vestes, com vistas a encenar que nunca disseram o que realmente disseram, e,
mesmo com muitas provas contrárias, conseguem, num sorriso aberto, valer-se de
outra estratégia, a da apelação de que suas palavras, seus ditos, bem como os
procedimentos, foram deslocados do seu contexto.[4]
2 – Mitomania como
efeito do meio
Mesmo
constituindo uma categoria social de pouquíssima credibilidade, e, de agir de
forma contrária aos interesses de milhões de cidadãos de um país, os políticos
alargam intensamente sua capacidade de manipulação da opinião pública, através
de diversos mecanismos de apelação:
a)
Sabem
valer-se de palavras ridículas e de patéticas afirmações a respeito da ‘unidade
inquebrantável’ existente entre os membros da sua coligação e da sua radical
fidelidade a esta unidade, mesmo que, na vida real, vivem se digladiando e se
acusando entre si;
b)
Repetem
exaustivamente nos espaços públicos que são leais e eternamente comprometidos com
o partido, e que o projeto é favorável ao povo, embora, estejam vivendo
verdadeiro canibalismo e se destroçando politicamente entre si;
c)
Apelam
às afirmações grandiloquentes para salientar que constituem o bom-senso e o
equilíbrio dos seus dirigentes máximos, e engrandecem a suprema excelência da
interação de seus grupos políticos, mesmo que, efetivamente, estejam caindo aos
pedaços.[5]
Ao lado destas manipulações, as mostras e provas mitômanas
também se salientam muito nos candidatos a cargos eletivos, que exageram para
garantir que são competentes, experientes, espertos, além de serem dotados de
variados outros atributos, a fim de que seu quadro de ilusão possa produzir
ascensão ao cargo desejado.
Curiosamente, também constatamos que é amplo o grupo dos
sujeitos já em estado de decrepitude, ainda metido a embusteiro manipulador, e
que, apesar de visíveis tiques nervosos, apresenta seu referencial histórico de
hipocrisia e narcisismo.
No entanto, os mitomaníacos políticos “não conseguem evitar as eternas declarações sobre o ‘debate produtivo
de ideias’ e da sua importância para o bem da sociedade”.[6]
Possuem uma gordura especial nas discussões acaloradas e, na
elevação do tom dos discursos revelam a intolerância contra quem se opõe à sua
oficialidade. Na verdade, são incapazes de executar de maneira respeitosa, sem
desqualificação alheia, sem traições e sem acusações a terceiros, uma proposta
positiva e objetiva – ante os grupos de ouvintes que os observam estupefatos - pois
eles, já se consideram de uma estirpe especial por natureza. Entretanto, não
falam e nem mencionam algo que diz respeito aos seus muitos prontuários
policiais.
3 – Mitomania associada
a outros transtornos
Se um número razoavelmente grande de políticos pode ser
facilmente caracterizado pela perturbação mental da mitomania, alguns deles,
todavia, notabilizam-se por mitomania potencializada por outros distúrbios
psíquicos. Pelo menos três aparecem com maior expressividade:
a) Mitomania com transtorno delirante - que leva o político a mentir e criar histórias, e, ele
mesmo passa a acreditar no que inventa;
b) Mitomania com Síndrome de Münchausen – caracterizada pela compulsão de fantasiar uma vida
fictícia, a fim de causar grande mobilização e perplexidade em outras pessoas.
Tende à simulação de sintomas físicos ou psicológicos, envolvendo uma natureza
fantástica, porque tal tipo de doente não suporta sentir-se comum como as
outras pessoas, ou levar uma vida normal e trivial como elas. Por se achar
especial, sente necessidade de criar fantasiosamente estas peculiaridades
especiais. Muitas vezes tal agregação doentia decorre de uma profunda
insatisfação do indivíduo com sua situação real e existencial;
c) Mitomania associada à psicopatia - quando o sujeito passa a valer-se da mentira como
ferramenta básica do seu trabalho. De tanto que se acostumou a mentir, até ele
mesmo perde a capacidade de perceber que está mentindo, pois, mente
descaradamente a toda hora.
Essa capacidade de mentir, e de mentir como processo
cotidiano e normal, passa por uma situação curiosa, que, segundo Júlio Ernesto
Bahr, “no caso dos mitômanos é comum
encaminhá-los para um tratamento psicológico e psiquiátrico, o que obviamente
não ocorre quando se trata de políticos. Esse comportamento acaba se tornando
hábito, o político vira um mentiroso patológico, faz de tudo para manter-se no
poder. O mitômano político é totalmente diferente do mentiroso patológico, cujo
hábito de mentir se deve geralmente à necessidade de se proteger de
constrangimentos, apresentando um histórico de baixa auto-estima e baixa
auto-valorização das suas próprias capacidades”.[7]
Assim, quando o poder se eleva numa cabeça desprovida de
cérebro, a mitomania consegue convencer os políticos de que simplesmente são
intocáveis e que, simultaneamente, estão acima da lei. Ao se presumirem membros
de um seleto grupo de luminosidades, escondem seu vasto repertório de medíocre
falsidade.
Aparentemente separados das fragilidades do comum dos
mortais, eles creem firmemente que são donos da verdade e, em razão disso,
dificultam um real processo de trabalho coletivo em favor do bem comum. Devido
ao seu narcisismo exacerbado, tornam-se extremamente hábeis para enganar as
pessoas.
Na adulteração das informações com o fito de facilitar uma
autoafirmação, conseguem ser igualmente hábeis para se atribuir títulos e
níveis acadêmicos que ajudem a facilitar o alargamento da vida utópica em que
eles se experimentam como pessoas muito íntegras e corretas no proceder. Mas,
como não possuem freio ético e moral, acabam inevitavelmente provocando
desconfiança e diminuição de credibilidade por parte dos que escutam suas
floreadas cantilenas. Segundo Lolito “é
realmente um caráter doentio em que o sujeito desfigura, disfarça e maquia a
realidade, seja engrandecendo-a, ou substituindo-a por completo, por outra, a
fim de que seja mais conveniente com aquela história que o sujeito deseja
representar diante da sociedade”.[8]
Esta grande disseminação da mentira no âmbito da política,
constitui campo já estudado em diversas disciplinas que levaram em conta seus
fins e suas características. De acordo com Bruno Paixão “a grande tendência dos estudos contemporâneos, seguida abertamente por
partidos, políticos e assessores, tem sido centrada na natureza persuasiva da
comunicação do discurso, tendo em conta a conquista ou a manutenção do poder”.[9]
Epílogo
Como distúrbio infantil, ou mera aprendizagem da osmose do
ambiente político, o importante para a sociedade, consistirá, certamente, na
obrigação de maior análise crítica do palavreado dos comícios eleitorais, cheio
de promessas vagas e inalcançáveis e, ainda, impregnado de forte ênfase emotiva,
apenas para garantir que lhe venha um voto favorável na hora da votação.
Algo ainda mais importante e, extremamente difícil, é que
ninguém, sob nenhum pretexto, deveria garantir seu voto a alguém através da
barganha de propina, - doença psíquica tão grave e tão alastrada quanto à
mitomania política – e que deturpa fundamentalmente o imprescindível serviço político
na sociedade.
Por fim, também cabe aos que votam em candidatos a cargos
políticos, que parem de gostar de ser iludidos com conversas animadas,
empolgantes, mas, altamente fantasiosas e irreais.
Bibliografia
BAHR, Júlio Ernesto. Brasília em
foco: a mitomania. In:
blogs.odiario.com/bahr-baridades/2016/04/11/brasilia-em-foco-a-mitomania-no-poder. Acessado no dia 29/09/2017.
LOLITO, C. Franco. La classe
política y la mitomania, o el gusto y la atracción por la mentira. In:
www.paislobo.cl/2016/12/la-clase-política-y-la-mitomania-o-el.html Acessado dia 29/09/2017.
PAIXÃO, Bruno. Emoções e Política. In: https://pt.linkedin.com.pulse/emoções-e-politica-bruno-paixão Acessado no dia 29/09/2017.
PEDROSA, José
Fernandes. Mentira patológica. In: :
www.psiquiatrajfpbrasilia.com.br/index.php/artigos/22-mentira-patologica-mitomania
acessado dia 29/09/2017
SHÁLLON, Teobaldo. Você conhece
alguém que mente com frequência e não admite: entenda o que é mitomania. In:
diariogaucho.clicrbs.com.br/rs/dia-a-dia/noticias/2016/06/você-conhece-alguem-que-mente-com-frequencia-e-não-admite-entenda-o-que-é-mitomania-6019717.html
Acessado no dia 29/09/2017.
[2] In: www.psiquiatrajfpbrasilia.com.br/index.php/artigos/22-mentira-patologica-mitomania
acessado dia 29/09/2017.
[4] Idem, ibidem.
[5]
Idem, ibidem.
[6] Idem, ibidem.
[7] In: blogs.odiario.com/bahr-baridades/2016/04/11/brasilia-em-foco-a-mitomania-no-poder. Acessado no dia 29/09/2017.
[8] Op. cit. idem, ibidem.
[9] No texto emoções e Política, publicado no dia
25/08/2017. In: https://pt.linkedin.com.pulse/emoções-e-politica-bruno-paixão
Acessado no dia 29/09/2017.