quinta-feira, 28 de agosto de 2014

A fé no Deus das vantagens



            Como nas muitas descrições bíblicas em torno dos sofrimentos causados a outras pessoas devido a concepções interesseiras de Deus, também nosso tempo está permeado por imagens de Deus, muito divulgadas e vendidas pelos seus benefícios. Tanto na Igreja católica, como em outras, parece prevalecer uma noção do sistema capitalista do que Deus é constituído em algo similar a uma empresa ou a um objeto valioso que propicia vantagens a alguém que resolve negociar ou apropriar-se Dele.
            As incontáveis orações de promessas e de novenas oferecem bela ilustração do quanto se veicula a noção de que algumas formas de oração negociada são mais poderosas, eficazes ou mágicas do que outras para o alcance de determinados objetivos pessoais. No jogo dos interesses, até mesmo a ambição do céu entra em questão. Uma eventual novena ou oração para pedir a graça de ser melhor, de ser mais respeitoso, de ser mais paciente e atencioso com as pessoas, com certeza, não alcançará boa divulgação e nem bons efeitos do retorno da publicidade.
            A desconfortável tarefa de perceber e de evidenciar sofrimentos e dificuldades no caminho da vida, com o conseqüente comprometimento para diminuí-los ou superá-los, possivelmente não desperta nem entusiasmo e nem ação efetiva. A narrativa bíblica do profeta Jeremias (Jr 20,7-9) revela esta contingência muito forte de quem quer viver as interpelações de Deus diante de grupos humanos que em nome deste Deus, oprimem, massacram, debocham e gozam.
            Pessoa sensível como nós, Jeremias encontrava diante de si um quadro realmente desanimador pela gravidade dos abusos sociais e também religiosos, que manipulavam descaradamente as pessoas. Tudo indicava derrocada até dos valores religiosos que deveriam elevar a convivência, tanto pela justiça das regras sociais quanto dos valores religiosos. No entanto, era precisamente deste campo religioso da vida que vinham as maiores decepções. Jeremias chegou a ter momentos de revolta e de indignação profunda, mas, ao colocar diante de Deus estes sentimentos, apresentando-lhe seu estado de alma, e, particularmente seu desencanto até mesmo com Deus encontrava, todavia, - mesmo neste estado de decepção e de desencanto, - que este mesmo Deus lhe dava forças para continuar sendo um sinal profético no meio daquela sociedade desregrada e que manipulava atributos de Deus.
            Em nossos dias, enquanto alguns se encontram tão seguros, categóricos e convencidos de sua superioridade dominadora a partir de formas de negociar orações, de cantar louvores fictícios e de celebrar de formas triunfalistas, outras pessoas sentem-se com vontade de abandonar até mesmo a busca de Deus.
 Talvez, como Jeremias, convém descobrir que a capacidade de rezar aquilo que realmente se passa na vida, mesmo com revoltas interiores contra Deus, poderá reconduzir com mais eficácia à experiência profunda de que Ele continua a ser um Deus de amor.



quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Profissão de fé



            Consciente, ou, inconscientemente, tendemos a expressar alguma fé em algo superior. Ou para sair de alguma contingência, ou mesmo por necessidade diante dos medos e riscos, somos levados a nos reportar para algo novo, que possa ajudar a sair de algum fatalismo e que seja capaz de evitar o fracasso ou a morte. Muitas vezes também nos sentimos obrigados a pensar algo diferente e mais significativo do que idéias negativas que ocupam obsessivamente nosso psiquismo.
            Para cristãos, ainda que por razões frágeis, o cultivo de um horizonte de expectativas em torno do que Deus pode fazer - na mediação de Jesus Cristo - é algo central. Na prática, porém, tende-se a expressar uma fé mais acentuada nas leis do mercado, estas que apontam um vasto horizonte de felicidade, simplesmente, a partir do produzir e do consumir.
Ainda que, eventualmente, situações especiais levar aos apelos de Deus, o dia-a-dia torna-se cada vez mais perpassado pela profissão de fé do outro deus produzido: o do mercado! Sua exigência é aparentemente muito mais compensadora e bem mais fácil de ser seguido do que aquele conjunto de procedimentos éticos, morais e religiosos requeridos pelo Deus da experiência bíblica: basta entrar na onda generalizada de comprar e de consumir muito!
            No tempo do profeta Isaías criou-se uma polêmica em torno do administrador ou mordomo do palácio do rei: Sobna, detentor das chaves, desviava do acesso ao rei os que mais precisavam da sua ajuda. Isaías passou a defender a substituição do Sobna por Eliacin, porque este era homem respeitoso, de boa índole, e, que poderia facilitar o acesso a quem realmente precisasse chegar ao Rei.
            No Evangelho de Mateus (16,13-20) destaca-se uma delegação parecida: Jesus constituiu a Pedro como pedra fundamental, depois que este fizera uma rica declaração de fé. Jesus lhe prometeu as “chaves” do reino do céu, para bem conduzir ou administrar a comunidade dos discípulos seguidores. A chave não constituía honra e nem grandeza de poder auferida a Pedro, mas, um chamamento ao humilde serviço de desvelo e de cuidado da comunidade cristã.
Nesta perspectiva, ligar e desligar significa reconhecer um importante papel da comunidade: seu serviço pastoral pode ligar ou excluir, bem como, afastar interessados ao acesso. Portanto, se pessoas estão ansiosas para livrar-se das “portas do inferno” de sofrimentos e de contrariedades profundas, e querem evadir-se deste desespero, não fica interessante valer-se da função na comunidade para protelar acessos e para excluir.

 Em outro sentido, que o humilde serviço das comunidades cristãs possa abrir e ligar para o caminho que salva e não fazer como Sobna que só favorecia alguns privilegiados ao acesso do Rei.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Forças imperialistas



Tanto a força civilizadora,
Na pretensão redentora,
Como a cultura superior,
Perpetrou traço inferior.

Na suposição de proteger,
A outros vieram submeter,
Com atos cruéis a estatelar,
E, sem limites no esfacelar.

No agir muito justificado,
De ético porvir relegado,
Sobrou uma colonização,
Com perversa espoliação.

Sob a aparente liberdade,
A vitória contra a maldade,
Escondeu o agir silencioso,
Mais perverso e ambicioso.

No agir dos mais anônimos,
Todos se tornam sinônimos,
Da ingestão de informações,
 Mesmo nas distantes nações.

Induzidas a consumir objetos,
Pouco importa se são abjetos,
Ou se causam vis desenganos,
A distintos mundos humanos.

O que importa é consumir,
Mesmo levando a denegrir,
Os ricos avanços culturais,
E as experiências pessoais.




quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Sinais da pedagogia de Deus



            A festa da assunção de Maria ao céu, celebrada no próximo final de semana, à parte dos aspectos polêmicos em torno do dogma, representa o grande e profundo anseio dos discípulos de Jesus Cristo em nossos dias, para um dia estarmos no céu através de um itinerário parecido com o de Maria.
            O evangelista Lucas soube fazer uma leitura muito interessante dos acontecimentos que envolveram Jesus Cristo. Percebeu um indicativo da pedagogia de Deus, pois, observou que nada das manifestações divinas passou por meio das clássicas procedências de grandeza e poder. Para começar, Jesus não nasceu num palácio, nem foi filho de rainha, e, o povo que conheceu sua mãe, não fora obrigado a saudá-la com a expressão: “bendito seja o fruto do teu ventre!”, como era obrigado a dizer diante das rainhas grávidas.
            Ao fazer uma retrospectiva do que envolveu Jesus Cristo, Lucas constatou que sua mãe fora simples, humilde e serviçal. Mesmo grávida, foi prestar um serviço de ajuda à sua prima, enfim, nada do que era importante nos escalões do poder humano. Assim, Lucas também constatou que, já no Primeiro Testamento, Deus tinha dado sinais da inversão dos poderes humanos. Agiu através de muitas mulheres para mudar a cabeça obsessiva e destruidora de seus maridos. Nelas, toda a ação de Deus se mostrara não de cima para baixo, de poder, de honra e grandeza, mas, de pequenez, de humildes serviços e de gestos. Veio uma dedução muito importante: as grandes coisas de Deus acontecem de baixo para cima!
            Os sinais mais fortes e evidentes da ação de Deus ao longo da história do povo hebreu contaram com a mediação de mulheres como Rute, Ester, Mírian, Judite e tantas outras. Maria aparecia no mesmo contexto de mulheres simples e serviçais para o bem comum. Isto permitiu a Lucas selecionar as frases próprias do poder oficial e invertê-las para referir-se a Maria, mãe de Jesus Cristo: observara que Deus valeu-se de pessoas humildes para suas grandes obras. E é nesta perspectiva que se pode entender o canto do Magnificat, um hino que canta o modo como Deus subverteu a grandeza do poder humano. Seus gestos muito eloqüentes revelavam que o triunfo final da vida é alcançado pelo caminho da humildade.
            Longe das honras, procissões vistosas e ornamentos requintados, tão facilmente identificáveis nas imagens de Maria, o hino do Magnificat nos interpela ao itinerário de um caminho bem distinto: não o da deusa poderosa, ornada com jóias, com coroa e tanta manipulação pelo avesso do imagético das imagens de Maria, mas, pelo caminho simples, discreto e atuante em favor do bem comum.
            Que os nossos anseios de assunção possam, no caminho de Maria, elevar-nos acima da prepotência humana e das roupagens que traem as raízes da nossa fé!


No marketing da mídia



Extraordinária apuração tecnológica,
Comeu tempos, certezas e espaços,
Engoliu elementar referência lógica,
E acolheu mundo de novos regaços.

Destroçou a subjetividade da reflexão,
E enalteceu uma subjetividade reflexa,
Não mais movida pela social conexão,
Mas pela insatisfação bem desconexa.

Já não exalta nenhuma comunidade,
Pois endeusa o narciso individualista,
Para induzir à colossal necessidade:
De consumir como nobre conquista.

Nos moldes da constante adaptação,
Parece não haver qualquer obstáculo,
Mas na sua ausência age a esganação,
De um poder anônimo do espetáculo.

Sobram duas condições à humana lida:
Vender e comprar mercadorias, imagens,
E consumir infinitamente e sem medida,
Da indústria cultural as novas roupagens.

Com o inconsciente permeado por desejos,
Além de pervertido por intensa insatisfação,
Já não produz e nem reluz outros lampejos,
Do que os da exibição e excesso à exaustão.


terça-feira, 12 de agosto de 2014

A rainha dos céus



Queria tanto entender o milagre,
Não da humilde e serviçal Maria,
Mas de cegas cabeças de bagre,
A elevá-la com tamanha porfia.

Copiando a ideologia imperialista,
Da afirmação do poder superior,
Produziram algo sensacionalista,
Para manipular a classe inferior.

Nas redundâncias da coroação,
Da rica e ornamentada rainha,
Somem traços de humana ação,
Para esnobar a divina mãezinha.

Queria encontrar em Maria,
Um itinerário de diária lida,
E que em nada implicaria,
Com a fantasia combalida.



Espiritualidades piedosas



Nas buscas da experimentação de Deus,
Incontáveis são os caminhos apontados,
Que, como as exterioridades de fariseus,
Deixam os anelantes bem mal orientados.

No afã de encontrar forças para a lida,
Concepções medievais são valorizadas,
Distantes do sopro vital da plena vida,
Para submeter às piedades desgastadas.

Quando o medo do vazio já esvazia,
Como imbuir-se do sentido cristão,
Para estar distante do que extasia,
E revelar um humanitário coração?

Na identidade cristã de nossos dias,
Feita movimento em favor de vida,
Requer-se elã para várias diaconias,
Muito além da piedade subsumida.

Mais do que honras e graus a atingir,
Esperam-se cultivadas sensibilidades,
Capazes de se enternecer sem desistir,
Diante das reais e efetivas dificuldades.

Muito mais do que conquistas pessoais,
Ou a ascensão nos caminhos exotéricos,
Carecemos de forças humanas e frugais,
Para renovar semblantes tão cadavéricos.


sábado, 9 de agosto de 2014

No mar das dificuldades



Há dificuldades rotineiras,
Que roem a vida nas eiras,
E deixam vacilantes na fé,
Quem já vai em marcha ré.

Pequenos conflitos e tensões,
Precipitam como as monções,
Os medos sutis e os atributos,
Aos pavores efetivos e argutos.

Logo surge a evidente conclusão,
Da força diabólica em viva ação,
A atuar mais que tempestade,
Com perfídia e muita maldade.

Do senhor Jesus temos memória,
De quem não aspirou a vanglória,
Nem delegou espaço à violência,
E nisto se estabeleceu referência.

Se Ele soube andar sobre as ondas,
Nem se meter em brigas hediondas,
Apontou a calmaria da convivência,
Como caminho para nossa decência.





quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Nas ondas da existência



            Tanto na interação com pessoas, quanto na experiência íntima do psiquismo, somos constantemente afetados por ondas: por vezes são de entusiasmo, de encantamento, de euforia, de gratuidade e de gratidão. Qualquer coisa pequena que acontece, dá a impressão de que já vem aliar-se aos motivos de satisfação; mas, também em muitos momentos da vida as ondas são de desânimo, de doenças, de brigas e desencontros, de frustrações profundas e até de sensação de incapacidade de lidar com as adversidades. Então, parece que uma onda desagradável já vem emendada com outra ainda pior. Juntas, parecem engolir as minguadas forças e até as motivações já cambaleantes.
            A experiência do profeta Elias nos oferece uma rica descrição a respeito de como ele conseguiu integrar ondas de dificuldades numa crise de fé que chegou a abalar a razão religiosa da sua existência. A descrição de como lidou com as dificuldades nos oferece um lampejo de interpelação capaz de despertar o entendimento das necessárias condições de espaço interior – que se fazem necessárias - para que ali Deus possa ser experimentado.
 Em nome de Deus o referido profeta havia se dedicado intensamente ao combate a uma religião importada e que representava uma ameaça à aliança firmada em torno dos dez mandamentos, importante código ético moral à vida do povo hebreu.
            Ao eliminar os rivais, Elias esperava ser condecorado com algum privilégio e honras especiais da parte de Deus. No entanto, a onda dos fantasiosos sonhos acabou em pesadelo: Jezabel, a rainha que introduzira os sacerdotes de Baal com a finalidade de substituir a religião centrada nos dez mandamentos, ao ver seus sacerdotes derrotados por Elias, exigiu sua morte.
Elias conseguiu fugir em tempo. Mesmo fora de perigo e já refugiado no Monte Horeb, entrou em crise profunda e chegou a desejar a morte como melhor saída para livrar-se do desconforto pelo qual passava.
 O monte Horeb, mais do que refúgio, era lugar simbólico, pois, ali Deus tinha inspirado Moisés a conduzir o povo. Elias esperava ardentemente alguma intervenção especial de Deus, mas, sua experiência se mostrava antagônica: nenhum sinal de Deus dentro dos tradicionais meios tidos como os melhores para experimentá-lo.
Junto com a crise das buscas, veio, enfim, uma experiência hierofânica de extraordinária síntese: ali não encontrou sinais de um Deus que justificassem sua violência, simbolizados no vento, no terremoto, no fogo, mas, apenas, no quase imperceptível murmulho causado pela brisa suave.
            A “brisa suave” oferece uma imagem muito significativa: quando nos damos conta da profunda incapacidade, e já não temos nada a dizer para ninguém, nem mesmo a Deus, conseguimos criar algum espaço interior para admitir a escuta de Deus. Mais do que expectativa de bajulação por parte de Deus, podemos constatar que Ele nos aponta outro modo de ser e de lidar com a vida.

            O ambiente social facilmente nos leva a lutar e a pressupor que Deus tenha que nos ajudar por meio de formas violentas para favorecer nossos interesses e, assim, acabamos revelando que pretendemos ser mais fortes e insinuantes do que Ele. De fato, sofremos muitas vezes para além da medida e nos decepcionamos até com Deus porque Ele parece inoperante e insensível para nos atender. Entretanto, como Elias, demoramos muito para chegar a perceber que não é no “ôba-ôba” dos milagres e dos sinais mirabolantes, atribuídos a Deus, que nós realmente criamos condições para que Ele possa nos apontar algo novo e peculiar, bem como nos despertar novas estratégias para viver melhor.

O reverendo



Da herança medieval de ser nobre,
Passou da condição de vida pobre,
Ao status de mediar e salvar almas,
Sob manifestas e afeiçoadas palmas.

Colocado num alto mundo simbólico,
Passou de antídoto de todo diabólico,
A ser um mero ornamento saudosista,
A ofuscar toda pretensão progressista.

A veste não lhe confere qualquer poder,
E leva seu patamar de honra a se perder,
Na perfídia da imagem fundamentalista,
Que sucumbe na ilusória visão integrista.

A causa do Reino ficou em segundo plano,
E o discipulado submergiu no ledo engano,
Pois o afã dos divinos poderes excepcionais,
Pouco age sobre mazelas de pobres mortais.

Do pequeno resto que se move no serviço,
Emerge rico clamor, pouco encontradiço,
Da solidária ação com humano pundonor,
Para suplantar a diuturna e cotidiana dor.

Uns, engomados, de reluzente roupagem,
Tentam repassar amalgamada mensagem,
No disfarçado interesse, mais do que ético,
De prender as atenções ao visual imagético.

Outros, azedos diante da massiva cobrança,
Já perderam, há muito tempo, a esperança,
De que o serviço em favor do Reino Novo,
Possa propiciar algo transformador no povo.

Poucos cultivam a primordial sabedoria,
Para atuar, mesmo distantes da euforia,
No árido e enfadonho processo redentor,
E ali fruem, dos sinais, um lume alentador.


<center>INDIFERENÇA SISUDA</center>

    O entorno da vida cotidiana, Virou o veneno que dimana, A endurecer os sentimentos, Perante humanos proventos.   Cumplicidad...