Como nas
muitas descrições bíblicas em torno dos sofrimentos causados a outras pessoas
devido a concepções interesseiras de Deus, também nosso tempo está permeado por
imagens de Deus, muito divulgadas e vendidas pelos seus benefícios. Tanto na
Igreja católica, como em outras, parece prevalecer uma noção do sistema
capitalista do que Deus é constituído em algo similar a uma empresa ou a um objeto
valioso que propicia vantagens a alguém que resolve negociar ou apropriar-se Dele.
As
incontáveis orações de promessas e de novenas oferecem bela ilustração do
quanto se veicula a noção de que algumas formas de oração negociada são mais
poderosas, eficazes ou mágicas do que outras para o alcance de determinados objetivos
pessoais. No jogo dos interesses, até mesmo a ambição do céu entra em questão.
Uma eventual novena ou oração para pedir a graça de ser melhor, de ser mais
respeitoso, de ser mais paciente e atencioso com as pessoas, com certeza, não
alcançará boa divulgação e nem bons efeitos do retorno da publicidade.
A
desconfortável tarefa de perceber e de evidenciar sofrimentos e dificuldades no
caminho da vida, com o conseqüente comprometimento para diminuí-los ou
superá-los, possivelmente não desperta nem entusiasmo e nem ação efetiva. A
narrativa bíblica do profeta Jeremias (Jr 20,7-9) revela esta contingência
muito forte de quem quer viver as interpelações de Deus diante de grupos
humanos que em nome deste Deus, oprimem, massacram, debocham e gozam.
Pessoa
sensível como nós, Jeremias encontrava diante de si um quadro realmente
desanimador pela gravidade dos abusos sociais e também religiosos, que
manipulavam descaradamente as pessoas. Tudo indicava derrocada até dos valores
religiosos que deveriam elevar a convivência, tanto pela justiça das regras
sociais quanto dos valores religiosos. No entanto, era precisamente deste campo
religioso da vida que vinham as maiores decepções. Jeremias chegou a ter
momentos de revolta e de indignação profunda, mas, ao colocar diante de Deus
estes sentimentos, apresentando-lhe seu estado de alma, e, particularmente seu
desencanto até mesmo com Deus encontrava, todavia, - mesmo neste estado de
decepção e de desencanto, - que este mesmo Deus lhe dava forças para continuar
sendo um sinal profético no meio daquela sociedade desregrada e que manipulava
atributos de Deus.
Em nossos
dias, enquanto alguns se encontram tão seguros, categóricos e convencidos de
sua superioridade dominadora a partir de formas de negociar orações, de cantar
louvores fictícios e de celebrar de formas triunfalistas, outras pessoas
sentem-se com vontade de abandonar até mesmo a busca de Deus.
Talvez, como Jeremias, convém descobrir que a
capacidade de rezar aquilo que realmente se passa na vida, mesmo com revoltas
interiores contra Deus, poderá reconduzir com mais eficácia à experiência profunda
de que Ele continua a ser um Deus de amor.