Grande parte dos fatos históricos, especialmente de guerras, revela uma
humanidade ansiosa por posses, seguranças, reservas e bem-estar cotidiano. O
desejo de fartura não se direciona apenas ao campo da comida, do conforto e das
seguranças monetárias, mas, também se direciona para interações de satisfação,
através de envolvimento com pessoas e, até mesmo, com o próprio mundo interior.
Nem sempre
as expectativas acalantadas são motivos de satisfação. Por vezes preconizam
dor, sofrimento, dificuldades e até sentimentos de incapacidade.
A busca de
seguranças pode acontecer apenas numa dimensão pessoal e subjetiva. Da herança
bíblica, porém, haurimos uma rica imagem de como o povo, em diversas
circunstâncias encontrou na partilha de pouquíssima alimentação, a renovação do
sonho de fartura. Tanto os fugitivos do Egito quanto os retirantes do exílio da
Babilônia encontravam, nos sonhos de um futuro de abundância de alimentos, a
grande motivação para vencer adversidades. O profeta Isaías soube expressar
isso de forma poética: que os sedentos, os sem dinheiro se apressem para obter
vinho e leite. A solidariedade permitiria a todos viver com fartura, mesmo sem
dinheiro.
Boa e farta
alimentação constituía também o sonho de multidões que procuravam em Jesus
Cristo, uma solução rápida e compadecida, pois haviam sido espoliadas deste
direito. Mais do que dar atenção Jesus revelou-se compassivo, isto é, agiu para
que não fossem mandadas embora com fome. Ele não se recusou, mas, curiosamente,
ordenou que os discípulos partilhassem o pão, o pouco que eles tinham. Ao
abençoá-lo e mandar distribuí-lo, viu que todos ficaram satisfeitos...
Em nossos dias, com tanta produção,
largamente ampliada pelos avanços técnicos-genéticos da produção de alimentos,
multidões perambulam com profundos desejos de fartar-se, muitos sem dinheiro e
sem acesso ao pão de cada dia. Como muita gente no tempo de Cristo quis
mandá-las adiante, algo similar se repete em nossos dias.
Tanta gente fechada sobre si mesma, já perdeu
a capacidade de ter compaixão e, para proteger-se em torno do acumulado, vai
despedindo e mandando embora sem nada. No entanto, grande número de discípulos
de Cristo ainda continua se sentindo interpelada a partilhar do pouco que tem –
bens, tempo, serviços, esperanças, consolo – para não deixar pessoas sem rumo e
com fome que mata.
Ao partilhar serviços humanitários
estes discípulos hodiernos desfrutam de uma experiência milagrosa que
transforma sua vida a partir da pequenez dos seus gestos de solidariedade
prestada, e percebem que seu cesto se enche: não de um milagre mágico e
sensacionalista, mas, de sentido e de sensação de que sua vida se alargou. Este
sinal do “vinho e leite” e do “pão repartido”, plenifica a vida e lhes confere
a exuberância concreta do que deve ser o anseio de Deus: que as multidões
fiquem satisfeitas e que nenhum ser humano passe fome ao lado de outro que
ajunta em excesso.