Muito mais
do que um procedimento técnico para um bom levantamento de dados, a intuição e
a significativa proposta do Papa Francisco – de propor à Igreja Católica uma
ampla participação de todas as suas instâncias na preparação do próximo Sínodo (sobre
o tema da “Sinodalidade na Igreja”) – implica em novo modo de ser da Igreja.
Não totalmente novo, pois, as primeiras comunidades cristãs se orientavam pela Sinodalidade,
uma vez que todos os batizados participavam das decisões.
Aristóteles
já alertava, muitos séculos antes do cristianismo, que a extrema democracia
significava anarquia. Na verdade, não é possível que todos participem de tudo o
que se decide coletivamente. Conhecemos a característica no campo político em
que delegamos pessoas pelo voto para que nos representem. Algo similar também
ocorre na Igreja, e, pode ocorrer que os delegados já não representem os
anseios dos que os elegeram a fim de serem seus representantes, e estes delegados, ao
invés de representar as bases, agem autoritariamente sobre estas bases e se
tornam insensíveis aos seus clamores e anseios.
O Concílio Vaticano II, recuperou a antiga
riqueza da auto-concepção da Igreja, não mais como pirâmide de hierarquias,
mas, como Povo de Deus, simbolizada numa roda de conversa. O Papa tem sua
função de serviço, entretanto, não é mais do que qualquer pessoa leiga. Assim,
também bispos e padres não são mais do que leigos. No entanto, a ação da Igreja
ainda seguiu refém de instancias específicas de poder na condução da Igreja.
Deste modo, os importantes sínodos de bispos que desde então foram efetuados,
em número de vinte e nove, foram valiosos, mas, envolveram apenas bispos e
peritos.
A convocação do Papa Francisco para o
próximo Sínodo de 2023 deu um passo radical e inusitado: se a visão de bispos é importante,
não seria mais importante ainda, contar com a participação de todas as
instâncias da Igreja, valorizando a dimensão do batismo e da comunidade, como
condição de participar responsavelmente nas decisões dos rumos da Igreja?
O valor dado à participação das
comunidades nas definições da Igreja é, para os nossos dias, um lume, ou um
clarão de esperança com vistas a maior corresponsabilidade na Igreja, porquanto
a pirâmide dos escalões mais elevados como definidores do que é bom, correto,
certo e justo, cede espaço para a circularidade e a voz dos que há séculos
foram tidos como destinatários passivos. A nova intuição indica luzes
proféticas para o bom desempenho da Igreja no serviço de promover o Reino de
Deus anunciado por Jesus Cristo.
Tal perspectiva
permite entender a reação de grupos, sobretudo clericalistas, contra a proposta
do Papa, pois, relativiza espaços e condições conquistadas. Como em qualquer
outra instância humana, seja política, sindical ou de classe, quando grupos se
mobilizam pelo alcance de maior nível de direitos, vantagens e liberdades, a
tendência natural é a de querer ampliar ainda mais estas condições
conquistadas; mas, jamais de perde-las ou reduzi-las. Assim, grupos sociais se
tornam conservadores, pois, não admitem retroceder ou perder no que já
conquistaram.
A nova
maneira de ver e de agir na Igreja numa perspectiva mais colegiada, representa
uma renovação profunda na maneira de agir da Igreja, uma vez que vai perpassar
toda a prática de lidas nas dioceses, paróquias e pequenas comunidades. Não
constituirá apenas uma nova metodologia para um sínodo, mas, despertará todo o
modo de ser e de agir da Igreja, para não só ser mais democrática, mas, ser realmente sinodal.
Do que conhecemos de democracia,
sabemos que ela depende das opiniões e de grupos que impõem votos e argumentos
para que sua defesa e seu ponto de vista prevaleça. Equivale a um parlamento
onde a decisão mais argumentada prevalece. Sinodalidade tem outra perspectiva,
uma vez que implica em escutar mais do que fazer prevalecer um desejo ou uma
opinião. Da escuta, com oração, nasce o discernimento. E discernimento equivale
a bom-senso que não necessariamente vai impor a ideia de um grupo de interesse
e de sua capacidade de barganha.
Sinodalidade, por conseguinte,
significa processo, cuja síntese pode demorar mais do que desejamos, porque
implica em subversão da forma tradicional de definir rumos e projetos.
Evidentemente se um voto de um batizado comum vale tanto quanto o de uma
autoridade eclesiástica, e se esta estava acostumada a sentir o peso da sua
palavra na definição dos rumos da Igreja, irá sentir a perda do seu poder, e,
um dos mecanismos de auto-defesa será o de combater a Sinodalidade.
A Sinodalidade irá exigir outro modo
de agir da autoridade, seja ela de bispo, de padre, catequista, ministro (a),
ou de qualquer outro serviço de animação na comunidade. A tendência natural de
mandar e dar a última palavra não funciona na Sinodalidade. Ainda que não seja
possível levar em consideração o que cada membro batizado da Igreja espera para
o seu futuro, pelo menos o maior envolvimento participativo significa
procedimento profundamente inovador, porquanto o caminho não será definido por
autoridades eclesiásticas e de peritos, mas ele vai decorrer do que advém dos
cristãos batizados. Somem, assim, os ares definidores de escalões mais elevados
de poder, para darem espaço e expressão ao que advém da base da Igreja.
A Sinodalidade não vai
descaracterizar o serviço do Papa, nem o dos cardeais, bispos e padres, porém,
vai leva-los a agir, não a partir do que eles pensam, mas do que captam do
senso comum e de outras instâncias de animação das comunidades cristãs.
O que se pode antever de uma Igreja
mais sinodal? Primeiramente são dificuldades e tensões, pois, constitui
processo que precisa ser aprendido e com necessária humildade para escutar sem
logo exercer a hegemonia de dar conselho e de indicar a solução. Há problemas
que não podem ser resolvidos na hora e na força. Precisam de síntese entre
perspectivas conservadoras e progressistas, que por vezes leva mais tempo do
que se gostaria. Imagine-se tal procedimento para conselhos administrativos,
pastorais, econômicos e de coordenação de movimentos e serviços numa
comunidade! Não caberá mais a um pequeno grupo ou uma pessoa ditadora decidir
pelos demais. Começar a valorizar diferentes grupos de uma comunidade e não somente
refletir teoricamente sobre os problemas, requer novo modo de proceder nas reuniões
e assembleias das comunidades católicas. Requer uma conversão do coração e da
mente para a escuta recíproca, ainda que possa parecer chata. O Papa Francisco
alertava na homilia do dia 10/10/2021, na abertura do Sínodo, que é necessário que
nos tornemos “peritos na arte do encontro”,
mais do que na capacidade de promover grandes e bonitos eventos. E, mais do que
escutar com os ouvidos, far-se-á necessário escutar com o coração e permitir
que ocorra circularidade e não domínio de opiniões. Com isso emerge um traço
que provavelmente vai marcar nossas comunidades: a riqueza do colaborar. Será
enfim, uma perspectiva de diminuição progressiva da centralidade clericalista
e, com maior emergência da participação de leigos nas comunidades.
Sinodalidade certamente levará a
Igreja Católica a ir além de um pernicioso clericalismo que tende a concentrar
e a definir os rumos da Igreja a partir de suas pressupostas tradições, mas que
não necessariamente levam à raiz da tradição cristã que é o Evangelho.
Sinodalidade aponta para uma
animadora integração de três dimensões: comunhão, participação e missão. Foi
Cristo quem conclamou para a comunhão e quanto mais gente atua neste importante
trabalho, também mais gente estará exercendo valiosa e admirável missão para
uma Igreja coesa que atua beneficamente em favor da boa convivência das pessoas
e a convivência equilibrada destas pessoas com o planeta.