quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Corrupção e alegres expectativas



            Os que já celebraram muitas festas de natal sabem que nem todo acalanto de sonhos, deste tempo de especial consumismo, produz alegria e bem-estar, mesmo com o consumo de iguarias gostosas. Também sabem que, mais do que mera festa, o natal representa para os cristãos a simbologia para festejar a luz que Jesus Cristo representa para o anseio humano.
            Ao lado das variadas motivações alimentadas para um natal muito significativo, sabemos que a festa, que lembra o nascimento de Jesus Cristo, nos interpela para um tipo de relações humanas, nem sempre muito destacadas em nossa convivência. Um problema tão candente e atual de nossos dias é o da corrupção. O evangelista Lucas (3,10-18) salienta como já antes do nascimento de Jesus Cristo, este problema era preocupante: a religião do povo tinha se transformado num sacrificialismo exterior, sem efeitos práticos para a vida e o respeito humano foi, gradualmente, substituído pela prepotência de invasores imperialistas, com cooptação de soldados e sacerdotes.
 Por isso, Lucas, ao reler os fatos que antecederam o nascimento de Jesus Cristo, salienta a pregação do profeta João Batista: este conclamava o povo da região do rio Jordão a um batismo, para expressar purificação das situações de pecado. O profeta dava uma resposta aos grandes anseios naquele povo pobre, oprimido e espoliado do seu tempo: evitar que pessoas ficassem sem roupa e sem comida, ameaça que aumentava progressivamente, e, que, quem mais extorquia o povo já empobrecido, - os soldados e cobradores de impostos, - parassem de roubar.
Nossos dias apresentam um quadro ainda mais complexo do que aquele que antecedeu o nascimento de Jesus Cristo, porque o número de ladrões além de proporcionalmente maior, se manifesta em níveis mais amplos da sociedade. Assim como as pessoas contemporâneas de João Batista olhavam com saudades para os tempos da dinastia de Davi, - muito diferente e melhor, - passaram a sonhar com a restauração daquela dinastia.

Este espírito carregava algo especial nas esperanças: recuperar a alegria da boa convivência. De maneira similar, olhamos para o que Jesus Cristo fez e nos sensibilizamos para o que anunciou no meio de um quadro político, econômico e social altamente desigual e injusto. À luz das suas orientações, que já  não nos remete a desejar uma dinastia davídica, e, nem tampouco, qualquer forma de ditadura monárquica, desejamos, o que a maioria da nossa sociedade certamente deseja: uma convivência mais justa, ordeira e, por isso mesmo, mais alegre. Mais do que a festa, importa o sentido para a vida!

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

O humano emparedado



Da ancestralidade do estreito vínculo com a natureza,
A cultura propugnada pela superioridade da esperteza,
Desenvolveu tecnologias de edificação para seguridade,
Contra a rapinagem e atentados de alta periculosidade.

De tanto reforço de paredes, muros, alarmes e grades,
Tudo em vista das domésticas e seguras integralidades,
O humano de nossos dias é o prisioneiro das paredes,
Mesmo que conectado virtualmente em amplas redes.

Vive intensamente o hiper-real, sem sobriedade frugal,
E alimenta-se cada dia mais de química nada integral,
E para sentir-se amparado em seu refugio bem seguro,
Vive da preocupação pelo presente, privado do futuro.

Para tornar-se gostoso e cativante em suas aparências,
Apela a silicone, a hormônios e outras grandiloquências,
Que o estufem de razões fortes para despistar a solidão,
Da ausência do toque de afeto e sentimento de gratidão.

Seu olhar unidirecionado para o conforto e a satisfação,
Tirou-lhe toda capacidade da genuína e boa motivação,
Para assimilar dos incontáveis sistemas de vida natural,
Uma vitalidade do seu húmus e do seu milagre fulcral.






sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

O divino do profundamente humano



Nossos dias, assustadoramente obcecados e induzidos ao consumo,
Somente nos apontam uma única premissa de felicidade no rumo,
Consumir muito e descartar tudo, para poder consumir ainda mais,
E evitar que os outros absorvam o mesmo desejo e se tornem rivais.

Quando a fé já não vê nenhuma pobreza, nem negligência com a terra,
Obsessiva pelo divino para que venha auferir mais que todo bem encerra,
Perde-se a comunhão profunda com o que contorna a condição humana,
E já não se capta na grandiosa vida do cosmos o sinal divino que emana.

O empobrecimento dos sentidos para apenas produzir e muito consumir,
Faz com que a pulsão profunda da afetividade humana passe a subsumir,
Sob a possessiva manipulação dos desejos induzidos a favor do mercado,
E na amnésia do vital para as relações culturais aniquila-se o rico legado.

Quando a capacidade de diálogo é canalizada para não aprender a amar,
E se coloca como auge o consumo de alimentos insalubres para devorar,
O confinamento sedentário nos estabelece no nível da engorda dos bois,
Restringindo toda qualidade humana em função do consumo para depois.

Sem a sensibilidade de nos enriquecer com o entrono da vida do planeta,
Revelamos uma patologia de espiritualidade alienante e de mera mutreta,
Que não respeita os recursos naturais para fruí-los na sua ampla inteireza,
E assim perde-se a dimensão do divino que ali se revela com toda beleza.








quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Tempo de reconciliação



            Independente das convicções político-partidárias e das razões ideológicas para que uns e não outros devam nos governar, causa estupefação, por exemplo, constatar a veiculação no Facebook e em outros meios de informação, de ofensas a pessoas com assustadores níveis de ódio.
Parece que um clima emocional fala mais alto do que as regras, o bom-senso e a capacidade de discernir diante do que se veicula. Assim, também em nosso meio, a iminência de reações extremistas tende a ameaçar qualquer anseio de paz e de esperança para dias melhores na convivência humana.
            Aos cristãos, abre-se, neste tempo de preparação do natal, uma recordação muito importante da memória do povo de Israel: depois dos múltiplos fracassos do povo, sempre metido em ódios e guerras, e, depois do deprimente exílio na Babilônia, a notícia do fim deste exílio despertou as melhores esperanças nos poucos sobrantes vivos.
 Voltaram a sonhar com o desejo de ajuntar o povo em torno de Jerusalém. O profeta Baruc logo apontou para algo que seria fundamental, a fim de se evitar o velho ciclo de violência e de ódio: o tempo somente poderia ser de salvação e de melhores condições com o requisito imprescindível da misericórdia e da justiça!
            Outro profeta contemporâneo de Baruc, Jeremias, já havia anunciado que Jerusalém deveria mudar de nome: deveria chamar-se Deus nossa Justiça. Baruc, de modo similar, sugeria que o nome daquela cidade deveria ser “Paz da justiça e do bem-estar em Deus”.
            Como a lição tirada dos acontecimentos foi apenas parcial, e o caminho da justiça obteve pouco avanço, em anos anteriores ao nascimento de Jesus Cristo, um terceiro profeta se tornou notável pelo seu discurso: era João Batista a convocar para um processo de conversão. Acabou delineando, com seu discurso radical pela mudança de vida, uma luz nova no meio dos desencontros humanos. A conversão teria que aplainar a estrada de entendimento entre montanhas e precipícios, numa clara alusão aos grandes desníveis do desencontro humano.

            Nosso tempo de bombardeios de informações acaba enchendo e aturdindo a cabeça com expectativas pessimistas a respeito de um possível entendimento entre as pessoas. Por isso, mais do que nunca, precisamos fazer algo para aplainar desencontros humanos e facilitar o entendimento a fim de propiciar regras justas e ações levem a espalhar reconciliação e a vivenciar o modo de ser de Jesus Cristo como luz para tempos tão obnubilados por ódios humanos e desencontros entre pessoas.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

O taciturno




Quando longos dias não acalmam o espanto,
Do desenrolar dum progressivo desencanto,
Nem a superação tão cegamente endeusada,
Consegue firmar uma vereda menos abusada.

Se a reação terrorista é revide da prepotência,
E em nada se sensibiliza para gestar clemência,
Some-se o lugar seguro da segurança e da paz,
E se esboroa a democracia, já sem ação eficaz.

Restrita ao discurso eloquente da resignação,
A democracia, já incapaz de boa proposição,
Desanda na contraditória rota do penhasco,
Que aponta o derradeiro histórico de fiasco.

Tornada meio para acobertar e não desvelar,
Indica que o muito e o quanto devia revelar,
Fica na vaga saudade de um tempo passado,
Que deixou vasta fartura de um triste legado.

Resta sonhar com uma esperança bimilenar,
De que o desarmamento pode proporcionar,
Uma revalorização da benfazeja cordialidade,
Capaz de gestar mais acolhimento e caridade.











sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Entre o normal e o patológico



Quando o criar regras é o normal,
Sobre a consideração do anormal,
Dá-se ao sistema liberal a regalia,
De legislar conforme a sua revelia.

As leis favorecidas aos mandantes,
Legitimam que os pobres andantes,
Sejam rotulados como patológicos,
Ante os processos mercadológicos.

Mesmo falida a guerra pela renda,
Que entre os pobres gera contenda,
A política pública, no agir mórbido,
Revela a doença do estado sórdido.

Enganadora na redenção dos pobres,
Apenas favorece pretensões nobres,
À custa da miséria desconsiderada,
E da sua crassa obsessão obliterada.

Quando ocupam comandos centrais,
Conquistados por medidas desleais,
                                                      Podem supor-se atos humanitários,
De simulacros de chefes salafrários?









quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Expectativas messiânicas



            A memória histórica dos grandes intentos para estabelecer paz duradoura, parece constituir argumento incontestável de que guerras, armadas, verbais ou intimidadoras, não gestam as necessárias condições de paz e de entendimento justo entre povos e raças.
            O profeta Jeremias ao experimentar no couro a crueldade de um contínuo estado de guerra e de perseguição, esperava que finalmente o bom-senso pudesse entrar na cabeça das pessoas e, seu país, poderia então viver o bem estar no lugar da destruição. Para isso, sonhava o profeta (Jr 33,14-16) com um rei disposto a fazer a vontade de Deus e que levasse vida reta e justa. Com um rei justo o povo poderia, enfim, realizar-se como povo.
            O exercício do governo abriria, sob a justiça, uma nova forma de relacionamento com os países vizinhos, pois o pânico da destruição deixaria de constituir o assunto central das mentes. Os frutos do amor de Deus passariam a ser semeados diretamente no coração humano, pois, uma educação para o respeito e a cordialidade, já não careceria de violência e muito menos de armamentismo.
            Séculos mais tarde, os acontecimentos vivenciados em torno de Jesus Cristo, apontavam aos seus discípulos que Ele se revelava justo e, portanto, capaz de estabelecer a paz, tão almejada em meio aos horrores das guerras. Se os babilônicos já não eram os cruéis matadores como no tempo de Jeremias, estavam agindo outros matadores ainda piores: os romanos, que, devastaram o país e destroçaram a capital Jerusalém. A angústia, o medo e o caos estabelecido entre os sobreviventes, tomava conta da vida e inviabilizava qualquer sonho restaurador em torno das regras ético-religiosas.
            O evangelista Lucas, em meio ao estado de pânico, apontou aos discípulos de Jesus Cristo que seu modo de ser constituiria para a humanidade uma razão profunda de alegria, capaz de substituir a inquietação e o medo: a volta de Cristo poderia encontrar a todos em pleno desfrute do novo tempo que Ele instaurou. Lucas convocava os desanimados a uma vigilância positiva para fazer alargar-se o grande processo de libertação, pois este poderia levar à plenitude de Deus e sua bela obra poderia propiciar, entre os humanos, a realização das antigas esperanças, realimentadas ao longo de tantos séculos. Seria uma convivência de entendimento no lugar do desencontro de guerra; um cultivo de oração poderia mover as pessoas a se tornarem melhores, sem o formalismo exterior que insensibiliza o âmago do coração humano.

            

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Tornados e lamas




Como falar das bênçãos do papai do céu,
Quando tantas vidas são ceifadas ao léu,
E se culpa a engenhosidade da natureza,
Para esconder a extraordinária avareza?

Na perversa ambição do lucro sem fim,
Deteriora-se a vida até o último confim,
E se deprava esta natureza tão dadivosa,
Através do sistema de obsessão aleivosa.

Se governantes ocupam cargos no Estado,
Para impor aos outros um legado pesado,
E locupletar-se em ambições desmedidas,
O que esperar de suas vítimas subsumidas?

Quando a natureza geme em decrepitude,
Resta saber quem pode mudar de atitude,
Para que o sistema não destrua o planeta,
Sob um falso e trágico toque de trombeta.

Enquanto a educação não aponta freios,
E não muda nos seus desviados rodeios,
O afã de alcançar uma infinita conquista,
Aponta a iminência da tragédia prevista.



sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Velha obsessão monista



Nas veredas da concepção indo-européia,
Capta novo fôlego uma moderna epopéia,
Para dominar e submeter raças e nações,
E afastar os desejosos de suas pretensões.

Enquanto o terrorismo ensaia resistência,
Amarga-se a pobre e frágil contingência,
Do desamparo sem a evidência preclara,
Daquilo que em nome da paz se declara.

Avança, mais que enxurrada, a corrupção,
E expande-se a lama da safada usurpação,
Somente para aumentar a ostensiva fama,
Que dissuade sob a modéstia que difama.

Na centralidade da motivação de domínio,
O psiquismo já não produz bom raciocínio,
De comiseração pela alheia dor e carência,
Mas avança numa vilipendiada indecência.

Sob o pretexto de eliminar suposto inimigo,
Justifica-se a rotulação até de gesto amigo,
Pois, poderia constituir ameaça de sedução,
 E ampliar um risco real à própria ambição.  






quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Uma realeza de amor



            Se a palavra “rei” ou seu conotativo equivalente a “presidente” já não desfruta de subserviente encantamento, tampouco a linguagem religiosa que estabelece Jesus Cristo como “rei”, desperta impressões simpáticas. No entanto, o significado da atribuição feita a Jesus de Nazaré quer salientar um procedimento diametralmente oposto ao que era peculiar nos reis, imperadores e governantes.
            Basta lembrar o que Jesus falou e como lidava com as pessoas: manifestava solidariedade, compreensão, mas, também convocava para o perdão e a recuperação de sentido para a vida. Na culminância de tudo o que fez, não ficou a glória de bens, de fama e de precedência política, mas a cruz, símbolo do caminho duro e humilde para apontar outro jeito de convivência entre os seres humanos.
            Enquanto a realeza histórica dos reis vinha sendo marcada pela arrogância, pela força bruta das guerras e invasões, a realeza atribuída a Jesus Cristo, muito distinta do agir irônico de romano Pilatos, por exemplo, que chegou ao extremo de mandar flagela-lo, sob o pressuposto de que poderia ameaçar seu poder político. A proposta do reino apresentada por Jesus Cristo, não era a do império romano e nem mesmo uma tentativa de competir com o imperador Cesar, de Roma, ou de pretender estabelecer-se em seu lugar.
            Ao justificar que o atributo da realeza de Jesus não tinha nada parecido com a realeza deste mundo, o evangelista são João salientou que a realeza de Jesus é uma manifestação do amor de Deus ao mundo: não estava ali a fim de agitar o povo para a violência de guerrilha, de resistência ou de práticas de terror. Sua realeza apresentava a marca do amor. Por isso, aceitou a cruz, que aponta um caminho totalmente distinto da realeza que se manifestava no mundo e que se movia pela violência em todos os níveis da organização da vida.
            Na imagem do pastor que dá a sua vida pelas ovelhas, Jesus foi assimilado como alternativa aos poderes que se pautavam pela violência. Por isso, pode-se entender a ameaça que Jesus representava às tradicionais formas de exercício da realeza. A relativização das formas de governo mexeu com os brios dos que as sustentavam ao preço de espoliação, de escravidão, de pobreza e de morte.
            Infelizmente, até poderes exercidos no interior das comunidades católicas revelam que muitas pessoas agem mais pendentes aos traços de César e de Herodes do que de Jesus Cristo, que convocou as pessoas para o serviço em favor do bem comum. E como carecemos, ainda hoje, de uma realeza de redenção que se aproxima do itinerário de Jesus Cristo!



terça-feira, 17 de novembro de 2015

Desnudamento



Em tempo de exibicionismo erótico,
Esnobar intimidade virou despótico,
Para insinuar boa venda e consumo,
Mesmo sem um respeitoso aprumo.

Sob um imaginário vasto e erotizado,
Encontra-se um coração bem fechado,
Escondido na rigidez da exterioridade,
E sem limites na ousadia da maldade.

Na exaltação dos órgãos enrijecidos,
Já não falam os abscônditos zunidos,
Da complementariedade benfazeja,
Que o amor à vida do outro enseja.

A bondade destrutiva de desfrutar,
Abafa a capacidade de perscrutar,
Na construção da história familiar,
Elã para os contratempos conciliar.

No apropriar-se de tudo como dono,
Tantos descartados pelo abandono,
Transformam-se em inimigos reais,
E engolem básicos sentimentos leais.




sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Canção velha>



Na midiática sedução de nossos dias,
Inflamada pelas intimistas melodias,
Discursos categóricos e infantilistas,
Ecoam com modos sensacionalistas.

Em nada importa a injusta condição,
Mas uma preremptória observação,
De submeter aos rigorosos ditames,
Para ampliar os interesses infames.

Apela-se para as obras faraônicas,
Que exigem doações astronômicas,
Regulares, contínuas e constantes,
Para enaltecer afoitos mandantes.

Cantigas lentas e bem lamuriosas,
Apontam as nostalgias fantasiosas,
De mudanças fáceis e imediatistas,
Somente com piedades intimistas.

Ignora-se a coletiva ação serviçal,
E levam-se as pessoas pelo buçal,
Para um fascínio fundamentalista,
Que não aponta para a conquista.






quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Perspectivas para além da morte



         Um traço peculiar da crença cristã é o de orientar-se para além dos limites e das condições da vida humana. Estabelecidos numa frágil contingência, os seres humanos encontram-se estreitamente ligados ao húmus da terra e vivem do que se produz nesse húmus. Sob esta perspectiva, a morte inicia um processo de transformação do corpo, e, seus componentes se transformam em outros, que passam a integrar o processamento do húmus. Deste modo, os elementos químicos transformados poderão mesclar-se em plantas, e condições para outros seres vivos.
            No entanto, seria esta a única evidência para o fim último da nossa vida humana? Pelo menos, na perspectiva cristológica não se associa a morte como a definitiva e última palavra sobre a vida, mas, tampouco, tal noção leva a esperar tudo para além da morte, crença que em alguns momentos alienou muitas pessoas do compromisso concreto com a vida presente. Por outro lado, se tudo depende da seleção natural e da sobrevivência dos mais fortes, dos espertos e dos ambiciosos, como assimilar a condição das vítimas silenciadas, exploradas e eliminadas?
Já antes do Cristo a síntese bíblica deduziu, diante das barbáries imperialistas, que os justos teriam condições distintas dos malfeitores na vida, que se transforma para além da morte. Não pensavam em reencarnação para chances de purificação ou de continuidade em níveis de qualidade mais elevada, mas que, no âmbito de Deus, teriam uma consideração muito distinta daquela dos malfeitores. O profeta Daniel intuía que para os justos haveria vida mais plena e, para os ímpios, a condenação eterna.
            O evangelista Mateus, diante e das ponderações de Daniel e de sua linguagem apocalíptica, valeu-se do mesmo estrilo redacional para animar comunidades a se manterem vivas e operantes diante da maldade do império romano e convidava seus interlocutores a viver nesta adversidade, não simplesmente pelo fatalismo e submissão a quem subjugava e matava, mas apontava para os discursos de Jesus Cristo: viver bem e, atentamente, para interpretar os sinais que se manifestavam, e, lidar com eles como o próprio Jesus procedeu na iminência da sua morte: mesmo não desejando aquele desfecho, confiava em Deus e na certeza de ser agraciado por seu amor.
Os discípulos puderam recordar que Jesus não agiu sozinho em favor dos seus próprios interesses, mas, agiu intensamente para que emergisse, no meio daquele caos, uma nova criação. Esta esperança remetia a um sofrido e esperançoso parto para além daqueles processos hediondos de morte imputados pelo império romano.

            

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Transitoriedade



Ao se centralizar a novidade,
Já não importa antiguidade,
Nem todo o seu rico legado,
Manifesto no presente dado.


Na miragem pelo inusitado,
Todo desejo acaba relegado,
Por outro ainda mais audaz,
Para alcançar o que compraz.

O poder anônimo da sedução,
Com sua repetida insinuação,
Esconde as condições sociais,
E as nivela por desejos iguais.

No sonho da sobra com fartura,
Da acalantada condição futura,
Esmorece o legado da memória,
E expande-se delírio pela glória.

Indução ao obcecado consumo,
Agregado a felicidade no rumo,
Fomenta no torpor pelo porvir,
Sem a nobre grandeza de servir.




sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Adoradores de pano



No acirramento da onda fundamentalista,
Emerge vistosa e estranha a onda consumista,
A mover reverendos empedernidos por panos,
Querendo alcançar precedência em altos planos.

Um exército de modernos escribas justifica o gosto,
Da volta ao tempo que divinizava seu elevado posto,
E adora seus adornos de panos vistosos e chamativos,
Da suposta precedência dos excelsos poderes efusivos.

Embatinados conforme os ditames do tempo de antanho,
Exibem-se com ar da nobreza superior, ainda que tacanho,
E esperam benemerências para preencher ilibadas fantasias,
De ascese principesca e honrada, mesmo ao preço de apostasias.

Alargam a religiosidade de muito preceito categórico e moral,
E sabem produzir infantilismo em torno de tudo quanto é imoral,
 Mas, a sua mendicância de afeto sem rumo e sem explícito projeto,
Torna-os escravos da bricolagem de vestes de um gosto vulgar e abjeto.




quinta-feira, 5 de novembro de 2015

O que Deus merece da nossa vida?



            A condição religiosa parece viver uma tentação constante: a de aproveitar vestes e poderes para barganhar elogios e merecimentos especiais. Por isso, um dos pecados mais cometidos, e, certamente o menos confessado, é o da busca de precedência: se não é possível estar no posto mais elevado dos elogios e das bajulações, procura-se, pelo menos, um lugar de destaque e de honra.
            O problema é que esta busca de precedência vem normalmente acompanhada pela ambição de mais posses de bens, sejam simbólicos ou materiais. Deste modo, o status das honras tende a ser altamente injusto, pois, o foco no aparecer diante dos outros, leva a ignorar os direitos elementares destes outros, e, assim, se passa por cima das leis, das regras éticas e até do respeito elementar à vida alheia.
Jesus alertou muito insistentemente seus discípulos contra esta grande tentação, e que se manifestava escancaradamente nos escribas do seu tempo (cf. Mc 12,38-44). Os escribas sustentavam a exterioridade do culto e, do formalismo religioso de meras aparências de santidade, sem, todavia, alargar os frutos desta santidade no meio social.
 As situações similares de nossos dias parecem também cegar e obcecar tanto nas instâncias do poder civil quanto nos espaços religiosos. E como existe adoração de pano e de aparato litúrgico, como clara manifestação ambiciosa de poderes e de honras supostamente superiores e privilegiados nos âmbitos espirituais. Desta precedência, engendra-se a tentação de obtenção de vantagens para passeios turísticos, presumidamente religiosos, e, para ser envolvido em condecorações e festas fartas e bem sortidas. Com isso, o que se dá para Deus, para além das aparentes bajulações com vistas a mais honras?
Jesus fazia uma comparação entre a oferta do escriba, feita de forma pública, ostensiva e, com valor que pudesse impressionar. Assim, o doador poderia ser assimilado como alguém merecedor de ainda mais grandeza. Jesus salientou também outra cena de oferta: a de uma pobre viúva, que colocava sua condição de pobre na confiança de Deus. Entregou sua vida e não uma pequena parcela supérflua, mesmo do pouco que possuía. Por isso, Jesus falou que esta oferta era superior à do escriba.

Em outras palavras, Jesus orientava para que os discípulos não entrassem no jogo de devorar as casas das viúvas em desenfreada cobiça, mas, que procurassem ofertar para Deus as razões do viver. Seu ensinamento interpela a respeito das piedades de falsa santidade e das encenações que se fazem para alcançar honras, elogios e merecimentos. Já não importa real, humilde e efetiva busca de Deus, mas, simplesmente importa o cultivo da pretensão de destaque e reconhecimento pelo poder.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Veredas da falsidade



Educação difundida e insinuante,
Com perfil romântico e diletante,
Consegue educar mais que escola,
Para a mentira normal e pachola.

Tantos discursos de autoridades,
Escondem vulgares barbaridades,
E quando traídos por claros fatos,
Apelam à modificação dos relatos.

Advogados interesseiros sustentam,
E justificam mentiras que alentam,
Para insinuar a verdade mentirosa,
Que livra os falsos da ação ardilosa.

Assim se convence que é importante,
Sempre achar bom motivo diletante,
Para justificar uma lisura de imagem,
Sob uma real e cotidiana safadagem.

Já não importa a retidão e a decência,
E menos ainda uma condescendência, 
Para sensibilizar-se ante os espoliados,
Que, sôfregos, sobrevivem deserdados.


sábado, 31 de outubro de 2015

Entes queridos



A memória de pessoas que nos antecederam,
E apesar de todo desejo contrário pereceram,
Move-nos na esperança da vida transformada,
Sem o perpetuado ciclo da volta reencarnada.

Na alegoria de sementes que se transformam,
E seguem vitais nas formas que se deformam,
Desejamos que a morte seja apenas passagem,
Da vida que se alarga com inusitada roupagem.

Se os limites fisiológicos não permitem antever,
Tudo o que para além da morte possa nos mover,
Acolhemos de Jesus o percurso de vida apontado,
Que possa levar à plenitude o nosso frágil estado.

Ao confiar neste indicativo para além da morte,
Esperamos itinerário redentor como novo aporte,
Que nos leve a uma felicidade progressiva e plena,
Diante de tanta influência que por aqui nos aliena.

No percurso da celebração de uma rica esperança,
A morte irrompe numa cultural e afetiva andança,
Mas não anula a comunhão efetiva da companhia,
Nem a certeza de que o amor causa mais harmonia.

Na memória de tantos entes queridos que pereceram,
Aviva-se a esperança de que tudo o que enalteceram,
Torne-os peregrinos na comunhão do amor que redime,
E, na plenitude, libertos do humano pendor que oprime.






quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Dom da santidade



Um imagético religioso de muitos séculos deixou-nos um legado não muito simpático em torno da santidade. Especialmente nas elaborações de biografias sobre a vida dos santos cometeram-se muitos exageros fantasiosos a respeito de como estas pessoas especiais e dotadas de poderes pessoais concedidos por Deus que as fez serem totalmente distintas dos demais seres, desde nascimento, infância, vida adulta e na hora da morte.  Tratava-se de uma espécie de suposição determinista que sequer lhes dava a liberdade de serem parecidos com o comum dos mortais e pareciam previamente superdotados por Deus. Sequer se pensava que o convite à santidade é uma interpelação para todos os batizados.
Continuamos a crer, em nossos dias, que a santidade é um dom de Deus, mas, não naquela perspectiva de privilégio de poucos. Como cristãos, somos todos convidados a crescer paulatinamente num caminho de santidade. A síntese bíblica de que Deus é santo, e o reconhecimento de que fez realmente muito bem todas as coisas que nos rodeiam, também nos aponta que a melhor forma de corresponder à bondade de Deus, é a de aproximar-nos do seu modo de agir, a fim de produzir bem-estar e gratuidade, simplesmente, por fazer parte da sua obra de amor.
A celebração deste primeiro dia de novembro permite uma tríplice consideração em torno da santidade: a) Olhando para trás, podemos avivar que muitas pessoas foram notáveis em elevação de santidade pela sua profunda capacidade de orientar, ajudar e prestar solidariedade a outras pessoas carentes e necessitadas; b) Olhando para o presente sentimos a interpelação de pessoas que se destacam por nos contagiar com algo que vai além das nossas capacidades racionais e motivacionais. Cultivam sua coerência na fé e se tornam muito fortes na capacidade de doação em favor de mais vida no seu âmbito de atuação. Se eventualmente estão à nossa frente, não é por um privilégio exclusivo de Deus. São pessoas que correspondem ao dom da fé, cultivado, e por isso mesmo, seus frutos de bondade, atenção e capacidade de lidar com dificuldades, são maiores do que as nossas. Também a recordação do que pessoas fizeram no passado nesta dimensão nos interpela; c) Olhando para o futuro, a memória passada e presente de pessoas mais santas do que nós, aponta um itinerário, pois, também nós, podemos corresponder ao dom de Deus, concedido a todos os seres humanos, que é o de crescer na santidade.

Como na mensagem das bem-aventuranças, encontramos pessoas que sofrem e enfrentam mil dificuldades e, no entanto, estão sedentos e abertos à graça de Deus para encontrar motivações que as levem a enxergar para além dos problemas. Nesta busca de perfectibilidade conseguem mover-se por uma expectativa de céu não somente para depois da morte, mas, também para o aqui e agora dos nossos condicionamentos culturais e ambientais.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Ecologia Humana



Se impactos dos humanos,
Geram tantos desenganos,
Sobre vastos ecossistemas,
Como ficam reais dilemas?

Na cultura afoita do descarte,
Tantos seres deixados à parte,
Precisam perecer silenciados,
Perante ídolos reverenciados.

Se a vida do planeta definha,
Em meio à ação mesquinha,
De humanos inescrupulosos,
 O que os tornaria respeitosos?

Sobre as alterações do clima,
Quão pouca gente se anima,
A reverter pertinaz ambição,
Que desrespeita toda criação.

Progresso desenvolvimentista,
Que exclui tanta gente da lista,
Precisa ser revisto e repensado,
Para inovado e humano legado!


segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Picuinhas do poder



Da antiga herança de autoridade,
E do poder exercido na sociedade,
Persiste a tentação de impor leis,
Que controlem os fiéis nas greis.

Pastorais e movimentos labutam,
E aos orientados súditos tributam,
Modos rígidos de reza e de canto,
Com persuasão emotiva do pranto.

Fanáticos e fanatizadores obcecados,
Orientam seus desejos ensoberbados,
Para poder alcançar ampla influência,
Que viabilize galgar mais ascendência.

Movem-se pela excessiva enrolética,
Para enaltecer sua imagem estética,
E controlam através de ordem rígida,
Os súditos para uma condição frígida.

A evangelização vira assunto ignorado,
Porque importa só o servil discipulado,
Para ratificar as ambições triunfalistas,
Através das passadas soluções pietistas.


quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Antolhos e cegueiras de fé



Como a fé não é um processo linear e nem necessariamente acumulativo, podem ocorrer muitas variações e oscilações nos efeitos e frutos da fé.
No tempo em que o transporte e as viagens dependiam muito de cavalos, descobriu-se um modo de evitar que os cavalos, enquanto andavam, pudessem se assustar com algum bicho ou sinal na beira da estrada. Para tanto, seus donos prendiam uma proteção de couro ao lado dos olhos dos cavalos, a fim de que vissem somente a linha reta para frente. É o que se chama de antolho, um empecilho para que o cavalo não tenha uma visão panorâmica do que se passa ao seu derredor.
Muitos orientadores de fé fazem algo similar com seus orientandos. Conduzem-nos com antolhos, psíquico-emocionais, que os fanatizam para fundamentalismos estreitos e radicais, e ainda, conduzem estas pessoas num processo de submissão para vulgares formalismos e exterioridades de rituais religiosos e ideológicos.
No Evangelho de Marcos (10,46-52) aparece uma bela ilustração de como Jesus lidou com cegos na fé: Bartimeu representa os discípulos da época e de nossos dias. Enquanto em cena anterior o evangelho descreve como Jesus agiu com outro cego, tão dependente e sem percepção da dimensão da fé, que foi levado por outras pessoas a Jesus para que o curasse. O peculiar do gesto de Jesus foi toma-lo pelo braço e levá-lo para fora da aldeia e dar-lhe uma atenção personalizada e o “cego” foi enxergando, gradualmente, mais e melhor.
Muitos cegos de fé, ainda hoje já nem sequer possuem autonomia para procurar redenção em Cristo e somente chegam a Ele através da mediação de outras pessoas. Outros, no entanto, mesmo com longa caminhada na fé sucumbem com a impossibilidade de perceber um caminho que realmente salva, porque os antolhos os desviaram para ideologias e para percepções muito limitadas e parciais da orientação apresentada por Cristo.
Apesar de lideranças religiosas se pensarem pessoas de muita fé, não conhecem quase nada de Jesus e, na verdade, se constituem em cegos que estão na beira do caminho. Gritam e berram suas expectativas por ajuda mágica, imediatista e isenta de quaisquer sofrimentos e de qualquer empenho pessoal. Desejam uma salvação messiânica que lhes propicie fama e domínio. Enfim, querem muito milagre e muita honra! Querem um triunfalismo, mas, seu agir se torna satânico, pois, dividem, separam e afastam.
Bartimeu, ao desvencilhar-se do manto, símbolo da sua compra de afeto e da cega submissão a um sistema escravizador, teve pelo menos uma intuição muito boa: desejava enxergar, porque se deu conta de que foi se tornando paulatinamente estreito e cego na organização da sua vida. Estava na beira do caminho...

O manto simboliza o antolho, mas, também simboliza a perda da consciência diante do processo consumista que insensibiliza e faz avançar na perda gradual de qualidade de vida. A resposta de Jesus a Bartimeu, certamente continua a mesma para os nossos dias: ande, que o desejo de enxergar mais e melhor nas motivações de fé, já estão salvando!

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Poderes exotéricos



Em tempo de excessiva racionalidade,
Eclode por todo lado e com saciedade,
Uma vulgarização de milagre mágico,
Incapaz de romper o fatalismo trágico.

Do apelo ao transe como força divina,
Espertos mediadores delineiam a sina,
De mediar sorte, prosperidade e cura,
A quem, sedento e passivo, os procura.

O fácil apelo ao dote especial haurido,
De particular doação do Deus querido,
Aufere-lhes instâncias bem superiores,
Para borrifar sobre viventes inferiores.

Esmeram-se pelos seguidores devotados,
Que, submissos, obedientes e resignados,
Precisam seguir à risca suas orientações,
Para o alcance das divinas promanações.

Para assegurar o suspense da mediação,
Apontam repetição detalhista de oração,
Como capaz de trilhar o rumo exotérico,
Mas, que os submete ao nível periférico.

Alardeia-se muita pretensão triunfalista,
Enquanto o ar que se respira é fatalista,
E o verdadeiro milagre não é percebido,
E nem revelado por exotérico consabido.




<center>INDIFERENÇA SISUDA</center>

    O entorno da vida cotidiana, Virou o veneno que dimana, A endurecer os sentimentos, Perante humanos proventos.   Cumplicidad...