Introdução
Neste texto
apresentamos noções gerais sobre uma das muitas dimensões da auto-interpretação
da Igreja Católica, e que envolve uma série de fatos históricos e disciplinares
desta Igreja, abordados sob o tema da “Eclesiologia”.
Trata-se de uma
temática muito importante, pois envolve grandes riquezas de interpretação do
anúncio de Jesus Cristo, mas, também, muitas dificuldades, desde o conceito, o
entendimento de tarefas fundamentais e, ainda, os diferentes contextos
históricos em que a Igreja se viu obrigada a avaliar e a repensar concepções
teológicas, ataques e críticas, a fim de assegurar unidade, disciplina e coesão
em torno da sua missão evangelizadora.
Salientamos diversas questões históricas envolvendo a Igreja e o modo como se
agiu na Igreja, tanto para realizar reformas, quanto para manter-se fiel às
origens, aos símbolos fundamentais e às imagens que lhe pareceram importantes
para a coerência da missão. Fatores diversos despertaram imagens distintas,
tais como: “a Jerusalém do Alto”; “a sociedade perfeita”; “a cristandade”, mas
também como “Povo de Deus”, como “Sacramento de salvação”, como “Templo do
Espírito Santo” e como serviço ministerial para que possa acontecer o Reino de
Deus.
Ao lado destes aspectos mais históricos, também
destacamos cenários que revelam distintos entendimentos eclesiológicos e que,
por isso, levaram aos diferentes modos de ação em nossas comunidades. Estas
comunidades, por outro lado, em tempos recentes, ainda se vêem afetadas por
outros e novos problemas, como os da escolha autônoma da Igreja, a aceitação de
Cristo e a não aceitação da Igreja ou a aceitação parcial e de aspectos apenas
secundários da Igreja. Deste modo, volta sempre de novo uma pergunta: o que é
necessário para ser Igreja e quem é Igreja?
1 – O que é
Eclesiologia?
Há pessoas que pedem
referência para chegar a algum endereço que não conhecem. Certos gozadores,
então perguntam: “você conhece tal lugar”? E ela responde: “Sim”! Aí vem
a resposta: “lá não é”... Sobre Eclesiologia podemos fazer algo parecido: “Você
conhece tais e tais curiosidades da Igreja, ou conhece aqueles aspectos e
setores da Igreja”? E a resposta evidente é: “Isto ainda não é
Eclesiologia”!
O termo “Eclesiologia” vem da
palavra grega “Ekklesia”. Significava para os gregos a assembléia de homens
livres[1] de
uma cidade, para votar decisões ou eleger alguém para um cargo. Quando os
primeiros cristãos passaram a usar esta palavra, deram-lhe outra significação,
através do acréscimo de outra palavra, “Ekklesia do Senhor” (Assembléia do
Senhor), talvez para não virem a ser identificados com as pessoas que se
reuniam em sinagogas judaicas.[2]
Assim, “Ekklesia” passou a
significar uma associação livre, que reunia numa determinada casa, um grupo de
famílias cristãs.
A casa era o lugar das
refeições, da pregação e da celebração da Eucaristia. Este estilo de
comunidades perdurou durante os três primeiros séculos da era cristã. E como
havia grupos espalhados por muitas cidades, como em Roma, Éfeso, Corinto, o
termo acabou com a conotação de uma comunidade local, ou, uma comunidade
doméstica cristã, através das quais passaram a ser exercidos muitos serviços
(ou ministérios como falamos hoje). Ali havia uma coordenação ou alguém que
exercia uma autoridade para relações mais amplas com outras comunidades e que
orientava em nome do “Espírito de Deus”.
Nestes espaços
domésticos que geralmente reuniam as famílias inteiras, desenvolvia-se também a
catequese, a liturgia e outras atividades que edificavam o ambiente onde
moravam.
Sabemos, através da
Bíblia, que também ocorriam conflitos de autoridade e tendências mais
favoráveis em torno da autoridade de um ou de outro (eu sou de Paulo, de Tiago,
de Apolo...) porque a estrutura de organização destes grupos variava muito de
um lugar para outro.
Com o passar do tempo, estas
comunidades domésticas passaram a ser identificadas como o espaço da “casa de
Deus”. Aos poucos, já no século IV, “Ekklesia” passou a significar a reunião
dos cristãos numa construção que servia de Igreja.
Para nós, hoje, Eclesiologia
é muito mais uma reflexão sobre a Igreja, no sentido do que ela precisa ser a
fim de se tornar mais fiel às suas origens e se tornar mais autêntica, mais
coerente, e ainda, mais profética e pastoral no seguimento de Jesus Cristo.
Para retomar: O que significava Ekklesia para os gregos e o que passou a
significar para os primeiros cristãos?
2 –
Eclesiologia antes de Jesus Cristo
No Primeiro Testamento não se usou a palavra
Eclesiologia, mas algumas experiências marcantes permitem fazer uma analogia de
algo muito parecido com a imagem de Igreja. Três aspectos aparecem bem
destacados: a consciência de “Povo de Deus”; o “Reino de Davi” e a concepção de
um “Pequeno Resto”.
O Primeiro Testamento da
Bíblia mostra que Israel sempre se sentiu povo de Deus, escolhido dentre os
pagãos. O êxodo foi momento marcante desta consciência de povo de Deus, pois
despertou a consciência de que Deus o libertou da opressão política, social e
religiosa...
A influência do reinado de
Davi, um momento de intensa organização política-social entrou também muito
fundo na memória daquele povo. Por isso, Sião (mais tarde, Jerusalém –
identificada com o templo) se tornou o símbolo mais expressivo para recuperar a
memória das origens e que, por sua vez, clareou o rumo e o sentido deste povo.
Em alguns momentos desta história antiga da Bíblia, ocorreu a tentação de
transformar esta riqueza da experiência religiosa em teocracia, isto é, em nome
do poder de Deus, aquele povo passou a agir de forma despótica, preconceituosa
e arrogante com os países vizinhos, e, deste modo, se tornou vulgar como os
reis vizinhos que não tiveram este rico passado da experiência de um Deus que
os acompanhava.
O cativeiro na Babilônia, em
torno de 600 anos antes de Cristo, mesmo sofrido, foi um momento muito
importante para outra experiência marcante e que pode iluminar nossa idéia de
Igreja, ainda hoje: a de que um pequeno resto daquela gente deportada, ao lado
dos pobres que permaneceram no país e que não chegaram a ser expatriados, esta
gente ainda foi capaz de nortear-se pela simplicidade, pela retidão e pelas
características boas da antiga aliança da ética dos dez mandamentos. Era este
“pequeno resto” que veio a ser chamado de ANAWIN, ou seja, os pobres de Deus
que se tornaram fermento para uma mudança social muito importante do povo da
Bíblia...
Nestas pessoas simples dos “Anawin de Javé” permaneceram estáveis algumas
noções muito importantes e que acabaram se tornado uma eclesiologia, embora não
se usasse este termo na época, pois, ao fazerem uma reflexão para recuperar as
origens, fortaleceram-se na convicção de que Javé era libertador e que motivava
o povo uma comunidade solidária.
Mesmo nas tensões e riscos de
fechamento pela noção de ser um povo eleito, abençoado e superior aos demais, o
povo do Antigo Testamento recuperou, em muitos momentos históricos, a missão de
agir para não perder a identidade de povo e para que esta identidade de povo
pudesse continuar sendo sinal de um Deus, totalmente absoluto e não manipulável
pelas pessoas, mas que lhes apontava uma importante tarefa de uma vida mais
justa. Era um Deus que lhes indicava o caminho da justiça.
Percebe-se, pois, que mesmo
sem o uso da palavra eclesiologia, havia no Antigo Testamento uma reflexão
sobre o passado, semelhante à eclesiologia que fazemos, hoje, em torno das
raízes e do processo de cultivo da nossa fé cristã.
Para retomar: que aspectos do Antigo Testamento foram
importantes para a eclesiologia cristã?
3 – A
Eclesiologia na vida pública de Jesus de Nazaré
A fonte da busca
de entendimento da Igreja é a própria história da Igreja. Desde o começo, a
Igreja Católica alimentou muitas reflexões sobre suas atribuições, suas tarefas
e suas funções sociais. Aconteceram, pois, muitas eclesiologias diferentes. Um
simples fato de Jesus pode ilustrar como se fez eclesiologia. Por exemplo,
Jesus optou pelos pobres, porque deu atenção fundamental a eles. Era que tipo
de pobres e como foi sua lida com estes pobres. Portanto, trata-se de uma fonte
que permite reflexões bem distintas de acordo com o que se leva em conta.
Jesus não deixou dito claramente que queria fundar uma Igreja com as
características que ela apresentou ao longo da história, mas, na sua pregação
estava implícito, ou então, estava presente o fundamento que levou seus
seguidores a formar uma comunidade distinta das outras organizações sociais que
existiam na época. As principais características desta nova comunidade estão
descritas no capítulo II de Atos dos Apóstolos:
a) Passaram
a rezar de forma diferente do que os judeus (centralizaram o Magníficat e o
Benedictus, em lugar do “Shema”);
b) Adotaram
uma nova forma de atualizar a festa pascal, através da partilha do pão
(Eucaristia) e numa perspectiva eucarística;
c) Os
apóstolos passaram a ensinar, sem fundamentação na Lei do passado, mas,
centralizados no ensinamento de Jesus Cristo. Eles reinterpretaram o passado a
partir do que aprenderam de Jesus Cristo.
d) Passaram
a partilhar bens e serviços para gerar mais comunhão entre as pessoas.
Este conjunto de novidades em
relação ao judaismo levou as comunidades cristãs a gerar uma ética cristã, ou
seja, outro modo de pensar o que é bom, certo, correto e justo. Estas bonitas
características, contudo, não significaram ausência de dificuldades, tensões e
conflitos. Basta lembrar que, lá pelos anos 60 depois de Cristo, foram mortos
os três principais líderes: Pedro, Paulo e Tiago.
A morte dos reais fundadores
das comunidades fez com que, aos poucos, muitos animadores de comunidades não
possuíam a mesma capacidade dos líderes e nem a necessária preparação para bem
conduzir os membros das comunidades. Passou a ser comum que responsáveis pela
condução da Igreja escrevessem em nome dos apóstolos conhecidos pela
comunidade. A carta aos Efésios e a Epístola de Pedro, são exemplos desta forma
de animação. Estas cartas, na verdade, passaram a formular a Teologia dos
Ministérios. Caberia aos dirigentes de comunidades atuarem na edificação da
Igreja sobre bases sólidas. Portanto, quem animasse a comunidade, estava com a
herança apostólica, pois pregava, dirigia e edificava a comunidade.
A formação de comunidades em
outros países, no encontro com os gentios, refletiu, também, dificuldades
quanto ao modo de as comunidades se enquadrarem como sinagogas ou não. Surgiram
assim os conflitos: para ser seguidor de Cristo, seria ou não seria necessário
adotar os antigos costumes culturais dos judeus? Lentamente as comunidades
constituíram outro modo de agregar-se e passaram a ser vistos como uma
organização cada vez mais estável.
O desaparecimento dos
apóstolos fez surgir novo tipo de personagens como autoridade para animar e
conduzir as comunidades: presbíteros e bispos. Timóteo e Tito são exemplos de
presbíteros. Aos poucos, começou a ser constituído um bispo para animar os
presbíteros em cada cidade. Com isso, a missionariedade andarilha como a de
Paulo e de outros, passou a tornar-se fixa e local. Lá pelo ano 110 já estava
sistematizado o ministério apostólico através de três formas distintas de
serviço evangelizador: a de bispos, presbíteros e diáconos.
Pensar a eclesiologia com
Jesus Cristo leva-nos, ainda hoje e, necessariamente, a estabelecer uma relação
com Maria, sua mãe, porque ela é vista como modelo da Igreja. Maria precedeu a
Igreja e pode ser pensada como instrumento de Deus para a culminância do
Primeiro Testamento em Jesus
Cristo. Ela também foi Igreja e
viveu na Igreja. Inserida em Cristo, não apenas pelo Dom da vida, ela
participou da sua vida e, aos poucos, começou a ser muito lembrada como santa,
pois, mais do que outros santos de riquíssima memória, ela trabalhou para fazer
acontecer o Reino de Jesus Cristo.
As primeiras boas
recordações de Maria levaram os seguidores de Cristo a formular pequenas
orações de louvor pelo que Deus revelara a partir dela, especialmente a partir
da re-leitura de mulheres destacadas e importantes da história do Antigo
Testamento. Este processo foi crescendo, especialmente, a partir do século IV.
Assim, paulatinamente, começou a ser lembrado seu nascimento, sua morte
(“dormição”) e outros momentos importantes da sua vida passaram a constituir-se
em razão para celebrar festas.
Maria, na história da Igreja,
nunca foi colocada ao lado de Cristo como merecedora de culto, mas, no culto de
Cristo, ela ocupa um lugar especial. E cremos que Cristo é o redentor tanto de
Maria, como da Igreja. A inserção de Maria em Cristo consolida, pois, uma
importante forma de fazer acontecer Igreja.
Para retomar: que novidades os cristãos introduziram na
experiência de fé em relação ao judaísmo?
4 –
Eclesiologia a partir de Jesus de Nazaré
Os Evangelhos salientam que a
centralidade do discurso de Jesus de Nazaré foi a da iminência ou da
proximidade do Reino de Deus, no horizonte das variadas e antigas expectativas
de grupos religiosos do Primeiro Testamento. Jesus, além dos sinais de atenção
e de promoção da vida das pessoas, mostrou que Ele era esta presença de Deus e
convidou para o seguimento do seu projeto de vida.
Os primeiros seguidores de Jesus ajudaram muitíssimo a clarear a imagem deste
Jesus de Nazaré. Este judeu depois de tudo o que fez para envolver as pessoas
na construção deste novo reino e, pela forma como foi morto e ressuscitou, é o
Filho de Deus que salva...
Jesus provavelmente não
escreveu nenhuma palavra, mas os seguidores é que passaram a escrever e a
deixar um retrato falado a respeito Dele. Na medida em que mais as pessoas
procuraram interpretar o significado do que Jesus pregou e o efeito causado
pelos seus gestos e palavras na vida de muitas pessoas. Dali nasceu uma
confissão, cada vez mais declarada, de que este pregador itinerante (que andava
pelas regiões da Galiléia, Cafarnaum, Tiro, Sidônia etc.), este histórico Jesus
de Nazaré, era o CRISTO, o salvador que veio de Deus. No Pai Nosso, expressamos
para Deus, ainda hoje, como Ele e outros movimentos de espera salvadora
desejavam: venha o Teu reino... Faça-se a Tua vontade...
Jesus usou muitas imagens para fazer as pessoas entender este Reino: uma das
principais é a de um banquete. Em vez de escravos, homens e mulheres, vivendo
justiça e amor, participariam todos do grande banquete da vida... Este reino
não era algo de compra ou venda, mas, algo que vinha de Deus e que mudava a
ação das pessoas. Era, portanto, algo novo a ser construído para diminuir os
sofrimentos, a incapacidade de entendimento e as formas de rejeição e exclusão
que se manifestavam nas relações das pessoas. Por isto, o Reino de Deus
significava a salvação das pessoas. Os milagres eram apenas sinais para apontar
este novo modo de ser: o de tirar as pessoas da indigência, da angústia, do
fechamento e da incapacidade de boas relações com os outras.
No centro da mensagem de Jesus está a revelação de um Deus que é bom, que ama
as pessoas, mas que, também, quer que elas se convertam e mudem a qualidade de
sua vida. É um Deus que se interessa pela qualidade da vida humana.
Deste processo de
encantamento pelos sinais de Jesus de Nazaré, passaram a surgir os pequenos
grupos de lealdade, e pequenas comunidades. Nas parábolas, nas conversas, no
modo de rezar, de orientar as multidões, de enfrentar os adversários e, na
atenção ao corpo das pessoas que tinham dificuldades para o seguimento, Jesus
revelou uma tão profunda humanidade, que se costuma dizer que só podia ser
divino para realizar atos tão grandiosos e de tão extrema simplicidade humana.
Por isto, nasceu a identidade básica do Novo Testamento: o homem histórico,
chamado Jesus, ele é Cristo,
porque seu modo de proceder desperta um sentido definitivo e universal: ele
salva. Nele podemos entender Deus e podemos salvar-nos... Deste entendimento,
resultou outra evidência: o pensar em Jesus precisa estar acompanhado do
convite para uma decisão de fé. Não é só uma questão de simpatia.
Por que decisão? Não basta admirar e gostar dos gestos e das palavras
Dele. Na mensagem do Reino de Deus, que ele anunciou, resulta evidente o
desafio para um modo de viver, a fim de que pudesse manifestar-se mais amor e
libertação nestas pessoas. Basta lembrar como agiu com Zaqueu. Colocou em
prática o amor de Deus. Este Deus, que ama, renova através dos gestos de Jesus
Cristo as relações e a vida de Zaqueu bem como das outras pessoas.
Se Deus amou tanto a Jesus a ponto de ser nitidamente reconhecido no que Ele
fazia, esta profunda intimidade de Deus com Jesus Cristo, não só o tornou capaz
de viver e mostrar o contrário das turbulências do seu tempo, mas permitiu que
aquela humanidade sofredora encontrasse uma saída através da sua participação
na íntima relação com Deus. Esta intimidade não era apenas uma questão pessoal
e intimista com Deus, mas teria que afetar a relação de uma pessoa com as
outras. Os evangelhos revelam muito este aspecto: identificar-se com Jesus
significa meio para que outros seres humanos possam experimentar a salvação.
A mensagem de Jesus e seu estilo de vida, - que revelaram como Deus se preocupa
pelo bem-estar da humanidade, - despertaram, em alguns judeus que conheceram a
Jesus, uma consciência missionária. A experiência que tiveram com Jesus não
lhes deu uma fé pronta e um esquema acabado do que deveriam fazer para
implantar o Reino de Deus, mas a fé foi uma conseqüência do ato de terem sido
batizados no “seu Espírito”, isto é, o batismo os levou a agir e, mesmo sendo
expulsos de Jerusalém, nos outros lugares em que vieram a se refugiar, na
Samaria, na Síria, em Antioquia e outros lugares, eles começaram a fundar
comunidades domésticas. Estas se tornaram pequenos espaços humanos, vivificados
pelo “Espírito de Deus” (solidariedade, igualdade, partilha, conversão,
sabedoria...). O Espírito de Deus foi lhes dando visão e autoridade para
quebrar velhos esquemas de “macho e fêmea”; de “dono e escravo”, e os tornou
capazes de mostrar uma “nova criação”, que acolhe estrangeiros, escravos,
mulheres e pessoas de variadas categorias...
COMO TAREFA PARA REFLETIR: Nossas comunidades de Igreja, hoje,
estão preocupadas com a opção prioritária de Jesus que é de salvação de homens
e mulheres? Há também preocupação para que esta atenção de humanidade,
típica de Jesus, aconteça no interior de nossas comunidades? Ou ocorrem
disputas por poder, precedência e honras?
4.1 – Jesus
como fundador e fundamento da Igreja.
Ao lermos os textos da
Sagrada Escritura, não vemos que aparece ali um estatuto de regras explícitas
para a criação da Igreja, assim como nós a entendemos hoje. Por isso se
levantam distintas formas de entendimento:
a) Que Jesus Cristo teria fundado a Igreja e que esta seria, então, um
prolongamento natural do que Jesus fez.
b) Que Jesus não teria fundado propriamente a Igreja, mas, que teria
pregado o Reino e que das conseqüências de aplicação deste projeto teria
nascido uma fé pascal. Portanto, a Igreja seria fruto da fé pascal. Esta noção
implica no chamado “fideísmo”, que, especialmente no século passado, insistiu
na afirmação de que a fé estava totalmente acima da razão e que não haveria
conhecimento melhor ou superior ao da fé.
c) Que entre Jesus e a Igreja há continuidade e descontinuidade, isto
é, que o Espírito suscitou a Igreja no Pentecostes e que esta Igreja se liga a
Jesus e a seu estilo de vida. Portanto a Igreja teria nascido tanto de Jesus,
quanto do Espírito Santo, que Ele mesmo havia prometido. Através desta explicação
pode-se concluir que Jesus foi tanto fundador como fundamento.
Para retomar: Se Jesus fosse só fundador ou só fundamento,
isto implicaria em diferença para a Igreja?
4. 2 –
Outros aspectos da Eclesiologia segundo textos do
Novo
Testamento
Os textos do Novo Testamento
da Bíblia revelam traços fundamentais e constantes, mas também uma pluralidade
de situações de re-leitura e de interpretação do Antigo Testamento. A Igreja
nasceu da Páscoa: este Deus que ressuscitou Jesus reúne através do Espírito
Santo os dispersos, derrotados e vencidos (Pentecostes é a anti-Babel).
As comunidades cristãs, na
medida em que entenderam Jesus, proclamaram sua Palavra, anunciaram o Reino e
estabeleceram Jesus como mediador do projeto de salvação. Estas comunidades
também se tornaram cada vez mais missionárias e se abriram aos povos vizinhos,
chamados de gentios. São Paulo, por exemplo, insistia no tripé: Povo de Deus;
Corpo de Cristo; e Templo do Espírito Santo.
O importante da eclesiologia
que aparece no Novo Testamento é o da capacidade de agregação para a comunhão,
ou seja, uma eclesiologia de comunhão, com a missão de realizar o Reino de Deus
no mundo. Estes grupos das Igrejas domiciliares sentiram-se na missão de semear
sementes, ou, sinais deste Reino de Deus...
Mesmo que cada comunidade
acentuasse aspectos que lhes parecessem mais importantes, havia, desde o
começo, alguns riscos de desvio. Por exemplo, o isolamento de serviços
pastorais, poderia levar a um conservadorismo muito rígido; os fatos marcantes
dos Atos dos apóstolos e das Cartas aos Colossenses e Efésios, permitiriam
exaltar o triunfalismo da Igreja; o evangelho de João o individualismo
gnosticista; Mateus, uma preocupação muito juridicista e as comunidades de
Corinto, exageros carismáticos. No entanto, o conjunto de todos os textos do
Novo Testamento permitiu que se formasse uma imagem unitária da Igreja,
especialmente, em torno de alguns pontos básicos:
- A fé decorreu da vivência comunitária;
é na vida comunitária que as pessoas sentiram a interpelação do Deus Trino.
- O entendimento da unidade da Igreja,
como sendo povo de Deus, dependeu do batismo e não do status ou de outras
grandezas, segredos ou acessos especiais;
- Havia distribuição de funções e de
serviços, segundo carismas para o êxito da comunidade: estas não eram
controladas nem por grupos hierárquicos e nem por anarquias carismáticas;
- As comunidades se encarnaram nos
ambientes locais e nas diferentes culturas onde se estabeleceram e se
interpretaram como peregrinas, pois se sentiam responsáveis por ações para que
o Reino pudesse aumentar naqueles ambientes;
- A Igreja era pensada em torno de
Jesus, visto como cabeça da comunidade.
- A auto-interpretação das comunidades
era a de que elas, no seguimento de Cristo, teriam que ser pobres, humildes e
assumir a cruz da vida, pois o Espírito de Deus as faria crescer.
- A Igreja não se pensava como sendo o
Reino, mas se sentia impelida a fazê-lo acontecer.
- Dava-se grande atenção aos pobres, os
negados e oprimidos, a fim de que estes pudessem receber boa acolhida e se
sentirem participantes solidária na Igreja.
Para retomar:
1 - Que traços
eclesiológicos foram destacados no Antigo Testamento?
2 – A Igreja é criação direta de Jesus Cristo, ou nasceu do
Espírito Santo para viver a proposta de Jesus?
3 - Quais são os traços eclesiológicos mais importantes do
Novo Testamento?
5 –
Eclesiologia nos primeiros séculos
Os quatro primeiros séculos
da Igreja costumam ser identificados pelo conceito de “mistério”. Mistério não
no sentido de suspense em torno de algo oculto, mas de recordação dos grandes
sinais de amor realizados por Deus, através de Jesus Cristo. Tal entendimento
levou as comunidades cristãs, - apesar das adversidades sócio-políticas
provenientes do império romano, além dos atritos religiosos com o judaísmo, - a
um clima de alegria e, por isto mesmo, de entusiasmo e de dinâmica atividade
missionária.
Tratava-se de uma
Igreja nova, pequena, porém, diferente e que despertava muito a atenção das
pessoas. Como as comunidades locais passaram a reunir-se nas casas geralmente
de áreas urbanas, as assembléias domésticas passaram a cair na vista dos demais
moradores e, como muitos passaram a aderir a estes núcleos de Igreja, sem demora,
passaram a ser atacadas. Representavam ameaça ao judaísmo e ao culto do império
romano.
Surgiram, então, as
perseguições e as mortes (o martírio). Esta dispersão provocada pelas
perseguições é hoje conhecida pelo termo “diáspora” porque estes judeus tiveram
que refugiar-se na Palestina e em outros países da região, mas, lá, formaram
novas comunidades.
Com as perseguições e os
ataques públicos contra estes encontros locais, começaram também a surgir duas
primeiras tentações fortes:
a) De um lado, adaptação dos princípios cristãos à religião judaica,
ao gnosticismo grego[3], ao maniqueísmo[4] e a outras formas que
passaram a deixar de lado a centralidade do projeto de Jesus Cristo e da sua
revelação de Deus;
b) De outro lado, as novas comunidades cristãs precisavam
responder aos ataques para defender-se e com o argumento das defesas, vieram
também formas novas de organização: catequese (catecumenato de adultos como
preparação para o batismo de mais gente para seguir o projeto de Jesus Cristo)
e, a reação ao martírio, levou ao reforço do entendimento de que estavam sendo
coerentes com Jesus Cristo. A perseguição e o martírio serviram, pois, para
aprofundar a coragem, a coesão e o contato com outros povos e raças.
Este período extremamente
difícil foi, ao mesmo tempo, expressão de uma grande força humana, porque estes
cristãos, não viam o projeto de Cristo como um simples plano político ou
qualquer bonito projeto para mudar algo, mas se sentiam participantes com Deus
de um grande projeto de salvação. Desta certeza, nasceu um aprofundamento da
comunhão: com Deus e com as pessoas, especialmente, as mais pobres e
necessitadas. A Igreja como um todo, passou a ser quase como uma estátua ou
imagem que lembrava a comunhão. As relações se tornaram mais solidárias e
ofereciam a evidência de que estavam vivendo um novo tempo: o tempo do Espírito
de Deus, que Jesus Cristo havia prometido aos executores da sua proposta de
salvação.
O Espírito Santo de
Deus fazia a Igreja tornar-se mais santa, capaz de perdoar, de viver na alegria
e de expressar a ressurreição da vida. Nasceria dali, até mesmo uma comparação
de que estas comunidades locais estavam constituindo a “nova Jerusalém”[5].
Os cristãos daqueles
primeiros séculos, pelo menos em alguns momentos, comparavam-se a um navio que
cruzava pelas ondas e pelos perigos do mar, porque com o mastro da cruz de
Cristo, a bandeira branca do Espírito de Deus e com o destino da plenitude do
Reino de Deus, chegariam seguros ao lugar da salvação. Ficar fora deste navio
seria um risco. Assim, Cipriano e Orígenes, passaram a justificar que “fora da
Igreja não haveria salvação!”. Esta conclusão também visava alertar os cristãos
mais fracos que sentiam a tentação de desistir da fé ou de acreditar em coisas
mais suaves para não correr risco de perseguição e morte.
Os riscos de desistência ou
de heresia de cristãos batizados que abandonavam a fé, também levaram a
reinterpretar aspectos que liam no Antigo Testamento, tal como a imagem de
Oséias, falando da mulher que se prostituía, da imagem da Babilônia, de Eva,
etc. Desta associação resultou uma imagem ou auto-interpretação que ainda hoje
é conhecida: a da “Igreja santa e pecadora” (ou casta meretrix). Assim como
Israel no Antigo Testamento, a Igreja se mostrava casta, mas também prostituta.
Ao lado dos grandes sinais de santidade, mostrava-se a fragilidade do pecado.
Esta dupla face estava desde
o começo das comunidades, ligada a algumas visões diferentes sobre o que
realmente era a Igreja.
Uma das primeiras situações
deste pecado começou s ser sentido numa forte tentação entre: uma visão mais
espiritual e comunitária da Igreja, ou uma simples organização para salvar
tradições antigas.
Da mesma forma, criaram-se
mal-entendidos a respeito do que podia ser perdoado e do que não podia ser
perdoado como casos de vários casamentos. Outra tensão, que surgiu no começo da
Igreja, mas, que ainda persiste em nossos dias: a conhecida polêmica entre
“carisma e instituição”. Surgiram exageros para o lado carismático que
despertaram uma religiosidade rigorista e fechada em pequenos grupos e que
ignorava a hierarquia da Igreja. Era o chamado montanismo (movimento de exagero
carismático). Ao lado desta divisão também apareceram divisões a respeito
de maneiras orientais e ocidentais de interpretar a fonte de irradiação das
regras a serem seguidas nas comunidades. Era uma briga entre autonomia de
igrejas locais em relação a uma centralização romana.
Outra mudança profunda viria
de uma promoção inesperada, depois da dura e longa perseguição, a Igreja, que
já vinha, desde 311 desfrutando de certa tolerância, poderia, então, celebrar
cultos como as outras religiões. Um ano mais tarde, sob Constantino, a Igreja
passou a ser protegida e passou a receber de volta os bens que lhe haviam sido
confiscados. Esta mudança, na verdade, teve um preço: a Igreja se tornaria um
instrumento para adorar o ser supremo e teria que propiciar bem-estar ao
Império. Assim, dentro de poucos anos, em 321, o domingo cristão passou a ser
dia obrigatório de repouso para todo o império romano. Este novo cenário
passaria a provocar outras mudanças como a da equiparação dos cargos na Igreja,
aos do império romano. Assim, os padres passaram a ser identificados com os
“sacerdotes”, livres e isentos de taxas e impostos, mas, em vez de pregar a boa
nova de Jesus Cristo, tiveram que ressaltar o que facilitava as pretensões do
império...
Em 324, um decreto romano
exigiu que a construção de Igrejas fosse nortear-se por uma característica
comum: deveriam ser altas, largas e grandiosas. Sem demora, veio a mudança mais
profunda: a Igreja estava constituída em religião oficial do Estado e passou a
substituir o conteúdo da fé pelos privilégios políticos. Afinal, que
pecados poderiam, então, ser perdoados por um padre? Assim, também, os sacramentos
cristãos deram lugar para questões envolvendo os temores diante do sagrado e
que alertavam contra os possíveis perigos na vida dos crentes. Os efeitos deste
deslocamento passaram a ser desastrosos: já não era mais uma comunidade que
celebrava sob a coordenação de um Presidente, mas o sacerdote passou a ser o
sujeito ativo da Eucaristia no lugar da comunidade.
Este quadro de mudanças na
Igreja fez Santo Agostinho perceber que estava em jogo outra faceta desta
Igreja: estava sendo santa e pecadora. Para alguns, ela deveria ser constituída
apenas por pessoas puras e santas e, Santo Agostinho defendia que o pecado e a
santidade estão na mesma Igreja, mas que deveria haver um processo rumo a mais
pureza e santidade. Pelo simples fato de alguém estar na Igreja ainda não era
nem puro e nem santo. Ainda hoje esta questão gera conflitos em nossas
comunidades...
Mais outro aspecto que
revelava esta duplicidade de Igreja santa e pecadora, envolveu a oficialização
da Igreja por parte do Império de Roma e, com isto, o Papa passou a ser visto
como um cargo elevado do Império, sumo-pontífice e, a religião católica passou
a ser controlada pelo Estado. Este assunto também gerou muitas brigas e
polêmicas ao longo da história do cristianismo. Esta grande reviravolta no
cristianismo pode ser facilmente imaginada: de perseguida, ameaçada e odiada,
tornou-se de uma hora para outra, uma religião até protegida pelo império
romano e se sentiu livre para agir. Tal mudança, dentro de não muitos anos, ao
lado da queda do império romano, fez com que a Igreja católica assumisse o que
antes era tarefa do império em termos de cultura e sociedade. Assim a Igreja
passou a sentir-se como mãe e cabeça da sociedade. Dali viria logo outra
conclusão: a do poder superior da Igreja. O Papa, na frente do poder espiritual
da Igreja Católica, era superior ao poder temporal do Estado e dos governos.
Aos poucos, a Igreja começou a mandar no que não deveria, ao exigir que reis e
príncipes se submetessem à Igreja. Exigência desta natureza iria provocar
muitos abalos nas relações...
A dimensão pecadora ou frágil
gerou, por sua vez, uma reação positiva[6] que foi a da realização de
diversos Concílios Ecumênicos, isto é, reuniões com grande representatividade
das comunidades católicas para ponderar sobre problemas e definir procedimentos
que entendiam como os mais adequados às exigências do Evangelho. A importância
dos concílios está relacionada ao reconhecimento de limites e problemas que se
experimentavam na eclesialidade da Igreja. Ao estabelecerem regras, desejaram
manter unidade da Igreja na fé e, regras disciplinares para esta unidade da
Igreja.[7]
Este crescimento de qualidade
e de expansão missionária fez com que no início do século IV já havia em torno
de cinco milhões de cristãos espalhados pelo mundo.
6 - Eclesiologia
no período medieval
(século IV até tempos recentes)
6.1 - Condicionamentos da época:
Por alguns séculos a
Igreja foi vista como mistério
sacramental de salvação (Bíblia,
comunidade, sacramento da eucaristia e fé sapiencial). Aos poucos,
desenvolveu-se o eixo de “cristandade e sociedade perfeita” - Como a Europa se tornou cristã em
sua globalidade, tanto na religião, quanto nos costumes e práticas sociais, a
civilização européia se expressou a partir da Igreja. Com isso, a eclesiologia
ficou marcada pelas mudanças políticas e históricas.
No século IV: a Igreja, de
perseguida, – martírio e catacumbas - passou a ser religião do Estado.
Tornou-se, então, “senhora e dominadora” que dispensou catequese e iniciação
para adultos e começou a batizar crianças; pois, a verdade da Igreja é a
verdade da sociedade. No lugar das catacumbas, aparecem os templos. Este sonho
perigoso gerou uma forte reação: o MONACATO (busca da radicalidade cristã:
humildade, penitência, trabalho, ascese).
Do século V a VIII: idéia do
papado monárquico. A queda do império romano (bárbaros do norte) levou os papas
a assumir o papel dos imperadores romanos e eles asseguram a civilização
européia.
Aparecem, aos poucos, Igrejas
nacionais (Francos, Visigodos) e, em 800, começam a aparecer os Estados
Pontifícios: o Papa nomeia Carlos Magno. Isto gera o cesaropapismo: o papa é o vigário de Cristo e os
reis que ele nomeia, precisam promovê-lo... Carlos Magno decretou pena de morte
para quem não aceitasse ser batizado... Neste período histórico ocorreu uma
mudança no papel exercido pelo padre, pois a liturgia deixou de ser uma
celebração comunitária ou eclesial, para se tornar uma obra individualista. A
partir do século IX, surgiram as “missas privadas” e as “missas votivas”,
encomendadas como intenções particulares, o que gerou uma grande distância
entre o padre e o povo. O padre começou a ficar de costas para os fiéis ao
celebrar a Eucaristia e apenas se virava para dar a comunhão na boca destes
fiéis. Foi também neste momento histórico que o Latim, transposto do império,
foi absorvido pelos padres para a língua litúrgica e, com isto, os padres
passaram a monopolizar a religião católica através de uma língua que as outras
pessoas não entendiam.
A mudança do papel do padre
também implicou em mudança no entendimento da Eucaristia: em vez de memorial,
louvor e agradecimento, a Missa passou a caracterizar-se como repetição do
sacrifício de Cristo na Cruz, que somente poderia ser oferecido aos fiéis
através do padre. Começou, igualmente, neste contexto, a desenvolver-se a noção
de que a Missa era transformação misteriosa dos sinais eucarísticos em
realidade sagrada e, aos fiéis restava apenas assistir e ver como o padre ia
fazendo este milagre.
A “Hóstia Sagrada”
passou a ser explorada, não tanto para comungar, porque não se recomendava
comunhão seguida, como ocorre hoje, mas até para ser enterrada no solo a fim de
assegurar boas colheitas. Deixou de ser sinal sacramental para se tornar um
objeto religioso de poderes extraordinários. Ao lado desta mudança, ocorreu
também uma nova concepção da confissão. Um costume irlandês, o da confissão
oral dependia de rigorosos cálculos para aplicação da penitência, que acabou
nas indulgências e na multiplicação de missas privadas como recurso para pagar
os pecados. Paralelamente, começou a surgir, no meio dos fiéis, um novo
recurso: o do culto aos anjos e santos para neles encontrar satisfação das
necessidades espirituais.
Nesta época também avançou o
Feudalismo: o poder dos senhores feudais, levou à corrupção, simonia (compra e
venda de cargos e episcopados)... Imperadores começaram a depor papas e bispos.
Como a fama dos bispos e padres não era das melhores, pois muitos deles vinham
de famílias nobres e viviam como senhores poderosos e interessados mais pelo
dinheiro do que pela religião e, como muitos padres simples que viviam das
celebrações religiosas para os nobres ficaram deixados à própria sorte,
floresceu, no início do século X, um novo perfil de padre, o do monge. Quando
os padres já não eram mais homens de oração, os monges passaram a assumir esta
riqueza e a repassá-la para os fiéis. Mesmo sendo edificante esta mudança, ela
estava, contudo, marcada pelo feudalismo porque subentendeu a forma feudal de
senhor e escravo. Deste modo, a piedade religiosa colocava o fiel como vassalo
submisso nas mãos de Deus. Reproduziu-se o sistema social, de modos que, os
abades, os superiores das instituições monásticas, que eram sinônimos de
bispos, eram também muito poderosos e os religiosos se tornavam donos de
grandes áreas de terra. Tornou-se comum que num Monastério, onde muitos monges
eram padres, cada um celebrava sozinho num altar lateral. Algumas Igrejas mais
antigas de nossa região apresentam ainda hoje estes altares laterais. Com o tempo,
estas missas passavam a ser reservadas a fim de que os padres as oferecessem
pelos mortos. Uma dificuldade desta vida foi a de privilegiar mais o antigo do
que o Novo Testamento como fonte de inspiração para o cultivo da oração. Foi
também neste período histórico que a espiritualidade impôs ao clero o ideal da
vida celibatária, isto é, não poderia ser bom sacerdote vivendo com mulher.
Mesmo que a prescrição do celibato fosse só para os monges e os próprios leigos
passaram a exigir o celibato dos padres e passaram a boicotar as missas que
eram celebradas por padre casado. Houve um grande encantamento pela vida
monástica e os padres também foram obrigados a viver em comunidade e a cantar
as longas horas de orações como os monges.
Neste contexto, a partir de
um monge, e que veio a ser o papa Gregório VII, lá pelo ano 1000, ocorreu uma reforma gregoriana para defender a liberdade da Igreja e
melhorar a imagem e a espiritualidade dos padres, mas exagerou, por outro lado,
ao diminuir o espaço e o conceito dos fiéis leigos. A Igreja, pensada mais como
a hierarquia, praticamente excluía os leigos. Fora da Igreja haveria somente
herege e cismático... Gregório VII centralizou a Igreja na cidade de Roma. O
papa seria a cabeça, o bispo de Roma e, que ocupa o lugar de Pedro. Logo, o
papa passaria a constituir a fonte e origem da autoridade. Esta separação do
sagrado com o profano viria trazer muitas conseqüências em tempos futuros. A
primeira foi uma divisão prática: de um lado os monges e alguns padres
rezadores de Missa e de outro, os casados. Um chavão revelava isso: se era bom
ser leigo, melhor era ser padre e, melhor ainda, era ser monge (valor do
celibato).[8] Tal ótica gerou os três votos: o de renunciar ao poder, à posse e
à sexualidade, precisamente o que mais mobilizava a sociedade. Aos poucos as
coisas se inverteram: os leigos que num momento exigiram o celibato, agora, não
estavam satisfeitos com os monges e passaram a adotar formas de flagelação
física para redimir-se dos pecados, como penitências rígidas e formaram
milícias que, aos poucos formaram as “Cruzadas”.
Na ótica de Gregório
VII, Deus o colocou para a religião e a fé; e, o imperador, foi colocado para
cuidar das coisas temporais. Tudo passaria a ficar sujeito à Igreja, mais
precisamente, ao papa. Começa, assim, a defesa de que o papa é infalível. Os
papas Inocêncio III e Bonifácio VIII passaram a concentrar o poder espiritual e
temporal (teocracia). Em 1054, ocorreu a cisão do Oriente, que não aceitou este
centralismo e uniformidade da Igreja. Apareceram as heresias contra o poder do
papa sobre tudo e sobre todos...
Nos séculos XII e XIII o
Feudalismo entrou em crise a partir do surgimento da vida urbana (burgos,
universidades e ciência positiva). Surgiu, então, uma forma de pensar mais
leiga e que começa a discordar das posições do papa. Neste período começou a se
recuperar o valor da proclamação da Palavra Bíblica. Com isso, voltou, aos
poucos, a volta às origens da vida apostólica e este encantamento propiciou
maior zelo pastoral e a recuperação da noção de comunidade e de paróquia.
Apareceu, então, a noção do padre como “cura de almas”. Surgiram também os
pregadores ambulantes, caracterizados por vida simples, cabelos e barbas
compridas, mas que atraíam multidões no seguimento. Alguns destes, no entanto,
se proclamavam evangelizadores sem a devida formação na fé cristã, mas, no
geral, voltou a vigorar uma concepção humana de Jesus Cristo. A prática do
Evangelho interessa mais do que a Igreja rica e mundana. Isto fermentou
lentamente o ideal da pobreza (já no século XIII).
O ideal da pobreza gerou o
valor da mendicância. Leigos, que depois se clericalizaram passaram a
constituir um a força supra-paroquial para evangelizar e, sem demora,
tornaram-se supra-diocesanos (algo parecido com o movimento carismático,
cursilho, ECC... no Brasil de hoje). Além de gerar polêmicas, este movimento,
amenizado pelo Concílio de Latrão IV, estabeleceu que deveriam estar vinculados
e subsidiados pelas dioceses, o que iria abrir um novo horizonte dos pregadores
missionários (geralmente clérigos) e que vai relacionar a pregação com
conversão e sacramento da penitência. Muitas vezes estes pregadores
contrariavam o trabalho sistemático que vinha sendo feito nas paróquias, o que
trazia tensões.
Para retomar:
1 – Por que a Igreja perdeu as
características de pequenas comunidades, do martírio e das catacumbas?
2 – Que reação importante
apareceu na Igreja quando ela se tornou a religião oficial do Império?
3 – Que grandes problemas se
manifestaram na Igreja em torno do ano 1000?
7 - A Reforma Protestante e a Contra-Reforma
Os séculos XIV E XV trouxeram grande crise aos valores da Idade Média. Angústia
e insegurança geral pareciam levar as pessoas a aspirar mudanças. Especialmente
na Alemanha, começou a aparecer divisão e uma crise de confronto envolvendo
príncipes, nobres, bispos e o imperador Maximiliano. Por outro lado, alguns
países, como Espanha e França, disputavam a hegemonia da Europa e esta se via
ameaçada pelos turcos.
A Igreja vivia uma crise profunda. Os papas Alexandre VI, Júlio II e Leão X
foram excessivamente mundanos. O baixo clero era ignorante e relaxado. A
Teologia estava em decadência (pouca Bíblia, relativismo, subjetivismo, e pouca
clareza dogmática sobre Sacramentos, Igreja e Eucaristia). A espiritualidade
consistia, basicamente, em devoções a patronos e relíquias... Havia também um
verdadeiro pânico e uma obsessão de medo diante da condenação eterna, por causa
de pecados. O medo também ocorria frente ao possível aparecimento do demônio e
de bruxas. A espiritualidade era pouco ou nada cultivada. Ocorria muito abuso
litúrgico e a banalização das indulgências. A Igreja também ficou afetada pelo
clima de guerras, pestes, pobreza, movimentos apocalípticos e milenaristas...
Ao lado destas dificuldades, surgiu o Renascimento (desejo de voltar às origens
e à antiguidade) que, por sua vez despertou grande criatividade e avanços
científicos e culturais. A bússula foi um marco decisivo para outros avanços.
Neste clima, também foi surgindo uma burguesia, que fez acontecer o mundo moderno.
Nesta época, diversos concílios, como os de Florença e o V de Latrão,
concluíram que na Igreja deveria ser reformada a cabeça e os membros... Nascia
assim uma inquietação por uma vida cristã com mais mística e espiritualidade.
Se todas estas dificuldades atrapalhavam a coerência da fé cristã, e, em meio a
muitas mudanças políticas, religiosas, sociais e espirituais, surgiu ainda
outro fator agravante, a Reforma de LUTERO (1483 – 1546). Hoje, fazem-se duas
leituras deste fato: a) Lutero teria sido um herege cismático, sensual,
orgulhoso, prepotente e obstinado; b) Teria sido um homem profundamente
religioso que reagiu contra o quadro implantado na Igreja e buscou raízes na
mensagem do Evangelho. Buscou um Deus misericordioso e centralizou a fé em
Cristo (Salvador e Redentor). Igualmente fez com que a Sagrada Escritura
ficasse em primeiro plano (Sola Scriptura) e ainda reafirmou Cristo no lugar
das devoções, indulgências e relíquias (Sola Christo). Sua dedução foi a de que
não era a pessoa que se salvava, mas era Deus quem podia salvar... Por isto
defendeu dois reinos: espiritual e material (Igreja e Estado), propiciando mais
liberdade aos leigos no mundo.
Um aspecto negativo que hoje se repara em Lutero foi que ele viveu um medo
quase doentio ante a possível condenação eterna (influência da Idade Média).
Também teve uma postura muito negativa ante os sacramentos, a Igreja, santos,
símbolos e imagens, favorecendo, com isso, o individualismo existencial e
pietista.
Lutero, por outro lado, atraiu muito a burguesia emergente que já não gostava
do poder do papa, especialmente Leão X, que andava mais preocupado com política
do que com religião.
A reação da Igreja Católica (CONTRA-REFORMA) veio rápida. Entre 1545 a 1563, realizou o Concílio de Trento.
Em alguns aspectos a reação foi positiva, mas, parece que a reação da Igreja
não percebeu a emergência do mundo moderno. Pelo menos algumas coisas boas
aconteceram: um papa mais espiritual; bispos em suas sedes; criaram-se também
os seminários para a formação de padres; surgiram ordens religiosas; ressurgiu
a mística e a santidade; criou-se o catecismo romano; voltou à valorização dos
sacramentos e da missa dominical, com reforma litúrgica. Este quadro do
Concílio, ao lado de outros elementos, gerou o imaginário social da Igreja por
longos séculos posteriores. A não abertura ao mundo moderno criou uma postura
muito normal de ataques aos adversários (os apologistas como Belarmino, etc.) e
que acabaram reforçando demasiadamente a Igreja hierárquica... Com isso,
deixou-se de valorizar a Igreja Escatológica, porque se olhou demais para a
organização jurídica. Assim, a instituição tinha mais peso do que a comunhão, a
sociedade, mais peso do que os sacramentos, e a organização, mais peso do que o
Espírito Santo.
Nesta época posterior ao Concílio de Trento surgiram algumas reações leigas,
mas sem grande avanço na qualidade da fé cristã:
a) Galicanismo: reafirmação do poder local do bispo; e o sentido de
Igreja como sendo comunhão dos crentes;
b) Regalismo: defensor da Igreja nacional; e, o príncipe deveria agir
sobre a Igreja;
c) Jansenismo: desejo de radicalidade da Igreja original; Afirmou o
papel dos leigos, mas este movimento se tornou tão rigorista, que caiu no
Galicanismo.
8 –
Eclesiologia a partir do Concílio Vaticano II
Depois da
Segunda Guerra Mundial, ficou no ar uma questão muito desconfortável: como
poderia ser possível que um continente como o Europeu, que se auto-inpterpretou
como civilização superior, graças ao bom casamento do espírito cristão com a
cultura européia, que precisamente ali, milhões de seres humanos tenham sido
mortos da forma mais estúpida que se possa imaginar e, este mesmo continente,
ainda se via ameaçado pelo comunismo russo.
As concepções da cristandade se mostraram, então, sem forças para convencer
muita gente. Entretanto, com a própria guerra e a partir dela, despertou-se
renovado vigor em amplos setores católicos além de incremento teológico,
litúrgico, sacramental e bíblico. Nesta pressão por algo novo e mais coerente,
o horizonte ecumênico apareceu como fundamental e necessário. Também ficou mais
evidente que a Teologia teria que chegar mais perto dos intelectuais, dos
pobres e operários. Foi o momento em que muitos padres resolveram ser
operários, especialmente na França e na Bélgica. Com isto, foi germinando na
Igreja a noção de uma nova eclesialidade, muito mais preocupada com questões
missionárias e pastorais do que com esquemas jurídico-normativos.
A nova eclesialidade abriu
caminhos para maior respeito aos cristãos não católicos, que, por longo tempo,
vinham sendo hostilizados. A teologia escolástica também começou a perder
terreno. Ao lado destas realidades sócio-políticas também começou a aumentar,
por parte de muitos bispos, a preocupação pelas questões sociais e adequada
utilização da imprensa, rádio e outros meios de comunicação.
Ao lado destes passos
importantes, ainda foi fundamental para a emergência de uma nova eclesiologia,
a figura do saudoso Papa João XIII. Se ao longo dos Papas “Pios” (de IX a XII)
a Igreja ficou muito organizada, coesa, hierarquizada e também centralizada, a
simplicidade do Papa João XXIII iria jogar uma nova luz sobre a Igreja, a
partir de sua impressão de o Concílio Vaticano I deveria ser complementado com
outro Concílio, o Vaticano II.
Este Concílio Vaticano II,
realizado entre 1962 a 1965, teve uma marca muito diferente
do anterior, que foi o Concílio de Trento. Neste, havia uma preocupação central
em torno da identidade católica. Por isso, apontou modos para ser melhor e
superior às outras Igrejas evangélicas procedentes da Reforma, e também,
insistiu na reação contra as características do mundo moderno, que já não
estava mais preocupado em contar com a ajuda da religião para a organização da
sociedade.
Diversos aspectos, como
melhor e maior unidade interna em torno da prática sacramental, da coesão
diante dos outros e da obediência aos superiores hierárquicos, especialmente ao
Papa, acabaram, através do Concílio Vaticano II, recebendo uma direção quase
contrária, pois se mostrou aberta à postura dos cristãos evangélicos que
valorizavam a Graça, a leitura da Bíblia como fonte de inspiração e a defesa da
autonomia das pessoas. Era também a postura do mundo moderno que sonhava com
uma transformação do mundo e com felicidade para todos, embora, sem nenhuma
relação com a Transcendência.
No aspecto mais geral e
importante o Concílio Vaticano II se revelou sensível às realidades terrestres
e ao mundo moderno. Recuperou também a importância da noção de comunidade e
estimulou uma volta às origens da Igreja, o que fez reaparecer a importância do
Espírito Santo, como forma de aproximação ao diálogo com a Igreja Oriental.
Nas constituições “Lumen
Gentium” e “Gaudium et Spes” o Concílio Vaticano II recuperou a dimensão
pastoral da Igreja e no Decreto “Ad Gentes”, recuperou a dimensão missionária.
Com isso, ficou de lado a idéia triunfalista, clerical e juridicista de Igreja.
No lugar destas características, criou vigor uma importante noção da Igreja
como “Povo de Deus”. Esta identidade havia ficado de lado ao longo de muitos
séculos, porque se valorizou demais a noção de cristandade.
O Concílio Vaticano II
colocou este conceito de “Povo de Deus” no centro da Eclesiologia, o que
alterou o entendimento missionário, pois, o mentor principal, o Papa João
XXIII, achava que não se poderia ver negativamente o mundo moderno. A Igreja,
em vez de ficar numa atitude pessimista de crítica, de condenação e de anúncio
de desgraças e ameaças de castigos, como vinha fazendo, há muitas décadas,
teria que anunciar uma boa notícia de salvação para as pessoas deste mundo
moderno. Na abertura ao diferente da cultura e das expressões religiosas, a Igreja
teria que fazer um “aggiornamento”, (uma reconstrução da Igreja a partir
de uma conversão) ou, uma renovação do seu modo de pensar e de lidar com o
mundo moderno. Seria uma necessária mudança de mentalidade para lidar com o
mundo moderno e uma inserção para uma ação positiva neste mundo. A Igreja teria
que ser muito mais um sinal de misericórdia do que de castigo e condenação. O
que a Igreja estava precisando, não era de dogmatismos e severidades para com o
mundo, mas, comparativamente, de um oxigênio para que as pessoas pudessem
respirar melhor no seu dia a dia e, ali, encontrar sinais de Deus.
Esta noção de encontrar
sinais de Deus nas interpelações do mundo era algo novo, pois antes do
Concílio, a Igreja se auto-interpretava como um depósito da fé, que devia ser
buscado ou comprado pelas pessoas. Com a nova ótica do Concílio, o valor da
misericórdia implicava em serviço de sinais proféticos.
Quando, hoje, falamos em “Povo de Deus” não precisamos entender este conceito
de forma científica ou sociológica, no sentido de constituir um povo ao lado
dos demais, mas este conceito tem um aspecto espiritual, ou seja, para nós
cristãos, significa solidariedade na ação para gerar mais liberdade e bem-estar
na condição humana. Neste sentido, o Concílio, gerou uma imagem boa e positiva
da Igreja, outro espírito para o agir católico, para o estudo da Bíblia, para a
mudança das celebrações, para a renovação da catequese, enfim, um imaginário de
ação pastoral e evangelizadora.
Esta grande mudança, um verdadeiro
“aggiornamento”, se tornou muito visível na mudança litúrgica, quando se trocou
a língua latina, entendida por pouquíssimas pessoas, geralmente só pelos
padres, para a língua nacional de cada país. Ao lado de muitas outras mudanças
em relação aos pobres, que passaram a ser alvo de atenção preferencial, parece
que o Espírito Santo realmente irrompeu nesta grande reunião dos bispos.
Outro aspecto importante da
noção de “povo de Deus” esteve ligado ao novo entendimento do conceito de
universalidade. Não se pensou a Igreja como organização que ocupa todos os
espaços da Terra, mas, como tarefa, ela se via convocada a não deixar ninguém
fora do amor de Deus. Para tanto, a missão exigia muito diálogo e respeito para
continuar a obra de Cristo.
O teólogo José Comblin resumiu o Concílio Ecumênico Vaticano II em sete
palavras:
1 – Homem - (pressupondo também a mulher), como
preocupação pela humanidade;
2 – Liberdade – não para condenar, mas, para agir
honesta e responsavelmente, até mesmo na
capacidade de auto-crítica interna;
3 – Povo de Deus – os leigos deixam de ser pensados
como ouvintes passivos;
4 – Colégio Episcopal - bispos não atrelados à Cúria
Romana e nem auto-suficientes nas dioceses;
5 – Diálogo – nem dominação e nem superioridade;
6 – Serviço – e não um sistema de poderes;
7 – Missão – no lugar da cristandade medieval.[9]
Estas palavras ressaltam muito bem o extraordinário benefício destas novas
noções para o bem da Igreja. Ainda cabe um belo destaque conclusivo sobre o
lado eclesiológico deste Concílio, feito por Dom Aloísio Lorscheider:
a) Aggiornamento – que significa escutar, ir ao
encontro, abertura crítica ao mundo, mas, também, atualização e renovação para
que a Igreja possa tornar-se mais serviço e diaconia;
b) Diálogo – da Igreja tanto consigo mesma, quanto
com outras Igrejas e com outras pessoas sem fé religiosa.[10]
9- Forças de distintas eclesiologias em nossas comunidades eclesiais
A grande novidade do Concílio Vaticano II não foi de aceitação
unânime. Surgiram muitas reações contrárias provenientes do imaginário do
Concílio de Trento e passaram a desenvolver outras imagens da Igreja.
Se a missionariedade e a
noção de que a Igreja é o povo de Deus e não apenas um consumo de programas
religiosos para garantir a salvação e, se este povo de Deus precisa fazer algo
para que a humanidade possa viver melhor a partir da missão que este povo
assume, então, aparecem novas leituras da tarefa missionária. São traços dominantes
que apresentam distintas relações com os outros agentes. Ex. Três candidatos à
Presidência do país... Cada um que quer vencer vai apresentar formas distintas
dos demais para lidar com as bases e oposições... São forças que se manifestam
tanto para dentro quanto para fora das comunidades (tanto ad intra quanto ad extra). Seguimos aqui o
livro do teólogo João Batista Libânio, Cenários
da Igreja, com a apresentação
de tópicos gerais para uma rápida comparação. O texto do livro é bem mais amplo
e detalhado.
9.1 – A Força Institucional
- Reforça a Cúria Romana, a
diocese e a paróquia; enfatiza o direito canônico, as leis, as normas, as
rubricas, os ritos e destaca a centralidade da autoridade.
- Controla as teologias para
impor a doutrina... A Teologia da Libertação representa riscos de apresentar
novas eclesiologias... a liberal também é contestada porque favorece a
autonomia e o subjetivismo...
- Na catequese, unificação
pelo catecismo;
- Na Liturgia: tensão entre
exatidão do rito e a onda carismática...
- Leigos: servem para
reforçar a Instituição e a visibilidade da Igreja;
- Os movimentos são
vistos como solução para os problemas pastorais...
Problema: como aproximar
os jovens (que rejeitam qualquer instituição) e como relacionar o clero com os
movimentos, normalmente supra-paroquiais e diocesanos e que escolhem apenas
padres afinados com sua posição. Eles procuram apoio das instituições mais
elevadas; Os bispos são mais escolhidos pela fidelidade e obediência do que
pela capacidade intelectual e profética. Segundo Clodivis Boff: “vencem, mas
não convencem”. Há risco de choque contra os que detêm o poder...
- Este cenário institucional
promove muito o clero para o altar: muita festa e homenagem para torná-lo
visível, pois, valoriza-se o poder e a instituição... Já aparece até batina
prateada, do padre midiático com discurso mágico-fundamentalista... Forma-se
padre que fique distante do povo. Em Seminários prioriza-se o direito canônico
e a disciplina; indiretamente, busca de vida estável definida e de status...
- Quanto às questões éticas:
necessidade de normas éticas para família, sexualidade e org. social.
- Risco de gerar uma Igreja
do silêncio (subterrânea) e marginalizada por não concordar com a
Instituição...
- Dificuldades para
ecumenismo e diálogo inter-religioso e com o Estado (este já não aceita
interferências religiosas...);
- Preocupação com os pobres é
na perspectiva assistencialista...
- Certamente encontrará
conflitos com a cultura (que é democrática e autônoma) e possivelmente vai
tentar domesticar os surtos religiosos.
- Uma tensão deste cenário:
como conciliar Instituição com Espírito Santo?
9.2 – A força carismática
- Valoriza o carisma no lugar de instituição e subjetividade no
lugar de objetividade.
- Representa a passagem da
“religião perdida” (do contato com forças incontroláveis) para a religião por
todas as partes (nebulosa de crenças).
- Tendência para ampliar
celebrações de clima carismático (transe para experimentar o transcendente).
- Deus aparece como objeto de
desejo.
- Pouca atenção para Teologia
racional, mas exploração de livros sobre milagres, curas, carismas, batismo no
Espírito e de auto-ajuda espiritual.
- mais do que livros, aposta
em vídeos pastorais e religiosos.
- Catequese mais emocional,
mais preocupação com audio-visuais do que com doutrina...
- Liturgia festiva e
emocional, celebrações longas.
- Quer ser portadora de um
novo Espírito para toda a Igreja, fazer o Pentecostes perene...
- Coloca o Espírito Santo no
lugar das devoções marianas, do papa e do santíssimo sacramento.
- Leigos alimentam
espiritualmente tanto padres como seminaristas.
- Criam centros de
espiritualidade, casas de encontro e de oração. Relativizam a disciplina
canônica.
- Provavelmente vão criar
choques com a Igreja Instituição. Orientam-se por moral mais subjetiva,
espontânea e criativa.
Problemas: por serem parecidos com outras Igrejas
Pentecostais, pouco afoitos para o ecumenismo. Se já possuem o Espírito Santo
sentem-se na missão de converter os outros... Também dificuldades para diálogo
inter-religioso, pois predomina a política da conquista. O uso excessivo da
mídia leva muito mais a concorrência do que ao diálogo...
- Como trabalham muito o lado
da compaixão (amor), tendem a ignorar a dimensão social... Sua tendência é
impor-se mais contra a razão e por isto mesmo vão encontrar dificuldades com a
Instituição e com a tecnociência, que são altamente racionais ( engenharia
genética e ciência da comunicação).
- Parece que não levam muito
em conta o específico do cristão: espécie de neopaganismo porque a celebração
tem outras razões do que a de fazer o memorial de Jesus Cristo...
9.3 – A força evangelizadora
- Centaliza a Palavra (o conhecimento, a pregação, o ensino, a
catequese, a teologia, evangelização ou anúncio...);
- Dimensão missionária-evangelizadora
(cursos bíblicos, estudo de Teologia, cursos de aprofundamento da fé, diálogo
entre fé e razão, esta vista como necessidade para a fé...);
- Trabalha a esperança,
incrementa a liturgia da Palavra, os cultos, a variação dos ministérios (pouca
atenção ao sacramentalismo...);
- Preocupação com leigos mais
preparados teologicamente.
- Evita a religião tida como
caldo de emoções afetividade e subjetividade. Por isto: tensão com
carismáticos, pouco afetos à reflexão crítica...
- Busca de reencontro da
unidade perdida “Teologia-Santidade”; por isso, formação para uma
espiritualidade que integre doutrina e pastoral.
- Encontra dificuldade para
formação sacerdotal por exigir nível intelectual mais apurado, uma vez que
busca articular amor e Verdade (carismáticos – só amor)
- Vão encontrar dificuldades
no confronto do mundo político neoliberal.
- Para eles, as regras da
mídia mais atrapalham do que ajudam na evangelização (pois ali interessa o
espetáculo e não algo consistente).
- Os agentes de evangelização
precisam de versatilidade intelectual, e não podem ser meros repetidores
passivos do que aprenderam.
Problema: Estão na contramão dos movimentos carismáticos e espiritualistas.
Por isto, terão que confrontar-se com o mundo do hedonismo e das coisas
rápidas, enquanto que o conhecimento é demorado...
- Certamente encontrarão
problemas com a Instituição, pois de onde vão encontrar dinheiro para formar
seus agentes?
9.4 – A força da prática libertadora
- Nasceu na América Latina: opção pelos pobres; reinterpreta os
dogmas. Coloca-se ao lado dos oprimidos, ausculta-lhes os anseios e os anima
neste processo.
- Faz leitura popular da
Bíblia: articula vida, práxis, fé e Palavra, usando o tripé: texto, pré-texto e
contexto. Foge, portanto tanto da interpretação acadêmica quanto da ingênua e
fundamentalista.
- Lê a Bíblia no interior da
comunidade de fé e se coloca diante da exigência da revelação na qual deve
acontecer o projeto de Deus...
- Situa a fé num quadro
sócio-político e econômico (pré-texto);
- Parte da leitura teológica
do VER- JULGAR – AGIR.
- Quer redenção para os
excluídos e lê os acontecimentos a partir deles;
- As CEBs assumem certa
autonomia em relação à Matriz...
- A Catequese é para oferecer
libertação plena...
- Valoriza a inculturação na
Liturgia. A liturgia deve servir de animação espiritual e ser crítico-profético
contra o sistema vigente.
- Admite a
pluri-centralidade. O clero não é visto pela dimensão de “Funcionário”, mas
deve estar preparado para serviços diferentes.
- A experiência de Deus é
compromisso com a libertação dos pobres.
- O ministério sacerdotal não
é visto pela dimensão do poder.
- Este cenário tende a
tornar-se Igreja de mártires (perseguições por regimes políticos e sociais)
Problema: como ser militante dedicado ante um mundo pós-moderno que prioriza
prazer, hedonismo e consumismo?
Para retomar e aprofundar:
- Você constata estas forças
em sua comunidade?
- Comparando os problemas de
cada força, o que se poderia fazer?
- Que grandes valores de cada
força não deveriam ser deixados de lado?
10 –
Eclesiologia para além das forças atuantes
Atualmente, quando queremos ir a qualquer lugar, ou quando queremos fazer algum
negócio importante de compra ou venda, a primeira coisa que nos pedem é a
Carteira de Identidade. Se, comparativamente, pensamos a Igreja diante de algo
muitíssimo importante a ser feito no projeto de salvação, a dúvida não está em
apresentar ou não uma Carteira de Identidade, mas, se relaciona a outra
questão: com que identidade poder-se-á fazer acontecer este
projeto. Em outras palavras, como
nos pensamos Igreja? E, em
função desta concepção, o que
vamos fazer para evangelizar?
A globalização afetou muito a identidade de todas as grandes
organizações mundiais, incluindo nelas as grandes organizações de Igrejas. Como
já destacamos acima, a quebra de fronteiras entre Estados, mas também de
ciências, crenças e organizações, gerou um pluralismo que afeta diretamente a
missão da Igreja. Basta reparar o esfriamento do fervor de muitas comunidades,
a facilidade de trocas de religião e, também, a grande oferta de salvação, de
cura e de milagres ao lado do que a Igreja Católica sempre ofereceu e quer
oferecer. Disto resulta que, em vez de uma identidade de coesão, de dinamismo,
de força e de ânimo, muitos se sentem como parte de um pequeno resto que ainda
sobra em nossas comunidades e se sentem assustados com as rápidas mudanças que
vem ocorrendo na organização da vida das pessoas.
Ainda que estejamos um tanto inseguros ou afetados pelas mudanças que nem
sempre conseguimos entender direito, a memória dos momentos fortes da Igreja,
certamente nos aponta uma grande riqueza para uma identidade boa e animadora
nestes tempos difíceis:
a) Um primeiro elemento é o de pensar a Igreja numa relação
trinitária, o que nos aponta o horizonte da comunidade e da colegialidade como
algo melhor do que o simples refúgio no individualismo subjetivo, tão destacado
em nossos dias. A espiritualidade trinitária sempre nos aponta para a comunhão
eclesial ou comunitária. Nossa tarefa envolve ação neste mundo tão marcado por
tristezas, sofrimentos, inseguranças e ameaças à vida, mas também com tantos
sinais de grandeza, de humanidade, respeito, valorização e edificação da
qualidade humana. Portanto, uma sensibilidade ao mundo que nos envolve.
b) Outro elemento importante é o de situar-nos no contexto do
mistério (não o “suspense” de algo oculto, mas de recordação dos grandes sinais
que Deus manifestou em torno de Jesus de Nazaré). Tal procedimento nos remete
para o valor da Eucaristia e da certeza de que esta manifestação de Deus hoje
nos envolve.
c) Um terceiro elemento é o da missionariedade, mas já não mais a do
simples anúncio de um determinado discurso religioso, mas de um encontro respeitoso
com as diferenças culturais que nos envolvem. Isto não significaria um grande
avanço até mesmo para evitar guerras, pois pelo que podemos perceber, a maioria
das guerras está sendo desencadeada por fanatismos religiosos e culturais.
d) Sem dúvida, uma eclesiologia para os tempos vindouros terá que
recuperar novamente o valor da comunhão numa perspectiva de diversidade de
ministérios. Há certamente muitos dons e muitos espaços além dos ocupados, para
atuação de ainda mais dons, especialmente os dons das mulheres nos caminhos de
comunhão das comunidades.
e) O valor do culto dominical será outro elemento capaz de redefinir
a identidade cristã e de revigorar as exigências da evangelização, dentro das
conhecidas dimensões de diálogo, anúncio, testemunho e serviço. O culto
pode despertar para o valor da eucaristia, da reconciliação e, pela oração, nos
abrir à graça de Deus para novas formas de escuta e de anúncio do Reino de
Deus.
11 - Mudança
em andamento na Eclesiologia atual:
Dentre as muitas mudanças que
se manifestam no âmbito da Igreja, destacamos duas: a passagem da Igreja dada
para a Igreja escolhida e a aceitação apenas parcial do projeto de Jesus
Cristo.
Cada vez menos católicos estão dispostos à
aceitação de imposições doutrinais. Trata-se de uma reação contrária ao que
vinha acontecendo de forma intensa nas últimas décadas. O mercantilismo da
venda de tudo quanto se possa imaginar induz as pessoas a escolher o que querem
adquirir. Assim a influência comercial e consumista afeta também o campo
religioso, que não é aceito pela sua estrutura doutrinal, mas, escolhido
segundo interesses subjetivos e ocorre cada vez mais liberdade de escolha entre
crer ou não crer.
Deste modo, a religião perde a capacidade imperativa de normas e não consegue
totalizar sua ação sobre a organização humana, pois, a própria religião passa a
depender da esfera subjetiva de opções.
O consumo, tanto de bens simbólicos quanto de objetos materiais, gera agregação
de grupos através de estilos do que veste e consome. Esta ação causadora,
entretanto, não deixa de se constituir em forma colonizadora das mentes, uma
vez que projeta cada vez mais e novos modelos ideais para as pessoas. Dali
decorre também a obcecada vontade de encontrar mitos que possam arrastar
grandes multidões de seguidores.
Nesta sociedade de consumo
começa a imperar, mais do que a ordem doutrinal, a ordem do “sentir-se bem” e
este campo depende da dimensão subjetiva e do modo como compreendemos as experiências...
Deste modo, a religião vem a ser procurada na medida em que oferece prazer e
emoções agradáveis. Não importa o que ela tem a dizer, mas o que indivíduos
querem encontrar em seus quadros. O sentido da vida já não é mais procurado na
transcendência que a Religião oferece, mas no que os indivíduos encontram para
consumir.
Se a Religião foi gestora de vida pública durante muitos séculos, ela começa
gradualmente a perder tal espaço e fica restrita à esfera das escolhas
individuais. Quanto mais influentes e universais se mostraram algumas grandes
religiões, tanto mais a crise se estabelece exatamente nesta função.
O deslocamento da religião para a esfera mais privada e subjetiva
implica também em mudança na espiritualidade. Duas formas revelam-se cada vez
mais destacadas: a difusa e a
performática. As duas
modalidades vêm pautadas pela emoção, pela sensibilidade e pelo sentimento.
Esta espiritualidade performática
também tenta, através da linguagem midiática, uniformizar e estereotipar o que
espera dos fiéis: uma regeneração moral, psíquica e comportamental e com
promessas financeiras: “estava perdido e a graça de Deus me salvou; agora estou
rico...”, “estava na desgraça e Deus me resgatou...”, “estava devasso e o
Senhor me libertou...” Ocorre uma grande banalização do milagre – sempre ligado
à participação do fiel na Igreja... Ex.: Pe. Marcelo: milagre ao beber a água
que benze através do programa religioso.
A espiritualidade difusa é conseqüência de uma religião sem vínculos
institucionais. Nela predomina a emoção e a busca de identidade (a minha
religião sou eu mesmo);
A outra espiritualidade, a performática, é uma
reação quase contrária, mas situada no mesmo campo emocional: apresenta
certezas de salvação; oferece o sagrado e o transcendente através de graças e
milagres e re-institucionaliza o imperativo doutrinal.
Esta espiritualidade valoriza muito dois
elementos: o corpo e a linguagem persuasiva, pois, procura encantar e fascinar
as pessoas. Para devolver segurança a pessoas dependentes, apresenta certezas religiosas associadas
a técnicas psicológicas, especialmente para a vida matrimonial como os
múltiplos conselhos morais apresentados em programas religiosos da televisão.
De acordo com estes arautos das seguranças, é nestas certezas e técnicas
psicológicas que acontece a manifestação divina: intervenção do sobrenatural e
ação do Espírito Santo que renova tudo através de milagres rápidos e
extraordinários.
As conseqüências do
deslocamento de papéis da religião não acabam somente nas formas de
espiritualidade. Elas provocam outros questionamentos ainda mais amplos e
profundos. Cada vez mais pessoas se auto-interpretam religiosas e cristãs, mas
sem vínculos eclesiais. Emerge dali um primeiro dilema: “JESUS SIM, IGREJA
NÃO”. Esta concepção elimina a dimensão eclesial. Muitos chegam a este ponto
por mágoas e insatisfações com setores da Igreja ou porque consideram
dirigentes muito tradicionais e legalistas, ou então, muito aberta e
libertadora.
Alarga-se atualmente também outra polêmica já mais antiga: a de separar Jesus
histórico de um Jesus “Cristinho” e divino. Trata-se da polêmica que envolve
concepções em torno de Jesus histórico em relação ao Cristo da fé, polêmica dos séculos 18 e 19. De
acordo com estas polêmicas, a Igreja, mesmo fundamentada em dogmas, cultos e
leis, se desviou do verdadeiro Jesus e de sua pregação do Reino. Daí a
necessidade de volta às fontes originais dos três primeiros séculos...
Diante desta contraposição, não se pode esquecer que a Igreja, apesar de suas
fraquezas e limitações é relativa a Jesus de Nazaré e decorreu da missão
mensageira desta revelação. Não podemos restringir a Igreja a um mero organismo
jurídico. Convêm, pois, pensar
como o teólogo francês Congar:
a) A Igreja deve ser vista em referência a Jesus Cristo e a seu
Evangelho;
b) Como comunidade de santos é santificante;
c) Como instituição visível tem ritos regras e organização
d) A Igreja é histórica e itinerante; vive menos do passado porque
depende da atitude de fé.
Atualmente também ocorrem dificuldades em torno de outra polarização,
estabelecida entre “fé da Igreja” e “fé na Igreja”. Pelo primeiro aspecto, o “da” Igreja, implica em dois sentidos: a)
Sentido objetivo: que a Igreja crê a partir de um conteúdo de fé; a defesa
deste conteúdo foi mais incisiva e expressiva até o século XI, pois procurou
afirmar-se contra as heresias; b) Sentido subjetivo: que a Igreja é sujeito da
fé; a realidade da Igreja que crê. Dá a idéia da comunidade dos fiéis. Este
assunto envolve a questão do batismo de crianças: elas estariam sendo salvas na
fé da Igreja.
A Igreja que crê, é segundo Carlos Mesters, como caixa de ressonância de
um violão: sem esta caixa, “as cordas não produzem a música de Deus no coração
do leitor”. A Bíblia mesmo nasceu em comunidade e para a comunidade... A pessoa
de fé do primeiro testamento se sente membro do povo. O reino proclamado por
Jesus é comunitário; os escritos e a Eucaristia também. A decisão de acolher a
mensagem é comunitária. Já existia fé antes da Escritura; a fé da Igreja é
anterior e é maior que a fé dos indivíduos.
Quanto à fé “na” Igreja, apresentam-se, da mesma
forma, dois sentidos: Igreja como objeto de fé. Na verdade, a Igreja não é
objeto de fé, mas é lugar comunitário onde se realiza a fé dos indivíduos; pode
ser comparado ao húmus que leva ao nascimento, ao crescimento e à produção de
frutos da fé.
EPÍLOGO
Desde o surgimento da Igreja católica vem ocorrendo distintos
níveis de consciência, de profundidade na fé e de pertença a comunidades
cristãs e a toda a organização da Igreja. Evidentemente toda esta tensão
somente tem sentido na relação com Jesus de Nazaré, como manifestação do amor
de Deus por nós. Por isto, muito mais importante do que a opinião relativa ao
padre, bispo ou qualquer outra ação de serviço, importa a identidade e a razão
de ser da Igreja.
Dificuldades para viver a eclesialidade da fé não precisam ser
transformadas em razões de ruptura. Se tensões, conflitos e dificuldades nem
sempre adequadamente resolvidos, não significa que todas as críticas são
destruidoras a ponto de aniquilar a ação da Igreja como graça que rompe esta
situação de pecado. Graça e pecado se misturam nas mesmas comunidades
eclesiais, bem como tendências conservadoras, integristas se manifestam ao lado
de outras transformadoras e libertadoras. Ocorrem críticas justificáveis e
outras que podem ser contestadas. Com certeza, razões proféticas e teológicas
podem nos apontar um horizonte de esperanças para além do que ameaça a
fidelidade à Igreja.
BIBLIOGRAFIA
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Ad Gentes revisitado 40
anos depois de sua promulgação. In: REVISTA ECLESIÁSTICA BRASILEIRA, fasc.
261; janeiro de 2006, p. 115 a 136.
[1] As
mulheres eram excluídas e não podiam participar destas assembléias.
[2] Segundo Víctor Codina, em Para compreender a Eclesiologia a
partir da América Latina, p. 38, a palavra Ekklesia aparece três vezes
nos evangelhos, em Mt 16,18 e 18,17 e vinte vezes nos Atos dos Apóstolos, mas,
nos Evangelhos aparece mais de cem vezes a expressão Reino de Deus.
[3] Doutrina segundo a qual o único caminho de
acesso a Deus seria o do caminho conquistado pelo conhecimento. Em
conseqüência, fica de lado toda a mediação de Jesus Cristo e sua mensagem de
salvação...
[4]
Maniqueísmo já existia antes de Cristo. Esta doutrina, criada por Maniqueu,
defendia a existência de dois pólos a reger a vida: o bem e o mal. ‘Nós
estaríamos sendo disputados por duas forças contrárias: a de Deus que nos atrai
para o bem e a do diabo que nos atrai para o mal. Neste caso, seríamos meras
vítimas de uma disputa e rivalidade entre Deus e o Diabo. Isto provoca uma
passivismo falatista e tira da condição humana a responsabilidade pelos atos e
o compromisso pela construção do Reino. Se tudo depende das forças superiores,
o que caberia ao ser humano?
[5] Aos
poucos, o carisma do Espírito Santo, reconhecido como direito de todos os
batizados, foi sendo enquadrado na ministerialidade dos presbíteros, bispos e
diáconos. Em Corinto, por exemplo, ocorreu um conflito, porque muitas pessoas
não queriam aceitar as lições dos presbíteros. Clemente de Alexandria, então,
escreveu que os presbíteros deviam ser respeitados porque lhes cabia a
responsabilidade do bom andamento da comunidade. Também em Roma, o colégio dos
presbíteros, chamados “episkopoi” celebravam a liturgia e faziam serviços
diaconais. Na Alexandria, no Egito, apareceu no século II, ao lado do colégio
presbiteral, a idéia de um bispo responsável por todos os presbíteros do Egito.
No final do século (188-231), já havia bispos nomeados para todas as cidades do
Egito, o que significa uma alteração da função dos presbíteros, que ficam
atrelados a dioceses e estas ficaram dependendo, no Egito, do único Patriarca
da Alexandria. Já na África, a estruturação eclesiástica seguiu a civil.
Tertuliano passou a defender que, assim como existia uma lei civil, existia
também uma lei da fé. Era uma tentativa de legitimar a existência da
organização da Igreja. Todo o povo, junto com o clero elegia o Bispo. Este,
como no Império romano, passa a ser “ordinare”, ordinário e estável para o
exercício de um serviço. Parece que, aos poucos, os bispos passaram a ser
nomeados através da indicação de outros bispos. Na prática, a Igreja passou, ao
longo do século II, incorporando sempre mais a estrutura romana para a sua
própria organização e o bispo passou a ocupar o lugar dos colégios de
presbíteros (“episkopoi”). Com isto, a função de Pedro, como nas estruturas das
cidades, passou a ser considerada na perspectiva da ascensão hierárquica.
Na passagem do século II para o século III, ocorreu também uma significativa
mudança; ao lado da forma de animação de uma Igreja local, centralizada no
bispo cercado por um conselho presbiteral, o presbítero passa a ser chamado de
“padre”, como “visitador” que ia ao meio rural para celebrar a missa em
propriedades rurais. Com isso a função do presbítero, que morava na cidade e
estava ligado ao “colégio dos presbíteros” passa a perder espaço. Com a nova
característica, os padres começaram a ficar isolados, mas vinculados ao bispo.
Dali nasceu a noção que ainda hoje persiste, a de “padre diocesano”. Com esta
mudança, o padre passou a estar estreitamente relacionado com Eucaristia, pois
ele celebrava sozinho e não mais com os outros, tal como acontecia sob a noção
de colégio presbitetal, que concelebrava nas cidades. Ficou, então, restrita ao
bispo a tarefa profética, de anúncio e de governo.
[6] Pelo
menos, em parte, pois os primeiros concílios foram convocados e bancados pelo
imperador romano e até com controle sobre a participação de membros da Igreja.
Esta interferência passaria, mais tarde, a gerar a ruptura com a Igreja
Oriental. A ingerência romana envolvia uma disputa a partir do receio de
que Constantinopla viria a ser o centro da Igreja Católica. Por isso, tanta e
aparente bondade para vigiar e proteger a Igreja...
a) Concílio de Jerusalém (no ano 49) – É o chamado “Concílio Apostólico”.
Nele se definiu que alguém não judeu poderia ser cristão, sem passar pela
observância da Lei de Moisés, que entre outras exigências, pedia a circuncisão.
b) Concílio de Nicéia (ano de 325) - convocado pelo Imperador Romano,
porque se achava inspirado por Deus para proteger a Igreja, estabeleceu através
deste Concílio que não se admitiria o arianismo na Igreja.
c) Concílio de Constantinopla (381) – Foi realizado para resolver
problemas com os arianos e pneumatômacos e confirmar o concílio de Nicéia. Vem deste concílio, uma parte
dos adjetivos que rezamos no “Creio em
Deus Pai”: creio na Igreja “una, santa, católica e apostólica...”. Por
que estas palavras? Foi assim que entenderam o amor de Deus manifestado em Jesus Cristo. Estas quatro dimensões reveladas por Ele
teriam que ser também as quatro características da Igreja que tem Jesus Cristo
como fundamento, ou como cabeça.
Assim como se entendia a unidade de Deus (Pai Filho e Espírito) a
imagem trinitária era muito simpática para simbolizar a caminhada dos
seguidores de Cristo, a fim de que Deus pudesse ser tudo em todos. Mais do que uma afirmação, era o desejo a
Igreja deveria começar a ser aquilo para o que estava sendo chamada. Ao se
apropriar dos meios que Deus lhe deixou, a Igreja se tornava sinal desta
plenitude de Deus. Era, pois, um desafio para uma vida interior que pudesse
manifestar a grandeza de Deus. Isto evidentemente exigia um difícil trabalho de
procurar unidade na fé, nos sacramentos, especialmente a Eucaristia, e, na
comunidade, pois, o serviço e a ação humanitária construiriam o corpo de
Cristo.
A santidade foi pensada no mesmo contexto. Não
significa que não precisasse de purificação, de mudanças e de muita renovação,
mas sentia, no meio da fraqueza, o conforto da graça de Deus. Daí resultou,
também, a simpatia dos santos e das santas, glorificados por rica peregrinação
feita aqui na Terra. Em outras palavras, significava que a santidade de Deus já
começava a manifestar-se em muitos sinais aqui na Terra.
A catolicidade significava que a ação das
pessoas seguidoras de Cristo teria que ser autêntica e universal. Mais do que
pequenos grupos fechados, espalhados por muitos lugares, teriam que enunciar a
mesma sabedoria de Deus, que estava oferecendo chance de salvação para todos.
Portanto, a catolicidade , mais do que afirmação, indica serviço a ser feito
para acontecer uma paz universal. Significou, primeiro, missão nas comunidades,
boa relação entre as comunidades, para, então, irradiar vínculos para além das
comunidades. A boa afinidade entre as comunidades estaria sendo realizada
catolicidade de fato.
A apostolicidade – significava seguir as orientações
que vieram dos apóstolos, ou seja, apropriar-se da herança que Cristo lhes
deixou: que todos fossem vigários de Cristo, ou, um povo sacerdotal. Com o
passar dos séculos, a apostolicidade deixou de ser pensada como tarefa para
todos os batizados e passou a ser atribuída mais para padres e bispos. Hoje
entendemos que a apostolicidade significa comunhão das Igrejas locais,
presididas por um bispo, que participa de um colégio episcopal, unido ao Papa.[7]
d) Concílio de Éfeso (431) - realizado contra as
posições de Nestório e os seguidores dele que se refugiaram na Pérsia e
avançaram para a Índia e China. O nestorianismo defendia que a Igreja não tinha
nada de divino. Ela seria apenas uma organização humana como tantas outras.
Este concílio também condenou o pelagianismo.
e) Concílio
de Calcedônia (451) – realizado
contra Êutiques e Nestório, passou a defender que na pessoa de Jesus Cristo
subsistem o humano e o divino. A concepção, chamada “monofisista” defendia que
Jesus era apenas de natureza divina, e por isto, tinha toda a facilidade de
fazer o que fez na condição humana...
f) Concílio
de Nicéia – ocorreu em
787 e condenou a exigência de destruição das imagens e também, a proibição de
veneração das imagens. Desde 730 começou uma polêmica de condenação do uso de
imagens, uso incrementado e incentivado pelos monges. O imperador Leão Isáurico
exigiu a destruição das imagens. Isso criou divisão na Igreja. O teólogo João
Damasceno defendeu o uso das imagens e condenou a interferência do imperador.
Em 754 o imperador Constantino V convocou um sínodo de 338 bispos, mas, sem a
participação dos bispos dos principais centros como Roma, Jerusalém, Alexandria
e Antioquia. Resultou deste concílio que todas as imagens deveriam ser destruídas.
Foi então que o Papa Estevão III revogou a decisão dos bispos do sínodo. Em
Nicéia, definiu-se, no Concílio, uma distinção entre “veneração” (aos
santos) e “adoração”(só para Deus).
g) Concílio
de Trento (1545 a 1563) – o 19º concílio – estabeleceu limites quanto
a temas levantados por Lutero, como a justificação da fé, pecado original e
sacramentos. Ele também declarou como inválidos e ilícitos os casamentos
clandestinos. Estabeleceu regras para o ministério dos bispos, obrigando-os a
ter residência e o cuidado de apenas uma diocese para melhor acompanhar e
formar o clero.
h) Concílio
Vaticano I (1870) – decretou o
dogma da infalibilidade papal (dos 774 padres conciliares, 140 votaram contra)
enquanto doutor supremo e pastor da Igreja.
i) Concílio
Vaticano II (1962- 1965) - com
participação de 2.400 bispos e outros observadores, este concílio apresentou
mudanças profundas através de quatro constituições: sobre Liturgia, sobre
Revelação; sobre a Igreja sobre a função da Igreja no mundo, além de outros
decretos e declarações. Adiante, no item oitavo deste texto, destacam-se alguns
aspectos importantes deste Concílio.
[8] A
reforma Gregoriana de fato levou os padres, no geral, a uma vida mais simples e
pobre, como indivíduos, mas, com isso mesmo, os grupos religiosos se tornaram
mais fortes e poderosos do ponto de vista econômico. Assim, diminuiu a crítica
aos padres, mas aumentou a crítica contra a riqueza da Igreja. Na sociedade
daquela época criou-se um grande fosso de separação entre ricos e pobres.
Poucos ricos camponeses e muitos pobres sem ocupação.
[9] Em As sete palavras chaves do
concílio Vaticano II. In:
REVISTA VIDA PASTORAL, julho-agosto de 2005, no. 243, p. 17-22.
[10] Em Linhas
mestras do Concílio Vaticano II. In:
REVISTA DE VIDA PASTORAL, julho-agosto de 2005, no. 243, p.13-16.
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