domingo, 13 de outubro de 2013

O Fritz malandro

Na escola Fritz aguentou até a terceira série do curso fundamental. Era bom aluno somente nos intervalos e nas idas e vindas da casa até a escola. Não tinha jeito de aprender algo do programa de aulas, pois ficava se distraindo, o tempo todo, olhando para as meninas e comentando a respeito de qual delas poderia ser sua melhor futura esposa. Fritz tinha antecedentes para ser daquele jeito, pois Adalbert, seu pai, era conhecido como mentiroso e velhaco. Era um antigo empresário de transportes, nos tempos em que uma carrocinha puxada por dois burros se constituía no mais fácil meio de exportação da banha de porco para os lados do Rio Grande do Sul. O avanço tecnológico de boas estradas e de caminhões ainda não tinha chegado naquelas paragens do oeste catarinense. Como sempre andava na estrada, fazendo transportes na pequena carrocinha de tração animal, Adalbert costumava levar banha de porco e trazer fretes da cidade de Irai, no Rio Grande do Sul, especialmente de café, de açúcar e de sal. Como era estradeiro, não sobrava a Adalbert o tempo necessário para plantar milho e pasto a fim de alimentar bem os burros. Por isso, costumava parar na beira da estrada e colher espigas de milho que os outros plantavam. Assim também fazia com pasto e com cana. Quando alguém o flagrava no roubo, conseguia deixá-lo ingenuamente embaraçado porque alegava que não poderia deixar seus burros morrer de fome. E já puxava outra conversa animada para desviar possíveis cobranças ou xingamentos. O Fritz, filho do Adalbert, era um tipo cômico por natureza. Sabia, desde menino pequeno, modular a voz como se fosse homem adulto e também não se atrapalhava para falar com ninguém. O lugar onde era mais versátil era na beira do campo de futebol fazendo apreciações do jogo, das jogadas, dos jogadores e da torcida que o rodeava. Provocava risos a toda hora. Como não era sério, em campo, em vez de empenhar-se em torno da bola, ocupava-se nas gracinhas com os adversários. Se na escola Fritz era literalmente nulo para aprender qualquer coisa, era, entretanto, fora da escola, um menino travesso e se mostrava extraordinariamente versátil nas idéias e besteiras que sabia falar. No trabalho Fritz não rendia nem para custear o sal do feijão que comia. A ausência do pai não o fez aprender a ser regular no serviço da lavoura. Casou muito cedo, pois, o que mais pensava, desde menino pequeno, era isso mesmo. Depois de casado, sem demora, começaram a correr os boatos relativos à preguiça do Fritz e às falcatruas que fazia nos negócios. Um destes processos fraudulentos envolveu sua única porca de criação de suínos. Como estava num aperto econômico, resolveu engordá-la. Ao atingir cerca de trezentos quilos, foi a um comerciante para vendê-la e pediu o dinheiro adiantado, alegando necessidade urgente para quitar uma dívida hospitalar envolvendo sua esposa. Como o negócio deu certo, foi logo procurar outro comerciante comprador de porcos e lá repetiu a lamúria e saiu com o dinheiro adiantado. Satisfeito com o êxito, foi a um terceiro comprador de porcos e alegando as mesmas razões, conseguiu vender a porca para ser retirada dentro de alguns dias, na sua casa, e recebeu o dinheiro adiantado. Ao chegar à sua residência, comentou que de qualquer forma os três iriam procurá-lo para receber ou o dinheiro ou a porca. Para evitar problema com pelo menos dois que ficariam logrados, resolveu gastar rapidamente o dinheiro e matou a porca para fazer lingüiça, boa reserva de carne e ainda um churrasco, para o qual convidou os vizinhos. Não demorou muitos dias e o caso do Fritz foi parar na polícia. Aberto um inquérito policial, Fritz teve que providenciar um advogado para defender-se. O advogado orientou-o a se fazer de abobado mental. Ele gostou da proposta, pois, isto ele sabia fazer como poucos neste mundo. No dia da audiência, o Fritz deixou todo mundo atrapalhado: ia andando de um lugar para outro como se viajasse no rumo do dedo indicador em riste, e, como um menino pequeno faz seu auto de brinquedo andar por todo lado, tanto parede acima quanto abaixo, o Fritz ia passando de um lado para outro, passava o dedo no nariz dos três comerciantes logrados e, quando o juiz o interpelou, não deu nenhuma resposta e foi continuando a passar o dedo sobre o seu nariz, seguindo a fazer o mesmo nos advogados e desconcertando o ambiente. O juiz irritado mandou-o embora. Ele fez de conta que nada ouviu e persistiu nos seus movimentos ondulatórios com o dedo indicador, ora fazendo-o subir pela parede, ora passando-o na mesa da audiência, ora no bolso das pessoas e ora sobre a cabeça deles. Como fora considerado louco varrido, a sessão foi encerrada sem nenhum encaminhamento. O advogado de defesa, então, levou-o até na sua residência, passando por uma estrada de péssimas condições de trânsito. Quando Fritz já ia descendo do carro, o advogado o interpelou a respeito da cobrança do seu serviço de advocacia, da despesa de transporte, e, neste momento, Fritz fez o desfecho solene da sua encenação: começou a passar o dedo no nariz do advogado, no carro, no ar, e foi andando, rindo e debochando do advogado em alta voz, como se de fato tivesse sérios transtornos mentais. Tudo não passava de mais uma malandragem. Foi aí que o advogado percebeu que a orientação dada, fora eficaz para evitar a condenação do Fritz, mas, fora também um golpe no qual ele saiu tão logrado quanto os três comerciantes.

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