domingo, 13 de outubro de 2013

O menino galante

Gilberto era um menino normal como tantos outros. Gracioso, polido e elegante, ao entrar na adolescência, e, quando já começaram a aparecer, entre o penhasco do nariz e a cavidade vulcânica da boca os efeitos das lavas advindas das profundezas do sangue, os primeiros sintomas de virilidade masculinidade, estes também deixaram na sua passagem incipientes fiozinhos de bigode para tornar Gilberto mais patusco do que já era e acabaram afetando igualmente seus olhos para torná-los mais acurados e mais propensos a auscultar as rutilantes incandescências femininas. Como era costume da vida rural, os meninos tinham a tarefa de caminhar alguns quilômetros até uma casa comercial para fazer as compras. As casas comerciais vendiam um pouco de tudo: tecidos, sementes, alimentos, remédios, materiais de serviço, roupas feitas e até balas e bebidas. Como os meninos geralmente eram muito distraídos e sem memória, os pais costumavam escrever num bilhete todos os itens que eles deveriam comprar. Gilberto foi até a casa comercial da dona Candinha, mulher faladeira que sabia todas as informações da redondeza e sabia muito bem fazer as informações fluírem para todos os lados porque constituía a agência central dos fluxos de informação da comunidade. As lidas de venda tornaram-na ágil e esperta para agradar os clientes e lhes passar alguma informação de forma gentil e significativa. Enquanto Gilberto ia lendo um item, dona Candinha rapidamente ia preparar o material solicitado e o deixava sobre o balcão. Assim, ajuntados diversos pacotes de alimentos e de outras bugigangas, dona Candinha começou a elencar os produtos com os devidos preços para que os pais de Gilberto pudessem averiguar os preços de cada item comprado e conferir o saldo final dos custos. Enquanto dona Candinha anotava, inclinada sobre o balcão e, no exercício redacional e contábil dos produtos, como usava uma blusa leve e solta, sem se dar conta, acabou deixando seus enormes seios bem visíveis ao olhar do menino Gilberto, postado à sua frente. Encerrados os cálculos, dona Candinha pediu a Gilberto como que se encontravam seus pais, mas ele, de tão atento que estava na observação dos seios, acabou falando da sua impressão: “Iche”, eles são bonitos e bem grandões! Dona Candinha olhou para o menino e viu que ele estava com o olhar obcecado e fixo em seus seios e, ao baixar os olhos em sua direção viu que estavam amplamente expostos, num supino instante, passou sua mão no então chamado “pau de metro”, um bastonete de madeira para medir tecidos, e desferiu-lhe um violento golpe sobre o dorso de Gilberto. Ele só emitiu gemido meio aturdido e caiu, imediatamente, no chão onde ficou desmaiado. Dona Candinha assustada com sua reação tão repentina e compulsiva, somente conseguiu balbuciar antes de embalar um choro: logo este piá virado em tiquinho! Com muita ajuda de outras pessoas que ali se encontravam, além de água e abanação de toalha para ventilar e ajudar o menino voltar a respirar, o ambiente virou num bulício e num rumor inquietante. O pior é que nos ombros do menino ficou um vergalhão, pois as quinas do bastonete abriram-lhe o couro, donde escorriam gotas de sangue. Dona Candinha, apavorada, desapareceu do mapa, mas seu marido e outro homem pegaram o menino e rapidamente o levaram ao hospital a fim de que lhe fosse feito um curativo. O problema viria agora: como não perder um cliente e como levar a encomenda e o menino na casa dos pais e explicar o episódio, sem causar outra reação violenta? A volta do Hospital demorou cerca de duas horas. Carregaram, então, as encomendas e o menino na caminhonete Bandeirante da Toyota e os conduziram até a casa de seus pais. Ao chegarem lá, Pedro, marido de Candinha, começou logo a explicar o episódio ocorrido e foi se justificando e pedindo mil perdões pelo ato descontrolado de sua esposa que teria se excedido na reação à simples curiosidade do menino que, atônito diante dos seios de Candinha, levou uma bordoada, com força desproporcional, o que fez demorar o regresso do menino. Pedro também se ofereceu para custear quaisquer outras despesas que pudessem advir dos efeitos da “paulada” de Candinha sobre o dorso do menino Gilberto, e, mesmo num certo desconforto, o assunto ficou amenizado. Só não amenizou para o menino esperto que era Gilberto, pois a partir do episódio, ele se tornou, pelo novo batismo de sangue, alvo da substituição do nome, pois, dali para frente, passou a ser conhecido na redondeza pelo nome de Tiquinho.

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