Entre os tubérculos do uso cotidiano da culinária
brasileira, certamente nenhum se presta melhor do que a mandioca para
costumeiros comentários.
Quer seja chamada de aipim, de
macacheira ou de maniveira, a mandioca, uma das plantas da família das
euforbiáceas, é rica fonte de amidos e, seus tubérculos radiculares, geralmente,
protuberantes e alongados, prestam-se, sobretudo, para conversas de duplo
significado, especialmente nos jantares e nos almoços festivos.
Teriam estes tubérculos,
mais moles ou endurecidos, algum poder mágico, afrodisíaco, ou exotérico, capaz
de despertar uma meta-linguagem tão ampla?
Sabe-se que dentre as
inúmeras variedades destes tubérculos, uns são venenosos, alguns apresentam
coloração esbranquiçada, outros, amarelada e, dependendo das características do
solo, uns são mais fibrosos e outros mais polpudos.
A mandioca fornece variados
subprodutos da alimentação cotidiana e básica. Pode ser da mandioca brava ou da
mandioca doce; da mandioca mansa ou da mandioquinha; do quintal ou do mandiocal;
da farinha, ou da farofa; da fécula, ou do polvilho; do polvilho doce, ou do
polvilho azedado; do amido ou da tapioca; da goma ou da farinha amilácea; da
farinha d’água ou do beiju; de beiju moqueca ou membeca; da beijucuruba ou do beijuguaçu;
ou, ainda, do líquido fermentado e azedo que indígenas preparam para
inebriar-se e, eventualmente, embriagar-se nos momentos festivos. Pode ainda o
subproduto alimentar ser da folha tostada para as misturas poli-vitamínicas que
salvam a vida de crianças e pessoas subnutridas; ou da mandioca simplesmente
cozida na água ou cozida e fritada; da mandioca com sal ou sem sal; e, do bolo
de mandioca ou da sua massa como ingrediente básico para maionese na ausência
de batatinha inglesa.
Como tantas outras palavras
portadoras de sentidos ambivalentes, os significados em torno da mandioca
aparecem especialmente nas tênues modalidades de expressão. Se uns a apreciam
ao lado das carnes gordurosas, picantes e bem temperadas, com sal ou sem sal, isto
até não é muito relevante; mas, o que certamente não foge da costumeira
conversa é a apreciação do estado físico dos pedaços de tubérculos da mandioca servida.
Aí, sim, o assunto tende a ser o mesmo: ou porque esta mandioca está dura ou
porque está mole. E a digressão da conversa rapidamente enreda para o dono da
mandioca ou para quem a deixou mais sólida, rígida ou amolecida.
Curiosamente, não é conversa exclusiva de
homens, ou só de mulheres, aliás, será que em algum ambiente festivo este
assunto não envolve comentários e muitos olhares que se cruzam e se entrecruzam
com certa malícia?
Poder-se-ia, pois, concluir
que a mandioca, de fato, tem um poder afrodizíaco superior ao do amendoim ou de
qualquer outra iguaria das refeições festivas. Este poder, todavia, não resulta
tanto da composição química destes multi-utilizáveis tubérculos, quanto da
força da persuasão da aparência física. E o que estaria a revelar esta forte
incidência? Seria tal meta-linguagem um sintoma dos desejos eróticos, que se
ativam, mais do que em outras circunstâncias, quando misturadas às múltiplas
fantasias que se propiciam nos momentos festivos? Ou seria uma expressão quase compulsiva das
dificuldades que são amargadas no âmago da interioridade e sobre as quais, nem
na cama e nem em outros momentos, os casais encontram coragem para
explicitá-las?
Pode-se facilmente imaginar
que a capacidade de partilhar sentimentos de fracasso ante a mitologização do
orgasmo, da potência viril e juvenil, seja masculina ou feminina, é assunto delicado,
porque tal partilha pode favorecer que o companheiro ou a companheira usem tal
declaração como arma colonizadora, de cobrança e até mesmo para mapear
preconceituosamente sua conduta. Facilita um deslocamento: “por que você não funciona?”
Desloca-se, assim, o problema pessoal para o suposto problema da outra pessoa.
Neste caso, a partilha poderia inibir cada vez mais o efeito esperado, porque o
ato relacional já não estaria se movendo por amor ou paixão, mas, por uma
rigorosa cobrança de compromisso de êxito: você tem a obrigação de propiciar
muito prazer para mim!
O medo de não corresponder à
expectativa alheia, leva ao silêncio sobre estas frustrações. Afinal, poderia
alguém falar à vontade à sua “cara-metade” que não consegue orgasmo ou que o
obtém precocemente, ou sem satisfação, sem pressupor que, com isso, seja
colonizado, espoliado e, até sujeito a ficar relegado, para dar à outra
“cara-metade” o direito de procurar uma terceira pessoa que a complete com mais
prazer na cama?
Quando o imperativo da
obrigação de propiciar satisfação a outra pessoa se impõe, esta cobrança vai
despertar neuroses inibidoras, sejam masculinas ou femininas.
É possível que a polarização
das conversas em torno da mandioca, nas horas festivas, esteja funcionando como
processo catártico, porque o assunto envolve dois aspectos: de um lado, os
cheiros, os perfumes, os trajes e a descontração, certamente oferecem um
elevado potencial estimulador da energia sexual ou da libido, para fantasias
mais íntimas e complementares, pois esta grandeza humana, nos momentos festivos,
permite às pessoas reportar-se para outros mundos possíveis. Por outro lado,
pode-se também imaginar que o clima de descontração da festa permita extravasar
o que normalmente não se conversa, pois, com caipirinha e os aperitivos mais
picantes, sobretudo, quando acompanhados por alguma outra bebida alcoólica,
formam um potente inibidor ou diluente das censuras do subconsciente sobre o
insconsciente e, deste modo, autorizam o insconsciente a soltar o que realmente
está em jogo: o grande mito de nossos tempos, vendido e divulgado por todos os
meios de comunicação, não satisfaz. Este mito insinua que a felicidade eqüivale
a relações exitosas e que o desfrute no relacionamento sexual, segundo a
conhecida “lei do Gerson”, deve levar a vantagem em tudo! Tal atribuição de
causa não permite reconhecer que o instrumento viril masculino está mais ou
menos capaz de manter-se erétil e satisfazer anseios femininos mais profundos,
pois a falta de diálogo e a capacidade de criar um clima de bem-querer levam a
um embotamento dos dois lados. Explicitar este desconforto tão íntimo, tão subjetivo
e tão arriscado, cria medos, e, por isto mesmo, a mandioca, mais do que por
suas riquezas nutricionais e suas variáveis na adaptação de iguarias
alimentares, impregna-se de um poder fantástico, que desperta dos baús do
inconsciente, que, em torno do “duro” e do “mole”, há incontáveis seres humanos
precisando exteriorizar, de maneira sutil e irônica, uma desconfortável
decepção com o que cotidianamente acontece no âmbito da cama.
Por este benéfico serviço, a
mandioca cozida já deveria ser merecedora do reconhecimento de utilidade
pública, quem sabe com a declaração do “Dia da Mandioca” e, com direito a
assegurar desconto nas horas psicoterapêuticas.
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