quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Fé e tentação de mandar



            Parece cada dia mais insensato o convite de Jesus Cristo, feito aos discípulos, para um modo de ser específico: ser servo! Se o convite intriga os interlocutores de hoje, simultaneamente, se presta para uma constatação: falta fé para esta estranha opção, diante de um mundo cultural que endeusa poder e a condição de ditar a conduta dos súditos.
            Um texto muito antigo do profeta Habacuc (Hb 1,2-3; 2,2-4) revela seu perfil de fé com pressuposto de poder: insatisfeito com a impiedade e as injustiças do povo e, possivelmente, com a eficácia do seu trabalho, quer que Deus evite que o povo de Judá viva de forma tão desencontrada. O retorno deste pressuposto foi uma intuição de que Deus, ao invés de atender a súplica do profeta, apontava para algo ainda mais grave: este povo acabaria sendo exilado para a Babilônia. Era algo que Habacuc sequer queria imaginar, mas, ao mesmo tempo sentiu a interpelação de Deus: não é Deus que precisa prestar conta para aquele possível infortúnio, mas, caberia aos fiéis manter-se na fidelidade da sua fé, porquanto este itinerário seria capaz de propiciar justiça a partir dos justos.
            A mensagem de Cristo levou os discípulos a torcerem o nariz porque certamente esperavam alguma precedência através do discipulado, regada com honras e muitos poderes. Ao serem convidados para se assemelharem a empregados, que cumprindo suas tarefas, no fim do dia, ainda teriam que continuar a trabalhar, os discípulos se deram conta de que lhes faltava fé básica para tal abnegação.
            Nossos dias ostentam uma cruel relação dos serviços com preços exorbitantes e, já se torna raro encontrar alguém que preste algum serviço sem exigir a devida remuneração. Sob este quadro, a lealdade ao projeto de Jesus Cristo, também encontra um limite: falta fé! Não só os serviços gratuitos somem do panorama social, mas, também todos aqueles que não impliquem em afirmação do poder para reger a vida dos outros. E, como os discípulos, nos damos conta de que para perseverar na convocação de Cristo, somente com uma humilde constatação de limites: “Senhor! Aumentai a nossa fé”.

            A fé, muito mais do que meio para obtenção de privilégios e vantagens gratificantes - geralmente não alcançáveis por outros caminhos, - provavelmente supõe constância na fidelidade, mais do que insistência para que Deus mude as coisas segundo nossos interesses pessoais.

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Moçoila



Como pode uma feição facial tão bela,
Extravasar tanto ódio em raivosa trela?
No regaço das lágrimas da intolerância,
Brilham pômulos faciais de exuberância!

Sem reservas do hormônio da serotonina,
Exaurida na explosão do corpo de menina,
Abre-se ao infinito a fantasia da grandeza,
Mas fica atordoado o controle da inteireza.

No efeito revolucionário da progesterona,
Ativa-se um vulcão do desejo que detona,
Toda regra de limite e respeito ao palpite,
Para a ebulição do sonho como dinamite.

Tudo o que pode vir dos pais nada presta,
E a mãe passa a ser uma tola sem aresta,
Teimosa na burrice que coíbe todo prazer,
E contra o livre arbítrio da filha para o lazer.

Na contrariedade que vem de todos os lados,
Com muitos alertas e os previdentes recados,
As asas da autonomia sem responsabilidade,
Começam a alçar voo para o que é novidade.

Sem a auto-crítica e sem o jogo de cintura,
Somente entusiasma galanteio sem lisura,
E aborrece para além da suportabilidade,
Qualquer meneio não favorável à vontade.

Deste vulcão de novidades imprevisíveis,
Emergem tantas virtualidades indizíveis,
Que cindem uma identidade tão genuína,
Com uma nesga da generatividade divina.






terça-feira, 27 de setembro de 2016

Limoeiro



A alvura das discretas flores,
Emite tão agradáveis odores,
Que faz esquecer tantos ares,
De ácidos e cretinos olhares.

Na virtual eclosão dos frutos,
Gesta-se o vergel de atributos,
Dos componentes saudáveis,
Para os sucos tão apreciáveis.

Vai também uma expectativa,
De uma agradável prospectiva,
Para misturar o sumo da fruta,
E saborear uma caipira arguta.

Na ponderada e saudável dose,
Distante dos efeitos da overdose,
Produz-se a diluição das agruras,
E até de indesejáveis amarguras.

Torna-se sacramento de conversa,
Para a soltura duma dor adversa,
E para extravasar a mágoa retida,
De alguma ocasião controvertida.

Também floreia os pensamentos,
E lhe aponta renovados intentos,
Para transbordar a exuberância,

Advinda desta suave fragrância.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Velho lampião



Na recordação do teu significado,
Ilumina-se um vasto e rico legado,
Das noites de propalada interação,
E dos andejos claros da locomoção.

Se a luz tênue nem sempre espargia,
A suficiente claridade que se queria,
Permitia, entretanto toda segurança,
Para atenuar qualquer desconfiança.

Sua luminosidade um tanto sumida,
Facilitava o simulacro da dura lida,
De acobertar as mentiras evidentes,
E tamanho das provas concernentes.

Ajudava a retomar obscuras memórias,
Dos grandes feitos e das belas vitórias,
E até das nuances de medos preteridos,
E das valentias dos percalços vencidos.

Sua dependência direta ao combustível,
                                                  Exigia proteção do vento não dirigível,
E necessária previdência para assegurar,
Um caminho seguro de retorno até o lar.

Hoje como adorno que ativa o antanho,
Parece um trambolho arcaico e estranho,
Mas desperta uma saudade bem intensa,
Que ativa os mundos de bondade imensa.


sábado, 24 de setembro de 2016

Peregrino



Nos limites que lhe foram imputados,
Anda solitário por caminhos inusitados,
E foge de situações opressoras da vida,
Porque povoam com dissabores a lida.

O sentimento afetivo básico herdado,
Deixou-lhe itinerário de sofrido legado,
Com o qual anda e desanda nos alentos,
Sem encontrar amparo para os intentos.

Jogado à própria sorte das vorazes lutas,
Não encontra em suas cansativas labutas,
A genuína fonte para alargar a dignidade,
E sucumbe sob uma sorrateira maldade.

Os proclamados sentimentos de respeito,
Geralmente escondem a ação de despeito,
Da violência disfarçada nas vis bajulações,
Que impregnam os interesses e rejeições.

Instado a começar de novo sob o novo ar,
Onde a virtualidade possa enfim desandar,
Peregrina sob os anelos profundos da alma,
Para fruir respeito enriquecedor de calma.

Na contingência de estar sempre aquém,
Dos insondáveis desejos a mostrar o além,
Vai o peregrino colecionando memórias,
Dos intentos e das satisfações provisórias.






sexta-feira, 23 de setembro de 2016

O cultivo da avareza



            O apego sórdido a posses e a mesquinharia diante das possibilidades de praticar a generosidade, fazem, certamente, parte de uma esganação aprendida do ambiente de socialização do bloco familiar e, posteriormente, estimulado no ambiente de convivência social.
            O profeta Amós, a uns oitocentos e tantos anos antes de Cristo, já se referia ironicamente às “vacas de Basã” para contestar o luxo em que mulheres daquela época viviam, e, sem a menor sensibilidade diante da verdadeira catástrofe que se abatia sobre o povo do país, com a invasão assíria. Amós previa que estas pessoas (mulheres e seus maridos) - obcecadas e distraídas no luxo e no consumo frenético no auge da fome do povo, - deveriam receber a incumbência de constituírem as primeiras a puxar as filas dos exilados para sair de Israel e trabalhar como escravas na servidão do país invasor.
            Amós salientava em contrapartida que um antigo gesto, o de José, um judeu que havia sido vendido como escravo ao Egito, - e que teria todos os motivos para revelar-se insensível ao povo que o ignorou e o expatriou - ao saber da necessidade que o povo de Israel passou diante da seca terrível, mostrou-se humanitário e generoso. José mandou abrir, imediatamente, as portas dos silos para que o povo faminto pudesse ser atendido e livrar-se da fome.
            O evangelista Lucas, ao repassar os ensinamentos de Jesus Cristo para as comunidades dos seus discípulos, espalhadas, sobretudo, na região norte de Israel, lhes narrou uma parábola utilizada por Jesus Cristo (Lc 16, 19-31) e que servia de alerta para não entrar no antigo esquema das clássicas “vacas de Basã”. O rico insensível diante do pobre Lázaro mostrou-se tão arredio que em nada se sensibilizou para ajudar o pobre. Na imagem da inversão, já no seio de Abraão, o egocêntrico veio a desejar que Lázaro pelo menos lhe molhasse o dedo com uma gota de água para amenizar a escaldante temperatura infernal em que se encontrava e desejava que Lázaro alertasse seus irmãos a fim de que pudessem evitar, antes da morte, este processo de distanciamento dos pobres através da acumulação doentia.
            Na resposta dada por Lázaro está o ensinamento de Jesus Cristo: se com tudo o que Moisés e outros profetas alertaram no passado, iriam os irmãos do rico empedernido acreditar no ensinamento de Cristo para serem mais solidários?
            Insensibilidade similar à antiga nos é apresentada diariamente nas notícias relativas à riqueza e corrupção de pessoas que já possuem muitos bens e sob as conversas de ajuda ao povo, o sugam e o exploram à extrema exaustão. É a mesma afronta. Mas, onde teria lugar para todas estas “novas vacas de Basã” viverem na condição de escravos?


quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Bisnaga de bom humor



Entre as incontáveis ofertas milagreiras,
Das curas e suas mudanças alvissareiras,
Que vão do imagético até o afrodisíaco,
Tudo parece solucionador e paradisíaco.

Falta, porém, encontrar um componente,
No meio de tanta expressão descontente,
Que permita um milagrezinho bem supino,
Para dissuadir o veneno do humor cretino.

Como o humor depende mais do entorno,
Do que do artificial e produzido contorno,
Poderia algum frasco dum spray inalador,
Disseminar reagentes contra qualquer dor.

Mas nem ausência de dor seria suficiente,
Para um estado sereno, calmo e contente,
Por que até o passado distante e remoto,
Permite ativar nas emoções um terremoto.

Ainda que nas indeléveis boas recordações,
Aflorassem as bem humoradas emanações,
Restaria o campo da antecipação do porvir,
Para ser inoculado por um prazeroso devir.

Assim, nem bisnaga ou milagre que enfada,
Assegura plena justeza do que muito agrada,
Porque o antídoto para qualquer mau humor,
Não afeta todos os campos do nosso interior.



quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Ipê amarelo



Despontas belo e exuberante,
Sobre vasto mato empolgante,
E mais que coloração amarela,
Seduz a imponência sem trela.

Diante das árvores esmaecidas,
Até pelas chuvas tão sumidas,
Tu prenuncias o fim da secura,
E transformas seiva em ternura.

Quando a vida parece extenuar,
O limite que suporta aguentar,
Tu revitalizas a seiva dormente,
E reages com vigorosa torrente.

Numa fecundidade exuberante,
Impregnas-te do belo vibrante,
Para seduzir distraídos olhares,
E inocula-los de renovados ares.

Quando outras plantas reagem,
E com belas flores interagem,
Tu já fazes soltura de sementes,
Para renovar áridos ambientes.

Na antecipação vital da esperança,
Apontas a direção da temperança,
Que indica o seu peculiar segredo,
Duma exuberância sem arremedo.







terça-feira, 20 de setembro de 2016

Espelho



Tão volátil na memória,
Não lembra uma glória,
Que refletiu no instante,
Da grandeza extasiante.

Já esqueceu a imagem,
E o lustre da miragem,
Deixa de ser glorioso,
Nos ares de majestoso.

Nem lhe aponta a dor,
Do olhar desalentador,
Para aceitar o fracasso,
Do inesperado amasso.

Atrelado só ao presente,
Vive pobre e renitente,
Sem intuir que à frente,
Existe o rumo diferente.

Nem mesmo aviva fatos,
Dos momentos pacatos,
E das crises integradas,
Com as forças inovadas.

Como a memória desliza,
Longe de qualquer baliza,
Fica presa aos momentos,
Dos recalcitrantes alentos.

Carece da rica memória,
Das ocasiões de inglória,
Vencidas e reintegradas,
Por energias associadas.







segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Nos embates racionais



Jovens optantes à vida matrimonial,
Desejam a plenitude do amor vital,
Mas com poucos anos de partilha,
A racionalidade explode e fervilha.

Um pressupõe o outro conhecer,
E sabe o lado sensível enternecer,
Para ferir o âmago da fragilidade,
E ali soltar o veneno de maldade.

Assim armam-se ataques racionais,
Todo dia mais aguerridos e frontais,
Que ninguém vence algum embate,
Mas tampouco desiste do combate.

Cada um sabe onde machucar mais,
Para vingar cobranças justas e reais,
Mas, tão ferido e magoado no limite,
Não consegue integrar valido palpite.

O sentimento de amor some da vida,
E o desgaste rala a palavra preterida,
Que transforma a mágoa progressiva,
Em mordácia felina e mais agressiva.

Brilha então a tentação de outro amor,
Belo lenitivo para livrar-se do dissabor,
Mas, do real sentimento de insucesso,
Logo se chega a inibir todo progresso.

Sem o cultivo da capacidade de perdoar,
Pouco se pode do acasalamento esperar,
Pois sem projetos de vida para construir,
Tudo se delimita a um provisório usufruir.


sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Riqueza injusta


            O rumo da evolução humana não é linear, mas, facilmente volta a tempos de milhares de anos atrás para repetir as mesmas fraquezas e erros, depois de ter vivenciado consideráveis avanços e antecipar que outros maiores viriam pela frente.
             Tivemos ao longo dos últimos meses um curso intensivo da política pública nacional brasileira, sobretudo, a respeito de como se pode roubar, ser corrupto, salafrário, falso, mentiroso, transgressor das regras estabelecidas e passar imune ou com foro privilegiado diante dos critérios de justiça.
            Especialmente a psicopatia cínica de Eduardo Cunha explicitou exaustivamente à nação brasileira que para muitos mandantes o justo, o correto, o certo e o bom é o que eles movem em seus desejos mórbidos. Com isso, a desfaçatez se revelou como procedimento diário e cotidiano na administração dos bens públicos. Enquanto isso, um povo cada dia mais sofrido e limitado sob os abusos de administradores, sente-se refém e sem capacidade de pleitear o mínimo necessário para sobreviver e levar vida modesta e discreta.
            No século VIII antes de Cristo, o profeta Amós revelava uma administração marcada pelos mesmos pecados. Apesar de praticantes dos preceitos religiosos daquele tempo, as autoridades os realizavam apenas no campo das aparências, mas, em suas ambições, não havia nem preocupação e nem ação efetiva em favor do povo sofrido.
            Nada do que as autoridades daquele momento faziam correspondia a um bom sentimento em favor de todos. Eram rápidas e espertas para mudar medidas, para adulterar pesos e fazer tudo quanto a cultivada argúcia da malandragem apontava como vistas a ser tornarem mais ricos e mais poderosos. O pior é que exteriormente exibiam boa prática religiosa nos momentos religiosos festivos. Neste formalismo de aparências tornavam-se até irônicos e cínicos com a vida dos oprimidos, pois, tudo não passava de vaidade interesseira, cultivada para explorar ainda mais e melhor o povo já no limite da tolerabilidade diante da espoliação.
            Jesus até usou uma historinha para educar seus discípulos (Lc 16, 1-13) a fim de que fossem muito espertos, mas, para uma finalidade muito diversa: para fazer o reino de Deus espalhar-se e produzir melhor convivência humana. O conhecido traço da caridade deveria gestar uma satisfatória e justa convivência a fim de que o julgamento pudesse ser bom.

            Por outro lado, Jesus dava a entender que o uso das riquezas deveria favorecer não apenas a algumas pessoas mandantes, mas, a muitas pessoas com vistas a alargar o leque de pessoas amigas e ainda desfrutar da cordialidade do bem-estar com elas.

Pregoeiros do Espírito



Sob a teologia da prosperidade,
Difunde-se petulante maldade,
Duma suposta dádiva especial,
Concedida do espírito celestial.

Mais importante que a origem,
É a magia da astuta vertigem,
De poder auferir divinos dons,
Delegáveis só aos crentes bons.

Sob a tese da ação milagreira,
Só viável sob a fala pregoeira,
De quem se supõe agraciado,
Aplica-se a magia do agrado.

Num alegado repouso divino,
Um rito de transe tão cretino,
Explora pessoas de fé singela,
E as ilude numa falsa querela.

No milagre vil e banalizado,
Subjaz o americano legado,
Dum submisso atrelamento,
Ao milagre tido como alento.

Os arautos eivados do divino,
Em rompantes do agir supino,
Declaram-se de nível superior,
E isentos do diabólico inferior.







Pregoeiros do Espírito



Sob a teologia da prosperidade,
Difunde-se petulante maldade,
Duma suposta dádiva especial,
Concedida do espírito celestial.

Mais importante que a origem,
É a magia da astuta vertigem,
De poder auferir divinos dons,
Delegáveis só aos crentes bons.

Sob a tese da ação milagreira,
Só viável sob a fala pregoeira,
De quem se supõe agraciado,
Aplica-se a magia do agrado.

Num alegado repouso divino,
Um rito de transe tão cretino,
Explora pessoas de fé singela,
E as ilude numa falsa querela.

No milagre vil e banalizado,
Subjaz o americano legado,
Dum submisso atrelamento,
Ao milagre tido como alento.

Os arautos eivados do divino,
Em rompantes do agir supino,
Declaram-se de nível superior,
E isentos do diabólico inferior.







quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Imaginário doentio



São tantas as mentes traumatizadas,
A viver fixas nas ilações fantasiadas,
Que desistem de viver o tempo real,
Para aferrar-se em medo bem irreal.

Mesmo o que somente foi ameaça,
É vivenciado como efetiva desgraça,
Para misturar na virtualidade aberta,
A obstrução que boicota com alerta.

Sob a obstruída capacidade de ação,
Repete-se imprópria procrastinação,
Do retorno da ameaça quase trágica,
Realimentada com a fantasia mágica.

Os planos e projetos acabam contidos,
Para dar azo a sentimentos reprimidos,
E viver em função dos fatos distantes,
Que boicotam os intentos empolgantes.

Nos propósitos de suicídio impetrados,
Fala alto um grito de afetos frustrados,
Que dissimulam a compra de atenção,
E o anseio de um amparo com afeição.


quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Políticos auto-soberanos



Nada dispostos a aceitar regras estabelecidas,
Abrem um caminho de apelações presumidas,
Sob a orientação globalizada de constituição,
Que permita legislar para sua própria ambição.

Eventual oposição ao reino institucionalizado,
Advinda dos que produzem um vasto legado,
Não atinge e nem mesmo aflora discrepante,
Ao reino da perpetração do poder mandante.

Quando a incumbência decisória já é seletiva,
Anula-se do povo a sua essencial prerrogativa,
De ação na solução de aprumos contingentes,
Para deixar mais pessoas ativadas e contentes.

Se a lei já não favorece a ordem pretendida,
Nem atinge a imensidão humana esmaecida,
Não será uma produção de novas ansiedades,
Que irá suprir a magia de enrustidas vaidades.

Enquanto se nega o alto preço do sofrimento,
Desvia-se o foco de tanto descontentamento,
Para apresentar idealizações duma vida plena,
Sob a mitigada e a passiva convivência serena.












terça-feira, 13 de setembro de 2016

Tempos mutantes



Do cultivo da fé obsessiva no progresso,
Decorre no sistema de vida o retrocesso,
Pois, com trabalho diuturno que exaure,
Não existe recurso eficaz que o restaure.

Emerge paulatinamente a sensibilidade,
Em torno de nova intuição na sociedade,
Que centraliza os traços de gosto e afeto,
E relega as ambições do acúmulo abjeto.

O crescimento econômico fica desfocado,
Ante o desejo de pertença a bom legado,
Sem reparar para o status e precedência,
Já que importa a satisfatória convivência.

O tribalismo de pertença e de elitização,
Dos grupos seletos e status de exaltação,
Cede à desconsideração da procedência,
Para enaltecer sinais da boa convivência.

Importa o valor da atenção que expressa,
A bondade da valorização bem impressa,
No olhar e nos meigos gestos de lealdade,
A revelar a interação advinda da amizade.

A vida pública regida por mais sensibilidade,
Com a perda gradual da afoita racionalidade,
Permite o emergir de novas relações de vida,
Sem o Estado de ação ambiciosa e combalida.



segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Miasmas do Estado



Tão vetustas são suas defesas,
E, tão elogiadas suas belezas,
Que paira acima do perecível,
Com ar de grandeza indizível.

Na publicidade dos benefícios,
Aparece sem inerentes vícios,
Mas, os miasmas de patranhas,
Exalam mais que as entranhas.

Um mau cheiro generalizado,
Repercute num amplo legado,
Que o Estado na sua vigência,
Indica a sua iminente falência.

O proclamado serviço auferido,
Repleto de propósito deferido,
Acaba adiado na confirmação,
E alarga a agrura e prostração.

Mais que serviço de proteção,
Exaure trabalho da população,
Para privilegiar seus regentes,
E sugar súditos descontentes.
  
O alargado miasma dos efeitos,
Indica para além dos malfeitos,
Que Estado, já inepto e falido,
Carece de reforma sem alarido.


sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Inserir ou excluir



            Uma dúvida seguidamente ocupa a mente, quer na lida de informática, quer na política, na religião ou no bloco familiar: até onde convém não excluir ou “deletar”?
            Do teclado do computador ou da telinha do celular o dilema entre salvar e apagar imagens, textos, mensagens e vídeos, parece também marcar as relações humanas, e, até as suposições do que Deus estaria omisso ou excessivamente excludente e depurador do espaço humano com muitas vinganças.
            A dúvida se torna ainda mais aguda quando envolve erros, deslizes e fracassos relacionados a mágoas alimentadas e realimentadas que machucam os sentimentos. Neste caso, as auto-defesas e justificações racionais parecem sempre indicar que o melhor é excluir (e deletar até as lembranças) de uma vez por todas. No entanto, esta opção é frágil porque a memória reativa com facilidade as emoções submetidas à negação, uma vez que tudo quanto se nega, é simultaneamente afirmado no psiquismo. Ao se relembrar o episódio que se procurou esquecer, ele volta a ferir outra vez e vai ocupando, progressivamente, mais espaço no inconsciente.
            Não é à toa a insistência de que tudo quanto se nega no psiquismo acaba sendo reforçado. Por isso mesmo, é sempre melhor aceitar o fracasso, a perda e a mágoa – ainda que a aceitação tenda a demorar algum tempo – do que gastar alguma energia para esquecer e apagar, pois, qualquer emoção similar ou parecida, faz aflorar precisamente o que não se quer pensar ou lembrar.
            Do livro bíblico do Êxodo, 32, 7-14 pode-se lembrar como o povo antigo da Bíblia interpretava Deus: diante da adoração de ídolos por parcela do povo a caminho da libertação sob os auspícios de Deus – e como hoje se adoram ídolos, especialmente “bezerros de ouro”! – esperavam os fiéis que Deus viesse a aplicar uma sanção dura e muito rigorosa. Entretanto, segundo a linguagem antropomórfica, atribuída ao líder Moisés, sua intervenção junto a Deus para ser generoso com o erro de parte daquele povo, teria alterado a cólera de Deus e este teria evitado seu plano de vingança. Nesta linguagem humana, já se explicitava um pressuposto de que Deus ama mais e melhor do que a condição humana é capaz de amar.
            No evangelho de Lucas, 15, 1-10 salienta-se algo bem mais significativo relacionado à ausência do espírito vingativo e excludente do agir de Deus: quando os fariseus, por se pensarem os melhores e os mais puros e agraciados diante de Deus excluíam pecadores publicanos, Jesus ia almoçar na casa deles e deixava transparecer que o amor de Deus é essencialmente um processo de inserir e acolher os que já foram excluídos das seletividades de grupos sociais e religiosos. Na historinha do pai que acolhe um de seus filhos, o devasso que havia se desviado do caminho da retidão, destaca-se ira e mágoa profunda do filho mais velho; no entanto, decorre do agir do pai, que não é pretensão de Deus alargar o processo de exclusão, mas, aponta que incluir ou “salvar” é mais importante do que descartar.
            Nossos dias também apontam para a intensa adoração de objetos, mesmo os que imitam os múltiplos significados de ouro (capital, status, fama, honra, religião de aparências...). Facilmente centralizamos o campo econômico associado a um pietismo vago, intimista e sem consequências sociais para pressupor que somos melhores e superiores aos pecadores excluídos.



Proprietários ausentes



Das muitas narrativas bíblicas,
 Aos fatos reais de nossos dias,
Administrações muito idílicas,
Embalam estranhas melodias:

Proprietários muito ausentes,
Desfrutando largas vantagens,
Para os lugares proeminentes,
Administram com chantagens.

Delegam serviços e comandos,
Aos subalternos dependentes,
E se aferram aos desmandos,
Para controlar subservientes.

Fazem e refazem hierarquias,
Para sempre serem ouvidos,
E reivindicam nas franquias,
O que causa muitos pruridos.

Arrostam variada negligência,
No rol dos súditos inseguros,
Degradados por contingência,
Sem direitos a soldos seguros.

Pobres atrelados ao sistema,
Voláteis e muito liquefeitos,
Levam outros ao emblema,
Da vida sem básicos direitos.

Na fluência livre do capital,
Tudo se liga ao movimento,
Que até a vaca muito vital,

Fica sujeita ao rendimento.

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Anorexia



Enquanto o futebol leva meninos a delirar,
Por riqueza fácil e um imagético medonho,
Meninas são bem induzidas a se tresvariar,
Pelo corpo esquelético e olhar enfadonho.

A socialização na escola impõe os ditames,
Do limite de peso para desfrutar da beleza,
Vendida a olhares obcecados sem vexames,
A fustigar detalhes secretos da sua inteireza.

Cruel é ver meninas com olheiras sepulcrais,
Intransigentes em ficar aquém do peso ideal,
Para eventual ascese nas passarelas fulcrais,
Que lhes aufiram uma admiração reverencial.

Numa protelação da vivência da faixa etária,
Pulam etapas em função do mórbido sonho,
E se tornam vítimas de idealização primária,
A requerer do corpo um tratamento bisonho.

As olheiras esquálidas expressam a doença,
De uma sociedade que devora em excesso,
E, de forma sádica se encanta pela crença,
De que nas jovens magras está o sucesso.

Mais doentes que a anorexia de meninas,
São os idealizadores do perfil cadavérico,
A explorar admiração de belezas cretinas,
Para se empanturrar em sonho homérico.




<center>ERA DIGITAL E DESCARTABILIDADE</center>

    Criativa e super-rápida na inovação, A era digital facilita a vida e a ação, Mas enfraquece relacionamentos, E produz humanos em...