sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Vida displicente



Bem conduzidos no consumo,
Já não anelam qualquer rumo,
Nem reconhecem algum erro,
Mesmo vivendo num desterro.

Eventual soberania salvadora,
Exigiria prospecção redentora,
Para preterir alguma desgraça,
De situação vil e muito crassa.

Sem consciência do entorno,
E sem dele esperar retorno,
Importa um quadro reflexo,
Sem sentimento complexo.

Basta fruir e muito consumir,
Mesmo sem algo a produzir,
Pois importa só o provisório,
Sem maior cunho meritório.

Já não importa a colonização,
Nem qualquer demonização,
Porque curtir o fugaz da festa,
Já é o bom que se manifesta.


quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Tipos de vigilância



            Pelo menos duas posturas básicas tendem a manifestar-se diante do que se aguarda: ou medo e pânico do pior que se possa esperar, ou a alegre e apreensiva expectativa diante do bom que se espera acontecer. Outras posturas, como atenção desvelada para fustigar a vida alheia, ou para preparar um golpe, um acerto de contas, ou um assalto, são menos incidentes.
            É comum, em momentos mais difíceis da vida, esperar-se pelo pior que pode acontecer; no entanto, quem consegue olhar para além dos problemas, também consegue antever outras previsões melhores. Foi isso que o Evangelista Marcos (13, 33-37) fez para muitas comunidades emergentes no discipulado de Cristo. Elas entraram em pânico diante da inesperada invasão romana, no ano 70, que destruiu a capital Jerusalém e também o templo, grande ícone simbólico da presença de Deus na Terra. A fuga para a sobrevivência e as informações relativas à destruição, levava muitas pessoas a pensar de que estava se tratando do fim do mundo.
            A predisposição da vigilância daquelas pessoas foi a de que, na hora menos esperada, iria se configurar o fim da sua vida. Assim cresceram os rumores de que uma iminente volta de Jesus Cristo iria levá-los ao mesmo fim dos muitos cidadãos que morreram na invasão romana. Da memória de Cristo, Marcos soube alentar aquelas pessoas assustadas e apontar-lhes outra perspectiva de vigilância: valendo-se de uma das muitas parábolas proferidas por Jesus Cristo, Marcos ajudou aquelas pessoas em crise a refletir, sobre a importância de não adormecer, ou seja, não se distrair demasiadamente com os acontecimentos de um mundo sem Deus. Bem mais importante seria encontrar forças de Deus para lidar com a perseguição, com o exílio e com as dificuldades decorrentes desta situação.
            Aquele momento também não deveria constituir ocasião interesseira para alargar o poder. Muito pelo contrário, deveria oportunizar maior dinamismo no serviço humanitário, justamente para evitar a forma das guerras que estavam em andamento. Estava em jogo uma vigilância para além do clima de pânico e de medo diante dos fatos sociais e uma convocação para o zelo de ação positiva no meio da sociedade. Em algum momento deste agir humanitário iria acontecer uma volta do Senhor. Não para intimidar e castigar como a perversidade romana, mas, para enaltecer quem descobriu no modo de ser de Cristo a novidade da vigilância, ou da acuidade da atenção em favor da vida e não da morte.

            Mesmo com a sensação de desamparo também da parte de Deus, poderiam aqueles cristãos, como nós hoje, dar-se conta de que Deus redime por caminhos que nem são suspeitados e, na antiga imagem, - de constituímos barro na mão do oleiro, - o resgate já não pressupõe os formalismos que se desenvolviam no templo, mas, a alegre confiança de que Deus nos molda para a grandiosidade de sua bela obra.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Sortilégios



Enquanto instituições públicas declinam,
Arautos dos caminhos da sorte ensinam,
Fascinados por artifícios que enriquecem,
E que exalam de futuro o que conhecem.

Arvorados nos meandros de secretas sortes,
Querem oferecer pródigos e ótimos aportes,
Aos pobres e infelizes desprovidos do poder,
Para tirar proveito deles e deles se escafeder.

Ao apontar a presumida sorte sabem amealhar,
Sobre a fantasia de tudo quanto ousam partilhar,
O poder exotérico que consegue gestar dinheiro,
Embora explorem bem mais o sonhador fagueiro.

Nas apelações aos secretos poderes transcendentais,
Sofismam em malandragem e charlatanice excogitais,
Os poderes mágicos das instantâneas transformações,
E como fautores mirabolantes de atraentes sensações.

Captam dos muitos ingênuos e incautos sonhadores,
Os anseios dos bem fulgurantes e afáveis pendores,
Para o mágico “pulo do gato” da riqueza abundante,
A perpetuar vida fácil, e, com felicidade incessante.





terça-feira, 25 de novembro de 2014

No embrulho dos atributos de Deus



É tanta a publicidade móvel sobre poderes divinos,
Oferecendo prodígios celestiais nada pequeninos,
Que já se dispensa o agir capaz de melhorar a vida,
Pois, pela via do pastor, Deus age bem na medida.

Cura magicamente qualquer doença do tipo que for,
E afugenta as mazelas dos ínfimos resquícios da dor,
Desde que pessoas se atrelem ao pastor presunçoso,
E ao lugar que ele estabelece para o agir miraculoso.

Na captação secreta do quanto Deus possa oferecer,
O mediador da suposta barganha se põe a enaltecer,
Seu próprio poder de cura de toda fraqueza humana,
E da possível potencia satânica que tanto desengana.

Não estaria o poderoso milagreiro do auto-engano,
Extrapolando com algo que é meramente profano,
Para sustentar a ação divina através da sua pessoa,
E submeter ao controle que em seu desejo ressoa?

No pressuposto do lugar da ação da força superior,
Fica Deus delimitado à condição banal e tão inferior,
Que nem lhe cabe o direito de ser Deus e fica refém,
Do que alguém imagina captar de exotérico do além.

Da linguagem do auto-engano extrapola-se o profano,
E o efeito sugestivo sobre algo tão genuíno e humano,
Ao ser atribuído como sendo ação de efeito do além,
Transforma tanto vivente em submisso e pobre refém.


segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Bondade



No mar das relações humanas,
Tantas se revelam doidivanas,
Mas as que elevam a bondade,
São de extraordinária raridade.

No agraciado da benemerência,
Irradia-se a luz da complacência,
E a empatia do bondoso coração,
Esparge toda a magoada emoção.

No despertar alegre e contagiante,
O coração se torna mais irradiante,
Para bem distribuir a benfazeja paz,
E espalhá-la do jeito que lhe apraz.

A bondade não emerge só de pessoas,
Uma vez que eclode de emoções boas,
Advindas das virtualidades da natureza,
Que contagiam com encantos de beleza.

Nada, porém, fascinante como o olhar,
Translúcido e sem maldade a antolhar,
Que irradia plenitude da humana lida,
Com as luzes para a mente combalida.

Possam os ventos eivar-se de bondade,
Para irradiar até uma imensa saciedade,
Todas as condições dos seres humanos,
E livrá-los dos doestos e de desenganos.


Pessoas de Bem



Mesmo sem a conotação dualista,
E tampouco na noção maniqueísta,
As pessoas de bem são minguadas,
E suas ações, facilmente ignoradas.

Quão satisfatório é poder aprazer-se,
Com uma vida simples a esmaecer-se;
Que se expande na maior simplicidade,
Com o refinamento agudo da bondade!

Já os possuidores de outra referência,
Movidos por diferente mundividência,
Emitem perversas calúnias sobre elas,
E lhes relegam enternecidas sequelas.

Malgrado, sua consistência interior,
Não se rebaixam à condição inferior,
Dos revides aos níveis dos achaques,
Para perpetrarem outros vis ataques.

O respeito capaz de gerar amizade,
E a capacidade de revelar lealdade,
Advinda da boa sutileza do coração,
Brilha no rol da grandiosa reputação.

No direito de cada pessoa viver sua vida,
Mesmo quando está doente e combalida,
Abre-se o rico espaço da ação da amizade,
Como terapêutica da sofrida enfermidade.




Pessoas de Bem



Mesmo sem a conotação dualista,
E tampouco na noção maniqueísta,
As pessoas de bem são minguadas,
E suas ações, facilmente ignoradas.

Quão gratificante é poder aprazer-se,
Com uma vida simples a esmaecer-se;
Que se expande na maior simplicidade,
Com o refinamento agudo da bondade!

Já os possuidores de outra referência,
Movidos por diferente mundividência,
Emitem perversas calúnias sobre elas,
E lhes relegam enternecidas sequelas.

Malgrado, sua consistência interior,
Não se rebaixam à condição inferior,
Dos revides aos níveis dos achaques,
Para perpetrarem outros vis ataques.

O respeito capaz de gerar amizade,
E a capacidade de revelar lealdade,
Advinda da boa sutileza do coração,
Brilha no rol da grandiosa reputação.

No direito de cada pessoa viver sua vida,
Mesmo quando está doente e combalida,
Abre-se o rico espaço da ação da amizade,
Como terapêutica da sofrida enfermidade.




Pessoas de Bem



Mesmo sem a conotação dualista,
E tampouco na noção maniqueísta,
As pessoas de bem são minguadas,
E suas ações, facilmente ignoradas.

Quão satisfatório é aprazer-se,
Na vida simples a esmaecer-se;
Que se expande na simplicidade,
Com o refinamento da bondade!

Já os possuidores de outra referência,
Movidos por diferente mundividência,
Emitem perversas calúnias sobre elas,
E lhes relegam enternecidas sequelas.

Malgrado, sua consistência interior,
Não se rebaixam à condição inferior,
Dos revides aos níveis dos achaques,
Para perpetrarem outros vis ataques.

O respeito capaz de gerar amizade,
E a capacidade de revelar lealdade,
Advinda da boa sutileza do coração,
Brilha no rol da grandiosa reputação.

No direito de cada pessoa viver sua vida,
Mesmo quando está doente e combalida,
Abre-se o rico espaço da ação da amizade,
Como terapêutica da sofrida enfermidade.




quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Reinado de Jesus Cristo



            A mesma tentação que desvirtua Maria, mãe de Jesus Cristo e que leva a transformá-la em deusa rainha, com a nítida perda da riqueza humanitária dos gestos concretos daquela mulher, envolve também a pessoa de Jesus Cristo. Basta pensar no título que lhe é atribuído e, tão explorado no discurso religioso: ele é Rei Poderoso!
            Ao celebrarmos a festa de Cristo Rei, corremos o risco de pensar em alguém muito poderoso aqui na Terra, e que continua ainda mais poderoso no céu. Com isso, relegamos o verdadeiro significado desta atribuição, nada parecida com a dos reis da época, mas, de uma ação histórica, especialmente favorável à inclusão dos que já não contavam na sociedade e que se viam ignoradas, tanto pelos governantes quanto pelas autoridades religiosas.
            Ao consideramos, em nossos dias, o quanto aparece de notícia relativa à negligência dos que se proclamam dedicados na ajuda humanitária a todos, mas, que revelam tão escancarada corrupção em todas as instâncias de governo, tendemos a ficar altamente decepcionados. Se a propalada democracia, tão exaustivamente insinuada como a melhor forma de governo, produz estes frutos, acabamos desejando outro jeito de governança.
            Da Bíblia, lembramos como Ezequiel (34,11ss) anima o povo profundamente desanimado na condição escrava. De um lado, ele interpreta o motivo: os que se denominavam zelosos governantes para o bem do povo, altamente negligentes, estavam pastoreando apenas em favor de si mesmos. Por outro lado, a passividade do povo e o progressivo abandono das regras da Aliança permitiram aquela trágica condição de estarem escravos em outro país e sem condição de se livrarem dos aproveitadores estrangeiros.
            Foi então que Ezequiel intuiu o que seria fundamental para sair daquela condição: fé em Deus. Utiliza uma imagem da lida cotidiana de quem cuida de ovelhas, a do desvelo, para que as desgarradas sejam integradas ao rebanho.
            O evangelista Mateus, num outro momento histórico, interpretou os fatos do cruel contexto do império romano, e olhou para o que Jesus Cristo fez: foi um servo que se dedicou especialmente para inserir os excluídos. Seu modo de proceder, não procurou reunir somente membros das doze tribos que formaram Israel, mas sua ação indicava que todos os povos poderiam agir como ele: atenção especial para diminuir o sofrimento de tantas pessoas em variadas situações infra-humanas, com fome, doenças, prisões, espoliação, etc.
            Jesus Cristo não culpou estas pessoas com o reforço moral de que eram impuras e de que já estavam condenadas. Tampouco continuou a aplicar-lhes o rótulo de que seriam impreterivelmente condenadas para além da morte. Bem ao contrário, revelou o rosto misericordioso de Deus e se mostrou altamente dedicado às vítimas do sistema político-religioso, escancaradamente injusto.
            Lembrar Cristo Rei, bem ao avesso da concepção triunfalista, pode nos interpelar para outro modo de agir, que com certeza já lateja em tantas vítimas dos governantes despóticos, mas, que também precisam de outro modo de agir para não continuarem no fatalismo de meras vítimas expiatórias de um sistema injusto de governo.



Jardins



Saudades dos tempos de casas ladeadas,
Por jardins de flores e de cores variadas,
Com alvissareiros encontros das visitas,
E conversas animadas, nada esquisitas.

Da sabedoria do senso prático eclodiam,
Com os vergéis a inspirar no que diziam,
Coisas bem simples do que observavam,
Em torno da beleza que ali desfrutavam.

A compreensão fenomênica do entorno,
Sempre remetia a algum novo contorno,
Para rir de coisas pequenas e bem banais,
E fazer a vida fluir do jeito dos mananciais.

Na observação do quanto corrompia a vida,
Partilhavam-se os temores da cotidiana lida,
E a atenção terapêutica evadia falsos juízos,
Para evitar possíveis efeitos e seus prejuízos.

A ação solidária curava mais do que o médico,
E as múltiplas plantas, desde efeito ortopédico,
A calmante dos nervos e disfunções hepáticas,
Produziam uma comunhão das forças empáticas.

Se hoje os jardins, já tão restritos e esmilingüidos,
Abrigam tantas contravenções e tantos bandidos,
Abre-se o desejo da lida bem distante da urbana,
Até sem dinheiro e longe da política que se ufana.

Estar de bem com a vida e com o entorno humano,
Sobretudo nos jardins da vida distantes do engano,
Ali ainda se afugenta o medo de dor, agonia e pavor,

E aflitos encontram gratuito e belo amparo no amor.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Onça



Do muito que dela se propala,
Evidentemente nada a abala,
Mas, a ação dos hominídeos,
Altera a chance das refeições,
E, lhe reserva magras porções.

Mas por que está ali na estrada,
E, descontraidamente agachada,
A brindar-me com olho aguçado,
Ou querendo fazer algum agrado?

Como o “numinoso”, ela é atraente,
Mas, no agir, bem mais repelente,
Pois sua fama de traiçoeira e voraz,
Desperta medos, e, também apraz.

Estaria ali somente para descanso,
Ou para aguardar algo do remanso?
Ou seria eu uma almejada refeição,
Depois do dia pleno de frustração?

Junto com o receio de um embate,
Achei tão bom desviar o combate,
Pois, ao sinalizar o rumo do mato,
Deixou-me aliviado e estupefato.

Ao sobreviver, em habitat restrito,
Quem defende seu direito proscrito,
E assegura as florestas com fartura,

Para não desaparecer nesta agrura?

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Sabedoria



Próxima do rigor da ciência,
Mas além desta presciência,
Encontra-se o modo de ser,
Bem genuíno do enternecer.

Mais do que o fundamentar,
Ou convincente argumentar,
A sabedoria consegue sentir,
O quanto convém pressentir.

Na confiança do pleno agrado,
Supre tudo que causa enfado,
 E, bem mais que a formosura,
Propicia ambiente de ternura.

Distingue do que é transitório,
O quanto é digno e meritório,
E, para boa qualidade da vida,
Desbanca a obsessão renhida.

Leva a agir com toda prudência,
Para não entrar na minudência,
Dos desencontros emocionais,
Avessos aos momentos frugais.

Sabe delimitar o afã do ativismo,
E estabelecer regras de civismo,
Para conter a atração solispsista,
Que tão ardorosamente despista.

Na sensibilidade da carência alheia,
Está sua plena função que permeia,
O milagre que detona a fragilidade,

E aponta caminho de prosperidade.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Amanhecer



Como é bom ser despertado,
Com o trinado lírico de seriemas,
Que correm velozes entre Emas,
E as acordam para um novo legado.

De bom grado, captam meus ouvidos,
Aqueles estridentes e fulgurantes sonidos,
Para dizer que o dia vai ser com aquele acalanto,
Em que as pessoas e o entorno me encherão de encanto.

Com as seriemas, outros pássaros ativam belos estratagemas,
Para informar que é novo dia e nele poderão funcionar esquemas,
Que em tantas vezes favoreceram a vida e sua grandeza enternecida,
Sem a complicação racional, tão fria, insensível, calculista e nada agradecida.

Até mesmo as incontáveis cigarras se associam às tão ondulantes melodias,
E extravasam com o vento a irradiadora força do seu canto eufórico por bons dias,
Sem falar do trinado agudo das araras, ao lado do rotineiro murmúrio das maritacas,
E dos nada sonoros papagaios a convocar revoadas, com as desengonçadas curicacas.


quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Aplicação das virtualidades pessoais



            Em parte a predisposição genética, mas, em parcela muito maior, o ambiente e as condições de desenvolvimento despertam em nós capacidades originais e peculiares. A pergunta evidente que logo decorre é: podem estes dotes da vida, ou capacidades pessoais, ajudar alguma coisa para que o futuro da vida humana seja melhor?
            Muitas pessoas, particularmente bem dotadas de capacidades especiais, transformam sua vida num ritmo que abafa todas estas virtualidades. Ainda ontem uma mãe, toda chateada com seu filho dizia: meu filho era de uma alegria exuberante, era o encanto que me dava a maior segurança deste mundo, mas, de alguns anos para cá, ele é um piano que toca somente uma tecla: trabalho. Não tem domingo, nem feriado, nem festa, nem tempo para acolher visitas. Parece que sua única motivação é trabalhar.
            O evangelista Mateus deve ter encontrado nas comunidades do seu alcance uma postura de excessiva despreocupação com o futuro da vida. Ao lembrar-lhes uma parábola de Jesus Cristo (Mt 25,14-30), certamente quis conscientizá-los sobre a importância da vida pessoal de cada membro da comunidade a fim de que produzissem algo positivo para o bem comum. Deve ter havido muita manifestação de acomodação e de indiferença pelo bem-estar da comunidade.
            Na parábola de um homem que delegou três outros homens para administrarem valores muito elevados, está uma interpelação muito insinuante. O texto fala em talentos, e, facilmente nos engana pela associação de que fomos mais ou menos privilegiados com capacidades. De fato certos ambientes não facilitaram o pleno desenvolvimento das virtualidades latentes de cada pessoa: ou foram muito autoritários, ou coercitivos ou até omissos. Mesmo assim, nunca é tarde demais para começar a aprender. Aparentemente quem recebeu apenas um talento – medida de ouro, que equivalia a 34 quilos – percebe-se que até quem recebeu menos, recebeu, na verdade, um valor muito expressivo. Indiretamente também nós podemos perguntar-nos: como estou aplicando o dom da vida que recebi gratuitamente de Deus?
            É possível que muitas pessoas escolham o caminho da acomodação e da indiferença, e acabam enterrando o grande bem que receberam para administrar: sua própria vida e sua história. Também hoje vivemos tempos difíceis e o que vemos é muita gente se fechando sobre si mesmo e sobre seus bens materiais, com progressiva perda da responsabilidade de fazer com que sua vida produza algo bom e melhor para os outros do seu entorno, numa aproximação das características de Jesus Cristo.
            O risco do fechamento também envolve uma presumida segurança em certas piedades ou formalismos religiosos que acomodam e inviabilizam a percepção das injustiças, e dos sofrimentos decorrentes destes atos. Basta pensar no que significam os mais de três bilhões de reais que, segundo os noticiários, foram desviados por apenas algumas pessoas de uma empresa estatal brasileira.
            Sobretudo no campo religioso pode-se observar expressiva resistência a quaisquer reflexões que possam implicar em partilha, solidariedade ou ação humanitária. Preferem fechar-se em seus bens ou em seus modos de rezar e, com eles, tornam-se cada dia mais reacionários e rígidos, enquanto suas ricas virtualidades vão ficando enterradas e sem produzir nada para o bem-comum.


quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Miuçalhas



Condicionados por uma sistemática publicidade,
Consumimos objetos sem nenhuma necessidade,
Porquanto o ditame da ordem fixada no intelecto,
Deixa-nos dependentes deste comando provecto.

Precisamos comprar porque felizes vamos ficar,
E, a todos os espaços de minudências, glorificar,
Porque ocupam o lugar magnífico do esplendor,
E encantam muito mais do que obras do criador.

De tanto nos abarrotar com o montão de miuçalhas,
Vivemos enroscando a toda hora em muitas tralhas,
A ponto de perceber somente detalhes nas pessoas,
E, tampouco captar o conjunto de suas coisas boas.

As miuçalhas também deslocam temas candentes,
Sobre necessidades imediatas das mais urgentes,
Em torno da degradação de vida, sem tamanho,
E nem permite que volte a saudade de antanho.









terça-feira, 11 de novembro de 2014

No engodo do denodo



Como os pescadores e suas iscas traiçoeiras,
Políticos encantam com obras alvissareiras,
Ao garantirem ações imediatas e redentoras,
Para solucionar as situações desalentadoras.

A demonstração de uma dedicação imediata,
Como num mágico lance, que tudo arrebata,
Some no cumprimento da promessa emitida,
Sem um mínimo sinal da palavra prometida.

Mesmo exauridos de tanto ouvir mentiras,
Os bobos alegres insistem no ouvir as liras,
Que tocam melodias das mais dissonantes,
E que enganam com arroubos rompantes.

Já sabedores de que é curta a memória,
E que não afeta a ambição da vanglória,
Pode-se mentir e prometer à saciedade,

Que nunca virá nenhuma contrariedade.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Vida fácil



No sonho do imaginário coletivo,
Flui nas ondas suaves da fantasia,
Um foco muito nítido e objetivo,
Que indica a riqueza que extasia.

Sonho rico e poderoso de montão,
Em lida eivada de festa e fanfarra,
Lateja em forte ritmo de exaustão,
Para ser atingido mesmo na marra.

Para o curto percurso da ascensão,
Está o caminho da sorte de loterias,
Ou então, o caminho da corrupção,
No qual se negociam boas alforrias.

Nada, porém, tão atraente e sedutor,
Quanto o comércio de um pó branco,
De apenas um código de lei em vigor,
E que dá mais dinheiro do que banco.

A tentação do salto mágico do gato,
Engole memória do tempo decente,
E aponta um itinerário nada sensato,
Que rui num ideário sem precedente.

O fim geralmente termina muito trágico,
Porque é da cor do sangue a ostentação,
E o procedimento cruel e antropofágico,
Não tem volta, nem boa procrastinação.


sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Docente



Seu ego nada enfunado,
Vive mais do desagrado,
Do que do ar simbólico,
Que já fora tão bucólico.

A sua valiosa maestria,
Sumiu como a poesia,
Já sem encantamento,
E sem força de alento.

Virou dura profissão,
Sem a consideração,
Que um dia lhe dava,
O entorno que amava.

Feito mero parolador,
Em nada encantador,
De assuntos a ensinar,
Insiste no procrastinar.

Muito mal remunerado,
Sente-se todo esfalfado,
Pois, sua nobre função,
Perdeu simbólica razão.

Do importante educador,
Restou o cansado falador,
Dos louros já repassados;
E muito pouco apreciados.

Resta o idílio humanitário,
De vergel bem secundário,
Do tempo vivido a educar,
Na motivação de elucidar.

Os sonhos da geração nova,
Ansiados pelo que a renova,
Só gestaram forte decepção,
E o deixaram na vil inanição.















quinta-feira, 6 de novembro de 2014

A triste sina das pacas



Se já não bastasse a perseguição de outros animais,
Feras humanas, bem mais astutas que outros rivais,
Movidas por publicidade de gosto vil e desprezível,
Centraram em pacas a apreciação do sabor indizível.

Muito mais traiçoeiros do que os caçadores rivais,
Os humanos ainda movidos por traços ancestrais,
Devassam, sem dó, as cuniculídeas tão bisonhas,
E, somente para esnobarem de formas medonhas.

Cruel é ver os encarregados de protegê-las vivas,
Serem os primeiros a saboreá-las com convivas,
E, para burlar as rígidas leis, falam em leitoinha,
Recebida de amigo especial da Fazenda vizinha.

Nos muitos freezers, abarrotados de pesca e caça,
Numa clara contradição da evolução da nossa raça,
Já não deveriam as iguarias destes gostos exóticos,
Levar a procedimentos tão carnívoros e despóticos.

Os últimos remanescentes das espécies de animais,
Na triste sina de sumir diante das caçadas brutais,
Não encontram proteção e nem instâncias jurídicas,
Que lhes apontem direitos de vida menos fatídicas.




Templo e poder



            Há aproximadamente seis séculos antes de Cristo o sacerdote Ezequiel, exilado na Babilônia e diante dos seus conterrâneos que lamentavam a ausência de um templo, já os convocava à responsabilidade para assumirem o fracasso em que se encontravam, e, se empenhassem positivamente na construção de uma sociedade mais voltada para a vida e para a liberdade das pessoas. A forma como o templo se deteriorou, e como corrompeu o povo, deveria indicar o lugar da presença de Deus, não mais no templo, mas, no meio do povo para caminhar com ele.
            Na imagem simbólica da nascente, cujas águas, ao crescerem geravam mais vida no entorno deveria também o templo estar impregnado da fecundidade para expandir, mais vida para todas as direções, e, não somente na humana, mas, na de toda fauna.
            Mais tarde, no tempo de Jesus Cristo, o poder estabelecido no templo estava novamente desvirtuado e chegou ao extremo de ter esvaziado a festa da Páscoa, grande festa popular, que, ao invés de despertar gratuidade pela memória dos sinais de libertação, tornara-se o momento eminente da exploração e do controle das pessoas. Um pequeno grupo liderado pela família de Anás, havia se apropriado do templo e o transformara no centro de excelência para grandes negócios e com preços exorbitantes.
            Narra-se que Jesus tomou um chicote e expulsou os vendedores com seus animais. Este gesto passou a conotar uma nova relação que Cristo desejava entre templo e povo. Não seria mais o espaço de grupos religiosos, que eram os maiores latifundiários da época, nem uma condução ultraconservadora do senso religioso. Se o templo uma vez era tido como espaço especial de Deus, deveria irradiar-se dali outro modo de agir com os pobres e espoliados. Ademais, Deus não carecia da bajulação de ser cooptado através da queima de grande quantidade de animais, vendidos aos pobres por preços abusivos.
            São Paulo, um dos grandes discípulos de Jesus Cristo, ao assimilar o seu legado para orientar a vida, deslocou o foco do templo para a comunidade. É ali o santuário de Deus (1Cor 3,9 ss) onde Cristo se manifesta. Paulo valeu-se da sua própria dedicação para a criação da comunidade de Corinto e interpretou seu modo de agir como o de um bom arquiteto ao dar início àquela comunidade. Outros poderiam, de forma criativa, efetuar mudanças, mas, sua pedra fundamental era a da promoção de relações de bom entendimento e de interações justas.
            A comunidade já não deveria reproduzir um sistema acumulativo e centralizador que prejudicava o povo, mas, deveria produzir precisamente o contrário: espaço da inserção e do aproveitamento eficaz das qualidades pessoais de cada um.
            As três interpelações dizem muito aos nossos dias, e, aos modos como se lida em muitas Igrejas e templos. Sempre é importante não perder de vista a finalidade precípua da sua existência.



quarta-feira, 5 de novembro de 2014

As firulas da imagem



No fervoroso desejo da onipotência,
Enleia-se toda arrogante prepotência,
E, na produção hiper-real da imagem,
Esconde-se toda a nefasta sacanagem.

No malabarismo dos meneios afáveis,
Fervilham reais ambições deploráveis,
Que bem antes da intenção de ajudar,
Já pensam no que poderão desfraldar.

No drible habilidoso de palavras belas,
O virtuosismo das sorrateiras querelas,
Jamais defenderá a aspiração do povo,
E tampouco pretensão dum agir novo.

Visa melhor locupletar-se nas honrarias,
E favorecer suas privilegiadas confrarias,
Que bajulam como aduladores carentes,
Para esfaimar suas vantagens prementes.

Mesmo com semblantes todo esfalfados,
Fingem que não estão em nada cansados,
Mas, exauridos na pretensa superioridade,
Pensam-se lídimos redentores da sociedade.

As pinturas e as mais atrativas bricolagens,
Parecem dar aparência de nobres imagens,
Mas escondem as sorrateiras maquinações,
Que diuturnamente movem seus corações.



<center>ERA DIGITAL E DESCARTABILIDADE</center>

    Criativa e super-rápida na inovação, A era digital facilita a vida e a ação, Mas enfraquece relacionamentos, E produz humanos em...