Uma dúvida
seguidamente ocupa a mente, quer na lida de informática, quer na política, na
religião ou no bloco familiar: até onde convém não excluir ou “deletar”?
Do teclado
do computador ou da telinha do celular o dilema entre salvar e apagar imagens,
textos, mensagens e vídeos, parece também marcar as relações humanas, e, até as
suposições do que Deus estaria omisso ou excessivamente excludente e depurador
do espaço humano com muitas vinganças.
A dúvida se
torna ainda mais aguda quando envolve erros, deslizes e fracassos relacionados
a mágoas alimentadas e realimentadas que machucam os sentimentos. Neste caso,
as auto-defesas e justificações racionais parecem sempre indicar que o melhor é
excluir (e deletar até as lembranças) de uma vez por todas. No entanto, esta
opção é frágil porque a memória reativa com facilidade as emoções submetidas à
negação, uma vez que tudo quanto se nega, é simultaneamente afirmado no
psiquismo. Ao se relembrar o episódio que se procurou esquecer, ele volta a ferir
outra vez e vai ocupando, progressivamente, mais espaço no inconsciente.
Não é à toa
a insistência de que tudo quanto se nega no psiquismo acaba sendo reforçado. Por
isso mesmo, é sempre melhor aceitar o fracasso, a perda e a mágoa – ainda que a
aceitação tenda a demorar algum tempo – do que gastar alguma energia para
esquecer e apagar, pois, qualquer emoção similar ou parecida, faz aflorar
precisamente o que não se quer pensar ou lembrar.
Do livro
bíblico do Êxodo, 32, 7-14 pode-se lembrar como o povo antigo da Bíblia
interpretava Deus: diante da adoração de ídolos por parcela do povo a caminho
da libertação sob os auspícios de Deus – e como hoje se adoram ídolos,
especialmente “bezerros de ouro”! – esperavam os fiéis que Deus viesse a
aplicar uma sanção dura e muito rigorosa. Entretanto, segundo a linguagem
antropomórfica, atribuída ao líder Moisés, sua intervenção junto a Deus para
ser generoso com o erro de parte daquele povo, teria alterado a cólera de Deus
e este teria evitado seu plano de vingança. Nesta linguagem humana, já se explicitava
um pressuposto de que Deus ama mais e melhor do que a condição humana é capaz
de amar.
No evangelho
de Lucas, 15, 1-10 salienta-se algo bem mais significativo relacionado à
ausência do espírito vingativo e excludente do agir de Deus: quando os
fariseus, por se pensarem os melhores e os mais puros e agraciados diante de
Deus excluíam pecadores publicanos, Jesus ia almoçar na casa deles e deixava
transparecer que o amor de Deus é essencialmente um processo de inserir e
acolher os que já foram excluídos das seletividades de grupos sociais e
religiosos. Na historinha do pai que acolhe um de seus filhos, o devasso que
havia se desviado do caminho da retidão, destaca-se ira e mágoa profunda do
filho mais velho; no entanto, decorre do agir do pai, que não é pretensão de
Deus alargar o processo de exclusão, mas, aponta que incluir ou “salvar” é mais
importante do que descartar.
Nossos dias também
apontam para a intensa adoração de objetos, mesmo os que imitam os múltiplos
significados de ouro (capital, status, fama, honra, religião de aparências...).
Facilmente centralizamos o campo econômico associado a um pietismo vago, intimista
e sem consequências sociais para pressupor que somos melhores e superiores aos
pecadores excluídos.
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