sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Inserir ou excluir



            Uma dúvida seguidamente ocupa a mente, quer na lida de informática, quer na política, na religião ou no bloco familiar: até onde convém não excluir ou “deletar”?
            Do teclado do computador ou da telinha do celular o dilema entre salvar e apagar imagens, textos, mensagens e vídeos, parece também marcar as relações humanas, e, até as suposições do que Deus estaria omisso ou excessivamente excludente e depurador do espaço humano com muitas vinganças.
            A dúvida se torna ainda mais aguda quando envolve erros, deslizes e fracassos relacionados a mágoas alimentadas e realimentadas que machucam os sentimentos. Neste caso, as auto-defesas e justificações racionais parecem sempre indicar que o melhor é excluir (e deletar até as lembranças) de uma vez por todas. No entanto, esta opção é frágil porque a memória reativa com facilidade as emoções submetidas à negação, uma vez que tudo quanto se nega, é simultaneamente afirmado no psiquismo. Ao se relembrar o episódio que se procurou esquecer, ele volta a ferir outra vez e vai ocupando, progressivamente, mais espaço no inconsciente.
            Não é à toa a insistência de que tudo quanto se nega no psiquismo acaba sendo reforçado. Por isso mesmo, é sempre melhor aceitar o fracasso, a perda e a mágoa – ainda que a aceitação tenda a demorar algum tempo – do que gastar alguma energia para esquecer e apagar, pois, qualquer emoção similar ou parecida, faz aflorar precisamente o que não se quer pensar ou lembrar.
            Do livro bíblico do Êxodo, 32, 7-14 pode-se lembrar como o povo antigo da Bíblia interpretava Deus: diante da adoração de ídolos por parcela do povo a caminho da libertação sob os auspícios de Deus – e como hoje se adoram ídolos, especialmente “bezerros de ouro”! – esperavam os fiéis que Deus viesse a aplicar uma sanção dura e muito rigorosa. Entretanto, segundo a linguagem antropomórfica, atribuída ao líder Moisés, sua intervenção junto a Deus para ser generoso com o erro de parte daquele povo, teria alterado a cólera de Deus e este teria evitado seu plano de vingança. Nesta linguagem humana, já se explicitava um pressuposto de que Deus ama mais e melhor do que a condição humana é capaz de amar.
            No evangelho de Lucas, 15, 1-10 salienta-se algo bem mais significativo relacionado à ausência do espírito vingativo e excludente do agir de Deus: quando os fariseus, por se pensarem os melhores e os mais puros e agraciados diante de Deus excluíam pecadores publicanos, Jesus ia almoçar na casa deles e deixava transparecer que o amor de Deus é essencialmente um processo de inserir e acolher os que já foram excluídos das seletividades de grupos sociais e religiosos. Na historinha do pai que acolhe um de seus filhos, o devasso que havia se desviado do caminho da retidão, destaca-se ira e mágoa profunda do filho mais velho; no entanto, decorre do agir do pai, que não é pretensão de Deus alargar o processo de exclusão, mas, aponta que incluir ou “salvar” é mais importante do que descartar.
            Nossos dias também apontam para a intensa adoração de objetos, mesmo os que imitam os múltiplos significados de ouro (capital, status, fama, honra, religião de aparências...). Facilmente centralizamos o campo econômico associado a um pietismo vago, intimista e sem consequências sociais para pressupor que somos melhores e superiores aos pecadores excluídos.



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