quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Fé e tentação de mandar



            Parece cada dia mais insensato o convite de Jesus Cristo, feito aos discípulos, para um modo de ser específico: ser servo! Se o convite intriga os interlocutores de hoje, simultaneamente, se presta para uma constatação: falta fé para esta estranha opção, diante de um mundo cultural que endeusa poder e a condição de ditar a conduta dos súditos.
            Um texto muito antigo do profeta Habacuc (Hb 1,2-3; 2,2-4) revela seu perfil de fé com pressuposto de poder: insatisfeito com a impiedade e as injustiças do povo e, possivelmente, com a eficácia do seu trabalho, quer que Deus evite que o povo de Judá viva de forma tão desencontrada. O retorno deste pressuposto foi uma intuição de que Deus, ao invés de atender a súplica do profeta, apontava para algo ainda mais grave: este povo acabaria sendo exilado para a Babilônia. Era algo que Habacuc sequer queria imaginar, mas, ao mesmo tempo sentiu a interpelação de Deus: não é Deus que precisa prestar conta para aquele possível infortúnio, mas, caberia aos fiéis manter-se na fidelidade da sua fé, porquanto este itinerário seria capaz de propiciar justiça a partir dos justos.
            A mensagem de Cristo levou os discípulos a torcerem o nariz porque certamente esperavam alguma precedência através do discipulado, regada com honras e muitos poderes. Ao serem convidados para se assemelharem a empregados, que cumprindo suas tarefas, no fim do dia, ainda teriam que continuar a trabalhar, os discípulos se deram conta de que lhes faltava fé básica para tal abnegação.
            Nossos dias ostentam uma cruel relação dos serviços com preços exorbitantes e, já se torna raro encontrar alguém que preste algum serviço sem exigir a devida remuneração. Sob este quadro, a lealdade ao projeto de Jesus Cristo, também encontra um limite: falta fé! Não só os serviços gratuitos somem do panorama social, mas, também todos aqueles que não impliquem em afirmação do poder para reger a vida dos outros. E, como os discípulos, nos damos conta de que para perseverar na convocação de Cristo, somente com uma humilde constatação de limites: “Senhor! Aumentai a nossa fé”.

            A fé, muito mais do que meio para obtenção de privilégios e vantagens gratificantes - geralmente não alcançáveis por outros caminhos, - provavelmente supõe constância na fidelidade, mais do que insistência para que Deus mude as coisas segundo nossos interesses pessoais.

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