sexta-feira, 23 de setembro de 2016

O cultivo da avareza



            O apego sórdido a posses e a mesquinharia diante das possibilidades de praticar a generosidade, fazem, certamente, parte de uma esganação aprendida do ambiente de socialização do bloco familiar e, posteriormente, estimulado no ambiente de convivência social.
            O profeta Amós, a uns oitocentos e tantos anos antes de Cristo, já se referia ironicamente às “vacas de Basã” para contestar o luxo em que mulheres daquela época viviam, e, sem a menor sensibilidade diante da verdadeira catástrofe que se abatia sobre o povo do país, com a invasão assíria. Amós previa que estas pessoas (mulheres e seus maridos) - obcecadas e distraídas no luxo e no consumo frenético no auge da fome do povo, - deveriam receber a incumbência de constituírem as primeiras a puxar as filas dos exilados para sair de Israel e trabalhar como escravas na servidão do país invasor.
            Amós salientava em contrapartida que um antigo gesto, o de José, um judeu que havia sido vendido como escravo ao Egito, - e que teria todos os motivos para revelar-se insensível ao povo que o ignorou e o expatriou - ao saber da necessidade que o povo de Israel passou diante da seca terrível, mostrou-se humanitário e generoso. José mandou abrir, imediatamente, as portas dos silos para que o povo faminto pudesse ser atendido e livrar-se da fome.
            O evangelista Lucas, ao repassar os ensinamentos de Jesus Cristo para as comunidades dos seus discípulos, espalhadas, sobretudo, na região norte de Israel, lhes narrou uma parábola utilizada por Jesus Cristo (Lc 16, 19-31) e que servia de alerta para não entrar no antigo esquema das clássicas “vacas de Basã”. O rico insensível diante do pobre Lázaro mostrou-se tão arredio que em nada se sensibilizou para ajudar o pobre. Na imagem da inversão, já no seio de Abraão, o egocêntrico veio a desejar que Lázaro pelo menos lhe molhasse o dedo com uma gota de água para amenizar a escaldante temperatura infernal em que se encontrava e desejava que Lázaro alertasse seus irmãos a fim de que pudessem evitar, antes da morte, este processo de distanciamento dos pobres através da acumulação doentia.
            Na resposta dada por Lázaro está o ensinamento de Jesus Cristo: se com tudo o que Moisés e outros profetas alertaram no passado, iriam os irmãos do rico empedernido acreditar no ensinamento de Cristo para serem mais solidários?
            Insensibilidade similar à antiga nos é apresentada diariamente nas notícias relativas à riqueza e corrupção de pessoas que já possuem muitos bens e sob as conversas de ajuda ao povo, o sugam e o exploram à extrema exaustão. É a mesma afronta. Mas, onde teria lugar para todas estas “novas vacas de Basã” viverem na condição de escravos?


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