segunda-feira, 30 de outubro de 2017

CARÁTER CONQUISTADOR



O moderno caráter conquistador,
Produz um ambiente devastador,
Pois, a estimulação da iniciativa,
Gera o hábito de vida mais ativa.

Na constância do agir moderno,
O antigo monismo nada terno,
Revive na função controladora,
A eliminação nada promissora.

Tudo quanto não se submete,
Passa a merecer desde bofete,
Até uma submissão indesejada,
Ou a aniquilação injustificada.

O mito da alteza do vencedor,
Faz cada um ser um domador,
Que amansa todo o peculiar,
E o adestra a fim de espoliar.

No potencial da índole forte,
Todo encontro leva à má sorte,
De ser a vítima fruída no valor,
Apesar do seu elã e forte ardor.

Triste sina deste perfil cultural,
Reativa da forma mais fulcral,
A impossibilidade do respeito,
Para bom e humano conceito.

Se conquistar é o que importa,
Nada humano e divino reporta,
Ao que de bom possa aparecer,
E indicar um inusitado alvorecer.


sexta-feira, 27 de outubro de 2017

A ESCAPADINHA DO SANTO



Taciturno no pedestal da santidade,
Onde outrora agregava irmandade,
Constatou que devotados orantes,
Já não eram fiéis como eram antes.

Sem memória dos humanitários atos,
É apenas apreciado por olhos pacatos,
Que em coisa alguma desejam imitá-lo,
E bem menos ainda, em algo escutá-lo.

Movidos por uma fé somente estética,
E distantes de qualquer postura ética,
Pedem milagre com grande desconto,
E que mude rápido o dolorido ponto.

Olham-no pelo simpático semblante,
E dele esperam uma ação extasiante,
Que cause emoções bem agradáveis,
E proteja contra os males inevitáveis.

Ele é o santinho do amor fantasiado,
Angelicamente divino e prendado,
Para auferir graças muito especiais,
Que mudam todas as dores banais.

Como agora deixaram sua mediação,
E focaram o amor em outra direção?
Ao frequentar outros novos lugares,
Estavam encantados por novos ares.

Viu que o sacrifício, já sem renúncia,
Mas obcecado por muita brogúncia,
Despertava todo afeto em comprar,
No contínuo processo de se superar.

Seus novos rituais de sacrificialismo,
Faziam trabalhar num determinismo,
Para alcançar o dinheiro da oferenda,
E fazer oblação de cotidiana prenda.

A oferta já não ia mais para o santo,
E, nem fitada no divino sacrossanto,
Mas, tudo parava no supermercado,
Ou comercializado no livre-mercado.

O afastamento do beatério devotado,
Levou a desconfiar de algo inusitado,
E o santo foi espiar o fervor dos fiéis,
Em locais sem incenso e sem vergéis.

Todos afoitos no excesso de objetos,
Atropelavam-se nos modos abjetos,
Pela maior quantidade de produtos,
Para abarrotar domiciliares redutos.

O santo olhou as casas abarrotadas,
E até fitou suas imagens sagradas,
Pois as suas feições multiplicadas,
Estavam difundidas e compradas.

A oferenda aos santos e divinos,
Era feita nos jantares mais finos,
Onde se repartia parte comprada,
Em sacrifício de memória sagrada.

O seu amor focado nestes objetos,
Desprovidos dos oráculos secretos,
Enfeitava o milagre na ceia servida,
E era disponibilizado como bebida.

No lugar da renúncia e abnegação,
O divino era consumir à exaustão,
E um farto self-service disponível,
Garantia uma felicidade indizível.

O santo não fez nada desonesto,
Mas pensou em cobrar o doesto:
                                          Ser indenizado por dano afetivo,
Pelo prejuízo na lida a tanto vivo.

Viu-se reduzido ao mero enfeite,
Apenas para o simpático deleite,
Sem nenhuma perspectiva futura,
E sem memória da sua lida dura.

Um imenso excesso era adorado,
E moderação, um ato desprezado,
Mas todos queriam o “deuzinho”
A lhes dar muito amor e carinho.

“Hiper” era a palavra mais falada,
E mercadinho a mais desprezada,
Nem mesmo “super” impactava,
Pois, para excesso, não importava.

As procissões ficaram diferentes,
Sem luz de velas incandescentes,
Pois, faróis iluminavam caminhos,
No rumo dos adorados cominhos.

O ato mais heroico de empanturrar,
Levou a um atrativo e servido altar,
Em que uma comilança à exaustão,
                                       Descortinava uma excelsa adoração.

Os riscos da morte vindos da comida,
Eram maiores que da desumana lida,
E advinham dos excessos ingeridos,
Dos sagrados alimentos deglutidos.


quinta-feira, 26 de outubro de 2017

PETRALHAS DO OPORTUNISMO



A acusação dos defeitos esquerdistas,
Já não oculta as falcatruas direitistas,
E nem é neologismo exclusivo correto,
Para um opositor tido como desafeto.

Os bandidos que roubam e usurpam,
Bem como os que traem e deturpam,
Piores do que os das cadeias públicas,
São os criadores de falsas repúblicas.

Em nome de uma boa administração,
Psicopatas se proclamam a condição,
Da vantagem sórdida de roubalheira,
Com requintado estelionato sem eira.

Chega a ser nojenta e bem asquerosa,
A costumeira procrastinação ardilosa,
Que usurpa e se proclama redentora,
A quem espolia de forma desoladora.

Para um alcance dos fins desonestos,
Elevam-se como serviçais modestos,
E visam ocultar vasto extorsionismo,
Que aplicam com pervertido cinismo.

Assim, usurpam, mentem e roubam,
Em nome da condição que arroubam,
Para disfarçar a atividade chantagista,
Que corrompe de forma exibicionista.

Defendem e isentam certos ladrões,
Aliados aos seus antiéticos padrões,
Para evitar qualquer procedimento,
Que possa mudar o desleal intento.


LEIS INEFICAZES



Feitas para o entendimento,
Produzem ânsias de alento,
Para uma relação respeitosa,
E uma convivência graciosa.

Quando não são observadas,
Ferem garantias consagradas,
Para o respeito e a dignidade,
Numa benfazeja coletividade.

Ao se tornarem manipuladas,
Para as vantagens obcecadas,
Tornam-se meios de opressão,
E de injusta e atrevida pressão.

Nas barganhas das ambições,
Leis viram ardilosas punições,
Para os fracos de auto-defesa,
E diminuídos na sua inteireza.

Maus tratos de altos clamores,
Sob os apelos às leis superiores,
Facilitam interesses dominantes,
E alargam injustiças abundantes.

Quando isentas do campo ético,
E são reféns dum gosto estético,
As leis viram arma fulminante,
Para ambiente desumanizante.

Favorecem os mais poderosos,
E produzem os efeitos danosos,
Que repercutem em explorados,
Que só podem ficar resignados.



quarta-feira, 25 de outubro de 2017

PODERES EXOTÉRICOS



Em tempos de crises sociais,
Surgem tentações especiais,
De poderes únicos e divinos,
Advindos de secretos atinos.

Os poderes muito superiores,
Do rol de pobres sofredores,
Conferem a ditos inspirados,
Poderes novos e inusitados.

Já não se movem pela ação,
De um humanitário coração,
Pois, o poder de dar ordens,
Eleva-os além das desordens.

Ao interpretar-se agraciados,
Por divinos e celestes legados,
Nada mudam na sua conduta,
Já que a entendem impoluta.

Desejam muitos seguidores,
Que imitem os seus fervores,
E na mais submissa prostração,
Acolham tudo em seu coração.

Já não importa o eco da dor,
Da Terra no seu forte clamor,
Nem o da injusta organização,
Que causa a vasta prostração.

Bastam discursos bajuladores,
E promessa de bons penhores,
A garantir os milagres efetivos,
Com os excepcionais lenitivos.






segunda-feira, 23 de outubro de 2017

ARGUMENTOS ESCORREGADIOS




Promessas religiosas de futuro,
Perderam o seu aporte seguro,
De acalantar boas esperanças,
Sob a mediação das bonanças.

Nos espertos apelos políticos,
Belos planos nada raquíticos,
Apontam para uma felicidade,
Vigorosa e farta na saciedade.

Enquanto chantagens vazam,
Belas mentiras se extravasam,
Para apontar o céu esperado,
E aparar sinais do seu legado.

Já os comerciantes religiosos,
Insinuam milagres dadivosos,
Pelo vil consumo de objetos,
Dos seus poderes concretos.

Na banalização milagreira,
Da cura rápida e certeira,
Alarga-se a vetusta magia,
De pervertida demagogia.

O pressuposto ato divino,
Já restrito a transe cretino,
Insinua felicidade material,
E a abundância imemorial.

Farta felicidade prometida,
Está a indicar o tipo de vida,
Que não avança na alegria,
E nem solidariedade irradia.



domingo, 22 de outubro de 2017

ETERNOS PROTELADORES



Da marca cultural de fluidez,
Aparece robusta insensatez,
Da irremediável protelação,
Que tanto mal faz à nação!

Como fluídos a esgueirar-se,
Querem de tudo inteirar-se,
Sempre dispostos a efetuar,
Qualquer coisa para bajular.

Fixos no alcance do sucesso,
Em nada aceitam retrocesso,
Do imagético perfeccionista,
De um perfeito protagonista.

Em tudo protelam boa ação,
E sabem justificar a intenção,
Presa na inércia burocrática,
Da sinecura de ação prática.

Usura, sovinice e a avareza,
Sustentam a astuta afoiteza,
De protelar com a hipocrisia,
O que delegam à hipostasia.

Sob um hábito incorporado,
Sonham com belos legados,
Jogados à inercia do tempo,
E à traição do contratempo.

Alargam a tática protelatória,
Com medos de perder a glória,
De serem julgados imperfeitos,

Sob a falácia dos seus defeitos.

sábado, 14 de outubro de 2017

QUANDO A ORDEM É A CAUSADORA DA DESORDEM



João Inácio Kolling

Sinopse

            A história humana está repleta de polarizações a respeito do que se entende por ordem e desordem e do que se assume diante destes âmbitos, seja na lida doméstica, na organização social e no modo de entender o mundo e suas manifestações.            Colocadas como polarizações contrárias e antagônicas, a defesa unilateral de qualquer uma destas duas posturas pode levar a extremas crueldades, sempre na argumentação de que a desordem precisa ser combatida pela ordem, ou vice-versa, quando a ordem se torna a maior causadora da desordem.
             Assim, guerras, desde ideológicas até os grandes genocídios, costumam ser efetuadas em nome da ordem e para colocar um limite na desordem. Do mesmo modo, Estados civis e religiosos, tidos como o mais altaneiro cultivo e expressão da ordem, matam, eliminam e espoliam os membros da sua agremiação, seja através do exército, da polícia e de tantos outros mecanismos coercitivos e ameaçadores, até em nome de Deus, para eliminar todos quantos não aceitam submeter-se à sua ordem.
            Parece que estamos num momento em que se evidencia cada dia mais a estreita conectividade da ordem e da desordem: não constituem realidades contrárias, nem no universo, nem na condição humana e, menos ainda, na sua organização social, seja de filosofias, jurisdições, crenças religiosas, artes ou ciências. Ordem e desordem constituem realidades complementares e, portanto, constituem realidades dignas de outros olhares para além deste único olhar direcionado que aprendemos a fitar.
Palavras-chave: ordem – desordem – cosmos – caos – criacionismo – evolucionismo – nova ordem.
Prólogo

            Diante da questão tão cotidiana e evidente em torno do que é ordem e desordem, as respostas podem ser escabrosas e se refletem nas lidas diuturnas das diferentes manifestações culturais dos seres humanos – especialmente nas afirmações das ciências e nas concepções religiosas do mundo – pois ali se explicitam em muitas e variadas oposições, tais como: tradição e modernidade, visão sagrada e profana; o certo e errado; a turbulência e a segurança; a agitação e a paz, etc.
            O que sobressai de forma muito evidente é que ordem corresponde ao que é racional, ao que é ordeiro e organizado, mas, o pensado como ordem, mantém uma intimidade complexa, enigmática e imprevisível com a desordem. O estabelecido como ordem, na verdade, também está impregnado com confusão e instabilidade. Tal imbricação não está somente na organização humana, mas, também na organização mais ampla do universo.
            Nas rápidas ponderações deste texto, aliamo-nos aos que defendem a inseparabilidade da ordem em relação à desordem, porque a ordem decorre da desordem, e, a própria ordem produz processos de desordem.
            A partir das leis da termodinâmica, é possível repensar muitas afirmações vinculadas à origem e ao desenvolvimento da vida humana, sobretudo, diante das concepções criacionistas e evolucionistas. Mas, o mesmo antagonismo também se reflete no Estado e em torno da auto-poiese e gera crises a partir de concepções fundamentalistas, tanto pela ótica da ciência quanto da religião.
             O alcance deste texto é limitado e pretende somente despertar um alargamento de noções que facilmente geram afirmações categóricas de uma fixidez estável e determinista, quando se trata de ordem e desordem. Basta observar que na ordem de tantos fenômenos naturais de ciclones, furacões, chuvas, ventanias, secas e terremotos, há uma constante desordem que altera suas regularidades previsíveis.

1.    Inseparabilidade da ordem e da desordem

Ao invés de pensar a ordem e a desordem como realidades distintas, opostas e adversas, convém pensar que são elementos constitutivos de uma mesma realidade.
Rui Paz[1] salienta que para se definir ordem, torna-se necessário considerar diversos níveis:
a)     A dos fenômenos que aparecem na natureza física, biológica e social, onde a ordem é relativamente constante e estável, regular e repetitiva;
b)    O da natureza de ordem – que envolve determinismos, causas e necessidades que levam os fenômenos a certa constância na sequência dos passos;
c)     O da ordem como coerência lógica e previsível que se estabelece na racionalidade, como harmonia e ordem mental, que, por sua vez, envolve cinco noções: ordem, determinismo, objetividade, causalidade e controle.
Nestes níveis, ocorre uma recusa             vigorosa da desordem, que tende a ser vista como empecilho da clara razão científica. No entanto, na ciência moderna tem aparecido desde a metade do século passado, cada vez mais evidente, que a desordem também se manifesta no saber que pretende erradicar a desordem.
Especialmente o surgimento do segundo princípio da termodinâmica abre este olhar mais amplo sobre a ordem, pois, foi constatada a irreversibilidade da degradação da energia, um princípio de desordem, segundo o qual, o calor se agita e se dispersa e, simultaneamente, é desorganização.
Tal conclusão afetou todos os sistemas organizados. O efeito da descoberta deste princípio da termodinâmica igualmente atinge a ideia de movimento perpétuo que pressupunha um universo físico como um relógio perfeito e inalterável. Agora, este mesmo universo é visto como essencialmente caracterizado pela corrupção. Já se torna inviável pensar o futuro como progresso contínuo, porque nele se mistura a decadência e a morte, porquanto dinâmicas contrárias no universo revelam ordem e desordem, organização e desintegração.
            Por outro lado, a desordem, também comporta pelo menos dois níveis:
a)     O das irregularidades, das inconstâncias, instabilidades, acidentes, etc. É o nível que perturba organizações, desorganiza, desintegra e leva à morte. Envolve igualmente o barulho que atrapalha a assimilação da mensagem.
b)    O do aparecimento do acaso e da eventualidade (irracionalidade, incoerência, demência, etc.).
O referido autor ainda salienta que: ”A noção de desordem preocupa. A mente é impotente diante de um fenômeno desordenado. Pior: a desordem provoca a degradação e ruína no universo e na sociedade. A de que desordem é aquilo que precisa ser eliminado. Na história do pensamento e da sociedade assistimos a uma recusa permanente da desordem e, é claro, do acaso”.
     Por isso, um erro básico da astrologia seria precisamente o de excluir o acaso e o acidente, tornando-a assim, um determinismo da racionalização, pois, como toda pré-ciência, recusa o acaso e a desordem, seja no entendimento das causas últimas, da moral ou da captação dos sentidos, das posições políticas ou da desordem na sociedade, pensada, como anarquia, caos e crime.

2 – Valoração do caos organizado

         Do ponto de vista religioso, a narrativa do Gênesis, lembra que no “princípio havia o caos”. Deus teria estabelecida a ordem e teria estendido esta capacidade à condição humana, e, incumbindo-a da tarefa de colocar ordem no lugar do caos.[2] O processo histórico humano, no entanto, já nos mostra que o momento presente é crucial, devido à deterioração das condições de vida. Os efeitos climáticos aumentam a preocupação em torno do modo econômico adotado pelos seres humanos e sua organização na produção e no consumo de bens naturais do planeta Terra.  Tal sistema vem produzindo profundas desigualdades e instabilidades na organização da vida.
            As chamadas economias ricas revelam-se, na verdade, além de injustas, perversas na exploração dos bens da terra e causam miséria à maior parcela do gênero humano. Por outro lado, as guerras, cada vez mais comuns, revelam que a ordem, tida como soberana, vem causando desordem em grandes âmbitos do planeta. Aparece também um crescente aumento de comportamentos doentios, com muitos neuróticos e muitos esquizofrênicos a atrapalhar a convivência humana.

3 – Desordem e caos no cosmos

            Sustenta-se na cosmologia que nosso universo, como na dedução religiosa do Gênesis, provém de um grande caos. Fala-se em “Big-bang” ou de outros processos para concluir que a ordem do universo teria se engendrado no meio da desordem do caos. Assim, a ordem de galáxias, sistemas, estrelas e planetas teria se formado a partir de evolução do caos.
            Sob este enfoque, podemos perceber como ainda hoje, sob a auto-apreciação dos humanos super-inteligentes, eles vivem agitados por constantes guerras, não apenas militares, mas, também comerciais em que as batalhas dos exitosos não mencionam o caos dos perdedores. A denominada boa gestão tende a ocultar os verdadeiros assaltos feitos a outros, mesmo dissimulados nas propagandas agressivas e nas informações privilegiadas e manipuladoras sobre outros, com clara intenção de enganar e de levar muita vantagem.
            Apesar dos muitos paradigmas ou modelos científicos que fornecem certo consenso de entendimento da realidade que nos envolve, podemos observar que eles caem, a toda hora, com inovações de estudos que sustentam outros modos de entender esta realidade a partir de comprovação de que os paradigmas vigentes estavam equivocados. Por isso já se fala em “caos determinístico”, pois, da aparente contradição do caos com o determinismo, observa-se que a ordem tende a aparecer no meio da desordem, e, que a própria ordem causa desordem. Por outro lado, mesmo dentro da desordem, também existe ordem.
            A física quântica também nos ajuda a relativizar a ideia de determinismo, porquanto revela aos físicos a incerteza e a contradição em torno do movimento e da posição de uma partícula, uma vez que pode ser onda e corpúsculo ao mesmo tempo. Assim, o universo não é pensável sem a desordem, pois, se fosse completamente ordenado e organizado, nem daria espaço e condições para uma evolução. Como a ordem e a desordem coexistem não se pode subestimar nem uma e nem outra.
            “As máquinas artificiais se estragam rapidamente, embora sejam feitas de componentes bem confiáveis. As máquinas vivas embora constituídas de componentes que se estragam rapidamente, as proteínas, escapam, durante certo tempo, da degradação: é que as células fabricam proteínas novas, os organismos fabricam células novas, enquanto a máquina artificial é incapaz de se auto-reparar e de se auto regerenar”.[3]
            Enquanto a máquina artificial suporta os efeitos da desordem porque não se auto-regenera e nem se auto-repara, as organizações vivas, não apenas toleram certa desordem, mas, também produzem processos de regeneração que rejuvenescem processos que se degradaram e se regeneraram. Há, pois, simultânea tolerância, produção e combate à desordem.
            Na evolução biológica ocorrem acidentes climáticos por causa de mudanças ecológicas e reorganizações genéticas, geralmente vistas como manifestações de desordem o equilíbrio e à homeostase transitória que se delineou. Assim, muitas coisas que causaram degradação e desintegração, acabaram reorganizando a vida de maneiras novas.
            “Sim, há ordem nesse universo, mas essa ordem se cria, se desenvolve; se corrompe e se destrói. Existe muita poeira cósmica (ela é em maior quantidade do que a matéria organizada) e há muita poeira doméstica quando paramos de varrer, de espanar, de limpar, isto é, quando deixamos as coisas de lado... No nosso universo, as estrelas cospem fogo, ardem e finalmente explodem. Há um incessante barulho de fundo, barulhos diversos no silêncio infinito do espaço”.[4]
            Decorrente disso, tanto a ordem quanto uma desordem, revelam duas faces distintas, ou tidas como opostas nos processos humanos:
a)     A desordem ostenta por um lado a delinquência, a criminalidade e os atritos com outras pessoas; mas, por outro lado, ostenta a face da liberdade (que não é a desordem, mas que pressupõe regras de jogo e muita tolerância para não ficar atrelada à ordem da lei e na lei da ordem);
b)    A ordem também apresenta uma face de regulações e de proteção para que aconteça a liberdade, mas, a outra face, coage, impõe e impede a existência da liberdade.
            No aspecto humano, percebe-se esta mesma contradição, pois, o mesmo cérebro que produz razão e equilíbrio, é o cérebro que produz o desequilíbrio, a demência e a irracionalidade. Tal procedência aponta para a teoria da complexidade.
            O termo “complexo” vem sendo muito usada para designar algo difícil, complicado e misterioso; algo que não se entende e nem se consegue assimilar no entendimento. O que leva à teoria da complexidade, no entanto, envolve um processo da vida:
            “A teoria da complexidade é a parte da ciência que trata do emergente, da biologia e da inteligência artificial, que, como os organismos vivos, aprendem e se adaptam. A lógica da ciência da complexidade substitui o determinismo pelo indeterminismo e a certeza pela incerteza”. [5]
            Sob este referencial da incerteza, a palavra caos, historicamente assimilada como desordem, significa na ciência moderna, a ordem mascarada de aleatoriedade. Até o que parece caótico é fruto de uma ordem subliminar, onde os pequenos detalhes, não percebidos, podem causar grandes efeitos, revelando que não há uma linearidade no universo. A pressuposição determinista deduzia que tudo dependia da linearidade de causas e efeitos. No entanto, para a ciência moderna, fenômenos deterministas constituem somente uma pequena parcela dos eventos naturais. Tudo vai evoluindo e mudando continuamente e já não se pode pressupor que no universo tudo seja estável e passivo.
            Sob uma paixão por certezas, a desordem sempre foi desprezada e a aleatoriedade foi assimilada como afirmação ignorante. No entanto, para a teoria do caos, a desordem e a instabilidade, bem como o acaso, é que constituem a norma ou a regra geral. Sob este enfoque, pode-se entender a teoria da “autopoiese”, ou seja, a teoria da autoprodução.

4 – Ordem e desordem na perspectiva da Auto-poiese

         O termo “autopoiese” (auto = próprio; + poiesis = criação) foi criado em 1970, pelos biólogos e filósofos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela, para salientar que a vida é produtora de si própria e não é produzida por condicionantes externos. Eles concluíram que os seres vivos tem a capacidade de se produzirem a si próprios.
            Atualmente, esta noção foi estendida da biologia para outros campos da ciência, como Antropologia, Psicoterapia, Administração, etc.
            Maturana e Varela começaram a se perguntar se a fenomenologia social também estava ligada a uma fenomenologia biológica. E deduziram o que pode ser ilustrado numa metáfora: os seres humanos são máquinas que se produzem a si mesmos. São, pois, produto e produtores de si e funcionam numa circularidade produtiva. No exemplo de uma mesa, os referidos biólogos constataram que dá para diminuir o tampo, e, se está redondo, pode-se fazê-lo quadrado; também podem ser encurtadas as pernas etc., e isto, ainda não lhe tiraria a característica de ser uma mesa. Mas, uma vez desmontada na sua organização pela separação das partes, ela deixa de ser mesa.
            Nos sistemas vivos, algo similar se manifestaria: muda a estrutura, que, constantemente se adapta às modificações do ambiente, mas, na desarticulação da organização, provoca-se a morte. Assim, os sistemas vivos são determinados por uma estrutura social, mas, também interagem na estrutura de forma imprevisível. Os seres vivos são determinados, mas não pré-determinados, porque a estrutura muda constantemente e de forma aleatória, firmando-se a circularidade, pois, o mundo vivido por nós depende da nossa visão do mundo.
            A realidade percebida depende da estrutura da nossa individualidade pessoal. Deste modo, existem tantas realidades quantas pessoas as percebem. O observador não é isolado do que observa, pois, uma onça vai olhar o mundo pela sua estrutura de onça, e, jamais pela configuração do olhar humano. Também o ser humano olha a cobra de um jeito, que, com certeza, não é o mesmo jeito de um gavião a observá-la. Assim, nossa visão de mundo sempre é fragmentada e restrita. Significa que nossa visão nunca nos permite chegar à verdade objetiva dos outros.

5 – Ordem e desordem na visão estadocêntrica

            A ideia de ordem também perpassa uma realidade em crise profunda na articulação do Estado. Conquistado como parâmetro mais elevado e, meio mais eficaz de proporcionar boas e satisfatórias relações humanas, o Estado vive o velho maniqueísmo de se proclamar como a ordem, e o lado do bem; diante da desordem, simbolizada pelo mal.
            Ao pressupor uma ordem previamente estabelecida, e adotada como o melhor bem-comum, submete os sujeitos particulares para persuadi-los de que ele, o Estado, é o melhor bem universal, capaz de dar direito, cidadania, segurança, amparo, proteção e realização aos seus membros. Assim, impõe, de forma vertical e heterônoma, uma verdadeira barbárie, sob a alegação de que está evitando a desordem e o caos.
             A visão estadocêntrica, geralmente agrega membros de posturas políticas de direita e de esquerda, sob uma mesma condição reativa, a fim de convencer os membros de uma nação, que eles carecem impreterivelmente do Estado. Sem o Estado ficariam totalmente fragmentados e sujeitos à desordem, sem o Estado, os seus conflitos seriam intermináveis e as competições jamais encontrariam sossego.
            Sob o pretexto de regularizar os conflitos, os políticos que constituem o Estado, dão a entender que estão acima da sociedade, mas, facilmente se esquecem de que a competição é inerente à condição humana e não apenas a cidadãos não tutorados pelo Estado.
            Se a conflitividade constitui uma realidade inegável, a capacidade de cooperar, por sua vez, depende de aprendizagem, pois, a sociedade humana é, segundo Augusto de Franco,[6] incapaz de gerar a esperada ordem a partir da cooperação. Por isso, o Estado se arroga o direito de impor a ordem. E já nem se pergunta se a ordem é justa, ou injusta, mas, simplesmente a justifica pelo necessário combate à desordem.
            A insatisfação generalizada com o Estado deve-se exatamente à sua concepção de ordem, pois, para assegurar a soberania: discrimina, prende pessoas, tortura e elimina aquelas pessoas ou grupos que não se submetem, e provoca verdadeiras catástrofes humanas. Assim, em nome da defesa dos valores mais sagrados, um Estado particular regula a vida de um povo e normatiza a partir da força militar e da capacidade econômica tudo quanto quer fazer em nome da ordem.
            Nota-se, pois, um verdadeiro paradoxo quando a ordem é a que mais desordena a vida em nossos tempos.
            “A ordem, segundo a modernidade, é uma ordem jurídica, estatal, minimalista em teoria e maximalista na prática. A jurisdição progressiva das relações sociais é uma luta sisífica contra pressentimentos de desordem que, ao serem aplacados, cria um vazio que só novas desordens podem preencher... Curiosamente,[7] no entanto, o direito não se imune deste caminhar incessante sobre as águas da desordem. Ao caminhar, ele próprio desordena-se, fragmenta-se, pluraliza-se, descentra-se. A ordem que não sabe pensar a desordem acaba sempre por ser pela desordem”.
            Um olhar retrospectivo sobre a evolução do estado brasileiro não nos livra de uma associação à imagem do lobo do homem, que apenas estabelece deveres, mas que confere pouquíssimos direitos. O próprio sentido de povo como nação, nasceu de mobilizações muito ligadas a questões etnocêntricas: “No Brasil, o Estado veio associado à escravidão, à internacionalização das riquezas e à pilhagem da cultura e da economia. Tornou-se um Estado patrimonialista: um poder político marcado pela privatização do espaço público e pelo uso/abuso das instituições a fim de dominar os pobres, trabalhadores, escravos e mestiços. O direito sempre esteve associado ao patrimônio privado, à centralização da renda, aos direitos individuais dos grandes proprietários de riquezas e dos ‘donos do poder’(no dizer de Raymundo Faoro). Com essa rota distorcida do poder e do direito, formamos nossas míopes noções de segurança jurídica e de segurança nacional”.[8]
            Neste processo de formação, o ordenamento jurídico brasileiro sempre associou de maneira especial segurança pública com a segurança nacional, colocando, desta maneira, O Estado como instância altaneira sobre a vida do povo.
            A relação ambígua entre ordem e desordem afeta também outra polêmica muito ampla envolvendo concepções religiosas e científicas. É a questão criacionismo e evolucionismo.

6 – Ordem e desordem na relação entre criacionismo ou evolucionismo?

            A polêmica costuma estabelecer-se entre a defesa acirrada de uma concepção contra outra. Nosso entendimento é o de que o criacionismo não seja necessariamente o antagonismo da evolução. Sem entrar nos meandros do que pode ferir a sensibilidade de uns ou de outros, o entendimento da noção bíblica, não exclui, por obrigação, o surgimento humano a partir de um processo de evolução emergente do caos.
            Ao assimilar a alegoria da criação, efetuada em sete dias, relacionado ao horizonte dos dados da Paleontologia, percebemos que a simbologia do número sete (“7”) refere-se a algo não mensurável. Na época da redação do texto do Gênesis a contagem do tempo não era como esta de nossos dias, de uma semana com sete dias. Desta forma, sete dias equivalem aos bilhões e milhões de anos em que se desencadeou a formação do planeta Terra e, o mais recente surgimento dos seres humanos neste planeta (sexto dia).
             Costuma-se dizer, numa comparação ao relógio com a longa história da formação da Terra, e do aparecimento dos hominídeos neste longo processo evolutivo de um tempo imensurável, eles teriam surgido às 23 horas, cinquenta e nove minutos e 59 segundos.
            Os mencionados sete dias – pensados como tempos imensuráveis, com grandes e possíveis estágios da formação da Terra e do surgimento da vida, corresponde à intuição da narrativa bíblica dos possíveis passos deste grandioso fenômeno que se expandiu a partir de etapas em grandes períodos históricos e que culminaram no surgimento dos seres humanos.
            Assim, o que se afirma em nome da paleontologia, significa a mesma coisa que a intuição do olhar religioso de um judeu, que, ao contemplar este fenômeno grandioso do universo, sentiu que, no fundamento desta grandiosidade, estava a mão do amor de Deus. Certamente a capacidade de Deus não fica desmerecida e nem diminuída, se no seu amor, o pressuposto do que fizera em sete dias, na verdade, possa ter levado muitos bilhões de anos.
            Uma leitura fundamentalista e literal dos textos bíblicos, que sequer tiveram a pretensão de serem científicos, porquanto expressaram uma experiência religiosa de alguém que percebeu a existência de um mistério de amor maior do que o alcançável de ser feito e ajustado pelo ser humano.
            Mesmo a dedução científica de um possível “Big Bang” ou, qualquer outro fenômeno que tenha engendrado o início deste imenso cosmos, paira - para além da ciência e da religião, - uma incerteza, porque não existem dados objetivos que assegurem a comprovação da causa última desta existência. Tanto do ponto de vista religioso, quanto do científico, convêm, pois, certa cautela: é possível que algum dia alguém chegue a constatações muito distintas e diferentes!
            Entretanto, ocorre na concepção religiosa, sobretudo, na mais fundamentalista, a convicção de que cada criatura humana é obra direta do criador, e que, por isso, não faria parte das contingências de caos e ordem do longo processo de evolução do planeta Terra. Supõem que a alma, advinda de fora deste universo, estaria vinculada a uma ordem que está além dele. Por isso, torna-se comum a adoção de posições categórica como a que estabelece a contraposição criacionista e evolucionista:
a)     O criacionismo – a sustentar que o universo fez o percurso do caminho perfeito e bem organizado para a crescente desorganização. Deus teria criado o mundo perfeito, mas, o pecado instalado no mundo, teria desencadeado um processo de desequilíbrio e destruição. A religião teria, por isso, a incumbência de religar esta fonte primigênia decaída, ao amor de Deus.
                        A afirmação da origem criacionista entende que o caminho do universo vai e da ordem para a desordem, ou seja, da complexidade para a simplicidade.
b)    O evolucionismo – por sua vez, considera inaceitável essa degradação, porquanto afirma precipuamente o inverso: que do caos e da desorganização ocorreu um processo evolutivo para maior organização.

Nesta perspectiva da ciência, Júlio César Borges afirma: “Toda a vida na Terra obedeceu na sua criação ou evolução, como queiram, certamente a primeira Lei. O somatório de todas as alimentações, mais todas as excreções, todas as respirações, todas as sínteses de componentes, todo calor absorvido ou gerado, todas as fossilizações, todos os descendentes, quer evoluam, mutem ou se alterem, na história da Terra, independentemente deste período de tempo, é constante, pois a vida perde energia, juntamente com a Terra e o próprio sistema solar, para o espaço exterior, simplesmente isso”.[9]
Isso, porque estaríamos fundamentalmente dependentes da energia, observação que gerou as duas leis da Termodinâmica, envolvendo a energia e seus efeitos: “1ª Lei: A energia é conservada, não pode ser criada ou destruída, apenas transformada; 2ª Lei: Um processo será espontâneo se o caos do universo aumentar”.[10]
Júlio César Borges também salienta que: “nos processos espontâneos existe uma tendência a aumentar o grau da desordem. O universo sempre tende para a desordem crescente: em todos os processos naturais a entropia do universo aumenta.[11]
A entropia, por conseguinte, está relacionada à desordem de um sistema, pois, tudo tende ao caos e, a própria ordem é um caso limitado no interior da desordem.
            Enfim, parece que nada diminui a nossa condição humana, se deixamos de nos entender como parte deste processo evolutivo em que a desordem do amor de Deus permitiu nossa existência.
            Possivelmente vamos continuar na paradoxalidade de oscilar entre a ordem e a desordem. Como diz Mirela Ribeiro, “Uma eterna oscilação entre ordem e desordem tem influenciado, na tradição ocidental, concepções de mundo, traduzidas em filosofia, artes e ciências. Até meados do século XX, o mudo podia ser percebido como ordem a partir de certezas da objetividade, da medição e da previsão... A partir daí, realidades incertas, fronteiras móveis, jogos de possíveis, exploram uma cartografia do imprevisível”.[12]
            Tanto na física quântica, quanto nas filosofias e nas vanguardas da arte, misturam-se as duas realidades da ordem e da desordem e propiciam relações complexas, enigmáticas e altamente imprevisíveis. Aquilo que, num momento, é pensado como o melhor da ordem, não deixa de estar misturado com muita insegurança, confusão e instabilidade, e acaba relegado em outro momento como inadequado.
            Com certeza, toda busca de ordem vai continuar acompanhado de uma atinente fermentação de desordem e que, por sua vez, vai mediar algo novo.
            Ainda continuaremos reféns de uma noção muito comum que identifica a ordem com racionalidade e boa organização e que o sensível, o intuitivo e o poético façam parte da desordem. Trata-se de herança cultural já muito antiga, pois o filosofo Platão já deduziu que a desordem causa a contingência e a destruição. Mas, o tempo moderno mudou esta noção e o sensível já não é mais tão demonizado como foi em tempos antigos e tão relativizado como expressão frágil da desordem.
            Basta observar como, seguidamente, nós nos encontramos diante da desordem: é todo o envolvimento com as doenças, contaminações, com as violências físicas, políticas, religiosas e este constante assédio de inseguranças, medos, dúvidas e hesitações tipicamente desordenadas.
            De certa forma o passado nos oferece um substrato ou suporte para assimilar muitas coisas como sendo do âmbito da ordem. Isso até propicia uma sensação de segurança. No entanto, tudo se mescla com a desordem ante qualquer possibilidade de inovação, mudança e opção por algo novo. É uma espécie de dialética em que constantemente oscilamos entre o desejo da ordem e a efetiva manifestação da desordem.

Epílogo

            Apesar do grande impacto das concepções evolucionistas no entendimento da vida e do cosmos, certamente, esta ordem estabelecida na capacidade racional de explicar cientificamente os passos da evolução para a auto-poiese da vida, e da constante inter-atuação das ordens e das desordens, integra uma realidade muito mais ampla do que a nossa. E, ainda encontrará - devido à própria provisoriedade dos paradigmas de conhecimento – um dia em que alguém conseguirá enxergar as teias e os emaranhados destas concepções em torno do universo e da vida, sob um olhar muito diverso deste que ocupa nossas mentes e nossas convicções.
            Como a curta história humana tem revelado grandes reviravoltas nas explicações dadas como evidentes, como definitivas e categóricas, poderão ainda surgir muitas outras em tempos vindouros a partir de surpresas aleatórias e do acaso.
            O mesmo fenômeno poderá acontecer no campo das interpretações de experiências religiosas, sem que isto diminua a grandeza da condição humana e a capacidade criadora, ou desencadeadora de um longo processo, que alguém, muito além de nós, chamado de Deus ou de outro nome ou, inominável, tenha engendrado este grande enigma do universo e da vida humana, como um sinal evidente do seu bem-querer.
            Muito fato aleatório e casual poderá estar por trás de tudo quanto já foi determinado como definitivo e rigorosamente comprovado. Poderão, pois, dos imensos repertórios da desordem, ainda advir incontáveis outras ordens melhores do que estas dos nossos tempos. E como o papa Francisco insiste, cabe também à Igreja abrir-se para novos entendimentos da razão de sua existência e, para tanto, precisa, impreterivelmente, ser uma “Igreja em saída”. Mais do que firmar-se nas estáticas afirmações de uma imagem solidificada, cabe-lhe procurar outro modo de ser e de agir.
            Por outro lado, diante dos processos entrópicos da energia, podemos aceitar que, assim como o cosmos, a Terra e a vida humana passam por um processo gradualmente destrutivo, que também nossa individualidade, o Estado, a Religião, e toda a produção cultural humana, aumentam a desordem, e, esta mesma energia do seu definhamento, pode eclodir em novas características de cosmos, de mundo e de instituições sociais na condição humana. Deste modo, mais do que lamentar a falta de ordem em certas instituições, convém focar os olhos para formas menos desordenadas. Que apareçam novos céus e novas terras; novos seres e novas estruturas sociais!
            Enfim, quando a principal causa da desordem decorre da ordem, significa que a ordem já está caduca e que outra ordem melhor precisa ser articulada.



[1]  In: ruipaz.pro.br/textos_pós/inseparabilidade.pdf Acessado no dia 07/10/2017.
[2]  Apesar desta afirmação, impôs-se outra convicção contrária no quadro religioso judeu-cristão: a de que tudo foi feito de forma absolutamente perfeita por parte de Deus e que toda entropia, acaso e desordem são fruto do pecado humano, que não acolhe a plenitude de Deus e não se enquadra nas suas orientações. A concepção desta ótica distinta aparece no mesmo livro do Gênesis quando trata do paraíso e da queda, por causa da desobediência.
[3]  Rui Paz, op. Cit. p. 05.
[4]  Rui Paz, op. Cit. p 8.
[5]  José Gilvomar P. Mattos. Análise do ambiente corporativo – do caos organizado ao planejamento estratégico das organizações. Rio de janeiro: e-papers, 2007, p. 45.
[6] FRANCO, Augusto de. Globalização, ordem e desordem. In: contexto3.blogspot.com.br/2008/05/7-globalização-ordem-e-desordem.html Acessado dia 09/10/2017.
[7]  Segundo o editorial da Revista Crítica de Ciências Sociais sobre Fatalidade ou Fractabilidade, nº 36, fevereiro de 1993, p. 7 In: https://estudogeral.sib.uc.pt/hitstream/10316/39114/1/Fatalidade%20ou%20Fractabilidade.pdf Acessado no dia 02/10/2017.
[8][8] Vinício Martinez, em Ordem e desordem no Brasil. In: htpps://jus.com.br/artigos/34258/ordem-e-desordem-no-brasil Acessado no dia 04/10/2017.
[9]  No texto Termodinâmica de Sistemas Biológicos. In: graduação.iqsc.usp.br/files/AulaO2bioqI_Termodinâmica.pdf Acessado dia 07/10/2017.
[10]  Júlio, César Borges, idem ibidem. Se a 2ªLei, ou o Princípio da Termodinâmica “expressa a quantidade da entropia de qualquer sistema isolado termodinamicamente tende a incrementar-se com o tempo até alcançar um valor máximo. Enquanto a primeira Lei da Termodinâmica estabelece a conservação da energia em qualquer conservação, a segunda Lei estabelece condições para que as transformações termodinâmicas possam ocorrer” (Cf. https://wikipedia.org/Segunda-lei-da-termodinamica Acessada dia 08/10/2017).
[11] Júlio César Borges, op.cit.
[12]  Mirela Ribeiro. Ordem e desordem: criação e metamorfoses ético-estéticas na formação docente. In: wp.ufpel.edu.br/paralelo31/files/2015/03/05_artigo04_mirela.pdf Acessado no dia 05/10/2017.

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