Em muitas
situações da vida, fé e racionalidade se misturam. Em algumas, é sutil e
imperceptível a inter-atuação; em outras, fica evidente que uma não substitui e
nem se equivale à outra. Imaginar, por exemplo, os discípulos de Jesus Cristo
apavorados entre as ondas do mar, movidos por medo e desespero, seria,
evidentemente, muito mais importante para eles uma palavra de confiança de quem
se antecipa no caminho a seguir, do que uma fria explicação calculista e
lógica.
Como fomos
criados sob fortes influências da cultura européia, que se articulou
especialmente sobre o modo de viver dos indo-europeus e do pensamento grego de
conquista, aprendemos muito cedo a explicar e a justificar fatos,
interpretações e mentiras. Tudo, no entanto, nos induz à lógica de raciocínio
do convencimento da veracidade. Disto decorre que, não importa tanto o fato
real e objetivo, mas, a argumentação usada para convencer outras pessoas sobre
o que nós achamos sobre determinado fato.
A figura de
São Tomé é muito rica e ilustrativa a respeito da situação de pessoas que
desejam orientar-se na vida, movidos pelo raciocínio lógico do ver, do tocar e do
provar para, depois, acreditar. O
evangelista São João, no entanto, orientava suas comunidades na fé para a irrelevância
das provas como condição necessária para o seguimento de Jesus Cristo. A
indicação do caminho era outra: não há necessidade de provas. Basta
experimentar fazer algo parecido, ao que Jesus Cristo fazia, para se constatar um
salutar e benéfico efeito da fé.
Hoje muitos
homens, mulheres, jovens e crianças são induzidos a colocar uma ou muitas condições
prévias para acreditar em Jesus Cristo: esperam pela anterioridade de um sinal
forte, convincente e significativo, como um milagre, para, - depois, - procurar
ir ao seu encontro.
Na dificuldade das primeiras
comunidades, está também a nossa dificuldade: vencer a barreira da comprovação
racional para depois crer. Quando Tomé aceitou experimentar a inversão das suas
expectativas, tornou-se rapidamente capaz de professar um ato de fé em Jesus
Cristo: chamou-o simplesmente de “meu Senhor e meu Deus!”
Se o caminho
da fé não requer necessariamente o das provas racionais, não significa que a fé
seja autônoma e que dispense a argumentação racional que nos dá razão para
acreditar em Jesus Cristo, mas, convém que não repitamos o mesmo modo de
protelação do acreditar somente depois de receber provas plausíveis e
convincentes. O risco é o de nunca sairmos desta justificativa e nunca nos
enveredarmos a qualquer tentativa de nos aproximar da palavra de Jesus Cristo.
Ainda que o
texto relativo a Tomé seja apócrifo em relação ao evangelho de João, constitui
valor de rica síntese para nos ajudar a lidar com muitos pios desejos,
insuficientes para agir positivamente de um jeito mais próximo aos
procedimentos de Jesus Cristo diante de sofrimentos muito variados de pessoas
que Ele encontrou em suas andanças.
Possam
também nossos cultos e celebrações eucarísticas dominicais despertar fortes
motivações para nos tornar “assembléia de pessoas livres”. Se muitas delas
carecem de alegria, e se nelas predomina certo tédio para que elas sejam
encerradas o mais rápido possível, convêm redescobrir necessidades mais
profundas para tais encontros.