sexta-feira, 25 de abril de 2014

Lógica racional e fé



            Em muitas situações da vida, fé e racionalidade se misturam. Em algumas, é sutil e imperceptível a inter-atuação; em outras, fica evidente que uma não substitui e nem se equivale à outra. Imaginar, por exemplo, os discípulos de Jesus Cristo apavorados entre as ondas do mar, movidos por medo e desespero, seria, evidentemente, muito mais importante para eles uma palavra de confiança de quem se antecipa no caminho a seguir, do que uma fria explicação calculista e lógica.
            Como fomos criados sob fortes influências da cultura européia, que se articulou especialmente sobre o modo de viver dos indo-europeus e do pensamento grego de conquista, aprendemos muito cedo a explicar e a justificar fatos, interpretações e mentiras. Tudo, no entanto, nos induz à lógica de raciocínio do convencimento da veracidade. Disto decorre que, não importa tanto o fato real e objetivo, mas, a argumentação usada para convencer outras pessoas sobre o que nós achamos sobre determinado fato.
            A figura de São Tomé é muito rica e ilustrativa a respeito da situação de pessoas que desejam orientar-se na vida, movidos pelo raciocínio lógico do ver, do tocar e do provar para, depois, acreditar.  O evangelista São João, no entanto, orientava suas comunidades na fé para a irrelevância das provas como condição necessária para o seguimento de Jesus Cristo. A indicação do caminho era outra: não há necessidade de provas. Basta experimentar fazer algo parecido, ao que Jesus Cristo fazia, para se constatar um salutar e benéfico efeito da fé.
            Hoje muitos homens, mulheres, jovens e crianças são induzidos a colocar uma ou muitas condições prévias para acreditar em Jesus Cristo: esperam pela anterioridade de um sinal forte, convincente e significativo, como um milagre, para, - depois, - procurar ir ao seu encontro.
Na dificuldade das primeiras comunidades, está também a nossa dificuldade: vencer a barreira da comprovação racional para depois crer. Quando Tomé aceitou experimentar a inversão das suas expectativas, tornou-se rapidamente capaz de professar um ato de fé em Jesus Cristo: chamou-o simplesmente de “meu Senhor e meu Deus!”
            Se o caminho da fé não requer necessariamente o das provas racionais, não significa que a fé seja autônoma e que dispense a argumentação racional que nos dá razão para acreditar em Jesus Cristo, mas, convém que não repitamos o mesmo modo de protelação do acreditar somente depois de receber provas plausíveis e convincentes. O risco é o de nunca sairmos desta justificativa e nunca nos enveredarmos a qualquer tentativa de nos aproximar da palavra de Jesus Cristo.
            Ainda que o texto relativo a Tomé seja apócrifo em relação ao evangelho de João, constitui valor de rica síntese para nos ajudar a lidar com muitos pios desejos, insuficientes para agir positivamente de um jeito mais próximo aos procedimentos de Jesus Cristo diante de sofrimentos muito variados de pessoas que Ele encontrou em suas andanças.
            Possam também nossos cultos e celebrações eucarísticas dominicais despertar fortes motivações para nos tornar “assembléia de pessoas livres”. Se muitas delas carecem de alegria, e se nelas predomina certo tédio para que elas sejam encerradas o mais rápido possível, convêm redescobrir necessidades mais profundas para tais encontros.

            

terça-feira, 22 de abril de 2014

A socialização da doença



Quando o estômago fala,
Mais alto que o cérebro,
E o pensamento que rala,
É movido pelo cerebelo,
O que pode sair da fala?

O tribalismo dos gestos,
Dos gostos e das falas,
Aumenta fãs honestos,
Que imitam sem alas.

Quando o assunto primordial,
Centraliza a partilha da doença,
Não se rompe o abismo colossal,
Do que se diz e do que se pensa.

Uns falam e comentam horrores,
Outros absorvem as carapuças,
E internalizam as múltiplas dores,
E não se evadem das escaramuças.

Quisera ver o imaginário domesticar,
Coisas mais fruitivas e mais fagueiras,
Sem controle da razão a causticar,
A criação de doenças corriqueiras.

Quando o sistema introduz,
Vasta indústria da doença,
Muito pouca conversa induz,

À necessária convalescença.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Páscoa - das festas primaveris ao ovo de chocolate



            Apesar das muitas mudanças de referência, a Páscoa é provavelmente das festas mais antigas de nossa ancestralidade humana. Por longo tempo era festa de pastores nômades, celebrada na primavera. O nascimento de carneiros e de outros animais dava um sentido de passagem e de recriação das esperanças, pois, tudo indicava que teriam abastecimento de carne para mais um ano.
            Aos poucos, juntou-se a esta festa outro significado, a festa em torno da colheita dos primeiros grãos da safra que indicava o mesmo sentido de recriação das esperanças, porquanto que a possibilidade de enchimento das tulhas e reservas de alimentos remetia à alegria festiva.
            Certamente levou tempos enormes a adequação cultural nômade, centralizada em torno de animais para a cultura sedentária de cultivo de terras. Ainda em nossos dias estas distintas formas ainda estão presentes e se completam nos momentos festivos.
            Experiência religiosa muito intensa, experimentada por hebreus ao se escaparem da escravidão do Egito, levou a antiga festa primaveril a um terceiro significado: festa com grata memória pela passagem de libertação da escravidão.
             Muitos séculos mais tarde, Jesus Cristo, foi morto, precisamente nos preparativos da festa de Páscoa que avivava o amor de Deus mediante a saída do Egito. Na última ceia com seus amigos, Jesus sabendo da iminência de sua morte, valeu-se dos sinais da festa da páscoa, pão e vinho, e pediu que os amigos e seguidores passassem a lembrar um quarto e mais relevante significado às antigas tradições da festa: que lembrassem o que ele mais fez durante sua vida, especialmente para dar sentido à vida aos que já vacilavam na capacidade de admitir algo significativo para a existência, como maior sinal do amor de Deus.
            Deste quarto significado, articulou-se uma tradição cristã com ricas celebrações da memória de transcendência do que significa morte, sofrimento e perda de sentido. Esta passagem, avivada na existência, indicava horizontes para além da morte.
            De algumas décadas para cá, mesmo sem um grande evento de destaque, impôs-se à prática da vida, um quinto significado da Páscoa: consumir muito ovo de chocolate! Mesmo oco, que seja grande, vistoso e saboroso!
Gradualmente vão ficando esquecidos os importantes significados da ancestralidade da festa de Páscoa e o ditame do consumismo estabelece razão já bem distante da gratuidade e do significado religioso da festa: importa tão somente empanturrar-se à exaustão.
E para muitos, a decadência do antigo império romano, oferece, nesta hora, uma sugestão plausível: “comamos e bebamos, porque amanhã morreremos!”. Isto justificava o empanturrar-se, e, quando já não descia nada para o estômago, a provocação de vômitos constituía praxe para retornar à obsessão do voltar à repetição do ciclo de comer.
Assim, muitos não lembram nem nascimento de animais e de colheitas, nem experiências religiosas marcantes, menos ainda passagens profundas no sentido da existência, mas apenas que se trata de mais um momento para comer e beber até os limites possíveis.
Cristo ao celebrar a ceia com os discípulos, além de dar novo significado aos anteriores que eram importantes, ainda orientou, através de um exemplo, o do “lava-pés” que o serviço de comunhão e acolhida constitui o melhor ingrediente da festa.


Para a outra margem



Poderia pouco pão alimentar,
Muitos pobres dependentes,
Sem maiores tumultos causar,
De forma clara e envolvente?

Mui difícil é não parar,
Nos acontecimentos,
E continuar a andar,
Atrás de mais intentos.

Muitos lugares do nosso interior,
Clamam por fervorosa presença,
E requerem desapego do torpor,
Para captar redentora sentença:

É preciso remar na diuturna lida,
Para sair da fácil tentação régia,
E mesmo com a mente combalida,
Articular outra e nova estratégia.

Quando os fantasmas perturbam,
Os medos fazem solta lambança,
E quando conturbam a travessia,
Requerem palavra de confiança.

Quaisquer luzes de confiança,
Fazem os medos desaparecer;
E indicam coragem à andança,
Para apontar novo amanhecer.

Como enfrentar a travessia,
Na real resistência ao novo,
Quando muita glossololalia,
Profana e submete o povo?

Necessário será amolecer,
O coração empedernido,
Incapaz de se condoer,
Por apego ao preterido.


quinta-feira, 10 de abril de 2014

A fidelidade por um fio



            Os efeitos da hiper-realidade de nossos dias exaltam ao auge das sugestivas motivações a produção de heróis triunfantes, que, mesmo sem nos envolver em reais elevações triunfais, nos amarram aos delírios e sonhos produzidos em torno daqueles que são proclamados heróis ou heroínas. Beleza física e capacidade esportiva tendem a ocupar os lugares de destaque, ao lado das ascendências governamentais.
As entradas dos presumidos triunfantes são geralmente exploradas à exaustão, com fogos, luzes, incalculáveis fotografias, e volumes de som acima do permitido por lei, para gerar delírio.
No conformismo distante de atos heróicos, projeta-se, sobre o outro herói ou heroína, o sonho acalentado, mas, em nada efetivado.
Posses de reis, de governantes e até de subalternos mandantes costumam envolver a apoteose triunfalista de quem assume um cargo eminente. Do primeiro testamento da Bíblia, lembra-se uma figura típica de quem foi, no imaginário coletivo de muitos séculos, o rei das excelsas grandezas humanas.
Sua entrada e também sua posse na capital de Jerusalém foram estabelecidos como sinônimos deste clímax, embora lhe atribuíssem os mais humildes e bons propósitos para o bem-estar do povo.
Rápido como os ventos, volatizaram-se os propósitos e o famoso rei começou a pensar mais em si e nas suas muitas amantes. Pouco sobrou para a gestão governamental em favor do povo.
Os redatores dos evangelhos de Jesus Cristo animaram as primeiras comunidades cristãs com uma releitura do “triunfalismo davídico” pelo avesso. A entrada de Jesus, em Jerusalém e seu senhorio, não foram os de um comandante vencedor de acirrada disputa de guerras. Basta lembrar que Jesus entrou montado num jegue: desarmado e ciente do que o caminho redentor tinha outro percurso.
Para os cristãos, Jesus passou a ser identificado não ao rei imponente, mas, ao “servo sofredor”, lembrado em quatro poemas de Isaías, que destacam certos sofrimentos como caminho que impregna redenção e salvação.
O alcance do sofrimento consciente e integrado com vistas a alguma mudança ou superação é sempre um sofrimento que gera vida. Nas propostas de Jesus Cristo a grandeza da capacidade de sofrer por uma razão maior, se constitui estratégia não ao triunfalismo, mas, ao triunfo.
Assim como os que acolhiam Jesus, jogando ramos verdes sobre o chão por onde passaria na entrada de Jerusalém, rapidamente foram envolvidos a se isentar do gesto e gritar contra ele, também Judas, um dos discípulos mais próximos, o traiu e o relegou por alguns poucos trocados.

Em nossos dias, como estes primeiros discípulos, muitos cristãos relegam o seguimento a Jesus Cristo por muito menos do que algumas moedas e ramos verdes de acolhida. Basta uma pequena mágoa contra alguém da comunidade ou um pequeno traço de antipatia contra o padre ou, minudências ainda mais insignificantes, para se fecharem no seu mundinho pessoal de vida, sem ação, sem causa de ação, e, mais ainda, sem nenhuma motivação para incorporar algum grau, - por pequeno que seja – de sofrimento ou esforço por uma causa justa e edificante.

Limite dos desejos



Se seus incríveis alcances chegam ao infinito,
E ultrapassam os mais altaneiros obstáculos,
Esmorecem, contudo, ante o frágil contradito,
Os seus sutis e insignificantes sustentáculos.

Bastam olhares enviesados,
Ou meneios desconfiados,
Que na solidez emperram,
E no desânimo se enterram.

Se os mais intensos e vibrantes,
Miram encontros aconchegantes,
Porque vacilam, por tão pouco,
E empalidecem como amouco?

Bastam as subjetivas procelas,
Para desanimá-los nas querelas,
E subsumir suas virtualidades,
Com todas as potencialidades.

Por moverem-se nos rumos,
Dos mui distintos aprumos,
Encontram na contrariedade,
Obstáculos à vasta saciedade.

Quando se cruzam com outros desejos,
Não conseguem ajustar seus remelexos,
E já desandam para o desvio das rotas,
No intento de escapulir das derrotas.

Frágeis, e, ao mesmo tempo vigorosos,
Temperam os intentos mais rigorosos,
E acalantam outros novos alentos,

No vasto mundo dos portentos.

terça-feira, 8 de abril de 2014

Festas



Antigas na humana condição,
Constituíram as muitas festas,
Estupenda fonte de gratidão,
E de mui animadas serestas.

Quando a memória de conquistas,
E das árduas e sôfregas superações,
Eram festejadas com gratas revistas,
Deixavam exuberantes os corações!

Surgiu a imponência do mercado,
Que estabeleceu a lei da vantagem,
E impôs às festas um novo legado,
Sem memória e sem camaradagem.

Na avidez do lucro avantajado,
Estimulação se deu ao vendável,
Que, ao engolir o homenageado,
Centralizou o lucro e o agradável.

Muitas festas se tornaram expressão,
Da hegemonia dos espertos falastrões,
Que, ao custearem minguada refeição,
Exigiam servis e atreladas submissões.

Outros descobriram nos inúmeros bares,
E nos restaurantes espalhados em profusão,
Possibilidades de festejar, distante dos lares,
Para amenizar vazio, desconforto e solidão.

Poucas festas sobrevivem em nossos dias,
Capazes de reavivar as lutas e conquistas,
Em meio a belas e envolventes melodias,
Com transbordamento para novas pistas.

O sofrimento passado, ao ser integrado,
Reporta para outras condições possíveis,
Em que os processos do agir fracassado,

Integram o rol dos atos mais plausíveis.

domingo, 6 de abril de 2014

Cachaça



Mais do que belas madames,
Encanta, de jovens a anciões,
E leva ao delírio dos ditames,
Os mais obcecados beberrões.

Os nomes indicam a graduação,
É cachaça para os renomados,
Pinga para os desconsiderados,
E “mé” para pobre consolação.

Sob pretexto de apenas um gole,
Considerado sadio e estimulante,
Os que vêm depois deixam mole,
A censura do controle ponderante.

Donde viria a graça da obsessão,
Compulsiva para não esquecê-la,
A beber até a moribunda exaustão,
Sem a capacidade de esvanecê-la?

Aprisiona mais do que presídios,
E aos que caem em seus braços,
Não apresenta outros subsídios,
Senão deles supor outros abraços.

Inebria, num certo momento,
Na mais evolvente majestade,
Mas, sem dó e constrangimento,
Induz na mórbida bestialidade.

Suportá-los no mau hálito,
E nas conversas sem graça,
Deixa pungente e esquálido,
O porvir de incauta desgraça.

Se a indução do ambiente,
Enfeitiçou na dependência,
Tão ardida, lábil, e renitente,
Como redimir a convivência?

Da labilidade dos desejos,
Ou da ausência dos seios,
Ao não darem os ensejos,
De sucção dos reais anseios,
Restou a sede sem medidas.

Como lidar com a feiticeira,
Sem horizonte alvissareiro,
Que rompe a vida caseira,
E conduz, ao rumo do bueiro,

Tudo o que possa ser fagueiro?

sábado, 5 de abril de 2014

Músicas



Oh! Saudade dos tempos de antanho,
Em que músicas eram potencializadas,
Pela vibração do ar que saía do pulmão,
E o volume maior do som, nada estranho,
Criava ambiente de rara e efusiva comoção.

Dos microfones aos potentes amplificadores,
Para muito além das proporções suportáveis,
Entrou a disputa pelos maiores potencializadores,
Com volumes os mais infernais e desagradáveis.

Muitos rapazes, ao desejarem esnobar seu brio,
Nem se reportam à expressão da virilidade corporal;
Usam tão somente velhos carros de aspecto sombrio,
Para amealhar do intenso volume uma aparente moral.

Distantes das músicas de harmônicas melodias,
Repete-se exaustivamente o tom de duas teclas,
E se as letras já não exaltam os belos e bons dias,
Proliferam nelas, os besteiróis de muitos asseclas.

Nas saudades também anelam amplos desejos,
Das exuberantes melodias de ondulados sons,
Capazes de encher a alma dos melhores ensejos,
E fazê-la transbordar cheia de melodiosos tons.

Que bom seria com belas músicas poder inebriar-se,
E no embalo das sonoras ondas nem ferir o ouvido,
E ainda divagar por mundos viáveis até extasiar-se,
Sem a nojenta exploração de um tema já denegrido.


quinta-feira, 3 de abril de 2014

Ressurreição e vida



            Muito cedo na existência nos damos conta da grandeza e da simultânea fragilidade da vida. Como o apóstolo Paulo costumava escrever, somos uma jóia preciosa num vaso de barro. Apesar da extraordinária capacidade psíquica e da incrível e encantadora organização do corpo, damo-nos conta de uma vulnerabilidade ainda mais espantosa.
            Adoecemos por muito pouca coisa e nos magoamos por coisas ainda menores. Ao mesmo tempo em que desejamos situações bonitas e maravilhosas, subsumimos em minúsculas situações de perda de sentido e, de repente, parece que nada mais consegue motivar-nos para algo melhor.
            O que, afinal, conseguiria remover-nos do sentimento vitimalista e de perdas diante dos outros, e, até mesmo diante de Deus?
            Num momento da história do primeiro testamento da Bíblia, quando a pátria tinha sido conquistada com muito suor e sangue; quando as regras ético-religiosas deram coesão às diferentes tribos; quando a fartura de alimentos era poeticamente cantada como terra onde corre leite e mel; sem demora, em outro momento, quando isso tudo tinha desaparecido, e esta gente exilada em outro país, novamente na condição de escravatura, levou aqueles escravos a se auto-interpretarem como meros cadáveres ambulantes: o pessimismo tomou conta das conversas e a imagem corrente levava ao senso comum daquelas pessoas de que não passavam de ossos ressequidos, sem nenhuma esperança para nada.
            O profeta Ezequiel, desejando um espírito de vida a este grupo humano cambaleante, apontou-lhe a evidência de que Deus não se negaria a restaurar toda esta situação de fracasso e renovar totalmente a vida para que pudessem admitir, pelo menos, a possibilidade de voltar a viver novamente na sua pátria.
            O Evangelho de São João, muitos séculos depois do povo exilado na Babilônia ter retornado à sua pátria, mostrou que Jesus Cristo, ao ser seguido, no seu modo de ser, seria capaz de propiciar renovação ainda mais profunda na vida: Nele se recriam as capacidades que tiram dos processos entrópicos de morte, e destes, podem haurir-se razões exuberantes para viver melhor. Isso é ressurreição!
            Na figura de Lázaro, nos damos conta de que nós, mesmo com boa pulsação cardíaca e com sangue correndo com rico fluxo nas veias, andamos, em muitos momentos da vida, de pés e de mãos amarradas por convenções ambientais e por incapacidades de nos desatrelar destas amarras e de tantas outras subjetivas prisões que nos tiram o gosto da vida. Assim, nos tornamos parecidos com cadáveres ambulantes, nos quais o olhar e a expressão fisionômica se aproximam mais do portão do cemitério do que da alegre, serena e satisfeita convivência.

            Quer na imagem de ossos ressequidos ou de ossos em estado de putrefação, somos interpelados a procurar em Cristo a vitalidade para desamarrar as mãos e os pés, - especialmente as amarras psíquicas - a fim de andar com graça e satisfação nos caminhos da vida. Esta plenitude, nós também a esperamos para além da morte derradeira.

Discernimento



Se até dos agentes da justiça,
Se espera que sejam sensatos,
O que dizer da enorme preguiça,
Para julgar os próprios atos?

Com os olhares, os mais perspicazes,
Perlustram-se sociais acontecimentos,
Mas revelam-se altamente ineficazes,
Para integrar ínfimos aborrecimentos.

Quando a aparência toma o lugar do real,
E a conversa andeja quais murmulhos,
Longe da subjetividade nada frugal,
Eclodem os mais estranhos borbulhos.

Discernir sensatamente,
Sem dobrar o peso da cacunda,
Permite antever sutilmente,
Que nada nos afunda.

Por que não valorizar a faculdade,
Da apreciação objetiva da vida,
Sem remelexo da lealdade,
E com a mágoa enternecida?

Pode-se então amealhar,
Das riquezas humanas,
Algo mais que gargalhar,

Das coisas doidivanas.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Agitação e mundo interior



O constante migracionismo,
Na busca de estabilidade,
Não alivia o psiquismo,
De sorrateira fatalidade.

Quando tantos se acostumam,
Ao diário e intenso agitamento,
Tensões internas se avolumam,
E roubam todo o contentamento.

A intensa estetização do cotidiano,
Impõe o gostoso, bonito e divertido,
Só que impõe processo desumano,
E deixa o mundo interior preterido.

Sob o “realiza-te a ti mesmo”,
Rompe os laços familiares,
E ejeta ao perdido esmo,
As tradições milenares.

Sem a percepção interior,
Dos valores do passado,
Assume força superior,
Apenas o engraçado.

Quando os distúrbios de adaptação,
Não evadem os surtos depressivos,
Nem os psicóticos ensejam satisfação,
Por que descurar passos progressivos?

Emerge, então, o comércio tentador,
Que explora o sofrimento à exaustão,
Mas seu lenitivo nada amenizador,
Tampouco alivia a interna combustão.

Se o sentimento vazio da existência,
Inviabiliza algo essencial ao sentido,
Também não encontra na convivência,
As riquezas do vasto mundo preterido.








<center>ERA DIGITAL E DESCARTABILIDADE</center>

    Criativa e super-rápida na inovação, A era digital facilita a vida e a ação, Mas enfraquece relacionamentos, E produz humanos em...