terça-feira, 30 de agosto de 2016

Frugalidade do respeito



Considerado pretérito e caduco,
Aparece sutil como um macuco,
A fitar no horizonte alvissareiro,
O emergir de um visual altaneiro.

A tão repetida aposta da guerra,
Com o hediondo que ela encerra,
Sempre ignora as regras valiosas,
De convivências despretensiosas.

Sem o devido respeito ao distinto,
Comete-se abuso em todo recinto,
E a já degradada lealdade humana,
É sufocada pela avidez que engana.

A vingança apenas prolonga a dor,
De quem já foi um refém perdedor,
E cede ao arrogante desrespeitoso,
A outorga para ser mais fastidioso.

Antigas companheiras da história,
Alargaram efusões de bela vitória,
Ao apontar o caminho do perdão,
Como segredo de fácil superação.

Tão elementar para uma segurança,
Pode o respeito alargar a confiança,
E encher os olhos de encantamento,
Para um recuperado entendimento.











sábado, 27 de agosto de 2016

Obsessão da vontade



Desde o envolvimento da gestação,
À iniciação despertadora da atenção,
Insinua-se a obsessão pela conquista,
Como o sinal vital da função prevista.

Cada criatura deve ser determinada,
A buscar pela vontade programada,
Ampliação do ambiente socializado,
Para deixar grande e vistoso legado.

Educa-se para o intelecto de argúcia,
Hábil para organizar toda a minúcia,
Mas não sensível ao ato de acolher,
E, menos ainda ao de se enternecer.

Na vivência religiosa imita-se a lida,
E na percepção da ação combalida,
Não se espera orientação de rumos,
Mas só resultados para os aprumos.

Rejeita-se o que aquieta a vontade,
E mais ainda o que indica veleidade,
Pois se quer haurir da fonte divina,
Tudo quanto a vontade determina.

Já não resta tempo para auscultar,
O que na vontade se deseja ocultar,
Ou tornar passível de acolhimento,
Algo que brote de bom sentimento.






sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Humildade e gratuidade



            As duas virtudes destacadas por Jesus Cristo encontram-se, com certeza, em momento histórico de baixíssima cotação. O ímpeto social e coletivo aponta precipuamente para o contrário: fazer qualquer coisa para tornar-se visível e valer-se de quaisquer mediações que ajudem para a elevação da autorreferencialidade.
            Parece que especialmente em tempos de crise de convivência urbana é que voltam mais as crises em torno da capacidade de se portar de forma modesta e acolhedora diante das pessoas. Como já acontecia no tempo de Cristo, a decadência urbana repete cada dia mais a centralidade da precedência a qualquer preço, a tal ponto que posturas de humildade e de gratuidade se tornam tão estranhas que até parecem ser anormais.
            E como é desconfortável ter que ir a uma casa e ter que preencher o tempo todo ouvindo bajulações para enaltecer o anfitrião ou seu convidado especial, ao lado de outros que disputam a proximidade para aparecer na maior evidência possível. Segundo o evangelista Lucas (14, 1.7-14) Jesus soube tocar com sutileza nesta doença social da precedência. E entre as historinhas que Jesus contava, ele ressaltava que no entorno da mesa deveria prevalecer uma expressão de amizade e não a dos interesses pela prática de rituais elogiosos e de etiquetas em torno da imagem de alguém.
            Jesus relativizou a precedência dos lugares de destaque e das honrarias em torno do lugar mais proeminente. E para surpresa, sugeriu não convidar pessoas do mesmo padrão para a festa com a expectativa de receber pelo menos outra festa similar como retribuição. Jesus salientou, ao mesmo tempo, a grandeza da gratuidade no sentido de oferecer algo sem ter em vista o retorno de algo similar em termos de qualidade e de ostentação.
            A proximidade de eleições municipais nos coloca muito por dentro deste clima bajulador em que o centro da conversa constitui a trocas de gentilezas, com muito mérito fantasioso e com muitas atribuições exageradas. O elogio apresenta sempre uma segunda intenção.
            Outra surpresa deixada por Jesus Cristo foi a de estimular o convite a pessoas que não tem o que retribuir. Ao se fazer festa para elas, não se considera algum mérito, mas, destaca-se o valor expresso à vida destas pessoas. Não cabe, pois, manipulá-las para o interesse subentendido de que se submetam a alguém que está sendo colocado em evidência. Trata-se de um amor gratuito, como foi aquele amor manifestado por Deus. Assim, quer sejam pessoas próximas por parentesco ou as consideradas pelo valor da sua existência, quando convidadas para algum momento festivo ou de valorização de suas vidas, sempre ocorre algo que se aproxima do amor de Deus. Tanto o receber quanto o ofertar algo para alguém, implica em humildade e gratuidade.

            

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Lares desfeitos



Nestes tempos de estímulo afetivo ilimitado,
Induzido por processo narcisista exacerbado,
Predomina a mutabilidade das experiências,
E a instabilidade de regras e de consistências.

Com a pornografia orientando o imaginário,
Qualquer corpo atraente segundo o ideário,
Merece ser curtido, desfrutado e deflorado,
Para a satisfação de um ego ensimesmado.

No corpo prostituído e feito para consumo,
O sagrado valor da vida familiar sem rumo,
Já não desperta nem aprumo e nem opção,
Porque já é refém prisioneiro da corrupção.

Corrompem-se os laços afetivos e sexuais,
E a troca dos parceiros por razões banais,
Propaga as crises sem caminho de perdão,
E gera ódios veiculados em larga profusão.

No fugaz que mata esperanças de futuro,
Produz-se um processo humano inseguro,
Apesar das ameaças e normas coercitivas,
Sem qualquer inovação nas perspectivas.

Tampouco a prática de fé e vida religiosa,
Criam meios para superar a lida piedosa,
De buscas para emoções desequilibradas,
Sem elã para refazer alianças esfaceladas.




terça-feira, 23 de agosto de 2016

Velhas similitudes



Tempos imemoriais revelam a prepotência,
De mandantes obcecados por precedência,
Que priorizam nefasta e despótica postura,
Apesar dos juramentos de reta compostura.

Defendem com ênfase as leis estabelecidas,
Mas são pioneiros para deixa-las preteridas,
E sob as aparências de postura impecável,
Praticam o que equivale ao mais execrável.

Tecem regras rígidas para pequenos ladrões,
Mas escondem os arroubos de extrapolações,
Que efetuam a fim de favorecer as vantagens,
Que ainda ocultam as fenomenais rapinagens.

As ambições constituem o parâmetro da lei,
Sem se importar com o que acontece na grei,
E na aparência de uma postura reta e ilibada,
Conseguem encobrir a sua vida conspurcada.

A auto-atribuição de importante superioridade,
Aufere-lhes também justificativa de autoridade,
Para não sensibilizar-se com anseios populares,
Mas mantê-los no foco de ilusões espetaculares.










sábado, 20 de agosto de 2016

A traição de um imagético



Numa reação fundamentalista,
Difunde-se como fé poderosa,
O cerimonial sensacionalista,
De coroar a imagem charmosa.

Se o imagético trocou de lugar,
E coroou a cabeça inadequada,
Não cabe um gesto tão vulgar,
Para uma figura tão esmerada.

Na falsa imitação das rainhas,
Rouba-se a pedagogia divina,
De quem por distintas linhas,
Evitou qualquer honra sovina.

Da mulher simples e serviçal,
Emerge o itinerário indizível,
Que aponta no rumo colossal,
Da superação do desprezível.

A esperança cristã vê pautada,
No jeito de agir e ser de Maria,
Um percurso de ação recatada,
Para alcançar a celeste alegria.





sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Assunção



            O que pode significar para um cristão a saudação a Maria, mãe de Jesus Cristo, com o título de assunta ao céu?
            Mais do que uma defesa apologética contra o pensamento moderno, técnico e cientificista, trata-se de uma experiência do âmbito religioso. Significa reconhecer na primeira formadora de comunidade cristã, em torno da mensagem do seu Filho, a grande expectativa da comunidade cristã e também de cada pessoa católica de que é possível transcender-se, elevar-se acima de problemas e de contingências, e, alcançar um nível de vida identificado como céu.
            Na gestação da Igreja, a imagem pessoal de Maria, representava certamente o anseio do que a comunidade esperava encontrar através da vivência da fé em Jesus Cristo. Mesmo diante da necessidade de refugiar-se no deserto, devido às intensas perseguições do império romano, celebravam os primeiros cristãos a certeza da vitória em torno do salvador.
            O evangelista Lucas, mais do que uma narrativa histórica, fez uma leitura teológica, para salientar a importante pedagogia de Deus presente nos acontecimentos em torno de Jesus Cristo e de sua mãe. Assim como Jesus nasceu de uma mulher simples, humilde e serviçal, Deus já teria dado sinais similares através de algumas mulheres do primeiro testamento, pois elas, como Raquel, Ester, Judite e diversas outras, agiram junto a seus maridos governantes para que mudassem planos diabólicos que se mostravam frontalmente contrárias aos anseios de vida do povo.
            Portanto, importa muito o lugar por onde Deus deu efetivos sinais da sua bondade: não foi a partir de damas nobres, de rainhas opulentas e vaidosas, nem do luxo dos palácios e nem tampouco da precedência de famílias régias e privilegiadas para os grandes acontecimentos sociais. Lucas percebeu que as coisas importantes de Deus na pela condição humana, apresentavam uma peculiaridade muito especial e aconteceram dentro de um mesmo itinerário: não de cima para baixo (do poder, da honra e da precedência), mas, pelo contrário, de baixo para cima, ou seja, emergiram da pequenez humana e da humildade colocada a serviço para o bem de outros. Assim Lucas constatou que os grandes sinais da parte de Deus pendiam a se manifestar de baixo para cima.
            Esta elevação da qualidade humana, que a mãe de Jesus tão bem expressou, para apontar um céu além da contingência cruel de um tempo difícil e impregnado de prepotência humana, serviu como substrato para a comunidade cristã primitiva, e representa, ainda hoje, nossa grande esperança cristã: que deste frágil mundo  podemos ascender e elevar-nos a um nível de céu.

            Longe das medalhas, das coroas de poder e das honrarias advenientes da superação dos outros, seja pela disputa da força e destreza física, ou pela astúcia de impor-se sobre os demais, o perfil de Maria aponta para uma ascensão de um caminho que, atualmente, desfruta de baixíssima cotação social: o daquela moça pobre, simples, humilde e mãe, - chamada Maria, - no modo como agiu para o bem-comum do seu tempo. Por conseguinte, mais do que esnobação triunfalista de muitos rituais em torno da coroação da poderosa deusa, a assunção de Maria é a festa da nossa esperança: que a nossa pequenez pode elevar-se até Deus!

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Dor subjetiva



Dores, oh, quantas dores,
Advindas dos dissabores,
A ocupar o nobre tempo,
Sem eira e contratempo.

Mais do que dores físicas,
Doem aquelas metafísicas,
Provenientes da memória,
De recordação merencória.

Ainda mais doídas são dores,
Que diagnosticam os temores,
Das reincidências fracassadas,
E de horas tristes e acossadas.

Na eira do pânico paralizante,
Surge sentimento aniquilante,
A tramar contra a serenidade,
Para impor lei de adversidade.

Aparece então do inconsciente,
O registro farto e reminiscente,
Que alarga a sensação dolorida,
De tanta fruição boa preterida.

Esta dor engole todo o alento,
E tritura o sonho de portento,
Pois paralisa egrégios projetos,

E anula o ardor de bons afetos.

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Traquinada na boa fé



Sob as vulgares buscas de poder,
O fim religioso costuma perder,
Seu objetivo de ação redentora,
Para uma missão controladora.

No apelo às normas e exigências,
Relevam-se muitas contingências,
Para apontar sonhos imaginários,
Gestados por intentos salafrários.

Insinuações sob o nome de Deus,
Facilitam aos malandros corifeus,
Expandir seus desejos ambiciosos,
Nos rumos opostos aos religiosos.

Interessa a glória e o vasto poder
Disfarçado no elã de corresponder,
Sob uma fala melosa e bajuladora,
A algo que desvia a ação redentora.

Na afirmação de obras grandiosas,
Que requerem doações generosas,
Abafa-se o foco do real merecedor,
Para enaltecer-se o empreendedor.

Laureado pela fama de expansionista,
Está o dominador bem sensacionalista,
A engrandecer-se pela sua capacidade,
Compradora de admiração à saciedade.






sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Pai



Da condição familiar veio o perfil,
Dos bons ideais de futuro varonil,
Ou das produzidas perversidades,
Experimentadas nas atrocidades.

Refém de uma situação concedida,
A sorte dependeu de uma medida,
De ambiente humano e acolhedor,
Ou maldade procrastinada na dor.

Já não convém julgar seus reflexos,
Nem muitos ou negados amplexos,
Mas acolher na alegria do superado,
Seu elã gestor de um valioso legado.

No modo de lidar com contradições,
De tantas duras e fortes insinuações,
Articulou-se a alma tão enternecida,
A refletir uma qualidade adormecida.

Tanto pai exalta o alcance do nome,
E eleva a reputação do sobrenome,
Que fortalece a melhor identidade,
E ativa o alargamento da bondade.

Diante do pai que honesto perdeu,
Na condição do que a vida lhe deu,
Resta mais do que uma retribuição,
Um enternecido gesto de gratidão.

Se empedernido no modo cultural,
Nem sempre acolhe meigo e frugal,
Sua responsabilidade tão evidente,
Transluz o rol de um transcendente.



Pais e suas opções na vida



            Abordar o tema de pais, ou seus procedimentos, equivale a uma tarefa de incontáveis possibilidades ambíguas e até contraditórias. Há os que se superaram extraordinariamente para além do que receberam na educação infantil, doméstica e coletiva, e encantam pela serenidade e pela segurança. Há os que eram muito bons e amáveis, mas, deixaram-se induzir por ambientes e amizades para caminhos totalmente opostos, perversos e degradantes.
             Há pais que vivem, segundo aprenderam, para serem meros machões e valentões. Há pais que tiveram impactos de entre-ajuda e deram uma guinada fundamental na vida, apesar de terem memória, de ciclos do seu passado com grandes abusos de si e de outras pessoas. Há também pais que são incomparavelmente piores do que tudo quanto de ruim se possa pensar de uma pessoa; e ainda existem os pais muito bons com seus amigos, mas, simultaneamente, péssimos maridos para as esposas e de total desleixo para com seus filhos. Para quem conviveu com um pai preocupado com a vida da família, com desvelo para ser amparo e segurança, o sentimento em relação a ele, certamente será muito distinto.
            Mesmo que falar de pai pode constituir assunto tão amplo e vago quanto falar de horóscopo: qualquer coisa que dele se aponte, confere com alguns traços ou gestos de algum momento. Mesmo assim, posso bendizer a Deus pelos 90 anos do meu pai e por tudo quanto representa para mim e para meus irmãos e irmãs e para a mãe. Ele não teve nenhuma peculiaridade especial de formação psicológica, técnica e pedagógica para ser pai de família, mas, do que aprendeu do seu bloco familiar, acrescido de humildade e participação regular numa comunidade de pertença, permitiu que constituísse uma família numerosa e que se sente próxima dele.
            Aprendeu uma postura muito valiosa que foi a colocar limites para seus desejos e soube cobrar limites dos filhos para o respeito do que havia sido combinado para a convivência familiar. Assim, longe da truculência, quer em casa ou no ambiente da comunidade, soube elevar-se pela prestimosidade de serviços, pelo bom nome e pela honra; mas, também, pelo modo de cultivar amizades.
            Ele se confirmou a partir de uma vida simples e discreta. Foi, contudo, um lutador que venceu muitos sofrimentos, nos imprevistos na saúde de membros da família e nas lidas agrícolas, que, tantas dúzias de décadas não produziram o almejado e quando produziram além do esperado, simplesmente não tinha preço de venda. Seu sofrimento assimilado, no entanto, aponta ainda hoje a firmeza da fé, com um olhar sereno para o futuro. Talvez por isso encontre tantas forças para estar de bem com a vida e satisfeito com o que aconteceu em seu passado. Constitui, pelo menos para mim, um sinal dos tempos, a apontar que há modos distintos e melhores do que o cego determinismo da obsessão pela acumulação de riqueza. Assim, aparece grata a emoção para dizer, - mesmo da distância, - “feliz dia dos pais”!


quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Preconceito



O desrespeito às diferenças,
Vai além das nobres crenças,
E supera radicais rotulações,
Para engendrar conspirações.

As perversas são declaradas,
Não por palavras execradas,
Mas pelo ferir do simbólico,
Denegrido com ar diabólico.

Na trama sob as aparências,
Organizam-se maledicências,
Que ferem uma identidade,
Com uma perversa maldade.

Uma vez denegrida a imagem,
Sob uma disfarçada roupagem,
Torna-se fácil o ato de exclusão,
Com silencio da quieta profusão.

A chance da vítima discriminada,
É esmaecida na imagem rotulada,
Que a torna inoperante na reação,
E a pressiona para nova migração.



terça-feira, 9 de agosto de 2016

Justiça



Proclamada como gestora de respeito,
Padece dum enrustido e grave defeito,
De aglutinar um conjunto de exigências,
Eivadas as para próprias aquiescências.

Veiculada como a instância da retidão,
Para ponderar e delinear na prontidão,
Sobre a inteireza dos fatos perpetrados,
Tende ao fim do desfecho para agrados.

Prevalece mais o argumento persuasivo,
Do que julgamento de um fato objetivo,
E nas entrelinhas dos muitos não ditos,
Acha-se fundamento para os interditos.

Injusta é a realidade de leis em excesso,
Que permite provar qualquer processo,
Para livrar um réu da sua culpabilidade,
Mesmo que agiu com explícita maldade.

Sobretudo as leis caducas e inapropriadas,
Facilitam, aos espertos, apelações variadas,
Que os isentam de virem a ser condenados,
Por evidências e atos por eles perpetrados.

Como sonhar com paz duradoura e estável,
Se as regras aplicadas a um quadro instável,
Condenam os pequenos e cotidianos delitos,
E ocultam as causas geradoras dos conflitos?


sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Intuições para além da riqueza e do conforto



            O antigo imperialismo romano estabelecia, para o seu tempo, um horizonte de esperanças muito parecido com este que nos é proposto nos tempos atuais: consumir cada dia mais, alargar sempre mais a riqueza, e viver no conforto!
            Diante do fim último estabelecido pelo império romano, os cristãos souberam reler o livro da sabedoria que já havia alertado o povo de Israel para que captasse a vigilância mais importante da sabedoria de Deus na história de Israel, especialmente, aquela que tiveram na noite da saída do Egito a fim de livrar-se de uma pesada escravidão.
            Os cristãos, mesmo constituídos num grupo ainda minguado e insignificante no meio do imperialismo romano, tinham, contudo, a convicção de que eram portadores de algo que ia para além das propostas de felicidade insinuadas pelo império romano.
            Entendiam os cristãos emergentes que, em Deus, encontrariam razões mais importantes para o futuro e para o fim da sua existência. Ao pensarem nas promessas deixadas por Cristo, valorizavam a riqueza advinda das esperanças para além da vida e consideravam de suma importância a atenção para tudo quanto levasse a existência na direção do que Jesus Cristo havia proposto.
            Mais do que o mercantilismo ilusório daquela época, importavam aos cristãos os sinais que realmente mostravam bem-estar. No cultivo desta atenção, ou vigilância, estava a expectativa de que quando Jesus viesse a manifestar-se no meio deles, os encontraria empenhados em bom serviço humanitário, assim como ele mesmo tinha agido concretamente no meio das pessoas.
            A convicção também apontava ao bom-senso cristão que uma vida cordial e reta era mais importante para a salvação do que muito empenho e desgaste físico para obtenção de muitas riquezas e melhorias constantes no conforto.
            Como para o povo de Israel e para os primeiros cristãos não era fácil enxergar para além da sedução dos valores romanos, nós também encontramos muitas dificuldades para discernir algo para além das perspectivas consumistas que se apresentam diante do nariz e dos olhos.
            Assim, para as pessoas de fé, algo que sequer aparece diante dos olhos, pode constituir o horizonte de maior alcance, pois, em vez de situar o foco nos bens, o alargam na atenção aos outros e se movem na certeza de uma herança gratificante a revelar Deus no meio da condição humana.


Dor da rejeição




Das comparações de dores,
E das medições de valores,
Além da forte dor de parto,
Outra gera um efeito farto:

A vida rejeitada como feto,
E negada sem mínimo afeto,
Ejetada no vazio do aborto,
Sem compaixão e conforto.

Dos poucos sobreviventes,
Eclodem dores padecentes,
Que o tempo não ameniza,
E nem muito amor suaviza.

O medo contínuo da morte,
Tira o encanto da rara sorte,
De expandir o dom da vida,
Com a gratidão enternecida.

A sensibilidade de ameaças,
Antecipa as novas desgraças,
E gera a percepção constante,
De outra rejeição degradante.

Nesta dor tão desorientadora,
Sem uma anestesia alentadora,
Queima todo o âmago do peito,
Sem surtir qualquer bom efeito.





Reminiscências



Bom é lembrar tempos de educação familiar,
Nos quais a retidão regia um elã de conciliar,
E, muito mais importantes do que aparências,
Luziam condutas de edificantes procedências.

Nem sangue derramado em seres inocentes,
Nem prepotência com atos inconsequentes,
Eram tolerados para a seguridade de um lar,
Pois bom entendimento deveria se propalar.

Como o núcleo básico da vida delineou a paz,
E sempre bem devotada ao respeito que apraz,
O alargamento social contingenciou a violência,
Com duras regras para impingir subserviência.

Dos atos vis aos desmandos mais degradantes,
Reinam forças do determinismo de mandantes,
Que não suportam diferenças de postura ética,
Que venha contrariar sua obstinação patética.

Resta a substituição de bons ideais assimilados,
Para procurar síntese entre outros desandados,
E aprumar o desejo para um denodado futuro,
Que fortaleça a esperança de ambiente seguro.
















Apupos


Com as vaias e gritarias do povo,
Parece que se vislumbra de novo,
A repetição das velhas patranhas,
De governantes em suas manhas.

Eles mesmos gritam por decência,
E aguardam merecida clemência,
Pelas irregularidades perpetradas,
Nas suas ambições já delineadas.

Protegem-se nos cargos e direitos,
E tentam imiscuir-se dos defeitos,
Para repassar a imagem bondosa,
Duma conduta ilibada e dadivosa.

O que importa é garantir a honra,
Mesmo que a tanta gente desonra,
E facilitar interesses corporativos,
Divulgados como sociais lenitivos.

Sabem que os apupos não agem,
Nas seguranças da sua miragem,
E nem maculam a fama do cargo,
Ou lhes causam dissabor amargo.

Assim, tão poucas coisas se renovam,
E tão minguadas situações se inovam,
Que sonhos de dias menos opressores,

Só aumentam o volume dos dissabores.

<center>ERA DIGITAL E DESCARTABILIDADE</center>

    Criativa e super-rápida na inovação, A era digital facilita a vida e a ação, Mas enfraquece relacionamentos, E produz humanos em...