sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Assunção



            O que pode significar para um cristão a saudação a Maria, mãe de Jesus Cristo, com o título de assunta ao céu?
            Mais do que uma defesa apologética contra o pensamento moderno, técnico e cientificista, trata-se de uma experiência do âmbito religioso. Significa reconhecer na primeira formadora de comunidade cristã, em torno da mensagem do seu Filho, a grande expectativa da comunidade cristã e também de cada pessoa católica de que é possível transcender-se, elevar-se acima de problemas e de contingências, e, alcançar um nível de vida identificado como céu.
            Na gestação da Igreja, a imagem pessoal de Maria, representava certamente o anseio do que a comunidade esperava encontrar através da vivência da fé em Jesus Cristo. Mesmo diante da necessidade de refugiar-se no deserto, devido às intensas perseguições do império romano, celebravam os primeiros cristãos a certeza da vitória em torno do salvador.
            O evangelista Lucas, mais do que uma narrativa histórica, fez uma leitura teológica, para salientar a importante pedagogia de Deus presente nos acontecimentos em torno de Jesus Cristo e de sua mãe. Assim como Jesus nasceu de uma mulher simples, humilde e serviçal, Deus já teria dado sinais similares através de algumas mulheres do primeiro testamento, pois elas, como Raquel, Ester, Judite e diversas outras, agiram junto a seus maridos governantes para que mudassem planos diabólicos que se mostravam frontalmente contrárias aos anseios de vida do povo.
            Portanto, importa muito o lugar por onde Deus deu efetivos sinais da sua bondade: não foi a partir de damas nobres, de rainhas opulentas e vaidosas, nem do luxo dos palácios e nem tampouco da precedência de famílias régias e privilegiadas para os grandes acontecimentos sociais. Lucas percebeu que as coisas importantes de Deus na pela condição humana, apresentavam uma peculiaridade muito especial e aconteceram dentro de um mesmo itinerário: não de cima para baixo (do poder, da honra e da precedência), mas, pelo contrário, de baixo para cima, ou seja, emergiram da pequenez humana e da humildade colocada a serviço para o bem de outros. Assim Lucas constatou que os grandes sinais da parte de Deus pendiam a se manifestar de baixo para cima.
            Esta elevação da qualidade humana, que a mãe de Jesus tão bem expressou, para apontar um céu além da contingência cruel de um tempo difícil e impregnado de prepotência humana, serviu como substrato para a comunidade cristã primitiva, e representa, ainda hoje, nossa grande esperança cristã: que deste frágil mundo  podemos ascender e elevar-nos a um nível de céu.

            Longe das medalhas, das coroas de poder e das honrarias advenientes da superação dos outros, seja pela disputa da força e destreza física, ou pela astúcia de impor-se sobre os demais, o perfil de Maria aponta para uma ascensão de um caminho que, atualmente, desfruta de baixíssima cotação social: o daquela moça pobre, simples, humilde e mãe, - chamada Maria, - no modo como agiu para o bem-comum do seu tempo. Por conseguinte, mais do que esnobação triunfalista de muitos rituais em torno da coroação da poderosa deusa, a assunção de Maria é a festa da nossa esperança: que a nossa pequenez pode elevar-se até Deus!

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