sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Entre o normal e o patológico



Quando o criar regras é o normal,
Sobre a consideração do anormal,
Dá-se ao sistema liberal a regalia,
De legislar conforme a sua revelia.

As leis favorecidas aos mandantes,
Legitimam que os pobres andantes,
Sejam rotulados como patológicos,
Ante os processos mercadológicos.

Mesmo falida a guerra pela renda,
Que entre os pobres gera contenda,
A política pública, no agir mórbido,
Revela a doença do estado sórdido.

Enganadora na redenção dos pobres,
Apenas favorece pretensões nobres,
À custa da miséria desconsiderada,
E da sua crassa obsessão obliterada.

Quando ocupam comandos centrais,
Conquistados por medidas desleais,
                                                      Podem supor-se atos humanitários,
De simulacros de chefes salafrários?









quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Expectativas messiânicas



            A memória histórica dos grandes intentos para estabelecer paz duradoura, parece constituir argumento incontestável de que guerras, armadas, verbais ou intimidadoras, não gestam as necessárias condições de paz e de entendimento justo entre povos e raças.
            O profeta Jeremias ao experimentar no couro a crueldade de um contínuo estado de guerra e de perseguição, esperava que finalmente o bom-senso pudesse entrar na cabeça das pessoas e, seu país, poderia então viver o bem estar no lugar da destruição. Para isso, sonhava o profeta (Jr 33,14-16) com um rei disposto a fazer a vontade de Deus e que levasse vida reta e justa. Com um rei justo o povo poderia, enfim, realizar-se como povo.
            O exercício do governo abriria, sob a justiça, uma nova forma de relacionamento com os países vizinhos, pois o pânico da destruição deixaria de constituir o assunto central das mentes. Os frutos do amor de Deus passariam a ser semeados diretamente no coração humano, pois, uma educação para o respeito e a cordialidade, já não careceria de violência e muito menos de armamentismo.
            Séculos mais tarde, os acontecimentos vivenciados em torno de Jesus Cristo, apontavam aos seus discípulos que Ele se revelava justo e, portanto, capaz de estabelecer a paz, tão almejada em meio aos horrores das guerras. Se os babilônicos já não eram os cruéis matadores como no tempo de Jeremias, estavam agindo outros matadores ainda piores: os romanos, que, devastaram o país e destroçaram a capital Jerusalém. A angústia, o medo e o caos estabelecido entre os sobreviventes, tomava conta da vida e inviabilizava qualquer sonho restaurador em torno das regras ético-religiosas.
            O evangelista Lucas, em meio ao estado de pânico, apontou aos discípulos de Jesus Cristo que seu modo de ser constituiria para a humanidade uma razão profunda de alegria, capaz de substituir a inquietação e o medo: a volta de Cristo poderia encontrar a todos em pleno desfrute do novo tempo que Ele instaurou. Lucas convocava os desanimados a uma vigilância positiva para fazer alargar-se o grande processo de libertação, pois este poderia levar à plenitude de Deus e sua bela obra poderia propiciar, entre os humanos, a realização das antigas esperanças, realimentadas ao longo de tantos séculos. Seria uma convivência de entendimento no lugar do desencontro de guerra; um cultivo de oração poderia mover as pessoas a se tornarem melhores, sem o formalismo exterior que insensibiliza o âmago do coração humano.

            

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Tornados e lamas




Como falar das bênçãos do papai do céu,
Quando tantas vidas são ceifadas ao léu,
E se culpa a engenhosidade da natureza,
Para esconder a extraordinária avareza?

Na perversa ambição do lucro sem fim,
Deteriora-se a vida até o último confim,
E se deprava esta natureza tão dadivosa,
Através do sistema de obsessão aleivosa.

Se governantes ocupam cargos no Estado,
Para impor aos outros um legado pesado,
E locupletar-se em ambições desmedidas,
O que esperar de suas vítimas subsumidas?

Quando a natureza geme em decrepitude,
Resta saber quem pode mudar de atitude,
Para que o sistema não destrua o planeta,
Sob um falso e trágico toque de trombeta.

Enquanto a educação não aponta freios,
E não muda nos seus desviados rodeios,
O afã de alcançar uma infinita conquista,
Aponta a iminência da tragédia prevista.



sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Velha obsessão monista



Nas veredas da concepção indo-européia,
Capta novo fôlego uma moderna epopéia,
Para dominar e submeter raças e nações,
E afastar os desejosos de suas pretensões.

Enquanto o terrorismo ensaia resistência,
Amarga-se a pobre e frágil contingência,
Do desamparo sem a evidência preclara,
Daquilo que em nome da paz se declara.

Avança, mais que enxurrada, a corrupção,
E expande-se a lama da safada usurpação,
Somente para aumentar a ostensiva fama,
Que dissuade sob a modéstia que difama.

Na centralidade da motivação de domínio,
O psiquismo já não produz bom raciocínio,
De comiseração pela alheia dor e carência,
Mas avança numa vilipendiada indecência.

Sob o pretexto de eliminar suposto inimigo,
Justifica-se a rotulação até de gesto amigo,
Pois, poderia constituir ameaça de sedução,
 E ampliar um risco real à própria ambição.  






quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Uma realeza de amor



            Se a palavra “rei” ou seu conotativo equivalente a “presidente” já não desfruta de subserviente encantamento, tampouco a linguagem religiosa que estabelece Jesus Cristo como “rei”, desperta impressões simpáticas. No entanto, o significado da atribuição feita a Jesus de Nazaré quer salientar um procedimento diametralmente oposto ao que era peculiar nos reis, imperadores e governantes.
            Basta lembrar o que Jesus falou e como lidava com as pessoas: manifestava solidariedade, compreensão, mas, também convocava para o perdão e a recuperação de sentido para a vida. Na culminância de tudo o que fez, não ficou a glória de bens, de fama e de precedência política, mas a cruz, símbolo do caminho duro e humilde para apontar outro jeito de convivência entre os seres humanos.
            Enquanto a realeza histórica dos reis vinha sendo marcada pela arrogância, pela força bruta das guerras e invasões, a realeza atribuída a Jesus Cristo, muito distinta do agir irônico de romano Pilatos, por exemplo, que chegou ao extremo de mandar flagela-lo, sob o pressuposto de que poderia ameaçar seu poder político. A proposta do reino apresentada por Jesus Cristo, não era a do império romano e nem mesmo uma tentativa de competir com o imperador Cesar, de Roma, ou de pretender estabelecer-se em seu lugar.
            Ao justificar que o atributo da realeza de Jesus não tinha nada parecido com a realeza deste mundo, o evangelista são João salientou que a realeza de Jesus é uma manifestação do amor de Deus ao mundo: não estava ali a fim de agitar o povo para a violência de guerrilha, de resistência ou de práticas de terror. Sua realeza apresentava a marca do amor. Por isso, aceitou a cruz, que aponta um caminho totalmente distinto da realeza que se manifestava no mundo e que se movia pela violência em todos os níveis da organização da vida.
            Na imagem do pastor que dá a sua vida pelas ovelhas, Jesus foi assimilado como alternativa aos poderes que se pautavam pela violência. Por isso, pode-se entender a ameaça que Jesus representava às tradicionais formas de exercício da realeza. A relativização das formas de governo mexeu com os brios dos que as sustentavam ao preço de espoliação, de escravidão, de pobreza e de morte.
            Infelizmente, até poderes exercidos no interior das comunidades católicas revelam que muitas pessoas agem mais pendentes aos traços de César e de Herodes do que de Jesus Cristo, que convocou as pessoas para o serviço em favor do bem comum. E como carecemos, ainda hoje, de uma realeza de redenção que se aproxima do itinerário de Jesus Cristo!



terça-feira, 17 de novembro de 2015

Desnudamento



Em tempo de exibicionismo erótico,
Esnobar intimidade virou despótico,
Para insinuar boa venda e consumo,
Mesmo sem um respeitoso aprumo.

Sob um imaginário vasto e erotizado,
Encontra-se um coração bem fechado,
Escondido na rigidez da exterioridade,
E sem limites na ousadia da maldade.

Na exaltação dos órgãos enrijecidos,
Já não falam os abscônditos zunidos,
Da complementariedade benfazeja,
Que o amor à vida do outro enseja.

A bondade destrutiva de desfrutar,
Abafa a capacidade de perscrutar,
Na construção da história familiar,
Elã para os contratempos conciliar.

No apropriar-se de tudo como dono,
Tantos descartados pelo abandono,
Transformam-se em inimigos reais,
E engolem básicos sentimentos leais.




sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Canção velha>



Na midiática sedução de nossos dias,
Inflamada pelas intimistas melodias,
Discursos categóricos e infantilistas,
Ecoam com modos sensacionalistas.

Em nada importa a injusta condição,
Mas uma preremptória observação,
De submeter aos rigorosos ditames,
Para ampliar os interesses infames.

Apela-se para as obras faraônicas,
Que exigem doações astronômicas,
Regulares, contínuas e constantes,
Para enaltecer afoitos mandantes.

Cantigas lentas e bem lamuriosas,
Apontam as nostalgias fantasiosas,
De mudanças fáceis e imediatistas,
Somente com piedades intimistas.

Ignora-se a coletiva ação serviçal,
E levam-se as pessoas pelo buçal,
Para um fascínio fundamentalista,
Que não aponta para a conquista.






quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Perspectivas para além da morte



         Um traço peculiar da crença cristã é o de orientar-se para além dos limites e das condições da vida humana. Estabelecidos numa frágil contingência, os seres humanos encontram-se estreitamente ligados ao húmus da terra e vivem do que se produz nesse húmus. Sob esta perspectiva, a morte inicia um processo de transformação do corpo, e, seus componentes se transformam em outros, que passam a integrar o processamento do húmus. Deste modo, os elementos químicos transformados poderão mesclar-se em plantas, e condições para outros seres vivos.
            No entanto, seria esta a única evidência para o fim último da nossa vida humana? Pelo menos, na perspectiva cristológica não se associa a morte como a definitiva e última palavra sobre a vida, mas, tampouco, tal noção leva a esperar tudo para além da morte, crença que em alguns momentos alienou muitas pessoas do compromisso concreto com a vida presente. Por outro lado, se tudo depende da seleção natural e da sobrevivência dos mais fortes, dos espertos e dos ambiciosos, como assimilar a condição das vítimas silenciadas, exploradas e eliminadas?
Já antes do Cristo a síntese bíblica deduziu, diante das barbáries imperialistas, que os justos teriam condições distintas dos malfeitores na vida, que se transforma para além da morte. Não pensavam em reencarnação para chances de purificação ou de continuidade em níveis de qualidade mais elevada, mas que, no âmbito de Deus, teriam uma consideração muito distinta daquela dos malfeitores. O profeta Daniel intuía que para os justos haveria vida mais plena e, para os ímpios, a condenação eterna.
            O evangelista Mateus, diante e das ponderações de Daniel e de sua linguagem apocalíptica, valeu-se do mesmo estrilo redacional para animar comunidades a se manterem vivas e operantes diante da maldade do império romano e convidava seus interlocutores a viver nesta adversidade, não simplesmente pelo fatalismo e submissão a quem subjugava e matava, mas apontava para os discursos de Jesus Cristo: viver bem e, atentamente, para interpretar os sinais que se manifestavam, e, lidar com eles como o próprio Jesus procedeu na iminência da sua morte: mesmo não desejando aquele desfecho, confiava em Deus e na certeza de ser agraciado por seu amor.
Os discípulos puderam recordar que Jesus não agiu sozinho em favor dos seus próprios interesses, mas, agiu intensamente para que emergisse, no meio daquele caos, uma nova criação. Esta esperança remetia a um sofrido e esperançoso parto para além daqueles processos hediondos de morte imputados pelo império romano.

            

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Transitoriedade



Ao se centralizar a novidade,
Já não importa antiguidade,
Nem todo o seu rico legado,
Manifesto no presente dado.


Na miragem pelo inusitado,
Todo desejo acaba relegado,
Por outro ainda mais audaz,
Para alcançar o que compraz.

O poder anônimo da sedução,
Com sua repetida insinuação,
Esconde as condições sociais,
E as nivela por desejos iguais.

No sonho da sobra com fartura,
Da acalantada condição futura,
Esmorece o legado da memória,
E expande-se delírio pela glória.

Indução ao obcecado consumo,
Agregado a felicidade no rumo,
Fomenta no torpor pelo porvir,
Sem a nobre grandeza de servir.




sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Adoradores de pano



No acirramento da onda fundamentalista,
Emerge vistosa e estranha a onda consumista,
A mover reverendos empedernidos por panos,
Querendo alcançar precedência em altos planos.

Um exército de modernos escribas justifica o gosto,
Da volta ao tempo que divinizava seu elevado posto,
E adora seus adornos de panos vistosos e chamativos,
Da suposta precedência dos excelsos poderes efusivos.

Embatinados conforme os ditames do tempo de antanho,
Exibem-se com ar da nobreza superior, ainda que tacanho,
E esperam benemerências para preencher ilibadas fantasias,
De ascese principesca e honrada, mesmo ao preço de apostasias.

Alargam a religiosidade de muito preceito categórico e moral,
E sabem produzir infantilismo em torno de tudo quanto é imoral,
 Mas, a sua mendicância de afeto sem rumo e sem explícito projeto,
Torna-os escravos da bricolagem de vestes de um gosto vulgar e abjeto.




quinta-feira, 5 de novembro de 2015

O que Deus merece da nossa vida?



            A condição religiosa parece viver uma tentação constante: a de aproveitar vestes e poderes para barganhar elogios e merecimentos especiais. Por isso, um dos pecados mais cometidos, e, certamente o menos confessado, é o da busca de precedência: se não é possível estar no posto mais elevado dos elogios e das bajulações, procura-se, pelo menos, um lugar de destaque e de honra.
            O problema é que esta busca de precedência vem normalmente acompanhada pela ambição de mais posses de bens, sejam simbólicos ou materiais. Deste modo, o status das honras tende a ser altamente injusto, pois, o foco no aparecer diante dos outros, leva a ignorar os direitos elementares destes outros, e, assim, se passa por cima das leis, das regras éticas e até do respeito elementar à vida alheia.
Jesus alertou muito insistentemente seus discípulos contra esta grande tentação, e que se manifestava escancaradamente nos escribas do seu tempo (cf. Mc 12,38-44). Os escribas sustentavam a exterioridade do culto e, do formalismo religioso de meras aparências de santidade, sem, todavia, alargar os frutos desta santidade no meio social.
 As situações similares de nossos dias parecem também cegar e obcecar tanto nas instâncias do poder civil quanto nos espaços religiosos. E como existe adoração de pano e de aparato litúrgico, como clara manifestação ambiciosa de poderes e de honras supostamente superiores e privilegiados nos âmbitos espirituais. Desta precedência, engendra-se a tentação de obtenção de vantagens para passeios turísticos, presumidamente religiosos, e, para ser envolvido em condecorações e festas fartas e bem sortidas. Com isso, o que se dá para Deus, para além das aparentes bajulações com vistas a mais honras?
Jesus fazia uma comparação entre a oferta do escriba, feita de forma pública, ostensiva e, com valor que pudesse impressionar. Assim, o doador poderia ser assimilado como alguém merecedor de ainda mais grandeza. Jesus salientou também outra cena de oferta: a de uma pobre viúva, que colocava sua condição de pobre na confiança de Deus. Entregou sua vida e não uma pequena parcela supérflua, mesmo do pouco que possuía. Por isso, Jesus falou que esta oferta era superior à do escriba.

Em outras palavras, Jesus orientava para que os discípulos não entrassem no jogo de devorar as casas das viúvas em desenfreada cobiça, mas, que procurassem ofertar para Deus as razões do viver. Seu ensinamento interpela a respeito das piedades de falsa santidade e das encenações que se fazem para alcançar honras, elogios e merecimentos. Já não importa real, humilde e efetiva busca de Deus, mas, simplesmente importa o cultivo da pretensão de destaque e reconhecimento pelo poder.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Veredas da falsidade



Educação difundida e insinuante,
Com perfil romântico e diletante,
Consegue educar mais que escola,
Para a mentira normal e pachola.

Tantos discursos de autoridades,
Escondem vulgares barbaridades,
E quando traídos por claros fatos,
Apelam à modificação dos relatos.

Advogados interesseiros sustentam,
E justificam mentiras que alentam,
Para insinuar a verdade mentirosa,
Que livra os falsos da ação ardilosa.

Assim se convence que é importante,
Sempre achar bom motivo diletante,
Para justificar uma lisura de imagem,
Sob uma real e cotidiana safadagem.

Já não importa a retidão e a decência,
E menos ainda uma condescendência, 
Para sensibilizar-se ante os espoliados,
Que, sôfregos, sobrevivem deserdados.


<center>ERA DIGITAL E DESCARTABILIDADE</center>

    Criativa e super-rápida na inovação, A era digital facilita a vida e a ação, Mas enfraquece relacionamentos, E produz humanos em...