sábado, 30 de janeiro de 2021

AUTORIDADE ADMIRÁVEL


 

Após convidar seguidores,

Jesus revelou os pendores,

No especial dia do Senhor:

Dar à vida um outro sabor.

 

Foi com eles na sinagoga,

Lugar religioso em voga,

E ante os mestres da Lei,

Deu sinal para nova grei.

 

Os detentores do poder,

Sem nada se enternecer,

Pregavam tema abstrato,

Sem cotidiano substrato.

 

Sem ver espírito imundo,

De um vivente iracundo,

Os sábios não desatrelam,

Mórbidos que atropelam.

 

O ensinamento de Jesus,

Um novo modo que reluz,

Dissolveu postura doentia,

Sem comentar o que se lia.

 

Não ensinou como seguidor,

Nem como erudito pregador,

De uma autoridade bajulada,

Mas a eclosão de vida ilibada.

 

Não foi profissional de ideias,

Para comunidades plebeias,

Mas o profissional das vidas,

Alienadas pelas suas feridas.

 

Esperança ao sujeito fraco,

Socialmente feito um taco,

Revelou a sua autoridade:

Carisma ante adversidade.

 

Poderosos sem autoridade,

Não aliviavam a iniquidade,

E Jesus sem poder religioso,

Agiu com gesto prodigioso.

 

Ante poder desumanizador,

Gesto de humano pundonor,

Acalmou e ensejou a crescer,

Com o ânimo de se arrefecer.

 

O poder sugador do espírito,

Que satisfeito no perispírito,

Deteriorou relacionamento,

No agressivo e mau intento.

 

Se poder mata comunidade,

E fragiliza qualquer amizade,

Também petrifica o coração,

E desconcerta toda boa ação.

 

Insinuação da autoreferência,

Revela ainda hoje, indecência,

Em gestos e atos prepotentes,

Que ratificam fitos renitentes.

 

Por isso o sonho da comunhão,

Requer o impulso para a união,

Com a autoridade sem o poder,

Para o humano ferido se erguer.

 

 

 

 

 

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

AUTORIDADE DE JESUS

 

 

Ao domiciliar-se em Cafarnaum,

Sob descaso e pobreza comum,

Jesus cumpre as suas promessas,

A pobres de carências confessas.

 

Ante a centralidade do templo,

Sem irradiar amor por exemplo,

Jesus fez visita a uma sinagoga,

Segundo o costume ali em voga.

 

Ali escribas interpretam textos,

E se remetem para metatextos,

Para motivar contra desânimo,

E resistir ao estado pusilânimo.

 

Jesus encantou aquelas pessoas,

Sem erudições acadêmicas boas,

Mas com autoridade da conexão,

De quem o interpelava para ação.

 

Sem a rebuscada e fina retórica,

E sem clima de sedução eufórica,

Mostrou autoridade ao possesso,

E acalmou sua doença de excesso.

 

No seu primeiro sinal de salvação,

Jesus demonstrou à judaica nação,

Que age contra o mal estabelecido,

E relega o povo refém esmaecido.

 

Naquele tempo sem conhecimento,

Dos objetivos fatores de sofrimento,

Atribuía-se sofrência a espírito mau,

Que constrangia num maldoso grau.

 

Dizia-se que vinha do mar agitado,

E nos indefesos de medo inusitado,

Causava domínio e larga opressão,

Sob omisso governo de exploração.

 

Marco simbólico a espíritos maus,

Jesus desmascara maldosas naus,

Que espoliam a dignidade da vida,

E exploram a condição denegrida.

 

Sem palavreado de efeito mágico,

Silencia o espírito imundo trágico,

Para revelar novidade da sua fala,

E para outro jeito de vida propala.

 

Tocou na raiz do que desumaniza,

 Que o mundo religioso demoniza,

E incriminou as classes opressoras,

Sem mínimas intenções salvadoras.

 

 

 

 

 

 

 

 

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

EXORCISTAS E PROFETAS


 

Desde os primórdios bíblicos,

Os encantamentos públicos,

Por descoberta de segredos,

Gestou devaneios e enredos.

 

Apelos mágicos para intuições,

De raras e divinas atribuições,

Moviam os bruxos e adivinhos,

Para animar incautos povinhos.

 

Vistas como infrações graves,

As abominações de entraves,

Falseavam no acesso a Deus,

O serviço profético aos seus.

 

Via-se na única função lícita,

Pessoa humanitária e solícita,

Não votada e nem escolhida;

Sob amor de Deus aquiecida.

 

Na escuta fiel e sintonizada,

Captaria vontade desejada,

Para repassá-la a seus fiéis,

E indicar-lhes bons cordéis.

 

Como naqueles idos tempos,

Com variados passatempos,

Profetas pregam sem limites,

Inspirados nos seus palpites.

 

Sob a magia e excentricidades,

Enaltecem suas celebridades,

Com trejeitos e adivinhações,

Para arregimentar multidões.

 

Ofuscam verdadeiros profetas,

E se tornam pobres anacoretas,

A mendigar crédito de milagre,

Com sabor de vencido vinagre.

 

Mais que o prestigiado sujeito,

Espera-se postura de respeito,

De uma comunidade profética,

Com muita sensibilidade ética.

 

EM TEMPO DE ÉTICA APOROFÓBICA

 


 PREÂMBULO

 

Primeiramente, convém apresentar uma pequena elucidação relativa ao significado da palavra “Aporofobia”.

Aporofobia é um termo que resulta da junção de duas palavras gregas: áporos, com o significado de pobre, desamparado; e fobéo, com a significação de temer, odiar, rejeitar. A palavra “aporofobia” é de uso relativamente recente, criado pela filósofa espanhola Adela Cortina, Catedrática da Universidade de Valença, Espanha, na década de 1990.[1]

Em entrevista concedida à BBC Mundo, a referida filósofa destacou que, assim como “xenofobia” constitui aversão a estrangeiros, a aporofobia consiste no cultivo de aversão a pobre, porque é pobre.

Segundo a filósofa, “...a palavra surge de forma mais simples, quando percebemos que não rejeitamos realmente os estrangeiros se são turistas, cantores ou atletas famosos, rejeitamos se eles são pobres, imigrantes, mendigos, sem teto, mesmo que sejam da própria família”.[2]

Adela Cortina, a criadora da palavra aporofobia, entende que esta palavra ajuda a tornar visível uma patologia social e, quando se investigam suas causas, torna-se possível o discernimento entre concordar que esta doença social continue a crescer; ou, para criar consciência que desperte a vontade de erradica-la, por produzir tratamento inadmissível.

Se a palavra aporofobia é recente, seu significado, no entanto, mostra que está radicado nas relações humanas desde tempos primordiais. Isso, todavia, não significa que devamos aceita-la, simplesmente, como algo congênito e natural; e, nem tampouco pressupor que sempre vai continuar a fazer parte da organização humana.

Num primeiro vislumbre, pode-se perceber que o fenômeno humano da aporofobia está fortemente ligado a questões culturais, mas, simultaneamente, pode-se observar que certas formas de organização social, política e econômica predispõem, mais do que outras, para os processos de rejeição a pobres.

Especialmente nos ambientes em que o dinheiro é muito valorizado, ao lado do seu poder de barganha para aumentar a fama, o sucesso e o aplauso, torna-se praticamente impossível considerar que todas as pessoas são iguais, perante a lei e os direitos básicos. Embora legislações apresentam belas declarações, como os direitos universais, o agir prático e cotidiano não se enquadra no amparo destas regras.

Basta ver que, tanto a nível pessoal, quanto grupal, e, até nas relações internacionais, fica perceptível que a predisposição para ajudar alguém costuma depender de uma anterioridade de favores recebidos. A não correspondência a favores feitos, leva ao abandono das pessoas, dos grupos ou das nações. O campo da política é o que melhor ilustra que, os favores efetuados, sempre apresentam uma barganha para ações posteriores, como a de atuar em campanha de eleição, ou diante da pretensão de ascensão para cargo ou poder. Nisto se aplica o significado adulterado de uma noção bíblica de “dar para receber”.

 

1 – RAPSÓDIA GREGA ANTIGA E A ATUAL

CONSIDERAÇÃO DO POBRE

 

 No período anterior à fase filosófica grega, a culminância mais segura da interpretação dos acontecimentos cabia aos poetas. Acreditava-se que eles recebiam confidências especiais dos deuses e desfrutavam do especial privilégio de poder repassá-las aos ouvintes, - como mestres da verdade, - as explicações míticas, tidas como verdadeiras e dignas de assimilação, porquanto se acreditava que existiam regras naturais para reger a vida e os acontecimentos.

Enquanto os poetas escreviam os grandes poemas, os “rapsodos” eram os declamadores destes poemas. Com vestes coloridas e vistosas, encantavam os ouvintes com sua arte declamatória, com os versos escritos pelos poetas. Tidos como os mestres da verdade, eram, na verdade, artistas itinerantes que iam de cidade em cidade, como narradores dos grandes mitos, - cultivados como verdadeiros, - porque explicavam os acontecimentos e as coisas.

Em nossos dias, os grandes mitos da elite dominante não são mais repassados em versos declamados, mas, chegam ao público alvo através de novelas, programas de humor e tantos outros da mídia televisiva.

Conta-se que nos mitos antigos, produzidos pela aristocracia grega e declamados para os trabalhadores braçais pelos rapsodos, veiculava-se um mito importante para assegurar os privilégios da nobreza: fazer os pobres sonhar com as festas e as extravagâncias da nobreza, mas, continuar no trabalho escravo para sustentar a opulência da classe abastada.

Algo parecido é repassado de modo similar através de novelas e programas do humor. Ali, facilmente se tripudia em cima da pobreza, para ocupar os pobres e, ironicamente, faze-los rirem da sua desgraça e continuarem a sustentar as classes altas. Para ilustração, lembramos o programa de humor “Escolinha do professor Raimundo” de Chico Anísio, que costumava falar em “pobricida”, um veneno para terminar com os pobres. Outro programa ainda mais discriminador de pobre, foi o programa “Sai de Baixo”, uma caricaturização do nojo e do pavor contra o pobre. O ator Miguel Falabella, costumava repetir o bordão: “eu odeio pobre; tenho horror a pobre”... O mesmo personagem também repetia: “palco de pobre é terreiro de umbanda. Eu tenho horror de pobre”. Carlos Eduardo Araújo salienta outra afirmação ilustrativa: “pobre é uma coisa triste. Pobre quando quer falar bem, ficar pernóstico, coloca mais letra que o necessário e termina com aquela frase que o caracteriza, é praticamente um crachá de pobre: desculpe qualquer coisa. Eu tenho horror a pobre”.[3]

Indiretamente, o ator delineava uma linha divisória: pobre é separado. Na atualização da velha concepção brasileira da Casa Grande e Senzala, procede-se uma distinção: uma cuidadora de crianças deve usar roupa branca; uma trabalhadora doméstica deve usar uniforme, mas, eles têm acesso num elevador à parte para sua área de serviço. Enquanto a mansão é desproporcional de espaçosa, faz-se um pequeno cubículo de cinco metros quadrados, ou menos, e um banheiro de espaço mínimo para a empregada.

Segundo Carlos Eduardo Araújo, “A mídia tem sua parcela de contribuição, por meio de suas novelas e programas de humor na difusão de uma visão depreciativa e grotesca do pobre. Geralmente os personagens pobres são figuras esteorotipadas: falam alto e com estardalhaço, mastigam de boca aberta e se vestem de maneira extravagante”[4]

O atual ministro da Economia do Brasil também explicitou de forma contundente seu preconceito ao pobre. Ao falar para uma elite econômica do país, justificou a alta do Dólar, e a considerou como positiva, afirmando que os governos petistas possibilitaram condições de que até empregadas domésticas podiam ir à Disneylândia. Escancarou de forma indisfarçável que, pessoa pobre, não deveria ter este direito. Confirmou o ódio aos pobres que constituem a base da pirâmide social e deu a entender que o lugar dos pobres é ali mesmo, no ambiente da pobreza. Tal preconceito de classe constitui colossal desprezo, nojo e repulsa a pobres e supõe que devam ficar restritos no seu devido lugar. Em alguns ambientes costuma ouvir-se um reforço ilustrativo deste preconceito: pobre só vai para frente quando tropeça numa pedra.

Subjaz ao ódio cultivado contra o pobre, a noção de que ele não deve participar de ambientes que não são os seus. Irrita aos ricos quando pobres conseguem pequenos avanços sociais. Especialmente a classe média faz questão de manter larga distância do pobre. Observamos isso na cidade do Rio de Janeiro, com moradores de avenidas que separavam favelas. As pessoas de condições médias não queriam morar ali para não serem confundidas com favelados; e, os que ali moravam, costumavam dizer: moro no outro lado da avenida, não o da favela.

O grande número de jovens exterminados constitui outra afronta ao bom-senso quanto à dignidade das pessoas. Normalmente provindos de ambientes pobres, são discriminados sob diversos aspectos: por serem favelados, pobres e negros. Basta ouvir policiais a justificar a razão de terem matado alguém: falam em meliante, marginal, elemento, bandido, ou aquele outro chavão: “bandido bom é bandido morto” e “lugar de paz para bandido é o cemitério”.


1.1 – CAUSA DO NOJO E DESPREZO A POBRE 

O nojo envolve uma emoção poderosa e geralmente se expressa facialmente. Decorre de três fatores principais: patógenos, sexuais e morais. Enquanto os patógenos são raros, os sexuais, ocorrem especialmente em mulheres contra homens, devido a riscos de violência sexual e gravidez; já os morais, são os mais acentuados. Fundamentalmente, o nojo gera divisão de classes. Sua força, supera a força do poder econômico e a força das leis, pois, separa radicalmente superiores e inferiores.

O economista Joseph Stiglitz, agraciado com Prêmio Nobel, destaca que a pandemia agravou e exacerbou ainda mais as desigualdades entre ricos e pobres, tanto a nível interno dos países, quanto de uns países em relação a outros. Por outro lado, tal separação vem sendo incrementada de forma mais escancarada há diversas décadas:

“São 40 anos difamando a importância do governo, a importância da ação coletiva...As regras que foram estabelecidas nesta era do neoliberalismo, resultaram em mercados ineficientes, de curto prazo. O neoliberalismo argumentou que a desregulamentação e a liberalização financeira iriam desencadear um crescimento sem precedentes. Não fez isso. O que desencadeou foi uma instabilidade econômica sem precedentes...Os modelos que fundamentam o neoliberalismo eram modelos corruptos que dizem, de alguma forma, que a economia sempre estava em trajetória de equilíbrio, apesar de ter havido crises repetidas vezes, como a de 2008, e, eventos como a pandemia, que foram ouvidos, mas, não antecipados”.[5]

Adela Cortina diz que uma palavra bonita para falar da causa da aporofobia é a afirmação de que é “biocultural”, pois, a evolução do cérebro e da espécie humana, mistura dimensões biológicas e culturais. A interligação das duas dimensões influencia modos de proceder. Pela herança biológica, há uma tendência para se descartar o que não interessa, o que pode ser reforçado por influências culturais; no entanto, também pode ser diminuída a partir do cultivo de outras dimensões, como a da simpatia e a da compaixão.[6]

Uma marca peculiar dos seres humanos é a de que são animais recíprocos, tendem a dar algo para outros, esperando algo em troca. Neste sentido, o que um pobre poderia retribuir a um rico?

Basta ver que até a pandemia mata de forma desigual: “os brasileiros de ascendência africana têm 40% mais possibilidade de morrer de covid-19 do que a população branca; nos Estados Unidos, 22.000 cidadãos afro-americanos e latino-americanos ainda estariam vivos se sua taxa de mortalidade fosse igual à dos brancos”[7].

Esta pandemia também escancara que o vírus da desigualdade exacerbou ainda mais a já existente desigualdade econômica, social e racial, pois, no contexto do sistema econômico injusto, permitiu que a elite de bilionários conseguisse acumular extraordinariamente seus bens, justamente com esta crise profunda. Enquanto seus capitais dispararam, bilhões de seres humanos foram forçados a enquadrar-se no nível da pobreza.[8]

 

1.2 -  CRESCIMENTO ECONÔMICO E VALOR DA VIDA EM TEMPO DE CATÁSTROFE 

            É comum ouvir-se, seguidamente, que o sistema capitalista é um sistema de livre mercado. Mas, dá para acreditar que é mesmo livre? Pressões em torno de aquisições e preços, revelam que, além, de não ser livre, também não é justo. Basta lembrar os aumentos exorbitantes no meio da crise da pandemia: desde preço de álcool gel, a máscaras, respiradores, e, mais recentemente, o preço do oxigênio para respirar.

Na prática, o Estado já nem consegue regulamentar a economia, porquanto ela se impõe com suas regras e frui livremente do que almeja conseguir, e não admite controle de quaisquer outras esferas. Sob tal determinismo prepotente, o que significaria sonhar com preço justo para a ótica liberal e neoliberal?

O dogma absoluto que se estabeleceu é o de que o Estado não deve doutrinar a economia. E, se o Estado está atrelado ao liberalismo na condição subserviente, cabe-lhe apenas facilitar o progresso e êxito do sistema capitalista de economia. A partir desta perspectiva, pode-se entender a intensa pressão pela privatização dos serviços públicos e sociais.

De acordo com Francisco J. de Lima: “Quando os imperativos econômicos de crescimento exponencial ocorrem à revelia da inclusão e da igualdade social, as pessoas são transformadas em escravas do capitalismo, e tal situação, piora quando chefes de Estado atendem exclusivamente aos interesses dos setores privados”.[9]

Praticamente, já não se pensa em atribuir a causa da pobreza à responsabilidade coletiva. Como foi delimitada ao âmbito da própria pobreza, ocorre uma atitude reativa e desmoralizante contra quem é pobre. Toda pessoa não produtiva é culpada por não produzir. Como ilustração pode-se observar o empenho dos grandes clubes de futebol, que querem manter nível e imagem de rendimento em alto destaque. Selecionam os melhores jogadores. Aos demais, deixam a impressão de que estão sendo descartados por falta de produção e rendimento. Assim, os relegados precisam assumir a culpabilidade da dispensa, pois, são levados a admitir o fracasso por sua ineficiência. A relação com os pobres tende a ser ainda mais excludente, porque não tem condições facilitadas para encontrar serviço.

Neste momento de grande inquietação por acesso a vacinas fica notável a desconsideração dos pobres e dos países mais pobres. De acordo com Gianfranco Marcelli,

“Em torno da questão das vacinas, uma Europa de solidariedade, de equidade e dos direitos humanos corre o risco de um dos piores exemplos de sua história. Alarmes internacionais vêm ressoando, já há algum tempo, temendo-se que a corrida frenética para angariar doses por parte dos países mais ricos, esteja condenando um terço da população mundial a permanecer por muito tempo sem a possibilidade de imunizar-se”.[10]

Esta espera, como bem sabemos, vai ceifar extraordinária quantidade de vidas entre os pobres.

 

2 – APOROFOBIA E SISTEMA EXCLUDENTE

 

Do que foi salientado acima, pode-se depreender que, da parte do Estado, não se pode esperar ação que amenize a aporofobia em relação a classes populares e pobres. O combate à desigualdade requer, no mínimo, extraordinárias mudanças políticas, econômicas e sociais. No entanto, a osmose que nos envolve a nível de América Latina, nos coloca na mesma condição explorada a partir de interesses que não emergem deste continente. Basta verificar a simples dependência atrelada a países hegemônicos para obtenção da matéria prima, com vistas à fabricação de vacinas contra a epidemia da covid-19. A dimensão solidária e humanitária fica apenas para discursos.

Assim, a pertença a determinado grupo social, sobretudo quando é o pobre, acaba perdendo até mesmo quando se trata de esperar um julgamento justo por eventuais infrações: nos julgamentos criminais, o maltrato vexatório com pobres tende a ser muito mais explícito do que nos casos de “colarinho branco”.

A aporofobia, “na sociedade atual de economia financeirizada subsumida no neoliberalismo global que reagiu ao Estado de Bem-estar, a situação das pessoas pobres se vê especialmente deteriorada e o desprezo que sofrem por parte do resto da sociedade cobra proporções inusitadas”.[11]

Reféns de um sistema excludente, as vítimas da aporofobia não possuem forças para desencadear mudanças políticas, econômicas e sociais. Toda a América Latina vive esta contingência da desigualdade histórica, com alto número de cidades pobres. Sem condições dignas de vida, enquanto que, uma pequena parcela destes países, detém o controle e o poder da riqueza.[12]

É por isso que o cenário de incertezas e desigualdades que ampliam a pobreza, diante das fragilidades econômicas existentes, requer um necessário imperativo ético para começar a diminuir as distâncias da desigualdade social, com a exclusão dos pobres.

“O Brasil, entre os demais países latino-americanos, possui uma das sociedades mais desiguais e individualistas do mundo, ou seja, a população pobre carece de serviços e bens básicos para levar uma vida com dignidade, sendo colocada em uma situação de vulnerabilidade e risco, tanto no campo econômico, quanto no social e político”.[13]

Por outro lado, “O racismo estrutural, enquanto componente essencial do desenvolvimento do capitalismo brasileiro se evidencia em todos os índices de violação de direitos, sendo expresso de forma nítida nos dados acerca da mortalidade. Jovens, pobres, negros, moradores de territórios com precário acesso às políticas públicas e sociais, são as principais vítimas da violência letal na realidade brasileira”.[14]

Como a culpa deste deplorável estado de vida é jogada sobre os próprios pobres, nenhuma medida importante é tomada para tirá-los deste quadro.

 

2.1 – APOROFOBIA E RELIGIÃO

 

Todas as religiões deveriam cultivar na centralidade de suas atividades o empenho pelo fim dos estamentos sociais, em que uns exploram outros. Não é por nada que o Cristianismo se articulou sobre o importante aspecto de superar a velha herança grega de que a distinção social não constituía problema humano, pois, teria sido Deus quem promulgou essa diferenciação para o bem do “todo social”.

 Belas narrativas das Cartas de São Paulo revelam esta superação de barreiras estabelecidas contra pobres. Ele certamente entendeu a mensagem de Cristo de que “o reino dos céus seria dos pobres”. Na opção fundamental de Jesus Cristo pelos pobres, rotulados e excluídos, ofereceu o itinerário para seus seguidores. No entanto, o peso da ancestralidade da história judaica, oferecia muitas e fartas referências de aporofobia. Basta verificar como, na linguagem dos salmos, se ressalta a tônica contra os “inimigos” e, o quanto o sonho de riqueza e fartura era enaltecido.

Sem entrar em análise exaustiva, basta lembrar a afirmação de uma autoridade do Templo em relação ao agir de Jesus Cristo na Galiléia: pode vir alguma coisa boa de Nazaré?

O Papa Francisco já expressou largamente o seu apoio aos pobres, tanto em palavras como através de gestos. No entanto, o Cristianismo, tal como outras religiões, acaba assimilando certa contradição, pois, está inserido em realidades culturais pós-seculares, e, além de ficar atrelado a estas perspectivas sociais, não possui meios para estreita sintonia com os poderes políticos, que não desejam promover os pobres e nem que se igualem com eles e com as classes sociais altas. Seriam concorrentes indesejados; e, mais ainda, os políticos não estão dispostos a aceitar uma tutoria provinda da Igreja Católica.

Apesar disso, as religiões constituem um aporte notável que facilita a incorporação de muitas pessoas vítimas da aporofobia. Mesmo que partes consideráveis vivam o privilégio de não estarem inseridas na categoria de pobre, assimilam a postura secularista de não fazer nada em favor deles. Entretanto, também se pode verificar muita voz profética, autêntica e corajosa, agindo para impregnar ambientes sociais com valores éticos e cívicos que brilham como baluarte e alternativa ao sistema capitalista excludente e cultivador da ética aporofóbica.

 

2.2 – NECESSIDADE DE ÉTICA FUNDADA NO POBRE E NO EXCLUÍDO

 

A ética aporofóbica do sistema capitalista é marcada por um traço altamente perverso: explorar o pobre, excluir o pobre, negar direitos ao pobre; e, - o pior - culpa-lo por estar nesta condição.

“A culpabilização dos mais pobres pelo fracasso da sociedade capitalista – o que reflete na sua autoculpabilização – é um exemplo clássico de aporofobia, e isso se vislumbra em ataques, exclusão, chacotas, piadas, imposição de sofrimento, escravidão, repulsa, nojo, distanciamento, isolamento, humilhação”.[15]

No Brasil vem sendo reproduzida esta postura ampla do sistema capitalista. Enquanto que pobres foram agraciados com elementar benefício de Bolsa Familiar, a crítica diária incide sobre estes favorecidos, que passam a ser culpabilizados pela falência da economia do país. E não faltam formas irônicas e simbólicas para incriminar o norte e o nordeste como causadores principais desta suposta falência. O cinismo desta aversão a pobre chega ao ponto patológico de induzir os pobres a desprezarem sua própria condição, sob o sentimento culposo de que são responsáveis pelo seu estado de vida.

Assim, nesta ética da aporofobia, os ricos se sentem isentados e os pobres altamente culpados pelo atraso e pelo fracasso do país nos seus grandes sonhos desenvolvimentistas. Passa, se, então, a ideia de que pobre é pobre porque é preguiçoso, incapaz, mendicante, e que, por isso, deve ser considerado invisível. Nega-se a ele o direito de aparecer em espaços sociais de etiquetas. Denota-se que sequer deveria aparecer em lugar nenhum.

Grandes setores da Igreja contribuem para esta ocultação, através de justificativas teológicas de que a pobreza, como sempre existiu, sempre continuará a ser um estorvo na sociedade vindoura. A preocupação com a dimensão espiritual acaba obliterando a dimensão profética em favor de mais justiça social, e facilita a aporofobia como postura normal e necessária.

Uma tentação geral é a de absorver e justificar a noção da meritocracia, para confirmar que alguém que se empenha consegue cargos, méritos e condições sociais elevadas. É na verdade, uma violência explícita que agride duplamente os pobres. Além de explorá-los com sub-emprego, deixa-os na condição devedora de culpa, e, de que são causadores das suas mazelas.

 

EPÍLOGO

 

Alvo de nojo e desprezo, a pobreza, infelizmente é pouco assimilada pela compaixão e solidariedade. Enquanto persistirem os patamares de separação de classes sociais, justificadas como fenômeno natural, não se pressiona necessário e inequívoco procedimento: redistribuir as oportunidades de trabalho em níveis mais igualitários, tanto na organização interna dos países quanto das suas relações com outros países.

Torna-se igualmente necessária uma globalização movida por ideais universais e não apenas para classes, e países hegemônicos privilegiados e oportunistas, a espoliar os demais. E não faltam entreguistas para levar vantagem neste atrelamento dependente.

Por outro lado, enquanto justiça não é diluída nos sistemas empresariais e de produção, as diferenças continuam a expandir-se indefinidamente.

Muitas pequenas formas de organização de cooperativas apontam para a possibilidade do surgimento de empresas com foco na solidariedade e participação partilhada nos créditos, e, onde a cooperação se torna valor anterior ao da competência.

 

BIBLIOGRAFIA

 

ANDERSON, Maria Inês Padula. A crise da pandemia no Brasil e o retrato de um país iníquo e aporofóbico. In: ihu.unisinos.br/605737-a-crise-da-pandemia-no-brasil-e-o-retrato-de-um-país-iniquo-e-aporofobico-entrevista-especial-com-maria-ines-padula-anderson

ARAÚJO, Carlos Eduardo. Aporofobia: o ódio aos pobres em tempos sombrios. In:justificando.com/2020/02/19/aporofobia-o-odio-aos-pobres-em-tempos-sombrios/

GRANERO, Marina García. Discursos e delitos de ódio. In: readclube.com/articles/10.72203%Fqfia.4.2.10893

LIMA, Francisco Jozivan Guedes de. O novo corona vírus e seus impactos na vida dos mais pobres: capitalismo e aporofobia. In: ufpi.br/arquivos_download/arquivos/O NOVO_CORONAVIRUS_E_OS_SEUS_IMPACTOS_NA_VIDA_DOS_MAIS_POBRES-capitalismo–e-aporofobia

MARCELLI, Gianfranco. “Trágico fracasso ético” A Europa esqueceu-se da vacina para os pobres. In: ihu.unisinos.br/606433-tragico-fracasso-etico-a-europa-esqueceu-se-da-vacina-para-os-pobres Link acessado dia 27/01/2021.

 

NAVARRO, Emílio Martínez. Demônios estúpidos. In: Glossário para uma sociedade intercultural. Valencia, Bancaja, 2002.

OLIVEIRA, Márcia. Aporofobia na Amazônia.  In: amazonasatual.com.br/aporofobia-na-amazonia

PINHEIRO, Lucas Batista de Carvalho. Aporofobia e Direitos Humanos. In: linkedin.com/pulse/aporofobia-e-direitos-humanos-lucas-batista-de-carvalho-pinheiro?articleld=662094997917089792

Relatório da Oxfam-Itália. In: ihu.unisinos.br/606412-o-virus-da-desigualdade-a recessão-já-acabou- para-os-super-ricos Link acessado dia 27.01.2021

 

VELASCO, Irene Hernandez. Não rejeitamos estrangeiros se forem turistas, cantores, ou atletas famosos, rejeitamos se forem pobres. In: bbc.com/portuguese/geral-54778993

STIGLITZ, Joseph. A pandemia demonstrou as consequências de 40 anos de neoliberalismo. In: ihu.unidsinos.br/606338-a-pandemia-demonstrou-as-consequencias-de-40-anos-de-neoliberalismo-avalia-joseph-stiglitz

SCHERER, Giovane et alii. Gentrificação e juvenicídio: os impactos da divisão capitalista do espaço nos índices de mortalidade juvenil na cidade de Porto Alegre. In:editora.pucrs.br/acessolivre/anais/serpin/-senpin/assets/edocoes/2020/arquivos/48.pdf

SEIFERT, Ana Paula Bagetti. Novos pactos sociais para a promoção da igualdade no contexto latino-americano: as políticas públicas no combate às injustiças sociais na região. REVISTA DE DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS/e-ISSN:2525-9881/Evento virtual/v.6/n.1/p. 104-121/jan/jun.2020



[1] A aporofobia tende a produzir um círculo vicioso: pobres roubam, são violentos e imorais, culpados pelo seu estado de vida; e, por isso tornam-se vítimas de preconceito apressado, por serem suspeitos e perigosos, não convém inseri-los na sociedade. É na verdade, um sarcasmo cruel, pois, além de constituírem empecilho econômico, são causadores da violência na sociedade. Por outro lado, justifica-se que não oferecem nada de bom à sociedade, não merecem ajuda e muito menos condições de trabalho.

[2] Na entrevista concedida à BBC Mundo.

[3] Em Aporofobia: o ódio aos pobres em tempos sombrios. [Link]

[4] Em Aporofobia: o ódio aos pobres em tempos sombrios. [Link]

[5] Em entrevista à BBC- MUNDO, op. cit.

[6]  Em entrevista à BBC – MUNDO, op. cit.

[7] Segundo relatório da Oxfam-Itália. In: ihu.unisinos.br/606412-o-virus-da-desigualdade-a recessão-já-acabou- para-os-super-ricos Link Acessado dia 27.01.2021

[8] Idem, ibidem.

[9] LIMA, Francisco Jozivan Guedes de. O novo coronavírus e seus impactos na vida dos mais pobres: capitalismo e aporofobia. In:ufpi.br/arquivos_downloads/arquivos/O_NOVO_CORONAVÍRUS_E_OS_SEUS_IMPACTOS_NA_VIDA_DOS_MAIS_POBRES-capitalismo-e-aporofobia

[10] MARCELLI, Gianfranco. “Trágico fracasso ético” A Europa esqueceu-se da vacina para os pobres. In: ihu.unisinos.br/606433-tragico-fracasso-etico-a-europa-esqueceu-se-da-vacina-para-os-pobres Link acessado dia 27/01/2021.

[11]  Adela Cortina. In: GRANERO, Marina García. In: readclube.com/articles/10.72203%Fqfia.4.2.10893

[12] ZEIFERT, Ana Paula Bagetti. Novos pactos sociais para a promoção da igualdade no contexto latino-americano: as políticas públicas no combate às injustiças sociais na região. In: REVISTA DE DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS/e-ISSN:2525-9881/Evento Virtual/n. 1/p. 104-121/jan/jun.2020, p. 113

[13]  Idem, ibidem.

[14] SCHERER, Giovane et alii. Gentrificação e juvenicídio: os impactos da divisão capitalista do espaço nos índices de mortalidade juvenil na cidade de Porto Alegre. In: editora.pucrs.br/acessolivre/anais/serpinf/senpin/assets/edições/2020/arquivos/48.pdf

[15] Francisco Quedes Lima, op. cit.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

SEGUIMENTO DE JESUS

 

Quatrocentos anos de monarquia,

E governança de muita anarquia,

Gestaram relacionalidade indigna,

Sem gerenciar conduta fidedigna.

 

O cultivo de fé exterior e formal,

Mobilizou expectativa paradoxal:

Almejavam profetas salvadores,

Mas matavam seus precursores.

 

Quando o rabi de Jesus foi preso,

Homem correto e de perfil coeso,

Jesus assumiu sua vida itinerante,

E se dirigiu a todo povo sobrante.

 

Como parto requer boa separação,

Ele apontou para a nova direção,

E os convocou para belo renascer,

Envolvendo gestos de enternecer.

 

A boa notícia anunciada na Galiléia,

Convocava todos para uma corveia:

Para saírem das dolorosas misérias,

E vivenciar razões nada deletérias.

 

Despertados para o seu seguimento,

Alguns sentiram esperançoso alento,

E deixaram as lidas e seus lamentos,

Para dele haurir bons discernimentos.

 

Convidados a formar um novo Reino,

Iniciaram inovado processo de treino,

Para auxiliar o seu mestre de retidão,

A criar novo jeito de irmanada ação.

 

Firme e seguro para seus seguidores,

Jesus alargou os seus bons pendores,

E eles experienciaram vida renovada,

E inovaram na esperança acalantada.

 

 

 

 

 

<center>ERA DIGITAL E DESCARTABILIDADE</center>

    Criativa e super-rápida na inovação, A era digital facilita a vida e a ação, Mas enfraquece relacionamentos, E produz humanos em...