quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Feliz Natal



            Nos meses que antecedem a festa do Natal procede-se um bombardeio de sugestivas e bem boladas propagandas, que insistem no feliz natal, e, com alardeios em torno das melhores ofertas para tornar-nos exaustivamente felizes, se as comprarmos. A associação ao prazer de comprar em suaves prestações, evidentemente enganosa, acaba ofuscando a festa.
            É tanta preocupação com o ornamento e o preparo de pratos especiais a serem servidos; bem como, as condições ideais das bebidas e das carnes, que o aniversariante a ser homenageado fica totalmente relegado. A faxina geral começa com uma porção de dias de antecedência.
É tanto serviço e detalhe a ser considerado que não sobra nenhum tempo, nem mesmo uma hora, para celebrar e fazer memória do aniversariante! Pensa-se nos convidados e nas melhores formas de lhes apresentar aparatos festivos; pensa-se em detalhes para que a ceia conte com todos os mínimos detalhes das etiquetas. O aniversariante? Afinal, Ele é apenas um pretexto remoto.
As mensagens, geralmente tão românticas, remetem a um bem nutrido nascituro, belamente ilustrado e envolvido com bichinhos mansos e humildes, e despertam saudades bucólicas dos ambientes rurais com seu imagético de animais domésticos.
Quanto aos presentes, sob o título de ofertas especiais, custam muito mais do que nos outros dias do ano! As luzes, no piscar incessante, alucinam e turbinam a mente para que, em meio ao turbilhão de volumes de ondas sonoras, afaste o álcool da sua corrida frenética.
Terminada a festa, sobra o cansaço, o mau cheiro das sobras, e o tédio de ter que começar outra vez a colocar as coisas em ordem. Assim, o Natal cruza e o aniversariante continua silenciado. Mais uma vez a festa termina com ar de frustração!
Os primeiros cristãos passaram a celebrar o aniversário de Jesus Cristo com a importante intuição de apropriar-se da tradicional festa romana ao “deus sol” e, com outro significado – o da luz fundamental e essencial para sua vida de discipulado, que era o modo de ser de Jesus Cristo, - certamente pensavam nele na festa de memória, isto é, atualizavam os grandes acontecimentos de Jesus Cristo, e, ao trazê-los para o momento presente, percebiam que lhes apontavam novas luzes e forças para lidar com a vida. Então, sim, o festejo tinha uma razão especial e contagiante que gerava transbordamento e exuberância!

A festa de Natal, já esvaziada como ocorreu com a festa ao “deus sol” dos romanos, pode ainda e apesar de toda a publicidade contrária, nos remeter a uma festa mais religiosa e para além da antiga festa romana do “comamos e bebamos, porque, amanhã, morreremos!”

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Um luzeiro de justiça



            O papa Francisco, decepcionado com fofocas e intrigas na cúria romana, comparou-a ao estágio doentio de Alzheimer. Como seria de se esperar coisa melhor daquele ambiente, certamente será de se esperar que, em nossos ambientes domésticos e comunitários, um pouco mais de humanidade – do jeito manifestado por Jesus Cristo – também fará um bem enorme.
            Ao celebrar o nascimento de Jesus Cristo que, para os primeiros cristãos constituía um acontecimento tão importante para o sentido da vida que o equipararam ao sol, e, se apropriaram da festa romana dedicada ao sol, a fim de lembrar no dia 25 de dezembro a nova significação, começaram também a celebrar tal acontecimento como renovador das motivações de vida.
            Muitos séculos antes de Jesus Cristo, depois de um longo fracasso da experiência religiosa, política e econômica de Israel, um edito do rei Ciro autorizou os judeus exilados a retornar à sua pátria. Isaías soube ler, no fato, algo mais do que um simples retorno à terra natal. Teria que acontecer uma mudança de mentalidade e Deus teria que ajudar a fim de que a capital Jerusalém pudesse voltar a ser uma luz brilhante de justiça.
            O bom nome, o respeito e o bom entendimento entre as pessoas, que constituíram marca genuína dos primeiros tempos do povo de Israel, teriam que voltar a ocupar o centro da vida. A cidade abandonada que era Jerusalém, depois de longos e sistemáticos saques, destruições e derrotas em guerras, necessitaria voltar a ser uma esposa de Deus (a desposada), identificada particularmente pelo amor.
            Algo parecido com a dramática experiência do fracasso com a qual Jerusalém teve que conviver, parece repetir-se em nossos dias, mas, por problemas bem diferentes. As enxurradas de informações sobre roubos, desvios de dinheiro público, apropriação indevida dos bens coletivos, má gestão de governo em todos os níveis, e tantos milhões de falcatruas em nosso país, levam a desejar algo parecido com o que Isaías sonhava: faz-se necessário um grande luzeiro de justiça! Nosso país não pode identificar-se à mulher abandonada, mas, precisa de uma força que devolva honra aos cidadãos que constituem esta coletividade.
            Lembrar o jeito de Jesus Cristo, na festa do seu nascimento, pode reascender um luzeiro de bom senso e de boa vontade para que a vida do povo constitua um belo e festivo enlace com aquele que permite a existência humana e certamente deseja que todos vivam bem.

            Muito mais do que de panetones, chocolates, doces, carnes, frutas e muita bebida, o Natal também pode prestar-se para um momento forte de humanidade, capaz de acender o “luzeiro apagado”, e, com vistas a diminuir o real abandono e desencontro de tanta gente sem auto-estima porque se sente abandonada como mulher sem eira e sem beira.


            

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Apropriação do sagrado



            Quando Rudolph Otto desviou período de muitos séculos de discursos sobre Deus, sobre seus poderes e seus atributos, desviou as atenções sobre outro foco, o das hierofanias, ou seja, estudou os modos como as pessoas experimentam o sagrado ou o divino. Constatou que a experiência do sagrado, que também é denominada de manifestação do campo numinoso, pode acontecer com qualquer objeto, em ambiente e nas mais variadas situações, e, pode levar as pessoas que fazem esta experiência a algo totalmente inédito e que muda profundamente a sua vida.
Quando uma pessoa faz uma experiência hierofânica, normalmente deseja apropriar-se desta experiência, porque, ao mesmo tempo, que apavora, atrai com muita intensidade. Ela sequer consegue explicá-la com palavras e gestos. As palavras são literalmente insuficientes para explicá-la. Dali decorre uma peculiaridade bastante comum das pessoas que experimentam o sagrado: o desejo profundo de haurir poderes superiores e, com isso, ascender sobre as demais pessoas e induzi-las a seguir seus conselhos e suas orientações.
Um fato bíblico, narrado no livro de Samuel e relido sob muitos aspectos ao longo de muitos séculos do primeiro testamento da Bíblia, mostra como este humilde guerrilheiro mudou radicalmente com a conquista do poder: deixou de comparar-se ao bom pastor que presta o melhor serviço em favor de justiça e paz segundo o anseio de Deus, e passou a apropriar-se de bens e aplicá-los em seu proveito pessoal.
Ao tornar-se rei de Israel, Davi esqueceu todo o legado e seu empenho de lutas, sob a imagem religiosa do bom pastor que cuida das ovelhas, para ser apenas bom pastor em favor de si mesmo. Apostou no luxo e ao sentir-se muito poderoso resolveu construir um templo para Deus, a fim de que Ele tivesse ali a sua morada. Em outras palavras quis apropriar-se até mesmo de Deus – ou ocupar seu lugar - e deixá-lo como súdito dos planos mirabolantes que alimentava, sem, contudo, pensar no mínimo bem-estar do povo.
A memória do povo sentia-se ferida com a ambição do rei. Lembrava as pessoas, que nos tempos de constituição daquele país, Deus tinha acompanhado a vida e a lida em tendas nas migrações de conquista da terra. O pretensioso Davi desejava engaiolá-lo para melhor confirmar seus próprios interesses.
Como Davi, foi se esquecendo gradual e progressivamente dos seus propósitos do passado humilde, e passou a apostar decididamente nos projetos megalomanícos, com vistas a impor a grandeza do seu poder, o povo humilde e espoliado, ao contrário, continuava a sonhar com os antigos anseios: o de que fosse ajudado por um governante que não pensasse apenas em si mesmo.
Nossos dias parecem repetir muitas experiências pessoais, familiares e sociais bem similares ao percurso do rei Davi. Muitos, assim que enriquecem, acham-se no mais justo direito de construir mansões suntuosas e, afrontosas, às condições gerais do povo, e, o que é ainda pior, no pressuposto de que tudo constitua pura graça e bênção de Deus, sem a menor consciência da hipoteca social das fortunas acumuladas. E não poucas pessoas, como Davi, constroem espaços para agradecer a Deus e alargar o olho com vistas a mais bens e a patamares mais elevados nas instâncias do poder.
A proximidade do Natal nos aviva outra memória, a de Jesus Cristo, que ainda hoje questiona um tipo de governo monárquico em todos os níveis sociais que propicia muita grandeza pessoal e esnobação de carros e edificações, mas, absolutamente insensível aos mínimos sentimentos de partilha destes bens amealhados.


quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Hiperatividade infantil



Na motivação de produzir heróis e gênios,
Empenham-se os pais a conceder prêmios,
Pela precoce superação de outras crianças,
E estimulam quaisquer possíveis lambanças.

Os sinais de aprovação de tudo que fazem,
E os meneios quando elas se comprazem,
Leva-as numa radical atividade sem limites,
A desprezar quaisquer conselhos e palpites.

Ao extrapolarem todas as regras e medidas,
Das possibilidades para relações comedidas,
Tornam-se incapazes de pensar a condição,
De aprender bons traços para comiseração.

Com olhares direcionados para a imagem,
Muito pouco se importam com mensagem,
Mas anelam pelo movimento rápido e veloz,
Que passa a ser o ditame diuturno da sua voz.

Ao invés de cultivar as riquezas da fantasia,
A utilização do brinquedo que ainda extasia,
Satura com seus procedimentos repetitivos,
E, em pouco tempo perde encantos atrativos.


quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Endireitar caminhos



            A antiga imagem bíblica e poética de Isaías oferece uma atualidade muito especial para nos ajudar em situações humanas muito parecidas às daquela época. Um povo dilacerado, em parte vivendo no exílio, outros sem se entender e sem capacidade de se organizar diante da espoliação praticada por países imperialistas e dominadores, levaram Isaías a olhar para frente dos problemas.
Dirigindo-se aos exilados da Babilônia, quando soube da possibilidade de novamente regressarem à sua terra, valeu-se de uma imagem muito elucidativa: que Deus ajudaria a nivelar o caminho no meio do deserto para que montanhas fossem abaixadas, precipícios preenchidos e curvas endireitadas.
Na consideração, quem teria causado estes desencontros do nível da terra? Efeito da má e perversa administração dos governantes, mais preocupados com os conluios de guerras do que com a segurança e o bem estar do povo. Ao lado da profunda injustiça social, nem mesmo os pobres escravizados na Babilônia se entendiam entre si. Por isso, para voltar, Deus teria que ajudar a nivelar os caminhos. Mais do que os caminhos sinuosos da terra, ocorria desnível de todo jeito entre os exilados.
O profeta não esperava evidentemente uma mágica ação de Deus, mas esperava que os exilados se entendessem melhor, a fim de que o regresso e a reorganização da vida do país pudessem acontecer sob os auspícios da antiga aliança: entendimento, justiça e lealdade.
Nossa preparação em torno da festa de Natal enfrenta como a dos exilados da Babilônia, muitos fatores de desencontro humano, desde diálogo, à posse de bens e exercício de poder. Figurativamente ocorrem muitos desníveis na compreensão do que é ser cristão, do que é ser ético, do que é ser reto e honesto e do que é serviço humanitário.
 A dificuldade de alinhar esta estrada no meio dos desertos de nossos dias requer uma luz interior de fé, de boa vontade e de colaboração para que nosso ambiente humano seja melhor. Os desníveis são realmente complicados: basta lembrar as notícias sobre corrupção, desvios de verbas, compra de votos e tantas outras brigas ideológicas que ferem o bom-senso humano.
A intuição de Isaías é importante para nós: para pensar num entendimento mais harmonioso, temos que aprender a olhar para além dos problemas, das mágoas, e dos sentimentos de vingança. Há muito coração pobre no meio de montanhas de grãos e de fortunas, há muito coração ferido por humilhações e desencontros, e nem é fácil anunciar um tempo da graça do Senhor. A tentação é mais insinuante para comer e farrear e beber muito a fim de esquecer que a vida não está fácil.



Palavra



Palavra dada,
 Tão negada,
Distorcida,
E aguerrida.

Carrega vida,
Despista lida,
Leva à morte,
Sem suporte.

Gesta o nascer,
E faz perecer,
Tão humana,
E tão sacana.

Porta desejos,
Suporta ejos,
Cria mundos,
E iracundos.

Pode ser luz,
Muito seduz:
De bondade,
E  lealdade.

Leva a verdade,
E, na maldade,
Sabe confundir,
E muito agredir.

Gera relações,
Com emoções,
E sabe ocultar,
Quanto matar.

Aponta sentidos,
Aos ressentidos;
Cria esperanças,
E temperanças.

Recria existência,
Da benevolência;
Eleva à plenitude,
A frágil finitude.


quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

O ancião



Já bem vacilante no caminhar,
Seus olhos buscam embrenhar,
Com a ajuda das trêmulas mãos,
Antigas seguranças de co-irmãos.

Se a mente perdeu a versatilidade,
Não perdeu, todavia, a capacidade,
De captar mínimos sinais de atenção,
E explicitá-los no olhar da retribuição.

Seu assunto nem sempre importante,
Por vezes parece pouco interessante,
Mas é o seu anseio de sociabilidade,
Tão marcante na longa familiaridade.

A intuição capta mais do que o olhar,
Os mínimos sinais e gestos a desfolhar,
Para preencher-se de muita bondade,
Com a leveza própria da sinceridade.

Perdeu cidadania porque pouco produz,
Mas basta ver que a testa brilhante reluz,
Quando aviva memória do que trabalhou,
E do quanto, na solidariedade partilhou.

Se a memória curta esquece o seu legado,
Mesmo sofrendo com tamanho desagrado,
Faz prevalecer toda a calma e a serenidade,
Para consagra-se na invejada integralidade.


terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Luz


Da irradiação solar, ao fogo controlado,
A humanidade cruzou por longo legado,
E, ao conseguir clarear espaços escuros,
Assegurou os ajustes de lugares seguros.

Se o colorido das luzes ainda seduz tanto,
Como reação ao escuro e seu desencanto,
Vivemos no vai-e-vem do escuro e do claro,
E, neles esperamos encontrar bom amparo.

Como antepassados tanto anelaram pela luz,
E se encantaram com todo objeto que reluz,
Associaram à luz o símbolo da consciência,
Que clareia a mais escondida aquiescência.

Se os romanos adoravam o sol como sagrado,
E dele procuravam energias para o seu legado,
Os cristãos se apropriaram daquela referência,
E erigiram a Jesus como luz da incandescência.

Seu referencial, ao tornar-se luz para a vida,
Passou a modificar tanta relação denegrida,
E mereceu a consideração da verdadeira luz,
Que em meio a tantas humanas trevas reluz.

Passaram-se muitos séculos e as luzes natalinas,
Já bem distantes daquelas referências cristalinas,
Foram referenciadas à fome do deus capitalista,
Que se vale do ensejo para venda sensacionalista.


Árvore majestosa



No seu tronco de imensa espessura,
Constituído nesta grandiosa altura,
Encanta a copa de galhos altaneiros,
E a folharada dos indícios mateiros.

De longe as flores se sobressaem,
Umas tão viçosas e outras já caem,
Mas nada vistoso como o segredo,
Do silencioso processo do enredo:

Seiva a correr silenciosa e constante,
Do húmus para uma altura distante,
Aliou-se à captação da energia solar,
Para engendrar encanto tão peculiar.

Síntese de longo tempo processado,
No entremeio das lutas do relvado,
Para sobreviver sem ser derrotado,
E manter-se neste ponto arretado.

Apesar do encanto, dá sinais visíveis,
Da ação de muitos agentes invisíveis,
Que apontam sinais de decrepitude,
E indicam inevitável sina da finitude.

Sua morte imimente ignora os anos,
Nem poupa a vitória nos desenganos,
E impõe, na profunda transformação,
Os indícios de outra vida em ascensão.





segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Grilo



Sua cor parda e escura,
Esconde toda diabrura,
De cantaria constante,
E muito perseverante.

Seu salto tão magnífico,
E seu órgão estridulante,
O deixam mui específico,
No cantarolar rompante.

O seu ruído estonteante,
Muito chato e maçante,
Faz lembrar os chiados,
Dos rolamentos pifados.

Seu canto bem amolante,
Lembra muito semelhante,
Que faz falsa apropriação,
De terreno da nossa nação.

Seus saltos imprevisíveis,
Lembram as trapalhadas,
Bem furtivas e indisíveis,
A propiciar gargalhadas.

Também lembra confusão,
De distúrbios em profusão,
Por pouca coisa em questão,
Consegue futrica de montão.

Por fim, difícil é persuadi-lo,
E achar jeito de dissuadi-lo,
De um canto nada floreado,
Para o timbre harmonizado.

Na imagem do grilo cantam,
Chatos zunidos pela mente,
Que em tudo desencantam,

E emergem bem de repente.

domingo, 7 de dezembro de 2014

Benemerências



Deplorável o tempo que se gasta,
Ao ter que suportar as bajulações,
Da artimanha tão sórdida e nefasta,
Das etiquetas de muitas saudações.

Gastam-se horas em elogios melosos,
Com o único interesse das vantagens,
Com palavreados dos mais duvidosos,
Para crassas e disfarçadas chantagens.

A perda da objetividade do que se quer,
Leva ao cultivo de tanta grandiloquência,
Quando o que realmente importa requer,
Nada daquela presumida benemerência.

No galanteio dos muitos títulos da honradez,
Se oculta o vil interesse por boas vantagens,
E perde-se escancaradamente toda sensatez,
De etiquetas sóbrias e contidas camaradagens.

Mais do que cansar os ouvintes impacientes,
E esnobar com vestuário dos mais atraentes,
Sobram no final os bem indigestos salgados,
Para compensar as decepções e os malgrados.




sábado, 6 de dezembro de 2014

Árvore majestosa



No seu tronco de imensa espessura,
Constituído nesta grandiosa altura,
Encanta a copa de galhos altaneiros,
E a folharada dos indícios mateiros.

De longe as flores se sobressaem,
Umas tão viçosas e outras já caem,
Mas nada vistoso como o segredo,
Do silencioso processo do enredo:

Seiva a correr silenciosa e constante,
Do húmus para uma altura distante,
Aliou-se à captação da energia solar,
Para engendrar encanto tão peculiar.

Síntese de longo tempo processado,
No entremeio das lutas do relvado,
Para sobreviver sem ser derrotado,
E manter-se neste ponto arretado.

Apesar do encanto, dá sinais visíveis,
Da ação de muitos agentes invisíveis,
Que apontam sinais de decrepitude,
E indicam inevitável sina da finitude.

Sua morte imimente ignora os anos,
Nem poupa a vitória nos desenganos,
E impõe na profunda transformação,
Indícios de outra vida em ascensão.





sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Mosquito



Tão pernilongo e magrelo,
Fautor de tanto flagelo,
Aborrece pelo zunido,
E me deixa aturdido.

Se o sangue sugasse,
Sem alérgico efeito,
E o zunido baixasse,
Toleraria o defeito.

Poderia ser silencioso,
E, nem tão maldoso,
Ao tentar atacar,
E, sem provocar.

Sua voz tão estridente,
Tão aguda e repelente,
Irrita mais a audição,
Que bélica guarnição.

Seus muitos apelidos,
Nada bem queridos,
Sinalizam oposição,

E real consternação.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Mudança de vida



Cada um de nós sabe muito bem que não se muda a vida, da mesma forma que se muda de pensamento. A vida, intensamente marcada por hábitos e formas de socialização, pende para a repetição de certos modos de ser e de lidar com as pessoas e com o entorno, especialmente as que foram exitosas em outros momentos. No entanto, sem motivação e sem boa determinação do pensamento, facilmente se cai na rotina dos hábitos, e, possíveis mudanças ficam apenas no âmbito dos desejos.
De onde poderiam, então, advir forças capazes de mudar a conduta? Certamente um modo de ser humilde se fará necessário, pois, implica em admitir que se possa viver de outra forma. A Bíblia nos oferece um rico contexto de como o povo de Israel, ao longo de muitos séculos, oscilou entre formas de conduta que o tornou dependente e momentos de grande criatividade e superação que o levou a pensar algo totalmente novo e renovador para a vida.
O profeta João Batista, através de uma vida humilde e simples, encantou as pessoas do seu tempo pelo seu profundo desejo de mudança na vida das pessoas. Sob o apelo da conversão convidava as pessoas a uma mudança de vida e assinalava simbolicamente este procedimento com o batismo nas águas do rio Jordão. Ocorreu até mesmo a suspeita de ele era o salvador de Deus, ansiosamente esperado há diversos séculos. Seu discurso, no entanto, visava uma mudança radical no modo de ser das pessoas: mudar o modo de consumir e a ganância pelo poder.
 São os mesmos traços que em nossos dias tanto atrapalham a vida familiar e comunitária. O batismo significava a disposição para esta mudança interna. Os evangelhos, todavia, apontaram que todo este procedimento profético de João Batista serviu para sensibilizar as pessoas em torno de uma imagem totalmente inusitada e distinta de Deus: um Deus que perdoa, mas, que espera empenho para tornar-se melhor.
Jesus Cristo, que se apresentou como o salvador de Deus, encontrou mil resistências, tanto pela sua origem e condição social, quanto pela imagem de Deus que se cultivava: a do guerreiro poderoso e forte. E, se esperavam um Deus conosco (Emanuel), esperavam um Deus que fizesse as coisas sem envolver as pessoas. Nisto Jesus foi decepcionante, porque encorajou, apontou caminhos, educou contando historinhas para que as pessoas percebessem, sem se ofender, que poderiam agir de formas diferentes e melhores.
Como estamos em tempo de preparação de Natal, mais do que poder de sedução para o consumo e um momento forte para ampliar os leques da ganância, somos convidados a outro itinerário: o do caminho para dentro de nós e para mais proximidade em nossa comunidade. Conversão para acolher a Boa Notícia que Jesus anunciou, talvez constitua forte interpelação para menos correria e mais solidariedade.


Estradas



Feitas para encontros,
E acessos para pontos,
Causam desencontros,
E reais contra-pontos.

Criadas para abastecer,
E a produção deslocar,
Permitem ensandecer,
Trambiques a ofuscar.

No vai-e-vem das idas,
O anseio dos regressos,
Marca incontáveis lidas,
E avançados progressos.

No anelo dos encontros,
Para agraciar os intentos,
Geram-se desencontros,
E com desapontamentos.

Na regularidade da pista,
O êxito da macia andança,
 Move distinto motorista,
No suporte da confiança.

Se é bom ir para voltar,
Assusta o sair para ficar,
Porque do novo a captar,
Intui-se algo a modificar.

O medo da não aceitação,
E da perda de referência,
Lateja com mais emoção,
Para eivar a maledicência.

Na expectativa do agrado,
E da decorrente acolhida,
Fustiga o medo do legado,
Da rica amizade preterida.

Começar tudo novamente,
Encanta, assusta e espanta,
E ocupa o tempo da mente,
No sonho que não acalanta.












quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Audições



Com tanta informação de conduta zambembe,
Dos ordinários espertalhões e vis exploradores,
Não bate anseio melhor que lugar mambembe,
Para conformar os acalantos nada promissores.

Se já não bastassem as deploráveis usurpações,
Divulgadas como  notícias da Serra Cantareira,
Vêem-se massacrados por abusivas divulgações,
Os que já não encontram nem eira e nem beira.

Sons ensurdecedores dos pretensos vendedores,
Arvorados no direito de insinuar consumo voraz,
Ferem tanto como suportar mosquitos chiadores,
Que ainda sugam tanto sangue quanto lhes apraz.

Com então ouvir a orquestração dos belos zunidos,
Do vento, das folhas, pássaros, grilos e  cigarras,
Que tornam aprazível o seu impacto nos ouvidos,
E desmancham na emoção as incrustadas amarras?

Se os limiares da audição nos livram de tantos sons,
Por que forçar a audição acima e além das medidas,
Só para conseguir audiência com vista a lucros bons,
Ou procrastinação para deixar pessoas submetidas?





terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Chimarrão



Desde a ancestralidade dos guaranis,
O chimarronear trás bons momentos,
E ativa energias mais que chá de anis,
Para sossegar a vida nos seus intentos.

Das ondas da espuma verde na cabaça,
Eclodem as sensibilidades sem chalaça,
E impregnadas de sabor que ativa a vida,
Equilibram as andanças da cotidiana lida.

No entorno dos olhares sensibilizados,
Do vai-e-vem da cuia e das conversas,
O sabor do verde fustiga os extasiados,
A não se meterem em ações perversas.

O chimarrão é ótimo para a memória,
Pois enquanto se sorve a seiva quente,
Reconstrói-se, na andança merencória,
O pendor da vida que leva para frente.

O chimarrão é eficaz para os desejos,
Enquanto sinal de gestos benfazejos,
Desperta o brio e a honradez da vida,
E revigora no ânimo a força combalida.

O bom do chimarrão é seu nobre poder,
De ação anti-depressiva e anti-oxidante,
E a capacidade das energias reascender,
Com horas fagueiras e mente galopante.

Ele estimula a atividade física e mental,
E reduz os triglicerídeos e o colesterol,
Mas, acima de tudo aviva a energia vital,
Para evitar as maldades e bobeiras do rol.

Há quem sustenta que é bom afrodisíaco,
Pois, melhor que as previsões do zodíaco,
Mescla memórias com renovados desejos,
E acalanta os sonhos para outros ensejos.

Ao fazer bem à atividade mental e física,
O chimarrão tem propriedade metafísica,
De remeter para além da sucção do sabor,
 A evaporação de toda a mágoa e dissabor.





segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Ventos cantantes



Há os que trazem o murmúrio do mar,
E que conseguem os ânimos aprumar;
Outros geram clima de intenso medo,
E apontam indício de algum arremedo.

Em alguns casos antecedem temporais,
E facilitam as destruições exponenciais,
Já em outros momentos sibilam suaves,
E encantam mais do que as lindas aves.

Ventos delicados e de serena roupagem,
Rodeiam o humor com leveza de aragem,
E outros advêm refrigerados das florestas,
E amenizam até as mágoas mais funestas.

Meritórios são também aqueles ventos,
Que mudam assuntos e certos eventos,
E ajuntam no bojo os ares mais quentes,
Dos lamurientos sempre descontentes.

Restauradores são aqueles tênues da noite,
Que transformam em agradável o pernoite,
E aqueles das serenas chuvas impregnados,
Que a todos deixam mais do que animados.

Enquanto uns sopram com toda delicadeza,
Outros assobiam em bela e graciosa proeza,
E com alguns silvados dos mais perfumados,
Agraciam o infeliz com aprumos inusitados.



sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Vida displicente



Bem conduzidos no consumo,
Já não anelam qualquer rumo,
Nem reconhecem algum erro,
Mesmo vivendo num desterro.

Eventual soberania salvadora,
Exigiria prospecção redentora,
Para preterir alguma desgraça,
De situação vil e muito crassa.

Sem consciência do entorno,
E sem dele esperar retorno,
Importa um quadro reflexo,
Sem sentimento complexo.

Basta fruir e muito consumir,
Mesmo sem algo a produzir,
Pois importa só o provisório,
Sem maior cunho meritório.

Já não importa a colonização,
Nem qualquer demonização,
Porque curtir o fugaz da festa,
Já é o bom que se manifesta.


quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Tipos de vigilância



            Pelo menos duas posturas básicas tendem a manifestar-se diante do que se aguarda: ou medo e pânico do pior que se possa esperar, ou a alegre e apreensiva expectativa diante do bom que se espera acontecer. Outras posturas, como atenção desvelada para fustigar a vida alheia, ou para preparar um golpe, um acerto de contas, ou um assalto, são menos incidentes.
            É comum, em momentos mais difíceis da vida, esperar-se pelo pior que pode acontecer; no entanto, quem consegue olhar para além dos problemas, também consegue antever outras previsões melhores. Foi isso que o Evangelista Marcos (13, 33-37) fez para muitas comunidades emergentes no discipulado de Cristo. Elas entraram em pânico diante da inesperada invasão romana, no ano 70, que destruiu a capital Jerusalém e também o templo, grande ícone simbólico da presença de Deus na Terra. A fuga para a sobrevivência e as informações relativas à destruição, levava muitas pessoas a pensar de que estava se tratando do fim do mundo.
            A predisposição da vigilância daquelas pessoas foi a de que, na hora menos esperada, iria se configurar o fim da sua vida. Assim cresceram os rumores de que uma iminente volta de Jesus Cristo iria levá-los ao mesmo fim dos muitos cidadãos que morreram na invasão romana. Da memória de Cristo, Marcos soube alentar aquelas pessoas assustadas e apontar-lhes outra perspectiva de vigilância: valendo-se de uma das muitas parábolas proferidas por Jesus Cristo, Marcos ajudou aquelas pessoas em crise a refletir, sobre a importância de não adormecer, ou seja, não se distrair demasiadamente com os acontecimentos de um mundo sem Deus. Bem mais importante seria encontrar forças de Deus para lidar com a perseguição, com o exílio e com as dificuldades decorrentes desta situação.
            Aquele momento também não deveria constituir ocasião interesseira para alargar o poder. Muito pelo contrário, deveria oportunizar maior dinamismo no serviço humanitário, justamente para evitar a forma das guerras que estavam em andamento. Estava em jogo uma vigilância para além do clima de pânico e de medo diante dos fatos sociais e uma convocação para o zelo de ação positiva no meio da sociedade. Em algum momento deste agir humanitário iria acontecer uma volta do Senhor. Não para intimidar e castigar como a perversidade romana, mas, para enaltecer quem descobriu no modo de ser de Cristo a novidade da vigilância, ou da acuidade da atenção em favor da vida e não da morte.

            Mesmo com a sensação de desamparo também da parte de Deus, poderiam aqueles cristãos, como nós hoje, dar-se conta de que Deus redime por caminhos que nem são suspeitados e, na antiga imagem, - de constituímos barro na mão do oleiro, - o resgate já não pressupõe os formalismos que se desenvolviam no templo, mas, a alegre confiança de que Deus nos molda para a grandiosidade de sua bela obra.

<center>ERA DIGITAL E DESCARTABILIDADE</center>

    Criativa e super-rápida na inovação, A era digital facilita a vida e a ação, Mas enfraquece relacionamentos, E produz humanos em...