Sinopse: O surto do conservadorismo de nossos
dias se deve eminentemente ao quadro social de possíveis mudanças e com a
eventual possibilidade de afetar as instituições tradicionais. Para justificar
a busca de excelência e de supremacia, emerge o apelo a um tempo fantasiado, em
que os ditames divinos oportunizaram, através das instituições, especialmente
Estado e família, uma normalidade de vida, a ser desejada para o bem-estar do
nosso tempo.
A
sensibilização, perante produção e ampliação dos medos diante do que pode
acontecer, leva o conservadorismo a formas mórbidas de pretensões
salvacionistas, mediante defesa categórica a institucionais tradicionais.
O
extraordinário arrebanhamento em torno do discurso religioso conservador é
assegurado, sobretudo, pela sugestiva apelação à maciez do conforto na vida:
sentir bem-estar.
Palavras-chave: Tradição fantasiada – normalidade
institucional – complexo messiânico – medos - poder.
Preâmbulo
A emergência de expressivo número de
clérigos, seminaristas e lideranças de movimentos leigos na Igreja, com rigores
integristas e com discurso altamente conservador e fundamentalista, inquieta
pela rapidez e pelas dificuldades que desperta na ação pastoral das dioceses. Impressiona,
sobretudo, o triunfalismo da pompa nas celebrações litúrgicas.
O conservadorismo não é novidade em
si, pois, sempre se manifestou dentro da Igreja e também no âmbito secular. No
entanto, parece emergir uma postura hipócrita que certamente trás mais
problemas do que efetivas soluções.
Nossa
suspeita, ao desejar aprofundar o entendimento deste novo simulacro medieval, é
o de se tratar de uma saudosista busca de precedência e poder, que não
contribui nem para os desafios da Igreja e nem, tampouco, para um retorno à
normalidade das anomias sociais de nosso tempo contemporâneo.
Assim como
na política emergem tendências conservadoras com certa constância, manifesta-se
algo similar nos quadros de Igreja católica: quer-se que tudo seja resolvido
sem mudar as regras do jogo.
Uma visão pessimista dos problemas sociais do
tempo hodierno leva ao discurso enfático de que este tempo propicia erro grave
de devassidão, anomia e desvio, somente corrigível através do retorno ao
parâmetro de tempos imaginados como excepcionais em normalidade através das
clássicas instituições sociais.
1
– Fantasma esquizofrênico ou neurose
fóbica?
Parece que as duas formas mórbidas se cruzam na configuração das
mobilizações conservadoras. No entanto, o fenômeno muda de contorno e envolve
certo mimetismo adaptativo aos distintos momentos históricos. Dante Donatelli
lembra que o conservadorismo brasileiro, do início a meados do século passado,
estava impregnado pelo medo diante do que poderia vir a acontecer naquele
quadro social:
“era um medroso contumaz, tinha medo das mulheres poderem estudar,
votar, falar, gozar e viver. Tinham horror ao moderno: a literatura, a poesia,
o cinema, o rádio, eles poderiam colocar em risco e corromper a família”.
Na época,
pensadores eminentes como o médico Nina Rodrigues e Sílvio Romero propugnavam
tentativas explicativas do atraso brasileiro em relação a outros países e, nas
suas afirmações eugênicas, deduziram que havia inferioridade biológica,
intelectual e moral dos que descendiam da mestiçagem brasileira.
O medo conservador da época pode ser ilustrado na dificuldade
de acesso à educação pública. Basta lembrar que a primeira universidade
brasileira, a USP, foi criada em 1934 e, em plena década de 1960, o país
contava com 65% de analfabetos, enquanto que a escola pública pertencia a uma
pequena elite branca e higienizada pelo conservadorismo: “o conservador é sempre um medroso, um covarde, enlutado
permanentemente pela presença do novo”.
Já no momento atual, o conservadorismo apresenta um viés
naturalista, defensor dos valores e das tradições, para criticar a urbanização
e a modernidade industrial:
“A tábua que sustenta uma parte destes movimentos, sim porque são
vários imbuídos do mesmo objetivo, conter o novo, e passa, primeiro, pelo
antigo medo das massas desformes de homens e mulheres que assolam as grandes e
desumanas cidades, um renovado sentimento de exclusão no qual há o nós e
eles, o simbólico...”.
O medo também leva
a uma ojeriza diante dos programas sociais de inclusão, geralmente expressa no
chavão: “são vagabundos que não gostam de trabalhar”.
Já no campo religioso, a insistente luta pela manutenção dos
costumes, que centraliza a família e a fé cristã, vem sendo largamente
incrementada por mobilizações neopentecostais, imbuídas pela “teologia da
prosperidade”. Possíveis novidades e surgimento de outros valores causam imenso
desconforto. Por isso,
“a onda
moralista varre as idéias conservadoras como sendo o único esteio possível de
se precaver contra o caos avizinhado por uma moralidade nova, flexível e
relativizada”.
Nesta
precaução, dá-se ênfase ao que teria sido ofertado por Deus: todas as suas
verdades estariam contidas na Bíblia. Desta defesa austera também decorre um
desejo de destituição de políticos e da democracia, porque são vistos como
instrumentos que interferem na sociedade e na economia, e, sob a apelação dos
governantes serem ladrões que não prestam. Por isso os conservadores sentem a
necessidade de valer-se da força repressora, contumaz e rigorosa contra os
imorais. Donatelli ainda destaca que:
“o oportunismo conservador inventa medos
esquecidos, o comunismo, que nem os comunistas acreditam mais, que o digam os
chineses, vietnamistas e cubanos, se torna o pano de fundo que alimenta a
paranoia”.
O medo maior, todavia,
é alimentado em torno da democracia, embora, sejam defensores ardorosos do
Estado, pois veem o Estado como metafísico, do qual o homem é um efeito direto.
Divulgam que o estado tem sua finalidade atrelada à existência humana, desde a
alma até a eternidade:
“Nesta engenharia social, os pastores de televisão são os mais
importantes. Ora, todos eles promovem nos seus fiéis a consciência do que o
chefe de Estado é um representante de Deus, de que o Estado é uma manifestação
divina na Terra e portanto, devemos batalhar nas câmaras municipais, no
congresso nacional e nas prefeituras para que o Reino de Deus seja estabelecido
na Terra. Vale lembrar que existe todo um pacote ideológico contido neste
ideário: Teocracia, dominionismo, teologia do poder. Estabelecer o Reino de
Deus na Terra significa tomar o poder, deter o controle político sobre a nação
e assim mandar no Estado, ter o presidente sob seu controle e em última
instância adquirir o Estado para si, oficialmente, como é o caso das teocracias
Islâmicas atuais”.
Tal quadro permite deduzir que a
preocupação dos teocratas fundamentalistas não se direciona tanto para o
indivíduo e para as dificuldades em torno dos grandes anseios humanos, mas,
precipuamente, em torno da “iniquidade”, com o fito de evitar, a qualquer
preço, que venha a se institucionalizar.
1.1 – Conservadorismo e preservação da ancestralidade
Normalmente associa-se ao termo conservadorismo uma postura
que procura assegurar a continuidade das ordens e das instituições
estabelecidas. Desta postura costumam decorrer resistências a quaisquer
mudanças ou inovações. Também decorre desta postura, uma escrupulosa e
desconfiada vigilância contra eventuais emergências de interesse por mudança
das regras, o que poderia instabilizar o quadro vigente.
O desvelo pela tradição, real ou fantasiado, trás uma
motivação para que não sejam rompidos os hábitos, as regras e os costumes em
vigência. Dali decorre uma postura conservadora e de moralismo, com vistas à
conservação dos princípios, das idéias e dos valores estabelecidos.
A defesa aferrada de que princípios universais, bons e
imutáveis, já andaram propiciando bons efeitos num outro momento histórico, não
significa que os conservadores refutem tudo quanto possa ser novo. Muitos, até
proclamados “liberais”, empenham-se por mudanças, mas, sempre dentro de uma
condição: que fiquem subordinadas aos patamares superiores da religião ou da
supremacia das instituições vigentes desde muito tempo.
Muitas pessoas, mesmo sem claro e definido enquadramento nas
características do conservadorismo, se sentem, contudo, referenciais de
valorização e de promoção dos bons costumes morais e piedosos.
Os princípios conservadores não
tendem a sair tanto dos teóricos quanto de opções pessoais diante da
sedimentação de buscas de segurança e experiências afetivas que reforçam o
apego aos hábitos já consagrados como caminho seguro para estabelecer a boa
normalidade da convivência humana. Por isso, o conservadorismo não é apenas uma
mentalidade e disposição, mas, constitui-se também numa indisposição diante da
precária condição humana e cultural:
“Há
no homem um componente de irracionalidade, que é uma marca indelével – como o
sinal de Caim - e que dirige o homem para o mal (inclinação para o mal). Neste
sentido o religioso compreende a realidade sob a mesma ótica que o conservador.
Como remédio, (mas não como cura) desta condição precária, o homem busca a
segurança de uma ordem moral duradoura. O conservador acredita que essa ordem é
benéfica, porque reduz o contingente social de entropia e caos, promove a
virtude, a ordem, a riqueza e a boa vida.”
O
conservador pressupõe igualmente que uma sociedade bem ordenada é boa, mesmo
que seu governo possa ser inepto e ineficiente. Em razão disso, defende, apoia
e ajuda a preservar o tradicional e o natural, contra tudo quanto considera
efêmero e anômalo.
1.2 – Conservadorismo e síndrome de nostalgia
Ainda que as notícias diárias,
fatídicas e com aparência de caos social apontem para o natural desejo de ordem
e de cosmos, muitas pessoas, para não sofrer com tudo quanto possa exigir o
futuro, tendem a agarrar-se ao passado. Trata-se de uma espécie de mendicância
de afeto, pois, assim como o conforto e a maciez da cama prendem e constituem
um atrativo especial e de refúgio, fazem emergir uma decorrência evidente:
imobilismo e, quando se envolvem na mobilização, é com o desejo de agregar mais
pessoas ao estado de conforto. É como o Dr. Émerson Silveira salienta:
“A voz e a presença dos segmentos
tradicionalistas católicos na vida pública brasileira é fato recorrente. Muitos
grupos e segmentos pretenderam – e ainda pretendem – defender valores
tradicionais da Igreja, a nação e a família brasileiras contra supostas ameaças
externas (comunismo, relativismo, marxismo cultural, ONGs internacionais) e
internas (liberalismo, teologia da libertação, CEBs, entre outras.)”
Nada se torna mais confortável do que
a noção de que Deus colocou à disposição da condição humana, uma segurança
clara e definitiva, que deve ser mantida e repassada.
2 - O apelo ao passado
fantasioso
O desejo de volta ao passado pode não
só refletir incapacidade de lidar com as interpelações das profundas mudanças que
vem ocorrendo nas tradicionais instituições sociais, governamentais e
familiares. Pode, igualmente, ser interpretado como sintoma de desconforto
diante das atuais práticas de socialização.
Esta característica peculiar do
conservadorismo, de pretender retornar ao passado e de não querer que as coisas
mudem, parece constituir mais do que mero desejo de volta à normalidade, uma
nova onda de nítida renitência em admitir que as coisas possam ser diferentes
do que os mundos imaginados e já preteridos pelo andar do tempo.
2.1 – Conservadorismo como fenômeno cultural
Segundo José Luis Fiori
o conservadorismo, com ou sem corrupção avançou por todos os lados e se
configura como metástases de um mesmo câncer, que ora aparece em forma de
fundamentalismo religioso, outra, como xenofobia racista, bem como de
nacionalismos fascistas ou de intolerância raivosa diante de qualquer tipo de
diferença ou divergência, seja de fé ou de idéias políticas:
“Este novo conservadorismo, presente no
Oriente Médio, na Europa e na América do Sul apresenta uma força avassaladora e
irracional e chega a ameaçar a possibilidade da convivência pacífica entre as
gentes”.
Qualquer luta ou empenho por um mundo
mais justo, ou, que vise reverter o avanço desta irracionalidade destrutiva,
contará com reações contrárias para barrá-la. E, precisamente em função desta
agressividade, potencializam-se sinais e possibilidades de guerras civis,
religiosas e, até mesmo entre potências regionais e globais.
Nas tentativas de explicações deste
potencial de negatividade contra eventuais avanços nas formas democráticas ou,
de respeito às diferenças e de sustentabilidade das relações entre pessoas, bem
como da humanidade, aparecem alguns indicativos.
O sociólogo Jorge Machado, da USP,
entende que dentre os fatores que agravaram a estimulação de reação
conservadora, no Brasil, está a difícil vitória da Dilma Rouseff e seu
enfraquecimento político, decorrente das denúncias de irregularidades políticas
de seu governo. Isto teria permitido à direita apropriar-se do discurso de
combate à corrupção.
Uma razão mais ampla e mais plausível
do que esta, foi dada pelo sociólogo Emanuel Freitas da Universidade Federal do
Ceará: entende tratar-se de uma polarização com mais opiniões conservadoras
devido às redes sociais: “elas permitem
que a gente veja que existe racismo, homofobia, ódio e que não somos uma
sociedade harmônica.”
É inegável que a enorme influência
das tecnologias de comunicação e informação, que na intensa exposição imagética
de apresentadores, influenciam simpatias e despertam para um extraordinário
consumo de bens simbólicos, porque o poder anônimo da técnica associa
felicidade à aquisição de objetos, sejam eles materiais, simbólicos, ou
religiosos. Isto pode levar ao entendimento do processo de acumulação e de literal
incapacidade de renúncia aos bens e direitos adquiridos, em favor de outra
forma de organização social. Assim, esperam-se melhorias, mas, dentro das
instituições estabelecidas.
Do ponto de vista religioso,
constata-se a rápida mudança da vida religiosa frugal, simples e abnegada, para
a estetização do corpo com ornamentos, badulaques e formas que possam
impressionar outras pessoas. Assim, certas celebrações litúrgicas simples, como
adoração ao santíssimo, adquirem um ar de pompa e de rubricismo de afirmação de
um mundo fantasioso e megalomaníaco de poder.
O mundo fantasiado em torno da
normalidade da vida na Idade Média, leva ao detalhismo litúrgico das
orientações do Concílio de Trento, e contraditoriamente, à relegação total do
Concílio Vaticano II, que visou uma real e objetiva capacidade de aliar-se ao
mundo moderno, a fim de contribuir para a solução dos grandes dramas de
sofrimento humano e da inoperância das instituições tradicionais diante do
estado caótico das relações interpessoais.
2.2 – Conservadorismo e sistema de organização social
Hans Hermann Hoppe salienta como
causa de fundo do conservadorismo a busca do estado de bem-estar social, que
junta conservadorismo cultural com o estatismo de bem-estar social
assistencialista. As conquistas dos tempos modernos teriam levado, sobretudo a
partir da primeira guerra mundial, a esperar do estado a promoção de conforto, de
segurança e de bem–estar. Diante das conquistas, ninguém quer perder direitos,
bens e nada do que adquiriu. Com isso, o sistema produz um vasto contingente
humano que quer as mesmas conquistas, mas, é impedido de alcançá-las porque as
tradicionais instituições se aferram em não permitir que obtenham os mesmos privilégios:
“O que já deveria estar claro para os
conservadores, é que a maior parte, se não a totalidade da degradação moral e
da devassidão cultural – que são claros sinais de retrocesso civilizatório –
que verificamos ao nosso redor são os resultados inevitáveis e inescapáveis do
estado de bem-social (assistencialista) e das suas principais instituições”.
Hoppe
considera impossível sustentar esta combinação de conservadorismo cultural com
o estatismo assistencialista. Estaria sendo um disparatado absurdo econômico
que fomenta a degradação, bem como a degeneração moral e cultural.
O referido autor também entende que
uma possível volta à normalidade social e cultural precisa, necessariamente,
opor-se ao moderno estado assistencialista. Precisa eliminar o sistema da previdência
social, o seguro-desemprego, a seguridade social, a saúde pública e a educação
pública, bem como os ministérios relacionados a estas questões.
Far-se-á necessário dissolver
completamente o aparato estatal e o poder governamental da atualidade. No
entanto, é o que os conservadores não admitem, sob nenhuma hipótese, pois,
perderiam suas vantagens.
Por isso,
Hoppe sustenta que:
“O conservadorismo de hoje é falso: ele
deseja o retorno à normalidade tradicional, mas ao mesmo tempo defende a
manutenção das próprias instituições responsáveis pela perversão e pela
destruição da moral tradicional.”
Significa, também, que não bastam mudanças
curriculares impostas pelo Estado. Os conservadores, no entanto, querem a
restauração da normalidade sem mexer nada na estrutura do bem-estar
assistencialista e se aferram na defesa da previdência social, da saúde pública
e esperam, ansiosamente, o aumento das responsabilidades sociais do governo, a
fim de que proteja empregos na indústria e restrinja importações.
Disto emerge
uma pergunta: o desejado socialismo econômico permite voltar à normalidade
cultural? Certamente não. No campo religioso, manifesta-se também outro
entrelaçamento. Segundo Rudá Ricci,
aqui no Brasil constituímos uma mescla de festa pagã e ritual religioso:
“Uma primeira hipótese é que o nosso
‘fervor’ religioso seria utilitário: tememos antes de adorarmos, sermos punidos
pela frouxidão. Outra hipótese, não excludente da primeira, seria nossa
carência (ou excesso) afetiva. Algo entre o ‘homem cordial’ de Sérgio Buarque
de Holanda – aquele que necessita do contato direto com o líder, marcado pela
deferência, pelo contato físico, pelo carinho e a busca de proteção e mando
paterno de Freud. As duas possibilidades levam a forte necessidade de
proximidade física e tendência à idolatria.
Tal caracterização parece ter relação com a história de dominação quase
estamental, na qual a maioria dos brasileiros fica de fora do poder político,
mas se sente cortejada em sua ‘menoridade intelectual e de auto-estima’ que
aguarda proteção do mais forte. No caso brasileiro recente, este traço se tornou
evidente em duas figuras paradigmáticas, antagônicas e, ao mesmo tempo
relacionadas: a do Joaquim Barbosa (pai severo que não tolera perda de tempo) e
Marina Silva, que evoca a origem ingênua e pura que reclama um lugar, mas que,
simplesmente, não o recebe.
Esta
peculiaridade do conservadorismo brasileiro afeta particularmente o modo de ser
cristão, que, no entendimento de Caco Pereira, é hipócrita, pois age mais por
conveniência do que pelas raízes da Palavra, e, por isso, se aferra no tradicionalismo
enfadonho e inoperante:
“Na verdade, ele é mais do que um conjunto
de normas sem graça, sem amor e com conhecimento superficial da Lei de Deus.
Isso mesmo. Estou dizendo com tranquilidade que esse conservadorismo da
‘metralhadora verbal’ disparada contra uma escolha sexual não representa o que
de fato a escritura ensina sobre combate ao pecado.”
Enquanto
os gays são vistos como “vampiros”, os “adolescentes transantes”, os padrastos
garanhões e tantas outras pessoas ardilosas e manipuladoras, são vistas como
anjos das elevadas cúpulas celestiais. Por isso,
“O conservadorismo cristão brasileiro é
hipócrita e abre mão de ser boca de Deus; resolve ser nada mais que um
movimento tagarela, preconceituoso e vil... E, só para constar: os mais
‘atacados’ nos discursos de Jesus (se querem nivelar), foram os ‘conservadores’
sem amor (dá uma lida em Mateus 23)”
Assim, nem
mesmo o conteúdo da mensagem cristã está isento da capacidade de criar e
espalhar monstros ideológicos. Por acreditar que a ordem desejada, mesmo a de
um passado distante e inexistente, constitui aquela ordem benéfica e portadora
da capacidade de superar a entropia, bem como para o caos social de nossos
dias, empenha-se o conservadorismo para estabelecer a ordem da normalidade de
uma vida boa. Em razão disto, percebe demônio e degeneração por toda parte e que
precisa ser enfaticamente retirado e evadido da convivência humana.
“Para o reacionário – tudo o que temos hoje
em dia é uma degeneração do que já tivemos um dia. No entanto, sua visão do
passado pouco corresponde à realidade histórica. Um tradicionalista católico vê
na Idade Média (com bons motivos) o momento áureo da civilização.”
Tal
segurança leva-o a ser um revolucionário às avessas, pois deseja impor de forma
autoritária o que idealiza para o bem da sociedade, a partir de uma sociedade
imaginária perfeita do passado. Por isso Wagner Francesco deduziu que o
conservadorismo é sempre barreira e jamais uma ponte. Mencionou o texto Origem da tragédia, de Nietzsche, para
salientar que o grande problema do conservadorismo é o de impedir inovações.
Assim, o conservador costuma pensar que é o único correto e que sempre está
errado quem pensa diferente. Acaba, na verdade, expressando o medo real diante
do novo.
3 – Conservadorismo – a
tirania na maciez do conforto
Em tempos de sociedade líquida, a
maleabilidade de adaptação, de deslizamento e de ajuste aos contornos do
ambiente, permite ao conservador constatar riscos iminentes de afastamento dos
quadros: “a perda de ovelhas”. Decorre dali a necessidade de vigilância para
evitar deserções e para incorporar os já deserdados às sãs instituições
sociais.
Uma oferta atraente vai ao encontro das
pessoas já carentes, cansadas e extenuadas pelos sofrimentos. Basta alguém
queixar-se de alguma dificuldade, que já recebe a solução capaz de propiciar
conforto.
A palavra “conforto”, mágica e
atraente, vai ao encontro dos anseios e é carregada de fascinação sedutora para
atrair, encantar e entusiasmar pessoas. Conforto, derivação da palavra latina
‘confortare’, significa tornar mais forte, no sentido de transmitir energia.
Segundo Packer, na Bíblia o termo
conforto geralmente foi traduzido como ‘coragem’, no sentido de revigoramento e
de incrementação das forças. Em nossos dias, o termo parece sugerir mais a
idéia de apoio que propicia descanso e relaxamento físico. Embora o autor veja
o tradicionalismo (conservadorismo) como coisa legalista que mata, constata
também sua virtualidade de apagar o Espírito Santo e causar paralisia e
impotência na Igreja:
“o
imobilismo no olhar para trás, quer exigido pelos líderes ou pela vontade dos
próprios seguidores, ou ambos, pode em si mesmo fazer que as pessoas se sintam
bem, seguras e sábias... Estes sentimentos podem, de volta, dispor as pessoas a
se juntar a fim de impor o mesmo imobilismo sobre outros, na crença de que tal
ação preste um verdadeiro serviço a seus recipientes”.
Nesta
interpelação pela orientação sistemática de outras pessoas sobressai uma
ojeriza ou um desdém pelo que procede das tradições humanas, pois pressupõe que
devam prevalecer as tradições da fé e, por isso, a lida com pessoas adultas é
similar à lida com crianças: diz-se a elas para fecharem os olhos, abrir a
boca, e engolir qualquer coisa. Isto, segundo Packer, na melhor das hipóteses
leva a uma postura orgulhosa e preconceituosa.
Mesmo que as mediações conservadoras tendem a
ser infantilizadoras, despertam, por outro lado, o apego apaixonado pelo rigorismo
rubricista. Como afirma Packer:
“Num nível mais profundo, existe a mentalidade da palavra
mágica, que insiste que verdades reveladas só podem ser afirmadas através de
vocábulos específicos”.
Isto certamente ajuda a entender a
obsessão pelo uso de palavras latinas e a insistência na linguagem tomista, entendível
somente para os muito bem iniciados.
Da necessidade de alargar o quadro de
influência sobre outras pessoas, desenvolve-se um verdadeiro complexo
messiânico, que, por sua vez, envolve uma dupla dimensão:
a) Permitir o conforto de um descanso
físico, psíquico e espiritual – e como se fanatiza o “repousar no espírito”, o
“Acampamento” e outras excentricidades de relax simpático – que, além de
aliviar inquietações, gera afeição a quem interpela para a maciez toda
aveludada. Estaria ali o sucesso dos ursinhos aveludados? Nesta oferta de
maciez para a vida, vai também o necessário remedinho, de ação analgésica
imediata e confortadora: tudo isso vai acontecer na maciez, se for feito
rigorosamente conforme os princípios teológicos, já experimentados e
consagrados num longínquo passado;
b) É preciso envolver-se no salvamento
de quem já se desviou do acesso deste quadro idealizado e, também, salvar quem
corre risco de vir a afastar-se dele. Tal premonição confere, a cada membro, um
importante encargo messiânico de assegurar que não se percam os bons costumes,
especialmente os morais e piedosos. Daí a onda de estimulação a devocionalismos
e piedades de fórmulas rígidas, que precisam ser minuciosamente cumpridas para
o alcance da presumida maciez de conforto e repouso.
Nas aparências de muita criatividade, tende a manifestar-se
no conservadorismo um aspecto criativo, que faz o diagnóstico e apresenta o
remédio para a cura, tal como se insinuava no tempo dos “papas Pios”, no auge
do integrismo católico. De acordo com Parker:
“O
conservadorismo criativo utiliza-se da tradição, não como autoridade final ou
absoluta, mas como recurso importante colocado à nossa disposição pela
providência de Deus, a fim de nos ajudar a entender o que a Escritura está nos
dizendo sobre quem é Deus, quem somos nós, o eu e o mundo ao nosso redor e o
que fomos chamados a fazer aqui e agora”.
Esta natural vontade de
controlar a vida de outros, inerente à nossa condição, já reconhecida por
Aristóteles - quando afirmava que o ser humano é um animal político que sente
prazer em constatar que outras pessoas acolhem e seguem suas idéias – faz
emergir nos pastores uma grande vontade de se sentir “pai da criança” de tudo
quanto se produz através do seu discurso de afirmações categóricas. Segundo
Parker:
“Sabemos que pastores, como um corpo, amam o poder e sabemos
como o desejo de controle total entra nas decisões dos que não são pastores a
fim de formar seus próprios ‘ministérios’ independentes, nas quais não precisam
responder a nenhuma autoridade. As possibilidades de poder quando nos
encontramos assim, no pináculo do venerado, são enormes e não devemos nos
surpreender quando ouvimos dizer que tradicionalistas desta espécie, que se
veem como acima da lei e dos outros seres morais”.
Bela
ilustração deste processo restaurador a criar medos e ameaças em torno de um
presumido poder do mal, - que estaria agindo contra o precioso patrimônio
judaico-cristão, - como o valor da família e dos bons costumes, vem sendo insinuado
pelo grupo que sustenta o discurso do padre Paulo Ricardo de Azevedo Júnior, de
Cuiabá – MT:
“Todas as controvérsias e mobilizações
amplamente divulgadas pela ‘mídia religiosa’ (jornais e sites religiosos,
sobretudo) angariam ao padre exposição, prestígio e propaganda; junto a isso,
possibilitam convites para visitas, pregações e celebrações de missa em
paróquias e lugares pelo Brasil, assim como entrevistas e blogs e jornais
locais e regionais, feitas, obviamente, com anuência do bispo diocesano, Dom
Milton Santos. Isso alimenta a própria rede midiática, montada pelo sacerdote
católico, bem como outras redes midiáticas religiosas de cunho
tradicionalista-conservador (blogs e páginas eletrônicas de católicos e
evangélicos).”
Estes efeitos, tão explícitos em
tantos membros das comunidades, também parecem atualizar o velho maniqueísmo
que nos situa como dependentes da força persuasiva de dois polos: o do bem e o
do mal. Enquanto o primeiro, identificado como o de Deus, precisa, na sua
hegemonia, vencer e destruir o reino do mal, que é o do diabo. Por isso, à
doentia demonização de quase tudo, é contraposta a cura, a libertação, o
repouso no espírito, situações que, na verdade, não vão além da exploração de
estados de transe.
Em suma, estes parcos dados,
registrados na busca de entendimento desta aparente morbidez de avanço do
conservadorismo religioso, deixam evidente que ele pende mais para a entropia
do que construção positiva, capaz de “salvar”, e, humildemente, ajudar a sanar
as grandes contradições sociais e religiosas do nosso tempo, tal como o papa
Francisco sugere à Igreja.
Por outro
lado, o passado medieval certamente não deve ser nem negado e nem ignorado,
mas, deve ser contextualizado, porque apesar das sínteses relativas a problemas
sociais recorrentes aos tempos anteriores daquele momento histórico, também não
estavam isentos de erros, de parcialidades, de limites e de configurações
específicas do quadro cultural daquele estágio humano. A inspiração decorrente
daquelas buscas pode, todavia, diante dos problemas sociais muito distintos que
vivemos em nossos dias, ajudar, efetivamente, a encontrar soluções menos
autoritárias e mais democráticas.
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PEREIRA, Caco. O
“conservadorismo” brasileiro é hipócrita. In:
ortopraxia.blogspot.com.br/2015/08/o-conservadorismo-hipócrita.html ; acessado
dia 10/02/2016.
SILVEIRA, Emerson José Sena da. Tradicionalismo católico e espaço público – a “guerra cultural” dos
clérigos ultraconservadores. In: REB, vol. 75, nº300, out/dez. 2015, p.
935-957.
TIRAPANI, Caco. O que
significa ser um conservador. In:
revistaamalgama.com.br/07/2015/o-que-significa-ser-conservador ; acessado dia
09/02/2016.
DONATTELLI, Dante.
Os conservadores e seus medos. IN:
obviousmag.org/obra-das-palavras/2015/06/os-conservadores-e-seus-medos.html
acessado dia 12/02/2016.
GALENO, Luiz F.
Desmascarando os grupos pseudo-cristãos: conservadores pró-família,
defendores dos valores tradicionais, etc. In:
liberta-te.org/desmascarando-os-grupos-pseudo-cristãos-conservadores-pro-familia-defensores-de-valores-tradicionais-etc/
acessado dia 12/02/2016.
FRANCESCO, Wagner.
O conservadorismo e sua principal função: travar o desenvolvimento da
humanidade. In:
wagnerfrancesco.jusbrasil.com.br/artigos/3040117442/o-conservadorismo-e-sua-principal-função-travar-o-desenvolvimento-da-humanidade
; acessado dia 09/02/2016.
SILVEIRA, Emerson José Sena da.
Tradicionalismo católico e espaço público –
a “guerra cultural” dos clérigos ultraconservadores. In: REB, vol. 75,
nº300, out/dez. 2015, p. 936.
No texto
O conservadorismo tem-se
manifestado e avançado por todos lados. In:
zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/proa/noticia/2016/01/jose-luis-fiori-o-conservadorismo-tem-se-manifestado-e-avançado-por-todos-lados-4953112.html;
acessado dia 09/02/2016;
PEREIRA, Caco.
O “conservadorismo” brasileiro é hipócrita. In:
ortopraxia.blogspot.com.br/2015/08/o-conservadorismo-hipócrita.html ; acessado dia 10/02/2016.
TIRAPANI, Caco.
O que significa ser um conservador. In: revistaamalgama.com.br/07/2015/o-que-significa-ser-conservador;
acessado dia 09/02/2016
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