sábado, 29 de outubro de 2016

Fanatismos religiosos



            É próprio da condição humana o desejo de descobrir algo melhor e mais apropriado para as condições de convivência. No desejo de propiciar o melhor, surge, simultaneamente, o fenômeno sectário, isto é, considera-se o novo intuído ou descoberto, como absolutamente melhor quanto o que vem sendo feito sob outras motivações.
            Um dos componentes de persuasão para convencer os outros é o do apelo exagerado para assegurar que a novidade inventada ou assumida é radicalmente superior e muito melhor do que tudo quanto está sendo feito. Neste processo, tende-se a cair com facilidade no campo do fanatismo. Exagera-se na argumentação e se quer apressar a adesão de outras pessoas.
            O campo religioso não está isento do risco de fanatismos. O apóstolo São Paulo constatou este fenômeno de exageros por parte da comunidade de Tessalônica. Duas tendências afastavam a comunidade do que era essencial no seguimento de Cristo. Uma, sustentava que Jesus não retornaria à condição humana; e outra, assegurava que esta volta estaria na iminência de acontecer a qualquer instante e sem demora. Se um fanatismo relativizava qualquer inquietação diante do jeito que vivia, o outro apavorava por medos. Este levava a tal pânico que muitos cristãos já nem se preocupavam nem com os trabalhos cotidianos, nem com a vida a ser alargada e nem mesmo com a construção de um reino segundo Jesus Cristo. Esperavam passivamente que Jesus já viria condecora-los com o melhor prêmio nos céus.
            Os dois fanatismos da comunidade de Tessalônica não estavam vinculados à boa notícia de Jesus Cristo que convocava a agir positivamente no meio das dificuldades de organização da vida.
            A real missão decorrente do anúncio de Jesus Cristo, ao ficar relegada, levava à perda das características peculiares da comunidade de Tessalônica. Este fato, tão antigo, nos mostra a necessidade de amadurecimento da fé em nossos dias, pois, muitos fanatismos em torno de aspectos irrelevantes e muito distantes do reino anunciado por Jesus Cristo, são colocados como essenciais à vivência da fé. E como tem gente sendo conduzido por um cabresto de fanatismos em movimentos e pastorais das comunidades cristãs!
            Por isso, é bom lembrar um texto muito interessante do evangelho de Lucas (19,9-10). Enquanto muitos foram levados por outros a chegar perto de Jesus, Zaqueu, consciente de seus erros, sobretudo, o de cobrar mais do que lhe era permitido, ao encantar-se com o que ouvia falar de Jesus Cristo, e, ao saber que ele passaria numa estrada, quis ser visto por Jesus e, por isso, subiu numa árvore da beira do caminho para lhe partilhar seus limites e o bom desejo de alinhar-se ao trabalho de Jesus Cristo. Deste apelo resultou um jantar muito importante: o do pecador que se sente agraciado e perdoado pelo amor de Deus e se transforma radicalmente para ser melhor do que tinha sido até aquele momento.

            Muito mais valioso do que o atrelamento passivo e dependente de fanáticos, o processo de conversão de Zaqueu abriu-lhe a perspectiva de ser mais reto, mais honesto, e mais humanitário. Este novo modo de ser foi radicalmente diferente do que um atrelamento a fanáticos, mais interessados pelos seus planos do que nos planos do amor de Deus.

Pirilampo



Com as chuvas emerges do fundo da terra,
E tampouco contas o que a vida ali encerra,
Mas pareces afinar tanto com a escuridão,
Que nem te atreves a ficar nesta claridão.

Embora sendo um besouro tão prendado,
De emitir intermitentes luzes no relvado,
Tua luminescência oferece pouco rumo,
E até aparentas estar fora dum aprumo.

Possivelmente teu voo tão desnorteado,
Apesar do luzeiro tão vivo e escancarado,
Não firma uma regularidade no trampo,
E sequer clareia o impropério do lampo.

Como você, vagueiam idiotas insanos,
Que geram sofrimentos e desenganos,
E as luzes parecem dos glúteos eclodir,
Sem jamais clarear momentos a decidir.

Nos voos sem rumos claros e definidos,
Tantos desnorteados ficam preteridos,
Porque a provisoriedade da iluminação,
Deixa horizontes inseguros na direção.



Lembranças



Sinais que expressaram um momento,
Para lembrar edificante procedimento,
Viram ícones sacramentais de um gesto,
De algum ato despretensioso e modesto.

Ao remeterem aos bons tempos passados,
Reativam múltiplos e memoráveis legados,
E ensejam não só o desfrute daqueles fatos,
Mas ativam ensejos de mais gestos sensatos.

Difícil é desfazer-se dos sinais milagreiros,
Carregados de gestos e de modos faceiros,
Que lembram o inefável transbordamento,
De satisfação e inebriante contentamento.

A ausência daqueles sinais tão simbólicos,
Causa perda e sentimentos melancólicos,
Porque sem demora se evade a memória,
Das pessoas e tempos de edificante glória.

Nem a memória dos recursos eletrônicos,
Recupera tão bem os significados icônicos,
Dos sinais que falam coisas bem diferentes,
E remetem a novos olhares benemerentes.




sábado, 22 de outubro de 2016

Dor



De sutis a agudas e desesperadoras,
Multiplicam-se dores devastadoras,
Resultantes de orgânicas disfunções,
Ou de incontáveis outras injunções.

Se as físicas são tenebrosas e cruéis,
Ainda mais doem os afetivos vergéis,
Que destroem pelo silêncio cortante,
Sem qualquer lenitivo anestesiante.

A ignorância do nome e da identidade,
Causticam muito mais que a senilidade,
Pois ferem a memória e bons projetos,
E anulam a efetuação de atos concretos.

Muito mais dolorida que a dor sentida,
É a atrelada à superioridade denegrida,
Regida por ambição cega de aparecer,
E desprovida do dote de se enternecer.

A pervertida obsessão pela grandeza,
Engole sorrateira, a humana riqueza,
E transforma tanto serviço religioso,
Em mero meio para seu próprio gozo.

Se as técnicas, remédios e exercícios,
Oferecem tantos e variados benefícios,
Onde encontrar os modos valorizados,

Para priorizar serviços compartilhados?

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Palavras de despedida do apóstolo Paulo


            Em tempos de afrouxamento de muitos valores cristãos da boa convivência, tornam-se muito atuais e interpeladoras as palavras de despedida de São Paulo, na carta que escreveu ao bispo Timóteo.
            Tudo indica que o bispo, como as comunidades que ele animava, começou a perder o elã da sua fé e a acomodar-se aos hábitos predominantes da sociedade, que, por influências romanas, se tornava materialista e consumista. Timóteo provavelmente não constituía bom exemplo de Jesus Cristo para animar as comunidades na fé.
            São Paulo, por sua vez, velho, doente, sofrendo na prisão e cada vez mais impregnado do espírito de Jesus Cristo, em vez de lamúrias desesperadoras, aproveitou a ocasião para alertar Timóteo sobre a importância do que ele prometeu ao ser sagrado bispo e do necessário testemunho que ele deveria ser como sinal edificante para que a boa notícia do Evangelho pudesse expandir-se.
            Nas palavras finais da sua carta, Paulo revelou a grandeza da sua fé, pois, avaliou sua história transformada pela graça de Deus e constatou que o percurso realmente foi de salvação. Comparou sua trajetória a uma corrida, mas, com uma diferença: não foi condecorado somente quem chegou por primeiro, mas, todos os que correram. Em outras palavras, ele se sentiu vitorioso no caminho da fé e todos os que aderiram a Jesus Cristo, participando da corrida, também estavam agraciados pelos bons frutos produzidos na fé.
            Mesmo lamentando o desamparo por parte das comunidades que ele fundou, Paulo expressou uma esperança extraordinária: avaliou que seu bom desempenho no discipulado de Jesus Cristo lhe dá a plena certeza de que, em breve, receberá a recompensa de Jesus Cristo para estar junto de Deus. Não viu a morte como um sacrifício expiatório, que, segundo o judaísmo tradicional fazia uma oferenda a Deus com o sangue alheio de animais. Paulo sentiu que esta passagem envolvia seu próprio sangue, diante da morte violenta que esperava e pelas conclusões do seu julgamento. Tratava-se da oferenda da sua vida, porque esperava do “justo juiz”, que é Deus, um julgamento contrário ao que recebera do julgamento romano.
            Apesar do quadro hostil da espera de sua execução, Paulo manifestou a Timóteo a certeza de que Deus o livraria de toda esta manifestação maligna que o induzia à morte. Por isso, ao louvar a Deus na expectativa de que sua oblação o introduzirá na glória de Deus.
            A carta dirigida a Timóteo certamente pode direcionar-se a cada um de nós para nos ajudar num importante discernimento: em nome de Jesus Cristo, deve-se absorver mais o que vem Dele do que hábitos sociais de um império em decadência.
           


quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Um ano a mais



Nas asas do vento eivado de vida,
Voa a memória da história vivida,
Misturando componentes de fatos,
De dores, alegrias e feitos ingratos.

Na dramática passagem do parto,
A vida escancarou horizonte farto,
Para não sucumbir a riscos mortais,
E nem perder de vista sonhos vitais.

Da riqueza da socialização familiar,
Cresceu a capacidade de conciliar,
Vitórias e derrotas, sem desanimar,
E, partilha de dotes sem escoimar.

Das adversidades e duros embates,
Surgiram desnecessários disparates,
Mas também a síntese da prudência,
Para espargir compaixão e clemência.

Da farta bondade e sincera acolhida,
Veio a riqueza da dedicação renhida,
Em favor de mais sentido existencial,
E da solidariedade na dúvida crucial.

Ao lembrar a dádiva de precioso dom,
De poder viver e sonhar com algo bom,
Refaz-se a força que vitaliza o esmero,
Por uma vida que geste bom tempero.




Saudade



Diante do presente pouco alentador,
Para esperar um futuro consolador,
A chave do anseio de bom conforto,
Abre a porta do passado como porto.

Dali vão e cruzam novidades diversas,
Que passaram turbulências adversas,
Mas prospectam sonhos alvissareiros,
E recriam os delineamentos certeiros.

A memória dos tempos gratificantes,
E as inúmeras superações galopantes,
Sempre apontam para virtualidades,
Capazes de gestar variadas novidades.

Ainda que a vital potência de reação,
Já não apresente igual pique de ação,
Alarga-se num perspicaz bom-senso,
Para evitar um ambiente mais tenso.

Assim a gostosa saudade do passado,
Reativa o vasto potencial condensado,
E bem guardado no cofre inconsciente,
Mas vigoroso para renovar o presente.






terça-feira, 18 de outubro de 2016

Pragmatismo



Quando a razão última da educação,
Visava repasse do melhor da cultura,
Nem se pensava na procrastinação,
De uma astuta e pragmática postura.

Já não é mais importante gerar saber,
Pois interessa mão de obra eficiente,
E bem longe do valor do bem-querer,
Importa uma mente frágil e obediente.

Some a capacidade de bem conviver,
Para endeusar-se um manuseio hábil,
E, distante de uma ética no proceder,
Espera-se saldo do resultado contábil.

Aflora-se uma moderna escravização,
Sob o fetiche do melhor perfil técnico,
Que submete a maioria da população,
Independente do procedimento étnico.

Ou se nasce privilegiado para mandar,
Ou se vira submisso atrelado a executar,
O que muito consumo possa demandar,
Mesmo que a convivência vá se execrar.

 O interesse por bons e fartos negócios,
Sobrepõe-se a quaisquer valores sociais,
Para engrandecer poucos em seus ócios,
E desumanizar à barbárie os comensais.



segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Ar diluído



 Na sofrência pelos seus nutrientes,
Redobra-se o pulmão para captar,
Não os remédios estupefacientes,
Mas, um ar oxigenado para inalar.

Quanto inúmeros fatores alérgicos,
Adentram-se no espaço bronquial,
Com seus processos bem enérgicos,
Causam desorganização exponencial.

A falta do ar, nada atinente à vida,
Conta com uma atividade poluidora,
Para uma guerra química desmedida,
Que obstrui a capacidade respiradora.

A desmesurada ambição para vender,
Ignora o que é vital para a boa saúde,
E causa morte lenta sem se precaver,
Para viver refém do próprio ataúde.

Se alterações climáticas são culpadas,
Pelas degradações dos ares saudáveis,
Revelam as perversas lidas pautadas,
Pelo desrespeito aos ares respiráveis.











sábado, 15 de outubro de 2016

Encantamento por substituições



Nada mais avassalador nos dias atuais,
Que a persuasão dos efeitos especiais,
Provindos da substituição de objetos,
Assimilados como obsoletos e abjetos.

Na mobilização pela melhor novidade,
Desencadeia-se produção à saciedade,
Para a ansiosa demanda consumidora,
Que espera uma felicidade renovadora.

Felicidade atrelada ao máximo consumo,
Constitui num desejo artificial um sumo,
Capaz de impregnar ótimo sabor e gosto,
À nova interação com o objeto proposto.

O imaginário delega poder à substituição,
Para despertar anseios da nova sensação,
Como fonte de extraordinária felicidade,
Capaz de conferir voz e vez na sociedade.

O jogo da protelação exaure os estoques,
E adia a fruição dos inovadores retoques,
Porque a felicidade é sempre deslocada,
Para adquirir a outra novidade indicada.

Até pactos de sólidas e eternas alianças,
Perdem no mesmo jogo as boas fianças,
E uma vez que podem ser substituídas,
Terminam sorrateiramente preteridas.



Oração



            Em progressiva decrepitude, a capacidade de rezar está, cada dia, menos prestigiada, porque muitos desejos são satisfeitos com dinheiro e muitas alterações orgânicas e psíquicas são saradas através de componentes químicos e de terapias.
            O povo do primeiro testamento da Bíblia costumava repetir certos fatos marcantes para despertar nas gerações novas a capacidade de perseverar na oração. Um destes fatos salientava um momento do Moisés, pobre e humilde, mas crente de que Deus o ajudaria a vencer os amalecitas, a fim de conseguir terra para o seu povo. O aspecto mais relevante era o de que Moisés rezava insistentemente a Deus para que amparasse Josué, seu general em aguerrida luta (Ex. 17,8-13).
            A narrativa salienta que Moisés rezava de mãos erguidas ao céu para implorar a ajuda de Deus. Como os músculos não suportavam longo tempo os braços erguidos, e diante da natural propensão de relaxamento, ele os baixava, e, então, os amalecitas pareciam adquirir mais força na batalha.
            Conta-se que ficou um dia todo de braços erguidos clamando ajuda de Deus. Até colocaram pedras para escorar os braços e, pessoas ao seu lado, ajudavam a escorar os braços erguidos.
            A conclusão foi a de que a guerra foi vencida pela insistente e continuada oração de Moisés. Tratava-se de uma maneira que visava despertar nas pessoas o cultivo permanente e regular de oração.
            Bem sabemos que a oração pode apresentar-se de formas muito variadas: pode ser de petição humilde diante de erros e fracassos, de louvor por conquistas pessoais ou coletivas, de gratuidade por experiências satisfatórias, de silêncio para acolher o que Deus mais possa esperar da nossa parte, ou também a apresentação a Deus do estado de alma: dor, indignação, gratuidade, revolta, compaixão, leveza e tantas outras situações impactantes.
            Jesus Cristo também deixou evidente a importância do perseverar na oração. Lucas retransmitiu do ensinamento de Jesus, que Ele um dia contou a história de uma viúva insistente que não parava de insistir diante de juiz a fim de que fosse justo com ela, até que este a atendeu. Só este aspecto de justiça, em nossos dias, carece não só de oração, mas, também, de alguma ação que possa fazer algo a favor de uma organização humana menos injusta.

            Que quadro de fé a historinha de Jesus tinha pela frente nas primeiras comunidades cristãs? Certamente o vacilo na regularidade da oração, porque já pensavam no fim do mundo e esperavam passivamente que Deus viesse implantar a almejada justiça. Hoje, tanta gente se indigna contra a corrupção e a injustiça; no entanto, vemos pouca gente fazer algo efetivo e insistente pelo crescimento real de mais justiça, tal como procedeu a pobre viúva injustiçada, da narrativa de Lucas (18, 1-8).

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Aparecida



Festejo de vasto imaginário,
Misturado a um rico ideário,
Eis uma elevação da piedade,
De boa parcela da sociedade.

Dos muitos intuitos a escalar,
Aos pios prestígios a alcançar,
Vagueia solto o fino simulacro,
Para ampliar um quadro sacro.

A piedade animada e crescente,
Propicia um clima efervescente,
Para vasta exalação emocional,
De cunho e  perfil sensacional.

O encantamento exuberante,
Do vasto imagético brilhante,
Oferece a sensação agradável,
Isento dum itinerário palpável.

Já não importa a boa notícia,
Nem a conscienciosa perícia,
De um reino a ser construído,
Mas somente o ato do fruído.

Assusta uma religião de piedade,
Com tantos milagres à saciedade,
Mas que não progride no projeto,
De um caminho mais justo e reto.







O gozo de alegrias




Tantos atos estão impregnados,
E pelo melhor gozo permeados,
Que o eterno anseio da alegria,
Sempre morre, nasce e se recria.

Nas afecções vitais do bom afeto,
Espera-se que venha a ser dileto,
Para quebrar o provisório finito,
E implantar um bem-estar infinito.

Se a constatação da alegria coibida,
Sempre evoca a tristeza desmedida,
Como eivar-se do causticante desejo,
De encontrar a alegria num lampejo?

Quando o gozo da alegria de cada dia,
É tão fugaz e some como pessoa vadia,
Resta apelar a fim de que o bom desejo,
Dela não se solte em nenhum remelejo.

Que ela fique para acompanhar os atos,
E povoe todos os sentimentos cordatos,
A fim de fruir na angélica e doce leveza,
O que entusiasma no meio da incerteza.



sábado, 8 de outubro de 2016

A capacidade de agradecer



            Como não é um dom inato e como depende de cultivo, a capacidade de agradecer tornou-se rara no convívio das pessoas e pouco prestigiada diante das ajudas solidárias. Perante as imensuráveis condições do que se espera, parece não restar tempo para reconsiderar algo que já passou. Com isso, os sentimentos de gratuidade também tendem a desaparecer nos serviços humanitários e de entre-ajuda.
            A Bíblia registra de tempos muito antigos um episódio em que o profeta Eliseu aponta para um reconhecimento que vai além de dar algo para agradecer. Havia sido procurado por um general estrangeiro muito doente. Eliseu não se aproveitou do momento para auto-engrandecimento e nem tampouco para se passar como um milagreiro de renome. Indicou ao estrangeiro uma atividade que lhe apontasse que Deus é capaz de ajuda-lo a equilibrar a saúde.
            Eliseu também recusou ser presenteado como sinal de recompensa pela cura. Deixou claro ao estrangeiro que não fora ele quem havia curado o general, mas teria sido ação de Deus. O general, então, ao entender o significado da recusa de presentes, pediu para levar um pouco de areia do chão daquele lugar, a fim de poder lembrar a ação eficaz da parte de Deus.
            Para quem se vê muitas vezes contemplado com graças diante de dificuldades, doenças e outras situações de grande desconforto, geralmente, a tendência é a de esquecer com facilidade os prodígios, porque já pensa em outras aspirações e desejos.
            Do Evangelho das boas notícias de Jesus Cristo também lembramos um episódio muito interessante a respeito de dez leprosos que clamaram a Jesus Cristo, a fim de que os ajudasse a livrar-se da doença. E lepra, mais do que doença contagiosa, implicava em total exclusão social. Até as leis proibiam aproximação de leprosos com outras pessoas. Pode-se imaginar o quanto se sentiam constrangidos ao terem que romper laços familiares e sociais e se agregar a outras pessoas leprosas para tentar sobreviver.

            Jesus certamente ajudou os dez leprosos numa dupla dimensão: primeiro, a perspectiva de ressocialização e, num segundo aspecto, a capacidade de curar a doença num processo terapêutico. Conta-se que dos dez leprosos curados, apenas um voltou para agradecer. O que se pode deduzir é que diante da gratuidade do amor de Deus, nós nem sempre cultivamos a merecida e justificada ação de agradecer. Por outro lado, eventual mediação de cura e de sentido para a vida não deve constituir meio para auto-afirmação de superioridade pelos poderes de cura e, menos ainda, de valer-se desta imagem para fazer publicidade. Afinal, até a capacidade de louvar e agradecer é dádiva que não depende apenas do desejo, mas de praxes e de um itinerário de cultivo.

Mente poluída



Fanatizada por concepções pseudo-religiosas,
E motivada por noções essencialistas piedosas,
Ela se move no torpor da ausência do oxigênio,
E arrosta ser instrumento de um grande gênio.

Na segurança da posse de certezas absolutas,
Veicula o discurso de verdades nada argutas,
E se estabelece como mediação da verdade,
Para controlar os subservientes à saciedade.

Apela para a objetividade que não domina,
E sua grandiloquência somente dissemina,
Um proselitismo dos melhores e especiais,
Para atacar tudo quanto é feito pelos rivais.

Coloca sua ambição como medida de sucesso,
E se torna fervorosa mediação de um regresso,
A um presumido tempo de felicidades plenas,
Fantasiadas para controle das mentes serenas.

No arroubo de ser superdotada e milagreira,
Acha-se no direito de uma bênção altaneira,
Para uma vida econômica invejável e segura,
Como documento contra qualquer diabrura.

Resta saber até onde vai a ingênua maldade,
Que desperta séquitos de submissa lealdade,
Mas que não gesta a transformação religiosa,
Para uma vida ordeira de eficácia prodigiosa.


















Sedução que aliena



O diabólico certamente não está no feio,
Nem na traição da astuta forma de enleio,
Mas, no belo que encanta, seduz e fascina,
E que aponta alvissareira e promissora sina.

Velha herança cultural insinua a felicidade,
Como o fruto de expansiva possessividade,
Mas não alerta para o secreto magnetismo,
Que solapa toda amizade com pedantismo.

A insensibilidade para os sentimentos alheios,
Sejam de dores, limitações ou nobres anseios,
Apresenta muito mais chifre e rabo de capeta,
Do que as alucinações exploradas pela silhueta.

O tempo do zelo em torno do conquistado,
Desvia o foco da lealdade como rico legado,
E estabelece o status para haurir grandeza,
Sem os parâmetros da bondade e inteireza.

Além de não propiciar a almejada felicidade,
A possessividade alarga conflitos à saciedade,
E inferniza a vida dos que anseiam por gestos,
Não eivados de ambição ou de duros doestos.




<center>ERA DIGITAL E DESCARTABILIDADE</center>

    Criativa e super-rápida na inovação, A era digital facilita a vida e a ação, Mas enfraquece relacionamentos, E produz humanos em...