segunda-feira, 31 de março de 2014

Profetas e profetas



Na vastidão das formas,
Difícil se torna delinear,
Se eles defendem normas,
Ou se as querem eliminar.

Há os que defendem grupos,
E declaram ferrenha oposição;
Já, outros, bajulam aos apupos,
A coorte que sustenta sua posição.

Tampouco faltam os sábios literatos,
Defensores dos ordinários chamegos,
Bem como intrépidos e nada pacatos,
Na defesa dos seus próprios apegos.

Vasta também é a linhagem,
Dos que interpretam os astros,
Vôos de aves e, sem plumagem,
Na adivinhação, forjam seus lastros.

Outros, nas vagas interpretações,
Captam mundos e fundos dos sonhos,
Mas, suas propaladas interlocuções,
Refletem deslizes sorrateiros e medonhos.

Bom seria encontrar profetas visionários,
Capazes de interpretar raízes da humana lida,
E antever caminhos que não sejam reacionários,
Diante da sociedade de estrutura combalida.



sábado, 29 de março de 2014

Escarafunchada nas escaramuças



Quando tantos problemas levam a escaramuçar,
E sempre, de novo, voltar ao mesmo lugar,
Por que não meter-se a escarafunchar,
A possibilidade de aventar outro ar?

Muitos sentimentos feridos e mal integrados,
Requerem nada mais do que um pequeno mimo,
Mas não muito e o tanto para deixá-los reavivados,
Nem o pouco para se perpetuarem no mesmo arrimo.

Convém, pois, o jeitinho peculiar e esportivo,
Da discreta gozação do fiasco ocorrido,
E a brincadeira, o melhor lenitivo,
Saberá como integrar o fato aborrido.

Quando de mazelas a vida enche as trelas,
Nada mais singelo em torno de tanto anelo,
Do que rir das próprias querelas,
E escolher temário mais engraçado e belo!



sexta-feira, 28 de março de 2014

Entre as candongas e as milongas



Oh, arte difícil de conquistar:
Andar sobre os muros,
Das sociais convenções,
Sem despistar,
Os reais apuros,
E os senões.

Débil e frágil é a firmeza,
Diante das candongas,
Que seduzem sem delongas,
E removem a inteireza,
Da postura serena.

Sensível também é a alma,
Diante das milongas,
Quer dos ritmos ou dos bruxedos,
A ameaçar o que acalma,
Sem maiores delongas.

Mesmo ciente da volatilidade,
Das conversas lisonjeiras,
Bajuladoras e interesseiras,
Eclodem à saciedade,
Os ledos enganos.

O medo do sortilégio da milonga,
Afeta o cotidiano agir,
Assim, como o mimo da candonga,
Impede a segura virtualidade,

No seu espontâneo espargir.

quinta-feira, 27 de março de 2014

A complicada cegueira de fé



            O desejo do alcance de níveis mais elevados e mais profundos de fé não está livre e nem isento de fáceis auto-enganos. Ao mesmo tempo, constitui tentação a busca de maior solidez de fé, sem os necessários percursos e os importantes processos de auto-análise e reinterpretação do passado para real crescimento na fé.
            No campo da fé, com certeza, número muito elevado de cristãos vive uma cegueira congênita, isto é, foi feito cego na fé pelo seu ambiente de criação e de convivência. A forma de socialização faz com que muitas pessoas não passem de cegos de nascença.
 Estas pessoas foram educadas para a submissão, para a dependência e o entorno do meio-ambiente as acostumou a se pensarem como seres fadados a pedir esmola, não de comida, mas, especialmente, de atenção, de afeto e de complacência por parte das outras pessoas.
É uma sutil disfunção que torna estas pessoas dependentes e incapazes de sair da situação existencial, porque o próprio ambiente se acostumou a aplicar-lhes este rótulo de que são assim mesmo e elas fizeram introjeção desta imagem. Sob um olhar fixo, o ambiente leva-as ao conformismo.
            A questão que se coloca é como tais pessoas dependentes possam vir a dar-se conta de que são dependentes? A consciência do limite pressupõe um importante meio para se chegar ao alcance de mais fé. Entretanto, como é grande a busca de caminhos rápidos e fáceis para o alcance de muita fé! Muitas pessoas ainda se movem pela dedução de que, com o aumento de fé, alcançam espaço social de superioridade para interferir sobre outras pessoas.
            Nas primeiras comunidades cristãs muitas pessoas encontraram reais e efetivas dificuldades para crescer no seguimento de Jesus Cristo. Até mesmo a pressão social do grupo de envolvimento dos que queriam enxergar mais e melhor, abafava iniciativas pessoais e forçava pessoas dependentes a ficarem mais ou menos no mesmo patamar.
            O evangelista João ao refletir teologicamente sobre este duplo significado do “ser cego” e da possibilidade “de ver”, relatou um episódio muito interessante em torno de um cego de nascença. O cego quis enxergar e Jesus também quis ajudá-lo, mas, as pessoas ao seu redor tiveram mil resistências para admitir que esta pessoa, sem fé, tivesse trabalhado sua cegueira e enxergasse, ou seja, que passou a ver o seguimento de Cristo sob outros olhares: não mais da mendicância, mas do anúncio da boa novidade que salva.
            O ato humanitário de Jesus Cristo não foi de magia fácil e sensacionalista. Valeu-se da terapêutica vigente na época, passou barro com saliva nos olhos, e, o que é mais importante, mandou o cego procurar o enviado. Neste processo, o cego passou a “enxergar”. Não se tratava, por conseguinte, de uma cegueira de olhos, mas, com certeza, de uma cegueira de fé.
            A mudança do modo de ser do cego gerou uma porção de contendas. Cada um queria saber melhor do que o outro porque ele era cego, e, por quais mediações estava enxergando. Como ele passou a “enxergar”, os presumidos clarividentes da fé é que se viram situados como os verdadeiros cegos. Estavam extremamente preocupados em torno do saber por que o antigo e conhecido cego, deixou de ser cego, mas, se mostraram pouco afoitos para adotar a mediação e o seu itinerário de fé.
 Numa das respostas de Cristo aos invocados com a mudança do cego, estava uma afirmação bem contundente: que os verdadeiros cegos eram precisamente aqueles que presumiam enxergar tudo.
            Uma das penosas dificuldades em nossas comunidades cristãs circula em torno desta mesma questão: pessoas verdadeiramente cegas de fé querem com alguns ritos, rezas, novenas e salamaleques, ocupar a onipotência de Deus e forçar outras pessoas à submissão.
Há muitos verdadeiros cegos ocupando espaços importantes de paróquias, de pastorais e de movimentos que se revelam bem mais cegos do que aquelas pessoas do tempo de Cristo. Estão mais inquietas com o deslocamento que foca somente possíveis causas secundárias de um cego de fé que, em Cristo, encontrou a luz que precisava para “enxergar”. Também resistem a admitir que outros cegos deixem de ocupar a função de mendicância diante de pessoas controladoras que se acham insubstituíveis e inalcançáveis nos seus patamares de fé. Trata-se, muitas vezes,  de uma fé de meros costumes medíocres.


Humor



Entre os fulgurantes desejos,
Mesclam-se os taciturnos,
Não propensos aos ensejos,
Mas reféns dos medos soturnos.

Nem sempre o raiar da aurora,
Aparece em clima refulgente,
E vem atrasado pela demora,
De alguma mágoa renitente.

Necessita, então, a consciência,
De ação máxima na madrugada,
Para livrar-se da reminiscência,
Da dor escondida e protelada.

Pode então a luz solar acordar a aurora,
E com suave lupa as pálpebras massagear,
Para chegar ao cérebro, sem muita demora,
E ajudá-lo a mensagens novas delinear.

Emerge, então, o fenômeno sutil,
Apontando a pré-cognição de belo dia,
Capaz de irradiar o semblante e o perfil,

Com a exuberante sensação de vida sadia.

quarta-feira, 26 de março de 2014

No sarandeio da anta

No sarandeio da Anta

Dizem que tem inteligência de rinoceronte,
E psiquismo genial como grandes elefantes,
Mas, ao atravessar-se na estrada, é um monte,
De rumos, de danças e decisões inconstantes.

Quando envereda a tomar uma direção,
Nem sempre a de evadir-se da estrada,
Pouco liga para respeitar a sinalização,
Ou, no impacto da colisão, ficar lesada.

Apesar dos sarandeios atrapalhados,
Que inquietam os afoitos motoristas,
Representa riscos menos propalados,
Do que humanos montes nas pistas.

Pior do que as antas desengonçadas,
São as ditas governantas do sagrado,
Que, além de não serem engraçadas,
Causam tremendo e cotidiano enfado.




domingo, 23 de março de 2014

Contenda entre Deus e o Divino Pai Eterno



            Em meio aos devaneios próximos da morbidez de uma madrugada escura, vi-me envolvido por um ato alucinatório em que apareceu uma anjinha, muito mais linda do que as das imagens, irradiante e formosa, e que veio cochichar no ouvido esquerdo, de modos que o ar da sua fala sibilava suavemente nas reentrâncias da orelha:
- Sabes de uma coisa, - falou ela, com aquele jeitinho um tanto fofoqueiro, mas sedutor e atraente! - Eu acabo de presenciar uma discussão ferrenha entre Deus e o “Divino Pai Eterno”. O assunto era sério, e, até desconfiei que chegassem a medir forças no braço!
- Uai! Qual poderia ter sido motivo tão grave para eles revelarem traços precípuos, peculiares e cotidianos dos seres daqui da Terra? Não parece tal procedimento ser pouco lisonjeiro para a circularidade do amor trinitário?
- Pelo que eu pude constatar – disse a anjinha - Deus não está nada satisfeito com os procedimentos do “Divino Pai Eterno”. Acontece que o “Divino Pai Eterno” se envolveu na tentação da alma humana de colocar-se acima de Deus! Anda pretensioso e ambicioso demais. Já está muito pior do que Baal que minou, com quatrocentos sacerdotes, a religião do judaísmo num momento da sua história. Aquele santuário “Divino Pai Eterno” lá no sertão de Goiás, que um pretenso séquito de sacerdotes redentores está levando à frente, parece que não combina nada com tudo quanto fora proposto e testemunhado por Jesus Cristo. Deus disse que o pior é que exploram a piedade popular e nas suas melífluas conversas, mescladas de alguns ritos mágicos, submetem ricos e pobres de todo o Brasil. Através de apelação insistente à dadivosa contribuição mensal para a residência oficial do “Divino Pai Eterno” no Brasil, praticam algo parecido com extorsão, e, desviam a pertença das pessoas da sua comunidade concreta e real, para fazê-las vincular-se, apenas virtualmente, àquela suntuosa residência. Num escândalo aparentemente tão ignóbil quanto o do santuário da antiga Betel, só se fala em grandes ações divinas; mas, sorrateiramente, transforma-se a religião em comércio banal e lucrativo, e, que aliena as pessoas de fé dos seus elementos básicos da articulação solidária em comunidade.
- Jesus amado, até isso?
- Sim, disse a anjinha: ouvi Deus falar que lá na Terra estão soltando conversa de que o “Divino Pai Eterno” já se encontra bem acima Dele e que os agraciados do “Divino Pai Eterno” exploram através de aviltantes pedágios os poucos acessos de impregnação do divino que ainda não foram amealhados pela esperteza de alguns pastores, bem conhecidos lá no Brasil.
- Mas, linda anjinha de Deus! Quer dizer que Ele deu uma esfriada nos ânimos do “Divino Pai Eterno”?
- Pelo que observei, sim!
- Ainda bem, porque eu ando meio desconfiado de que certo jeitinho bem brasileiro detém a virtualidade de incorporar o céu e a terra sob a égide do “Divino Pai Eterno”. Oh, maravilha, pois, fico um tanto mais sossegado. Sobra, então, pelo menos uma tênue esperança de que um dia ainda se adorará Deus em “espírito e verdade” e não na subserviência das disputas dos que querem, sob o suposto poder hegemônico do “Divino Pai Eterno” ou de outras fontes de milagre apossar-se das almas para salvar seus parcos soldos, a fim de completar a residência oficial do presumido todo-poderoso, bem no coração de Goiás.
- Quando fui abrir a boca para pedir se a anjinha tinha mais alguma novidade interessante lá das egrégias beatitudes dos céus, acordei supinamente, e perdi de vista aquela criatura fulgurante. Oh dó!


sexta-feira, 21 de março de 2014

Pedagogia de fé que leva ao âmago da vida


           
A água, tão essencial à nossa existência e tão gratuitamente disponibilizada pela mãe Terra, possui a rica virtualidade do milagre, de forma geral não valorizado, que é o de manter e de renovar a vida.
O vasto sistema de vida do nosso planeta certamente não seria viável sem a água. Se a falta de água, na iminência da morte no meio de um deserto levou o antigo povo da Bíblia a murmurar, nossos dias mostram quanto o desejo de apropriação das vertentes e dos acessos à água boa e potável geram murmúrios, brigas e intrigas.
 Para os cristãos a água possui um importante sentido simbólico: expressa a ação do Espírito de Deus, capaz de renovar, de purificar e de remeter ao que é essencial na vida. E se a água verte límpida do meio da rocha, lembra, ainda mais, o desejo da solidez que se procura encontrar em Deus.
Com o batismo expressa-se, no sinal da unção de água sobre a cabeça, o desejo de que o batizando seja ungido pela ação de Deus a fim de paulatinamente renovar a vida e haurir o necessário perdão, diante da misteriosa fraqueza que induz a fazer o inverso do que, na verdade, deveria ser feito para sentir-se feliz.
De Cristo podemos lembrar uma cena fantástica, na beira de um poço de água. A rica simbologia do colóquio com a mulher samaritana mostra um claro caminho de educação da fé para o sentido da vida. Na aproximação dele, abre-se um espaço para um gradual processo de revisão da própria vida.
O ato de permitir que a mulher pudesse fazer, aos poucos, uma profunda revisão da sua existência, - a ponto de chegar ao âmbito mais profundo da consciência, - fez com que ela percebesse que não era auto-suficiente e tampouco capaz de redimir-se do seu passado por sua própria conta.
Assim que a samaritana reconheceu sua situação de pecado, constatou que o caminho de salvação passava pelo seu interlocutor, o pedagogo Jesus Cristo, pois, no seu modo de conduzir a conversa, permitiu que ela percebesse que a esperada ajuda de Deus passava impreterivelmente pela mediação daquele importante salvador: a expectativa da água de vida eterna também encontraria acesso no caminho redentor daquele pedagogo da fé.
Num tempo em que tão pouca gente ainda alimenta algum sentimento de pecado, pois, de banalizado e dispensado do cotidiano da vida, ele na verdade, flui solto pelos ares, porque pouquíssima gente ainda permite a si mesma o caminho da honesta revisão de vida. É imenso o temor a tudo quanto implica em mexer com o passado, com os fracassos, com as infidelidades e tantos atos que resultaram em experiências altamente desagradáveis e frustrantes.
Na incapacidade de lidar com o mundo interior gera-se proporcional empecilho para se chegar à consciência de que algo na vida pessoal e coletiva possa ser melhorado. Quando tantas pessoas se declaram livres e isentas de quaisquer situações de pecado, geralmente, se valem de uma couraça para esconder o passado e, evitam abordá-lo, porque pode surpreender com a consciência de fragilidades muito mais abarcantes e profundas do que os pequenos e discretos deslizes de aparências.



quarta-feira, 19 de março de 2014

Políticos



Ó, almejado desejo,
De que sua função,
Dê efetivo ensejo,
A menos esganação!

Por que valer-se do cargo,
De importante missão,
Para agir, sem embargo,
Distante da sua função?

Poderiam não surrupiar,
O minguado e seco pão,
Advindo de dura ralação,
Dessa gente a ludibriar?

Já se inicia fervorosa ação,
Nas interesseiras andadas,
Com ignóbil procrastinação,
Em tantas alegres talagadas.

A cada quatro anos,
Voltam vis enganos,
Minando a função,
E agravando a traição.

Do que padece a nação,
Quando seus proventos,
Indicam a crassa disfunção,
De elementares portentos?

 Que tal alterar a legislação,
Para oferecer à dita honra,
Apenas, rigorosa caução,
Sem a menor gratificação?

A quem pagasse alto preço,
Para exercer a nobre função,
Caberia o suposto apreço,
De sujeito em nobre ação.

Os que iriam esfalfar-se,
Sobre os votos em disputa,
Poderiam, então, esmerar-se,
Pelo espaço moral da labuta.



segunda-feira, 17 de março de 2014

Degradação humana



Como na antiga Grécia decadente,
Algo similar se repete à exaustão,
A podre aristocracia indecente,
Degrada sem dó e sem compaixão.

Vale-se ainda da vil e baixa condição,
De bancar rapsodos para cantar versos,
Centralizados na fenomenal depravação,
Das noitadas de orgias e de atos perversos.

Induz o pobre e o escravo a sonhar,
Com intimidades em larga profusão,
Porquanto deseja do trabalho amealhar,
Mais sonhos de sexo em larga expansão.

Cantando os versos dos sonhos produzidos,
Trabalha o pobre sob o efeito do pó proibido,
Esperando da noite sentimentos repetidos,
De que tudo quanto se pensa seja permitido.

Sem demora, não bastam amadas parceiras,
Pois nos vestíbulos das moças interesseiras,
Preenche-se o sonho do exemplo propalado,
Como melhor remédio contra diuturno enfado.

Sem condições de diariamente emendar,
Os sonhos acalantados durante a dura lida,
Aumenta a crassa dependência da bebida,
Que toda dignidade e honra leva a desandar.

Álcool, droga, e afetividade mal conduzida,
Alargam a vida sem graça do agir cotidiano,
E levam ao auge do uso de criança querida,
Para compensar o infortúnio e o desengano.

Quisera como Hesíodo constatar,
O que outras musas podem inspirar,
De respeito e valores mais decentes,
Do que estas posturas decadentes.







sábado, 15 de março de 2014

Mato Grosso



Na imensidão destas ricas faunas e terras,
Esmerada prudência se impõe ao diuturno agir,
Para não sucumbir nem aos animais e às feras,
E a integridade da relativa “paz e bem” garantir.
Não convém encantar-se com a imprudência,
De ousar traçar o caminho na frente das onças,
Ou do lado das antas, aquelas geringonças,
Menos ainda, ficar atrás das mulas coiceiras,
Ou delongar-se com as sucuris tão lisonjeiras.
Tampouco, convém engraçar-se com capivaras,
Pois, atrás delas, vêm queixadas aos milhares.
Nem convém fitar os olhos nas pernósticas Emas,
Para não perder o maravilhoso canto das Seriemas.
Ainda convém evitar o bando de corocas fofoqueiras,
E as dramatizadas trelas das histriônicas carpideiras.
Pouco seguro é tentar subir em arbustos e em árvores,
Mesmo nas lisas e chamadas de “escorrega-macacos”,
Ou aliar-se à tagarelice dos papagaios e voar pelos ares,
Ou, ainda, conformar-se à vida das gaiolas enfeitadas,
A fim de precaver-se da incontida voracidade dos gatos,

Para assegurar o pão, com alguns olhares de comiseração.

sexta-feira, 14 de março de 2014

A fé que abre caminhos



            De antigo memorial da Bíblia lembra-se muito um importante ancestral de uma das tribos constituintes do pacto da Aliança: Abraão, homem que ficou lembrado como pai do povo, porque sua fé em Deus o levou a migrar rumo a novas condições de vida em vista de futuro melhor.
            Em nossos dias, milhões de pessoas migram forçados a deixar familiares, amigos de infância e ambientes culturais que lhes deram satisfação de pertença, mas, geralmente são forçados e procurar, em outros lugares, as básicas e mínimas condições de sobrevivência. Ali a necessidade e o mecanismo de não sucumbir, diante das tiranias de governantes, tende a falar mais alto do que a fé.
            Nos tempos de predominância nômade de tribos de Israel, Abraão, por não aceitar submissão à tirania de um prepotente e despótico governo, deixou tudo e partiu. A liberdade para organizar a sua vida representava, certamente, valor mais significativo para seu porvir, do ser mero súdito explorado. A terra, dom de Deus, representava a presença deste Deus, que fazia caminho com os andantes nômades.
            No belo texto de Mt 17,1-9 transparece outro jeito e motivo para deslocar-se e outro caminho para a fé: Pedro e seus colegas sobem ao monte, atrás de Jesus, porque querem como ele, fazer uma experiência de intimidade com Deus. Impregnados dos valores da tradição religiosa antiga, constatam, contudo, que estes valores obsoletos não preenchem suficientemente seus anseios. Simultaneamente captaram algo novo e muito distinto do que estavam acostumados a auscultar em relação aos sinais de Deus. Desejavam encontrar em Jesus Cristo algo parecido com os tempos antigos. As imagens antigas da presença e da ação de Deus, não se coadunavam com as de Jesus Cristo, ali, neste momento de oração. Era alguém muito distinto dos grandes líderes religiosos do passado. Não era nem como Moisés, nem como Elias ou como outros profetas.
            O momento de escuta levou a uma nova profissão de fé. Pedro e seus colegas se deram conta de que Jesus não constituía um líder político, nem populista, nem libertador mágico, mas alguém que, pelo modo de assumir a cruz da dura lida, mostrava algo totalmente inusitada ao normal da condição humana: buscava forças na intimidade com o Pai. Mais que um simpático líder carismático, mostrava-se um “servo-sofredor” que convidava a assumir e a carregar a pesada cruz da vida para segui-lo.
            A surpresa de constatar em Jesus um rosto totalmente transfigurado constituiu, sem dúvida, muito mais uma projeção do que aconteceu com Pedro e seus amigos, porquanto o novo que constataram em Jesus Cristo os fez descer da montanha com outra perspectiva de vida. Propiciou-lhes uma extraordinária força de ação e uma inaudita capacidade, gradualmente amadurecida, para uma aproximação dos traços fundamentais de quem lhes irradiava, na intimidade com o Pai, o verdadeiro significado da sua presença.
            As primeiras comunidades cristãs amadureceram na dura e sôfrega lida cotidiana para também transfigurarem seus olhares nos olhos transfigurados da pessoa de Cristo, e provavelmente, sentiram-se também interpeladas a deixar para trás a mescla das antigas explicações categóricas relativas ao que Deus fazia e como fazia.

            Nossos dias de ansiosas e sedentas buscas de Deus, de forma geral, em buscas nada próximas do modo de ser de Jesus Cristo, requerem, de forma similar, importante discernimento de algum outro itinerário de fé, como o do subir a montanha, símbolo da oração e intimidade com Deus, para descer, não com inauditas e mágicas curas e explicações categóricas e cerceadoras para intimidar segundo critérios subjetivistas, mas, com olhar fascinado e seguro para além dos problemas que afligem a vida, porque o caminho a ser andado é totalmente outro.

quinta-feira, 13 de março de 2014

Fracassos



Inumeráveis os sonhos apaixonados,
Movedores de olhares para todo lado,
Fitos nos encontros mais lisonjeados,
A fim de prender o melhor do agrado.

Do olhar penetrante da sutil intuição,
Altera-se a praxe das cotidianas lidas,
Pois, apenas pensando no que é bom,
As passadas agruras já ficam preteridas.

No ciclo da nova comunhão,
Os melhores intentos cantam,
Os amores em farta profusão,
E todas as mazelas espantam.

Sem demora, emergem os conflitos,
Que simulados ou mal reprimidos,
Alargam outros incontáveis atritos,
Deixando fulgores afetivos contidos.

Nas disputas pela precedência,
Alarga-se a baixa compensação,
Do beber sem limite e decência,
Para aliviar a sutil consternação.

Para quem falar da frustração,
Quando muitos copos ingeridos,
Diluem a enternecida sensação,
De incontáveis valores perdidos?

Anos de insuportável convivência,
Enrijecem as entranhas do coração,
E o mundo da clara transparência,
Cede aos graduais apelos à traição.

Infernizada a vida dos dois lados,
Emergem os pertinazes ataques,
Com revides bem mais planejados,
Para evadir-se dos duros achaques.

Preterida fica, então, a objetividade,
Dos humanos, os mais egrégios valores,
E no lugar da ancestral e rica lealdade,
Age profusa a grandeza dos dissabores.

Mesmo cansados, abatidos e fracassados,
Precisam novamente antever uma saída,
E evitar que os erros amargos já dissecados,
Voltem a inibir novo rumo e nova lida.

Muito pode ajudar a lembrança do Senhor,
Reconhecido por aquele que se jogou no mar,
E soube bracear com mais entusiasmo e ardor,
Sabendo do que o lado direito podia propiciar.

Lançada a rede para o lado da consciência,
Que permite a vida desencontrada esmiuçar,
Obteve o discípulo a necessária resiliência,
Para, fortalecido, projeção nova viabilizar.





quarta-feira, 12 de março de 2014

Técnica



Milenar parceira da humana condição,
Aprendeu da astúcia de seu mentor,
A elevar-se com poderosa expressão,
Para reinar mais do que seu fautor.

De necessário complemento da vida,
Passou a alargar-se sem mesura,
E a impor sobre a humana lida,
Nova ética, sem nenhuma lisura.

Embruteceu a humana condição,
E na mão de mentes ambiciosas,
Agiu solta e sem a menor restrição,
Para destroçar tantas vidas valiosas.

Submetendo à servidão vil,
Transforma seu criador,
E do seu horizonte varonil,
Desleixa o mundo sofredor.

Ao priorizar o controle dos bens,
Ignora o rico mundo dos valores,
E as lutas humanas ficam reféns,
Dos seus ambientes sofredores.

Na linguagem dos novos códigos de signos,
Deixa tateando em busca do sentido,
Os que, cada vez mais distantes e indignos,
Não alcançam o patamar de vida pretendido.

Ao destroçar as crenças religiosas,
E, casada com a deusa economia,
Prende-nos em redes ambiciosas,
Para substituir o pão de cada dia.

Faz-nos depender mais da tecnosfera,
Que da rica e humana ancestralidade,
E se sobrepõe aos valores da biosfera,
Ao oferecer novos hábitos à saciedade.

Ao deferir poder e liberdade,
Configura a humana cultura,
Distante da enaltecida bondade,
Para uma lida muito seca e dura.

No pretenso poder de dominação,
Acalantado ao excelso pináculo,
Descobre de tudo e em tudo a função,
Para promover um pobre espetáculo.

No entanto, a cruel e sorrateira realidade,
Que valoriza apenas o que é produzido,
Envolve em fria e causticante fatalidade,
Os incontáveis excluídos sem nenhum sentido.

O bombardeio de exaustivas informações,
Distante das humanas coisas valiosas,
Deixa seres humanos em tantos grotões,
À mercê dos gestos de pessoas caridosas.




terça-feira, 11 de março de 2014

Medo



Antes mesmo de entender,
A interpelação do cotidiano,
Relativa ao que pretender,
Borbulha o medo insano.

Bloqueador da ação,
Provoca as agruras,
De moer o coração,
Em cálidas frituras.

Como sair do comodismo,
E dos muitos cansaços,
Com tanto pessimismo,
E tão variados rechaços?

Aparecem então fantasmas,
Geralmente pouco falantes,
Que deixam muito pasmas,
As poucas idéias vacilantes.

O mar revolto e obscuro,
Da convivência quebrada,
Transforma em monturo,
A vida mais feliz projetada.

Um passo novo se faz necessário,
Do momento bondoso do coração,
Para abrir outro importante ideário,
Capaz de engendrar mais satisfação.

O duro é amolecer o coração,
Diante do medo que bloqueia,
E que emite dura impugnação,
E a tudo quanto é novo cerceia.

É preciso vencer o cansaço,
E remar na noite fria e escura,
Para não subsumir no regaço,
Da medíocre e banal amargura.


segunda-feira, 10 de março de 2014

Pesos e medidas



Inumeráveis sãos os meandros subjetivos,
Eivados de virtualidades sem precedentes,
Capazes de procedimentos tão furtivos,
Mas de resultados tão inconsequentes.

Registros milenares de adulteração de medidas,
Não despertaram ainda suficiente discernimento,
Para gerir permutas e vendas bem comedidas,
Sem prepotência causadora de constrangimento.

Como o "recall" das peças automotivas,
Carecem os humanos da genuína garantia,
De seguras ações psicomotoras e afetivas,
E da mais original qualidade de serventia.

Tivesse o obreiro das humanas ações,
Implantado limite remoto eletrônico,
No comando das naturais propensões,
Já não veríamos tanto agir histriônico.

A pertinaz obsessão dos desejos,
Presente em tanta humana ação,
Subtrai dos sentimentos benfazejos,
A justa e respeitosa negociação.

Interesses econômicos, políticos e religiosos,
Disputam a primazia da mais astuta adulteração,
E escondem no agir os reais focos tendenciosos,
Que dissuadem em favor da indevida apropriação.

No afeto e no presumido agir do coração,
Emerge o defeito disfarçado e escondido,
Do humano pendor de muita esganação,
De pesos e medidas favoráveis ao pretendido.

Oxalá prevalecesse como traço altaneiro,
A retidão dos humanos procedimentos,
Para alargar um caminho novo e pioneiro,
Distante dos comuns desentendimentos.


Tentação



Das sugestivas atribuições feitas à maçã,
Nasceu a alegoria do encanto disfarçado,
Para expressar vontade humana malsã,
De seduzir outros ao proceder desregrado.

A ambição astuta e desmedida,
De governar os outros, sem limites,
Elevou a monarquia ao topo da lida,
E persuadiu com enganosos palpites.

Qual serpente astuta, ágil e venenosa,
Enganou para relegar o sagrado pacto,
Ludibriando a multidão esperançosa,
Com vistas a agir sob um líder de impacto.

Voraz na ambição, a monarquia destroçou,
A aliança do mais elementar respeito,
E despótica, sorrateiramente estraçalhou,
E feriu tantos seres com escancarado despeito.

Ao olho grande sobre a economia,
Aliou-se o desejo do status religioso,
Mesclado com a política maestria,
Do possível reinado todo poderoso.

Na interpretação da triste sina,
Que ludibriou com falsas esperanças,
Emergiu a nua constatação cretina,
Dos efeitos das desenganadas andanças.

De quem seria a culpa da agrura,
Atribuída ao humano criador,
Gestor de tamanha amargura,
De desalento e inigualável dor?

A consciência límpida esclareceu,
A humana pretensão de bancar,
Qual tijolo, o lugar que não era seu,
E, o oleiro pretender desbancar.

Aniquilado o respeito, restava a dura lida,
Da lenta e sofrida recuperação ético-social,
Requerente de penoso soerguimento da vida,
Para tirar o povo do causticante sufoco crucial.

Do paraíso sem tramontana,
Sobrou apenas a esperança,
De ação quase supra-humana,
Para reavivar a social andança.






quarta-feira, 5 de março de 2014

A difícil arte de apear



            Pouca gente ainda se envolve com montarias que requerem apeadas. Se algo similar a apeadas de cavalos ou muares ainda faz parte do cotidiano, está certamente relacionado ao subir e descer escadarias, ainda que rolantes, arriar ou aterrissar em vôos de avião, nada, porém tão difícil quanto apear de patamares de honra, de poder e de precedência, quando as ascendências foram longamente perseguidas e conquistadas com muito esforço.
 Parece que a milenar arte das cavalgadas não entrou muito nos arquétipos culturais para predispor os seres humanos dos tempos modernos a procederem com mais leveza e graça a “arte de apear” de muitos lugares reais ou imaginários.
Apear para uma pousada passageira de viagens ou para descansos ainda nos envolve em certa praxe de costumes. No entanto, quem ainda pode nos mover a apear para acessos que permitam revelar o estado de alma e descer às pousadas na aconchegante interioridade dos nossos sentimentos? Quem ainda oferece espaço para permitir desvelar a intimidade e, na gratuidade da partilha, ajudá-la a não se sobrecarregar com máscaras e atribuições impróprias, capazes de tirar a auto-estima e o gosto de estar de bem com outras pessoas?
No evangelho de Lucas aparece uma interessantíssima cena através da antecipação de um convite. Trata-se do episódio que se refere a Zaqueu. Ao saber que Jesus, no caminho já próximo de Jerusalém, passaria pelo povoado de Jericó, e já consciente de que seu nome não desfrutava de boa simpatia e nem de boa reputação, pois, vinha sendo referenciado como ladrão, pela forma como usurpava dinheiro dos outros a partir de cobranças excessivas de impostos, correu na frente para poder enxergar Jesus. Uma multidão obstruía o acesso. A intuição de Zaqueu foi a de adiantar-se e subir num arbusto.
Ao ser interpelado pelo nome e não pelas atribuições que o ambiente cultural lhe impusera ao considerá-lo ladrão, o homem ficou altamente sensibilizado, mas uma proposta surpreendente de Jesus o levou a descer de imediato. Jesus falou que pretendia fazer uma refeição com ele, em sua casa. Nisto Jesus revelou uma estratégia inusitada: pois poderia simplesmente ter passado adiante e ter ignorado seus insistentes gritos devido à sua reputação negativa. No entanto, fazer-lhe proposta para ir à sua casa, revelou algo muito mais significativo: acolhida do seu universo, de seu mundo, da sua consciência e dos seus desenganos.
 Ao dizer que pretendia devolver quatro vezes o que roubara, Zaqueu estava mostrando que já havia se convertido, simplesmente a partir do que devia ter ouvido falar de Jesus Cristo. Por conseguinte, a interpelação para descer da árvore, na qual subira para ver Jesus, implicava numa tarefa mais profunda: ir para a casa. Hoje também muita gente sobe a santuários, Igrejas e tantos outros lugares para “ver” Jesus, sobretudo, em milagres rápidos e fáceis; mas, o simples ato de “ver” ainda não é o suficiente para integrar a vida: requer-se algo mais importante que é o “descer da árvore”.
 Árvore pode significar esta elevada articulação de galhos das pretensões exacerbadas, das seguranças intimistas, das auto-suficiências, dos orgulhos e das instâncias de honra que nos atribuímos. Desfazer-se de todos estes presumidos bens que buscamos, e que, do alto de nossas auto-análises “visualizamos” com clareza, apresenta também para nós a interpelação de outro passo pedagógico fundamental para rever a vida e encontrar formas capazes de propiciar mais satisfação ao existir.
Corremos o risco de “subir” e de “ver” muito e muitas coisas, mas, sem adquirir a importante capacidade de “descer” para, “em casa”, revelar-nos e apear dos ilusórios mecanismos de afirmação sobre os outros. O difícil, no entanto, é perceber do que apear, a fim de encontrar formas mais agradáveis e satisfatórias de convivência.


<center>ERA DIGITAL E DESCARTABILIDADE</center>

    Criativa e super-rápida na inovação, A era digital facilita a vida e a ação, Mas enfraquece relacionamentos, E produz humanos em...