quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Perspectivas para além da morte



         Um traço peculiar da crença cristã é o de orientar-se para além dos limites e das condições da vida humana. Estabelecidos numa frágil contingência, os seres humanos encontram-se estreitamente ligados ao húmus da terra e vivem do que se produz nesse húmus. Sob esta perspectiva, a morte inicia um processo de transformação do corpo, e, seus componentes se transformam em outros, que passam a integrar o processamento do húmus. Deste modo, os elementos químicos transformados poderão mesclar-se em plantas, e condições para outros seres vivos.
            No entanto, seria esta a única evidência para o fim último da nossa vida humana? Pelo menos, na perspectiva cristológica não se associa a morte como a definitiva e última palavra sobre a vida, mas, tampouco, tal noção leva a esperar tudo para além da morte, crença que em alguns momentos alienou muitas pessoas do compromisso concreto com a vida presente. Por outro lado, se tudo depende da seleção natural e da sobrevivência dos mais fortes, dos espertos e dos ambiciosos, como assimilar a condição das vítimas silenciadas, exploradas e eliminadas?
Já antes do Cristo a síntese bíblica deduziu, diante das barbáries imperialistas, que os justos teriam condições distintas dos malfeitores na vida, que se transforma para além da morte. Não pensavam em reencarnação para chances de purificação ou de continuidade em níveis de qualidade mais elevada, mas que, no âmbito de Deus, teriam uma consideração muito distinta daquela dos malfeitores. O profeta Daniel intuía que para os justos haveria vida mais plena e, para os ímpios, a condenação eterna.
            O evangelista Mateus, diante e das ponderações de Daniel e de sua linguagem apocalíptica, valeu-se do mesmo estrilo redacional para animar comunidades a se manterem vivas e operantes diante da maldade do império romano e convidava seus interlocutores a viver nesta adversidade, não simplesmente pelo fatalismo e submissão a quem subjugava e matava, mas apontava para os discursos de Jesus Cristo: viver bem e, atentamente, para interpretar os sinais que se manifestavam, e, lidar com eles como o próprio Jesus procedeu na iminência da sua morte: mesmo não desejando aquele desfecho, confiava em Deus e na certeza de ser agraciado por seu amor.
Os discípulos puderam recordar que Jesus não agiu sozinho em favor dos seus próprios interesses, mas, agiu intensamente para que emergisse, no meio daquele caos, uma nova criação. Esta esperança remetia a um sofrido e esperançoso parto para além daqueles processos hediondos de morte imputados pelo império romano.

            

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