Um
traço peculiar da crença cristã é o de orientar-se para além dos limites e das
condições da vida humana. Estabelecidos numa frágil contingência, os seres
humanos encontram-se estreitamente ligados ao húmus da terra e vivem do que se
produz nesse húmus. Sob esta perspectiva, a morte inicia um processo de
transformação do corpo, e, seus componentes se transformam em outros, que
passam a integrar o processamento do húmus. Deste modo, os elementos químicos
transformados poderão mesclar-se em plantas, e condições para outros seres vivos.
No entanto,
seria esta a única evidência para o fim último da nossa vida humana? Pelo
menos, na perspectiva cristológica não se associa a morte como a definitiva e
última palavra sobre a vida, mas, tampouco, tal noção leva a esperar tudo para
além da morte, crença que em alguns momentos alienou muitas pessoas do
compromisso concreto com a vida presente. Por outro lado, se tudo depende da
seleção natural e da sobrevivência dos mais fortes, dos espertos e dos ambiciosos,
como assimilar a condição das vítimas silenciadas, exploradas e eliminadas?
Já antes do Cristo a síntese bíblica
deduziu, diante das barbáries imperialistas, que os justos teriam condições
distintas dos malfeitores na vida, que se transforma para além da morte. Não
pensavam em reencarnação para chances de purificação ou de continuidade em
níveis de qualidade mais elevada, mas que, no âmbito de Deus, teriam uma
consideração muito distinta daquela dos malfeitores. O profeta Daniel intuía
que para os justos haveria vida mais plena e, para os ímpios, a condenação
eterna.
O
evangelista Mateus, diante e das ponderações de Daniel e de sua linguagem
apocalíptica, valeu-se do mesmo estrilo redacional para animar comunidades a se
manterem vivas e operantes diante da maldade do império romano e convidava seus
interlocutores a viver nesta adversidade, não simplesmente pelo fatalismo e
submissão a quem subjugava e matava, mas apontava para os discursos de Jesus
Cristo: viver bem e, atentamente, para interpretar os sinais que se
manifestavam, e, lidar com eles como o próprio Jesus procedeu na iminência da
sua morte: mesmo não desejando aquele desfecho, confiava em Deus e na certeza
de ser agraciado por seu amor.
Os discípulos puderam recordar que
Jesus não agiu sozinho em favor dos seus próprios interesses, mas, agiu
intensamente para que emergisse, no meio daquele caos, uma nova criação. Esta
esperança remetia a um sofrido e esperançoso parto para além daqueles processos
hediondos de morte imputados pelo império romano.
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