domingo, 13 de outubro de 2013

O valente Ambrósio

Quanto mais Ambrósio se metia em brigas e delas saía vitorioso, tanto mais sua fama foi se alargando e, tanto mais ele passou a demonstrar plena segurança de que constituía o homem mais valente e forte dentre todos os outros moradores da região do Morocó. Ambrósio, homem casado, de porte físico invejável, tinha, no entanto, o grave defeito de não gostar de trabalhar. Todos sabiam que os produtos da sua lavoura eram insuficientes para sustentar a família que, a cada ano, aumentava com o nascimento de mais um filho. A gozação era a de que a esposa de Ambrósio, desde uma década, não tinha passado um único ciclo menstrual sem engravidar de mais um filho. De onde viria, então, o necessário suprimento para alimentar tanta gente? Ambrósio era conhecido como ladrão fino. Muitos o enfrentaram e, por isso mesmo, saíram duplamente perdedores, pois, além de terem sido furtados nas caixas de mantimentos, ainda foram humilhados com violentos socos ao interpelar o ladrão Ambrósio. Outros viram Ambrósio roubando galinhas e cereais, mas, não reagiram para não terem que brigar com ele e levar um prejuízo duplo. Ambrósio, apesar de sempre andar com pouco ou sem nenhum dinheiro no bolso, era, contudo, freqüentador assíduo dos bares e das lojas que, ao lado dos variados produtos, também vendiam cachaça. Sua saudação de entrada, ao chegar num bar, consistia em morder no encosto da cadeira de palha e erguê-la 180 graus, para exibir sua extraordinária força. Fazia isso com tanta facilidade que parecia um leão a rugir para algum ataque. Ambrósio gostava de se encostar para beber por conta dos outros. Deste parasitismo nascia a maior parte das encrencas, e que, geralmente, acabavam em briga e com a vitória do consagrado Ambrósio. Entre as pessoas decentes da comunidade dizia-se que Ambrósio era um sujeito que, além de não prestar para nada de bom, ainda era perigoso, uma vez que seus socos poderiam ser fatais. Depois de afamado como o valente da região, seria anormal pensar numa festa da comunidade, sem briga desencadeada pelo Ambrósio. Em algumas ocasiões juntaram-se três a quatro para, enfim, fazê-lo amargar uma derrota, mas, ágil como Serelepe, derrubava um, esquivava-se de outro, e impreterivelmente saía vencedor. Em alguns casos, mesmo levando uma saraivada de socos, ele parecia demonstrar que isto sequer lhe causava alguma lesão ou dor. Por isso alguns achavam que ele devia ter firmado algum pacto com o diabo. A periculosidade do seu Ambrósio era tamanha que, mesmo que alguém se metesse a correr, ele corria atrás e era exímio atirador de pedras. Diversos foram parar no hospital, em estado de coma, atingidos na cabeça por pedradas arremessadas pelo valentão. Ainda que alguns senhores mais veteranos comentassem que nenhum valente passaria sem defrontar-se com algum covarde fraco que o derrubaria, este tombo na vida de Ambrósio, de fato, iria demorar além dos limites esperados pela comunidade. O inusitado, na verdade, não foi somente o de Ambrósio levar uma surra, mas levá-la de um senhor com nada menos de 75 anos de idade, seu Oscar, um velhinho conhecido como inofensivo até diante de moscas. Oscar era um homem pacífico, honesto e muito trabalhador. Comentou com alguns amigos que vira Ambrósio roubando no seu galpão e esta informação chegou a Ambrósio. Furioso como era, foi logo à casa de Oscar para dar-lhe o devido troco e mostrar quem é o homem valente de Morocó. Presumidamente seria mais um capítulo para muitos comentários a respeito de como o velhinho teria apanhado de Ambrósio. Discutiram rapidamente sobre o desenrolar da conversa e Ambrósio já partiu por cima de Oscar para desferir-lhe um violento soco com o punho direito. Certamente não imaginou que o velhinho era destro, e que, na mesma velocidade, desviou o soco com o braço direito e, em contrapartida, desferiu-lhe supinamente outro de mão esquerda na orelha, de modos que Ambrósio caiu nocauteado. Por coincidência, ao lado de Ambrósio, estaqueado de comprido no chão, estava um pedaço de mangueira plástica. Oscar valeu-se deste utensílio para desferir algumas dúzias de golpes em Ambrósio. Pessoas que presenciaram o episódio a certa distância, já vieram correndo e constataram que Ambrósio se encontrava inconsciente e todo urinado. Tentaram reanimá-lo, mas, o valente demonstrava estar muito mal. Conduziram-no ao Hospital e ali ele ficou internado por cinco dias. Retornou daquela casa de saúde na escuridão da noite e, no dia seguinte, já não residia mais em Morocó. Desapareceu da comunidade naquela mesma noite sem ser percebido pelos demais moradores. Certamente não teria força para suportar os olhares oblíquos e nem mesmo para explicar-se que já não era mais o homem valente, pois, ser nocauteado de forma tão vexatória e levar uma surra equivalente às muitas que aplicou a outros, procedentes de um velhinho que nunca dera o menor sinal de briga, constituiria assunto muito difícil e complexo de ser explicado. Assim, seguiram-se longos anos de total ausência de brigas em Morocó.

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