domingo, 13 de outubro de 2013

O entendido em quiromancia

Há pessoas, normalmente psicólogos menos profissionais quanto alegam ser, que conseguem despertar verdadeira histeria em torno da regressão psíquica, não aquela difícil e demorada de muitas sessões de conversa terapêutica e que apenas lenta e gradualmente leva à maior conscientização de fatos marcantes do passado, mas, aquela imediata, que decorre de hipnose e que seduz e encanta os mentecaptos. Apesar dos cabelos derreados e da feição juvenil, Jorge Freitas, um aprazível jovem estudante de Psicologia, nunca tinha visto mulher meter-se nesta ingente atividade de hipnose, assunto encampado e tornado mais precípuo de malandros e espertos palestrantes e pastores que, em nome da Parapsicologia, passaram a fazer grotescos procedimentos de regressão. Do lado feminino, todavia, era comum encontrar-se farta representação para falar de quiromancia e de sorte, de futurologia, de cartas e de consulta da ingerência dos astros no cotidiano da vida das pessoas. Jorge Freitas descobriu que ler a sorte nas mãos das colegas sempre implicava em bom momento de gozação e diversão. Futricou em alguns livros da Biblioteca da Faculdade para saber algumas noções relativas ao que as linhas das mãos poderiam indicar em termos de afeto, inteligência e saúde e começou a exercitar-se nesta enfunada profissão de afirmar o que se passava na vida das pessoas. Descobriu logo que a primeira linha, a mais próxima do dedo polegar, seria a indicadora da afetividade e as pequenas linhas transversais indicariam recalques sexuais. Seria um achado especial. Na medida em que ia falando algumas generalidades possíveis e suscetíveis na vida de qualquer pessoa, especialmente dados de conhecimento prévio da vida destas pessoas conhecidas, elas logo se entusiasmavam, a respeito de como ele conseguia ler todos estes inúmeros detalhes e que conferiam cem por cento com o que elas viviam. Entretanto, quando falava do lado afetivo, costumava repetir sempre a mesma afirmação imaginada de que ali apareciam traços indicando intensas repressões sexuais, a resposta vinha infalivelmente confirmatória, mas, seguida de imediata indagação estupefata: - Mas como é possível que você consiga enxergar, até isso, nestas linhas? - Está tudo ali na sua mão! – costumava ser a resposta. Na verdade, ele apenas afirmava algo vago e, na medida em que lhe confirmavam algum dado do que presumidamente tinha lido nas mãos, afirmado de forma geral como o horóscopo que sempre dá certo, avançava com mais alguns dados vagos e aleatórios, especialmente dos já conhecidos daquela pessoa. Sem demora, ficou bem conhecido como especialista que sabia dizer tudo da vida das pessoas, simplesmente lendo as três linhas das mãos. Ao constatar que a charlatanice, utilizada apenas como forma de brincar com colegas, já lhe davam fama de especialista, pensou em descobrir algo mais destes exotéricos caminhos, junto a ciganas, estas que costumam ganhar dinheiro dizendo a sorte através da leitura das mãos das pessoas. No caminho da Faculdade costumavam perambular grupos de ciganas que insistiam com cada transeunte para fazer uma consulta da “Surte”, como diziam. A entrada da consulta implicava em pagamento de dez reais. Jorge aproximou-se de uma das ciganas, por sinal, mais jovem e belamente vestida, e entregou a nota para a dita consulta. A mulher já foi agarrando as suas mãos e passando rapidamente os dedos sobre elas, e falava igual a papagaio. O que Jorge estranhou foi que ela, na verdade, não lia nada. Apenas passava os dedos sobre a palma das suas mãos como gesticulação para deixá-lo hipnotizado. Enquanto passava os dedos com extraordinária destreza e olhava direto nos seus olhos, falava também com inaudita rapidez. Começou falando da mulher e dos filhos. Ele redargüiu: - Olhe eu não sou sequer casado e não tenho filhos! - Ela, no mesmo instante, só trocou o foco e falou: - Sua noiva está esperando um filho de você! - Jorge, já um tanto sádico, contradisse o assunto e falou que tampouco tinha noiva e nem mesmo namorada! A cigana nem perdeu o rebolado e iniciou a falar sobre a loira que estava no seu encalço e que poderia fazê-lo plenamente feliz. Jorge, surpreso com a perspectiva, pediu que lhe fornecesse mais dados a respeito da loira. A cigana foi categórica no retorno: - Os dez reais já foram! Para falar da loira preciso de mais vinte reais. Jorge pensou um pouco e desconfiou que tudo não passasse de mero esquema de extorsão dos seus poucos trocados. Procurou uma evasiva, enquanto ela gesticulava cada vez mais e falava de forma tão rápida e incisiva que ele já nem conseguia entender aquele emaranhado de palavras sem nexo. Ocorreu-lhe um repentino pensamento de apelação e falou: - Eu pago os vinte reais só se você primeiro adivinhar o que eu estou pensando. - Ela deu mais de uma dúzia de respostas e nenhuma sequer se aproximou do que ele realmente tinha pensado. De repente ela passou ao ataque e disse que ele negava o que lhe ocorrera no pensamento. A discussão ficou mais acirrada e ela solicitou que ele então contasse o que, na verdade, estava pensando. Ele imediatamente respondeu: - Que seria muito bom poder dormir contigo esta “noi....”! Antes mesmo de concluir a chalaça, veio uma reação muito mais ágil e certeira que sua capacidade de defesa e levou uma palmada, reforçada com cinco dedos finos e alongados, a lhe causar intenso impacto na orelha! Jorge resolveu, então, correr para o lado, a fim de não levar outros possíveis bofetes na cabeça, enquanto lhe veio na mente: - O que os outros, que me vêem nesta situação, vão achar de mim? Um homem daquele tamanho, apanhando de cigana em plena rua, fica um despautério! Ao constatar que já se encontrava a alguns metros de distância da cigana, viu-a vociferar e gesticular com as mãos. Olhou o derredor para certificar-se de alguma expressão de pessoas conhecidas que eventualmente poderiam ter observado o episódio, e, como a cabeça já estava quente e aturdida de vergonha, resolveu sair de soslaio da dita consulta. O tapa na orelha dever ter afetado tanto a área cerebral responsável pelos sonhos de quiromancia, que ele nunca mais foi visto a meter-se a interpretar as linhas das mãos de qualquer pessoa, nem mesmo das colegas mais próximas da sua amizade.

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