domingo, 13 de outubro de 2013

O treinador de tourada

Nos idos tempos de infância, os domingos eram muito diferentes dos domingos atuais. Enquanto as meninas, mais contidas e sóbrias, brincavam de boneca e de outras formas perto das casas, os meninos passavam o tempo na beira de córregos, na procura de frutas silvestres, nas caçadas com estilingues, nos banhos das pequenas represas que a cada chuva forte eram desmanchadas, num joguinho de futebol com bola quase redonda, feita com panos amarrados e, algumas outras artes nem sempre liberadas pelos pais. Uma das muitas artes que dava uma sensação divina de grandeza e de poder acontecia quando algum dos colegas conseguia roubar um pedaço de fumo dos rolos de corda que seus pais fabricavam e a gente se inventava a fumar aqueles crioulos, fortes, fedidos e que de vez em quando causavam vômitos ou uma diarréia de proporções alarmantes no meio da capoeira. Nem lagarto ficava por perto com a pressão peristáltica que eclodia pelos ares e causava pânico nos pequenos animais que por ali se alojavam. Num domingo de tarde, a castração de um gato, tarefa nada fácil, mas, com a tecnologia que um colega constatou junto ao seu pai, tornou-se plenamente viável. Marcos tinha visto seu pai fazer tal procedimento e que, além do canivete para o benefício do dito machão, se valeu de uma bota. Teria metido o gato com a cabeça para baixo dentro da bota e apertado o cano desta bota entre os joelhos, de modos que o gato não conseguia nem sair e nem arranhar. Aí era fácil operar uma extração dos fragmentos seminais do dito bichinho. De posse da tecnologia, tudo foi rapidamente combinado. Um trouxe o gato e outro a bota de seu pai. Pedro, o mais metido a xerife do grupo, tinha um canivete, o que dava, naquele tempo, um extraordinário status entre os meninos. Ser portador de um canivete, preso a uma correntinha de aço, amarrada na cintura, valia mais que um computador ligado na internet, do que um vídeo-game, ou qualquer outra parafernália eletrônica como celular, DVD, I-fone, Smartphone, etc. Na hora do procedimento cirúrgico, apareceu um imprevisto: o dito canivete não tinha lâmina suficientemente afiada para perfurar o invólucro escrotal do gato. Até que uns foram esmerilhar o canivete num rebolo de arenito, o gato já estava quase asfixiado. Concluído o afiamento da lâmina do canivete, Pedro até foi rápido para encerrar a tarefa da castração do gato. E então, o que fazer? Enquanto o gato sumiu desesperadamente tonto em meio ao monte de tábuas, o próprio Pedro apresentou outra proposta: tourada com um borrego muito brabo! Contou que na semana anterior tinha ido com seu pai ao circo. Um pequeno circo e que, num dos programas artísticos, exibiu uma tourada. Um homem com um pano vermelho diante do touro e, quando o touro avançava nele, puxava o pano para o lado e o touro indo no rumo do pano não o chifrava de jeito nenhum. Todo o grupo, então, migrou para um piquete de pasto do vizinho, onde cerca de trinta carneiros pastavam. Todos sabiam que alguns dos borregos avançavam nas pessoas e não se intimidavam, pois, já demonstraram esta hostilidade fazendo todos correr do campinho de futebol e se refugiar nas árvores que ficavam do lado. Pedro, todo metido a inteligente, foi buscar uma camisa vermelha na sua casa e ainda sugeriu que iria fazer o borrego quebrar os chifres contra um toco de cedro, pois ele iria postar-se na frente do toco, e quando o borrego viesse, depois de provocado, iria cair fora e iria fazê-lo ficar ardido de dor de chifre. Depois de tudo devidamente combinado, Pedro ficou diante do toco e segurava a camisa vermelha, diante do seu corpo levemente encolhido. Os demais foram encarregados a ir provocar os borregos a fim de que viessem mais próximos e, então, Pedro iria provocá-lo para a culminância do show. Tudo correu certo, menos um detalhe. Quando o borrego veio em cima de Pedro, este afastou o pano para o lado, mas o borrego simplesmente o prensou com forte chifrada contra o toco. Até que uns criaram coragem para ir socorrê-lo, passaram-se demorados segundos e Pedro soltou muitos gritos desesperados. Enfim, quando os mais fortes se animaram a enfrentar a fúria do borrego, agarrando-o pela lã e derrubando-o no chão, outros tiveram que acudir a Pedro que chorava com largos prantos. Medo, pavor e pânico, tudo passava no grupo. E se Pedro morresse, pois gritava de intensa dor no peito? Depois de alguns minutos Pedro foi se acalmando do choro e o ânimo do grupo voltou a serenar-se para voltar a conjeturar outra façanha menos perigosa. Foi então que todo grupo resolveu ir ao córrego e tomar banho numa pequena represa feita com a formação de uma taipa com pedras tiradas da própria água.

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