quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Sustentabilidade ambiental

RESUMO: Se fosse objeto de desfile em passarelas, o assunto sustentabilidade ambiental, com certeza, estaria no mais elevado patamar pela sua simpatia e proeminência. Constitui o assunto do nosso momento. Mesmo assim, apesar da evidente necessidade de se darem importantes passos para uma convivência humana em favor de mais equilíbrio nas relações humanas e com a vida do planeta Terra, poucos sinais efetivos apontam para esta direção, sobretudo, quando se pensa o assunto sob o enfoque do desenvolvimento sustentável que, por sua vez, pressupõe a continuidade predatória e de desequilíbrio dos eco-sistemas. Afinal, quantas pessoas dentre as mais exploradoras do meio ambiente, estariam dispostas a fazer uma renúncia e viver como tantos pobres numa profunda abnegação e sobriedade?[1]
Palavras-chave: Sustentabilidade. Desenvolvimento. Desbravamento. Sistema Capitalista. Consumismo.

Introdução

         Apesar de toda a simpatia que circunda o tema da sustentabilidade ambiental, ele tende a não passar muito do mero nível aporético. Por isso, eventuais e almejadas mudanças certamente vão demorar bem mais do que o desejado e vão depender de graduais e muito pequenos avanços.
       Com vistas a despertar ponderações que possam despertar motivações para pequenos avanços de bom relacionamento dos seres humanos entre si e com o meio ambiente, apresentamos, sob o ponto de vista filosófico, algumas inquirições sobre o tema, com o desejo de que possam contribuir para que toda a sensibilidade em torno da seriedade do assunto não esmoreça em falácias e conversas inócuas que nada afetam as causas geradoras dos grandes desequilíbrios das relações entre seres humanos e as relações destes com a vida na Terra.

1.    Sustentabilidade e Desenvolvimento

O tema da sustentabilidade ambiental é chique, desfruta de elevado destaque na moda de assuntos edificantes, encanta muitos anseios humanos de bons ouvintes, mas, simultaneamente, consegue mostrar-se altamente inepto para eventuais mudanças do modo de viver e de relacionar-se com o ambiente, porque implica no que se entende por “desenvolvimento”.[2]
 Os termos “sustentabilidade ambiental” apresentam amplitude de significados muito parecidos com a da linguagem dos signos de horóscopo. Sustentar que ambiente? O ambiente de ricos, o de pobres e excluídos, o do mato, o das lavouras, o das áreas degradadas pelo extrativismo, ou, o das cidades nas suas enormes diferenças sociais? Por outro lado, que ambiente deveria ser sustentado por tempo prolongado? O das favelas, o das reservas naturais, ou o dos lixos tóxicos?
Neste texto ponderamos sobre algumas questões que podem ser chamadas de “aporéticas” em torno do tema, isto é, de acordo com o filósofo do período clássico grego, Aristóteles, há problemas sobre os quais se consegue fazer longas análises e ponderações, e, no entanto, eles, depois do que foi conversado, refutado e sugerido, continuam inalterados como antes. Com a sustentabilidade ambiental corre-se o risco de fazer acontecer algo muito parecido. É tema muito simpático, capaz de algumas polêmicas emotivas e entusiásticas, mas, como envolve requisitos altamente complexos para serem equacionados num consenso global, acaba não chegando às necessárias e radicais mudanças de hábitos humanos, como o de renunciar aos acúmulos de bens e de capital, renunciar ao consumismo desenfreado e optar por uma vida extremamente mais simples.
 Estaria o saudosismo romântico falando mais alto que o bom senso dos inventos e avanços tecnológicos? Um pouco de saudosismo de um passado menos degradante, talvez seja importante. O que, todavia, resulta evidente, são as muitas ponderações incapazes de alcance efetivo de mudanças, porque ignoram a gritante estratificação humana de classes sociais. Aqui, tampouco temos a ousadia e nem a atrevida pretensão de apontar meios, mas, vamos ocupar-nos rapidamente de algumas dificuldades em torno do tema.

2. A percepção ambiental

O primeiro aspecto aporético já começa na questão da percepção ambiental, isto é, que ambiente é avaliado a partir de qual ambiente? Provavelmente a problemática envolve divergência de posturas decorrentes de percepção: por exemplo, qual é o ambiente visualizado pelo rico e o que ele considera bom, e, qual é o do pobre, o do insatisfeito com tudo? Por outro lado, é a visão de quem olha o ambiente porque o acha bonito e bom, ou de quem se sensibiliza com sua dor de morte? É desta diferença que se quer sustentabilidade? Neste caso, teríamos que tomar postura decididamente contra a sustentabilidade.
Quando pensamos sustentabilidade, por exemplo, também incluímos nela o atual quadro de vandalismos, de agressões a espaços públicos e no ambiente infernal de guerras e de certas vilas onde reina o poder do crime organizado e das drogas?[3] Existiriam, porventura, números suficientemente necessários de pessoas ricas, capazes de desfazer-se dos seus bens e alterar profundamente seu modo de produção, de acúmulo e de consumo de capitais, para poder elevar o nível das pessoas que vivem aquém do mínimo necessário? Fica muito difícil pensar em conservação de ambiente, quando o primeiro, que é o humano, se encontra em estado deplorável. Parece difícil pensar em salvação de equilíbrio dos ecossistemas sem pensar em mudanças radicais no distanciamento das classes sociais.

3.    O significado de sustentabilidade

O termo entrou em evidência na década de 1960 e de 1970, quando nações ricas passaram a investir em outras nações, a fim de firmar um crescimento integrado ao dinamismo ambiental do planeta; todavia, o nível de produção que então se projetava, era completamente diferente do nível de produção de nossos dias. Naqueles anos, além da produção agrícola acontecer em pequena escala, não envolvia nem fertilizantes químicos de recursos não renováveis e nem esta parafernália de venenos e agrotóxicos utilizados em nossos dias.[4]
Atualmente a conotação do termo sustentabilidade se encontra em situação completamente diversa, pois, o acelerado processo de consumo e de extração de recursos não renováveis, pouco recuperáveis e não substituíveis, gera imensas montanhas de entulhos e de lixos químicos altamente tóxicos.
A noção de “progresso” costuma exercer notável influência sobre o conceito de sustentabilidade, pois, a progresso, associa-se construção de estradas asfaltadas, usinas, edificações modernas, máquinas, e que, não necessariamente diminuem os problemas das classes sociais. Por isso, o “bom” do progresso tende a ser para alguns e implica num preço amargo para muitas outras pessoas. Os bons interesses de progresso pelo menos não deveriam comprometer as condições minimamente razoáveis para as gerações futuras.[5]
Ocorre também notável diferença no entendimento de sustentabilidade de países ricos em relação a outros, que são pobres. Enquanto uns se movem num extraordinário processo de consumo, outros não chegam ao limiar mínimo necessário para o sustento. O que teria que ser sustentado? A desigualdade social que faz alguns se sentirem felizes no consumo exagerado de bens, sem nenhum freio capaz de conter a ilimitada vontade de absorver ainda mais, e, o outro lado, dos que não chegam ao alcance do mínino necessário para o sustento físico? Isto permite deduzir que em vez de sustentabilidade deveria ocorrer, antes de qualquer lida com o mundo envolvente, uma profunda mudança nas relações sociais para se pensar numa relação mais respeitosa e harmônica com o meio ambiente.
A sustentação do nível de consumo implantado em nossos dias, com altíssimo processo de descarte de supérfluos, não tende somente a exaurir todos os recursos ambientais, mas a inviabilizar que gerações futuras possam encontrar o necessário para uma vida razoável. Sob este aspecto, aceitariam os países e os grupos sociais ricos, renunciar à sua praxe de consumo e conformar-se com a aceitação de que podem ser felizes, consumindo parcela ínfima do que consomem e compram? Antes de outra e mais respeitosa relação com o ambiente, deverá ocorrer notável alteração nas mentes capitalistas.

4. Sustentabilidade no modelo capitalista?

O tipo de ação humana mais enaltecida pelo modelo capitalista é o da pessoa “vencedora”. Ainda que integrada a grupos, a pessoa precisa ser ousada, competitiva e demonstrar capacidade de rápido e intenso acúmulo de bens de consumo. Em palavras mais comuns, deve saber enriquecer-se em poucos toques. Sem considerar o lado das vítimas desta postura, que geralmente ficam relegadas e silenciadas, o mito do “vencedor” é, na verdade, alarmante ideologia para degradar tudo quanto existe na natureza.
Olhando para o quadro atual do sistema que nos envolve, podemos observar que o estilo de sustentabilidade vigente deixa algumas evidencias muito fortes:
- Do ponto de vista ecológico, mostra-se altamente predatório dos recursos naturais e desequilibra os ecossistemas;
- Quanto ao ambiente social, revela-se perverso por sustentar uma anacrônica desigualdade, com grandes parcelas humanas em extrema pobreza;
- Em termos de relacionamento político, mostra-se injusto, pois permite ingerências cerceadoras e controladoras sobre pessoas, grupos sociais e nações;
- Culturalmente, revela insensibilidade a tudo quanto não se submete a um cego desbravamento para o consumismo, seja o que provém da natureza ou até do corpo humano;
- Em sentido ético, reflete uma realidade deplorável porque as regras tendem a favorecer os mais audazes na exploração dos ambientes, sejam eles humanos, materiais, ou culturais ou, meramente simbólicos.[6]
Portanto, prorrogar por longos tempos o que não melhora a qualidade da vida; o que não diminui as diferenças sociais e os grandes clamores das classes populares exploradas por elites dominantes; o que faz a economia depender apenas de um altíssimo nível de produção para um consumo induzido que enriqueça, ainda mais, os grupos já privilegiados que mais degradam a natureza; o que faz continuar na intensa exploração dos recursos naturais para gerar poluição, resíduos tóxicos no ar, na água e em tudo quanto consumimos; o que leva a ignorar o clamor dos povos de países pobres explorados; o que gera profundos desequilíbrios entre mundos rurais e urbanos, com práticas altamente destrutivas e predatórias; o que move a manipulação da gestão dos recursos para concedê-los de formas paternalistas e gerar desigualdades regionais, interestaduais e intermunicipais; o que desequilibra a geografia, os ecossistemas que levaram milhões de anos para chegar ao estágio atual e que, em vez de erradicar a pobreza a faz aumentar e exclui grande parcela do gênero humano do acesso aos mais elementares direitos humanos e de integração social, então, sustentabilidade deverá remeter a qualquer outra coisa do que tudo o que está acontecendo ao nosso redor.

5. A noção antropológica do desbravar

Bem sabemos o quanto a noção do antropocentrismo dos últimos séculos ajudou a acelerar a transformação do ambiente natural. Sobretudo um conceito limitado de que o ser humano seria capaz de produzir o paraíso a partir da ciência, levou a agir sobre a natureza como se os seres humanos não fizessem parte dela. No ideal do inquirir, do conquistar, do transformar o caos em cosmos e do desbravar tudo quanto é possível e imaginável, leva evidentemente a esta inquietação de constatar os limites da natureza sem saber como contorná-los. A Terra já não comporta a demanda do que os seres humanos precisam para se sentir segundo os parâmetros consumistas de nossos dias.
Do ato de desbravar e “dominar” tudo quanto se manifesta na natureza, resulta a nítida impressão de que o ser humano não é da natureza e, por isto, pode agir sobre ela sem o menor senso de que está prejudicando a si mesmo quando desequilibra os ecossistemas da natureza. Mais do que preocupar-se com a natureza, cabe inquietude com outra questão anterior ao agir sobre a natureza: como dominar o homem, este animal voraz, insaciável e que não sossega na destruição da natureza?
No atual estágio da expansão capitalista, que tende a ocupar e explorar todos os espaços da Terra, os países mais ricos impõem, especialmente aos mais pobres, um estilo de desenvolvimento próprio dos países mais ricos, como patamares da qualidade de vida que lhes deve ser necessária, porém, impõem-lhes o que convêm aos interesses acumulativos dos países mais ricos. Por isso, quem mais degrada ainda se torna a maior vítima dos efeitos da degradação. Significa, pois, que um presumido desenvolvimento sustentável, teria que melhorar substancialmente a vida dos países pobres. É evidente que os países ricos não vão aceitar esta inversão de estratégias.

6. Consumismo e meio ambiente

O maior fator de pressão sobre o meio ambiente é, sem dúvida, o do consumismo, pois, praticamente todos os produtos de consumo são processados a partir da exploração de recursos ambientais. Mais do que uma voracidade natural de cada sujeito humano está a agir o efeito das insinuações e propagandas de consumo. Tidas como a alma do negócio, as propagandas criam necessidades e despertam a aquisição de produtos supérfluos e acima do necessário. O efeito resulta num descarte de objetos fora do comum. O que viria a acontecer se todos os humanos quisessem consumir tanto quanto a média geral dos norte-americanos consome? A Terra simplesmente entraria em colapso. Possíveis mudanças certamente vão requerer educação ambiental.  Assim, também, parcela não muito expressiva da humanidade se disporia a mudar radicalmente os hábitos, para produzir casas, móveis, equipamentos, veículos, estradas, e tecnologias que minimizem o impacto ambiental. Parar de produzir veículos e equipamentos que poluem a natureza, pode significar falência de grandes empresas; viajar menos pode significar regresso ao passado e menos consumo; valer-se do transporte público afetaria a auto-imagem, a independência e o status; produzir energia sem a utilização dos combustíveis fósseis pode inviabilizar toda uma estrutura mundial criada na dependência deste consumo; conservar habitats naturais pode não ser lucrativo como pode significar gasto à toa plantar florestas. Estas questões acabam implicando, enfim, em dissimulado “não” categórico a mudanças que possam diminuir as agressões ao planeta Terra. É por isso que Rachel Biederman Furriela destaca:
Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade e a sua sustentabilidade.[7]
Quem, pois, induzido a sentir prazer em consumir e empanturrar-se de objetos e bricolagens, estaria disposto a produzir algo que renda pouco e que produza menos poluentes atmosféricos?
O desafio que se coloca é o do abandono da sociedade do descarte e do consumo excessivos, a recusa do sonho americano (american dream) como sinônimo de bem-estar, de felicidade. Já pensou o que seria do planeta se os chineses adotassem o padrão de motorização norte-[8]americano de um veículo para cada dois habitantes? A Terra certamente não resistiria.
Quanto à aceitação teórica desta questão, certamente, não cria maiores dificuldades. Entretanto, o que significa por fim a este imenso mecanismo de produção e consumo? Implica em falências, em desemprego, em salários incomparavelmente menores, em moradias menos suntuosas, e para isso, grande parte da boa vontade humana se esvanece.
Ainda subjaz a toda esta dificuldade em torno da sustentabilidade do ambiente uma perversa herança do mecanicismo, tão alardeado no pensamento moderno, e, segundo o qual, tudo pensado como engrenagem, também tudo poderia ser substituído no grande relógio do universo e da vida. Ocorre, porém, que nem o planeta, nem os recursos naturais e, tampouco os humanos, permitem progresso linear ilimitado. Por isso, nos gemidos do Planeta que já repercutem sobre os razoáveis equilíbrios dos ecossistemas, ecoam alertas a nos dizer que o caos está mais evidente e próximo do que o presumido cosmos da cultura humana.

Epílogo

Diante do considerado, uma ecopedagogia pode indicar possibilidades de uma lenta formação das atuais gerações e das advenientes para um relacionamento humano mais partilhado e solidário e, também, para uma relação mais respeitosa entre traços étnico-culturais, e, ainda, uma relação mais contemplativa das múltiplas formas da vida que nos envolvem e nos interpelam com o olhar estático e vencido da morte pela destruição. Parece que o rumo está mais para uma aproximação da vida indígena do que a da moderna tecnologia capitalista predadora.






[1]   Texto já disponível no Site das Faculdades La Salle de Lucas do Rio Verde – MT.
[2]  Um conceito de desenvolvimento sustentável: “modelo econômico, político, social, cultural e ambiental equilibrado, que satisfaça as necessidades das gerações atuais, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades”. (http://catalisa.org.br/site/recursos textoteca 30).
[3]  Segundo Sandra Faggionato, normalmente ao se tratar de questões ambientais ignora-se o grave problema das classes sociais. Também é comum pensar-se que agressão somente ocorre com mato, rios e lavouras, mas também constitui agressão a má qualidade de vida, o péssimo atendimento médico-hospitalar e a vida precária de muitos bairros. (http://educar.sc.usp.br, acessado dia 28 de fevereiro de 2011)
[4]  Cf. Paulo Jorge Morais Figueiredo em Sustentabilidade Ambiental – aspectos conceituais e questões controversas. In: Ciclo de Palestras sobre Meio Ambiente – Programa Conhecer a Educação do Cibec-Imec – MEC/SEF/COEA, 2001, p. 31 e 32.
[5]  Marina Cecatto Mendes salienta que o prioritário do progresso seja o da satisfação das necessidades básicas de todas as pessoas (educação, saúde, educação, lazer, etc.) e também preservar os recursos naturais.(http://educar.sc.usp.br, acessado dia 03 de março de 2011)
[6]  Paulo Jorge Morais Figueiredo destaca que “segundo pesquisadores e pensadores da atualidade a lógica capitalista na qual se insere o conceito de desenvolvimento sustentável é justamente a responsável pelo uso predatório dos recursos naturais e pela exploração e exclusão social e pela submissão da maior parcela da população aos interesses de parcelas menores (grupos sociais, nações ricas e militarmente poderosas)”. (Em Ciclo de Palestras sobre Meio Ambiente – Programa Conheça a Educação do Cibec-Imec – MEC/SEF/COEA, 2001, p.26)
[7]  BERNARDO, Christianne e FAVORETO, Carla de Oliveira Reis. Coletânea de Legislação Ambiental Básica Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 280.
[8]  Em Educação para o consumo sustentável (Ciclo de Palestras sobre o Meio Ambiente – Programa Conheça a Educação do Cibec-Inep – MEC/SEF/COEA, 2001, p.47.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

<center>ERA DIGITAL E DESCARTABILIDADE</center>

    Criativa e super-rápida na inovação, A era digital facilita a vida e a ação, Mas enfraquece relacionamentos, E produz humanos em...