domingo, 13 de outubro de 2013

O Irdologista afamado

Pedro Souza nasceu e viveu por longos anos na região fria do sul do país e lidava com dificuldades para contornar uma alergia crônica. Quanto mais estudasse para entender as eventuais causas psíquicas e emocionais que poderiam constituir causa desencadeadora de tais alterações orgânicas, e quanto mais procurava consultas com especialistas que lhe eram indicados, e ainda, quanto mais ingeria medicamentos e chás, ao lado das dietas que adotava para solucionar o desconfortável transtorno alérgico, tanto mais seu organismo parecia tornar-se progressivamente mais frágil e suscetível ao agravamento da alergia. Um médico, especialista em alergia, suspeitou que a razão da patologia alérgica estivesse relacionada à inalação de fungos aéreos, especialmente aerofagóides e fagocitóides, e por isso sugeriu, numa das consultas, que Pedro fosse tentar viver em outro clima, onde não existem tais micro-organismos em abundância tão intensa como no ar daquela região do planalto médio gaúcho. Recomendou-lhe fazer uma tentativa de morar no Centro Oeste ou no Nordeste, pois um clima mais seco poderia eventualmente propiciar-lhe condições mais adequadas para restabelecer a saúde normal, e, o que é mais importante, sem alergia. Sob esta orientação, Pedro resolveu ir a Rondonópolis, no Mato Grosso, com a feliz expectativa de que ali passaria a imunizar-se contra os fatores alergênicos. A saída do planalto médio do Rio Grande do Sul sob uma temperatura abaixo de zero grau e no tempo de aproximadamente trinta horas respirar numa temperatura em torno de 40 graus positivos, ofereceu a Pedro a sensação inicial de algo próximo de um choque anafilático que deveria estar se manifestando em seu corpo, pois sentia moleza e cansaço físico tão grande que lhe parecia ser impossível pensar em trabalho. Apesar da estranheza do calor, constatou que pelo menos conseguia respirar sem congestionamento nasal, o que já significava um grande avanço no caminho da saúde. Animado pelo bom indício, foi, depois de alguns dias, fazer uma rápida visita ao pároco de uma das Igrejas da cidade, que era seu conhecido. O pároco, o acolheu calorosamente e ao inteirar-se das razões da sua vinda, procurou logo mostrar-se prestativo para auxiliá-lo numa terapêutica eficaz. Falou imediatamente a Pedro sobre os extraordinários poderes de um irdologista que atuava na cidade, e que, mesmo sendo pastor evangélico exercia com extraordinária competência o ofício de diagnosticar, pela análise da íris dos olhos, as doenças do corpo, e, o que era mais importante, sabia indicar os remédios eficientes para a cura. O pároco se ofereceu para levá-lo naquele mesmo instante ao consultório. Chegando lá, Pedro viu que ali tudo era igual a um consultório médico. Num lado da sala de recepção estava bem destacado o nome do referido irdologista e no outro lado estava uma grande entrada para a Farmácia que ostentava enorme quantidade de remédios homeopáticos. Ao se apresentar à recepcionista, Pedro teve que fornecer alguns dados pessoais que foram anotados na ficha e, na mesma ocasião, a senhorita lhe solicitou que lhe falasse dos sintomas de doenças que estava sentindo. Pedro explicou rapidamente o porquê da sua vinda a Rondonópolis e disse que vinha de longa batalha com problemas de alergia. Em função deste desequilíbrio orgânico, já havia tentado de tudo quando lhe fora sugerido por médicos e amigos lá no sul, mas que nada diminuiu a excessiva sensibilidade dos anticorpos de defesa. Contou também que, em função de sentir o corpo inchado, sentia forte taquicardia e que os rins certamente não estariam funcionando bem para eliminar o líquido que o deixava neste desconforto. Concluídos os detalhes narrativos do que doía, Pedro foi convidado a pagar a taxa de consulta e ficou na espera. Sem demora o dito “Pastor Doutor Irdologista”, vestido de jaleco como os médicos, veio saudar Pedro e convidou-o a entrar na sala de consulta e convidou-o a sentar-se diante da mesa. Pedro achou estranho não perceber nenhum aparelho mais sofisticado: apenas um monitor de computador fazendo um movimento com umas figurinhas do protetor de tela e uma pequena lupa com cabo de PVC bem comum e a ficha com seus dados. O dito doutor veio logo para o lado da mesinha onde Pedro estava sentado e passou a dar uma rápida olhada nos olhos de Pedro, utilizando-se daquela lupa que parecia ser uma lupa para brinquedo de crianças. Pedro, no entanto olhava mais para os apetrechos da consulta. O homem voltou ao seu assento e apertou uma tecla que mexeu o movimento da proteção de tela do monitor. Como Pedro era especialista em computação, percebeu logo que o dito doutor irdologista não sabia fazer nada mais do que apertar uma única tecla que alterava o movimento do protetor de tela. O doutor que entendia tudo a partir da íris, voltou a olhar os olhos, foi ao computador e apertou a tecla para alterar a imagem do protetor de tela e voltou mais uma vez para uma presumida última verificação dos segredos da íris e aí, num tom de quem sabe das coisas, declarou: a íris dos seus olhos revela que você está com três problemas de saúde. Está com alergia, com problemas cardíacos e com problemas renais. Mas, senhor, pode ficar tranqüilo, pois, tenho uma receita garantida com remédios específicos para curar as três doenças. Passe na Farmácia, aqui do lado, e peça estes três remédios que eu lhe anoto aqui na receita. Lá se foi Pedro para a compra do milagre. Levou um susto ao pagar os pequenos frascos contendo remédio homeopático, mas, pensou: sé é para a saúde, vamos lá que de repente pode dar certo. Bom, certo só mesmo deu para o pastor irdologista que amealhou uma grana a mais, mas, a causticante alergia não se intimidou com os poderosos remédios do doutor irdologista. Como a reação dos aludidos remédios não causou nenhuma reação perceptível na saúde de Pedro, este resolveu voltar ao consultório e recebeu a receita para repetir o tratamento com acréscimo de mais dois outros vidrinhos a serem adquiridos. A conta a ser paga disparou substancialmente em relação à primeira consulta. Chateado com os trocados a menos no bolso, Pedro teve que amargar mais uma tentativa frustrada e teve que engolir mais um calote diante dos muitos que já levou ao ir a médicos e doutores de medicina alternativa. Ficou ainda mais chateado ao constatar que a entusiástica e exagerada propaganda do amigo padre católico o levou a um pastor que provavelmente se proclamou de doutor sem as mediações do curso de medicina ou de doutoramento, e que, na verdade, parecia não saber fazer absolutamente nada mais do que devolver aos clientes uma confirmação das doenças que eles mesmos informavam à sua secretária. A fama do médico irdologisata, que segundo o pároco atrapalhava a vida dos demais médicos, pois estaria deixando-os com muito pouco serviço nos consultórios, foi para Pedro, mais um caso de queda diante da charlatanice, e, no pensar de Pedro, o afamado especialista em irdologia possivelmente não deve ter lido mais do que um livrinho popular a respeito do que a íris do olho humano poderia deixar transluzir a respeito das patologias manifestas nas diferentes partes do corpo. Pedro, depois de alguns dias, decidiu tomar o “buzão” e foi a Belo Horizonte, onde o clima se encarregou de amenizar os sintomas da alergia e ele pode, finalmente, recuperar a satisfação de se sentir sem as manifestações alérgicas que tanto tinham afetado seu humor e sua auto-estima.

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