quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Livrinho das sete visões noturnas


Prólogo

            O perfil visionário deste opúsculo decorre, em primeiro lugar, de uma constatação objetiva, mas, também de uma suspeita de que seu escrevedor tenha sido ejetado do útero da sua mãe, de pum-pum escancarado para a lua.
 O reflexo da luz prateada sobre os glúteos deve ter se adentrado no primeiro sentimento afetivo básico e deve ter levado seu psiquismo a processar algumas interpretações um tanto destoantes dos consagrados referenciais de poder e de oficialidade na hierarquização de alguns espaços eclesiásticos católicos.  
Os argentos raios não se constituíram, evidentemente, em nenhum privilégio das forças divinas, mas, a tênue luz refletida pela Lua poderia eventualmente ter influenciado o modo de interpretar fatos cotidianos.
 Sem a marca indelével dos perspicazes raios solares das verdades oficiais, poderiam os efeitos lunáticos possivelmente despertar o desejo de encontrar formas mais dignas e respeitosas nos serviços de animação de comunidades.
            Ainda que os eventuais lumes argentinos não tenham um estrondoso poder de impacto como os penetrantes raios solares, permitem, contudo, que no lusco-fusco da aurora, se despertem fagulhas de clarividência e de avivamento de desejos para além da espessa opacidade de algumas lidas, nem sempre tão translúcidas quanto deveriam ser. Ou seriam tais expectativas meras ilações de uma mente afetada pelos estridentes gritos do namoro dos gatos que, nas noites de lua cheia estariam destrambelhando o sentimento afetivo básico de um visionário?
Noites enluaradas propiciam, em todo caso, ambientes propícios para ponderar sobre modos aparentemente divinizados no meio da fragilidade e da contingência humana.
            Numa destas noites de lua cheia, aflorou, neste pobre escrevedor, uma espécie de consciente alucinação através do seqüenciamento de sete visões de quadros. Certamente passou distante das experiências numinosas do sagrado que envolve encantamento e pavor. O vislumbre de imagens, todavia, como a vaga plasticidade dos raios refletidos pela lua, constituiu-se num encadeamento de sentimentos eutrapélicos em torno da conduta de algumas figuras eminentes de uma Igreja diocesana.
Na miscelânea das imagens tornaram-se proeminentes algumas coincidências de fatos reais e desagradáveis. No entanto, o que cabe ressaltar, por primeiro, é a percepção de que não se trata de caso generalizado e que o serviço humilde, discreto e dedicado de tantos outros encanta e é merecedor de quadros visionários totalmente distintos e mais edificantes do que estes aqui apresentados.
            Apareceu logo na abertura do ato visionário uma inquietação: a figura de um anjo. Seria tal figura um recuo da memória à longa ancestralidade da cultura persa, que admitia a existência de seres intermediários entre Deus e os humanos, dotados de grandes asas para voar?
Poderia também o vislumbre estar relacionado à longa tradição católica, sustentadora da existência do anjo da guarda e que, na imagem de Rafael, também das tradições persas, teria livrado Tobias de uma série de ameaças e de riscos? Seja lá como o imaginário coletivo projeta um anjo, bem que poderia suavizar algumas situações pouco edificantes!

             A atenção, naturalmente pendente para a distração, prendeu-se mais nas asas do que na fala do anjo.
            Eram asas de uma enorme envergadura e, um tanto mescladas com enormes braços. Com certeza, dariam inveja aos melhores nadadores do mundo e à multidão dos homens halterofilistas que fazem de tudo para chamar atenção das mulheres com seus musculosos e tatuados braços. Estas asas evidentemente causariam inveja até em urubus e gaviões.
            Constatada a distração, o pobre visionário redirecionou a atenção ao foco da conversa do anjo. De forma serena e tranqüila o ser das grandes asas anunciou que iria mostrar sete imagens reveladoras de traços de conduta ambígua sob o aparato das vestes pretas.
            Percebeu, então, o pobre vivente, que o anjo apresentava quadros sobrepostos e que, por isto mesmo, não permitiam evidenciar suficiente nitidez do visual para saber de quem se tratava. Porém, antes mesmo de ater-se com mais atenção aos inusitados quadros, ficou o visionário espantado com o próprio ato alucinatório. Afinal, poderia um ignóbil e pobre mortal ser beneficiado por uma eventual experiência não doentia capaz de visualizar algo das esferas tão escondidas? Ou estaria apenas floreando seu estado mórbido?
 Imediatamente ele reagiu para afirmar a si mesmo que, este vislumbre, era real e objetivo.  Assim, resolveu desarmar-me de todas as resistências e decidiu acolher a visualização do que o anjo iria apresentar. Afinal, poderia constituir um lampejo de bela interpelação da parte de Deus.


I

OS ANTOLHOS DE DOM PISTACHE

           Como as sementes do Pistache, ricas em inúmeros e raros ingredientes para a boa saúde, porquanto contêm serotonina que aumenta o humor e a sensação do bem-estar; porquanto exercem ação antioxidante nos vasos sanguíneos; porquanto fornecem cálcio para fortalecer os ossos, niacina para aliviar dores, fósforo que dar pique ao organismo, magnésio para diminuir a irritabilidade e a pressão arterial, enfim, todas estas ricas propriedades constituem a essência das melhores referências para que os procedimentos do bispo Dom Pistache fossem exuberantes. Mas, como toda esta riqueza das sementes de pistache é ofuscada pelo excesso de sal que lhes é agregado para o consumo, o visionário viu a grandeza das dádivas de Dom Pistache obliterada pelos seus antolhos, pois seu visual está fixo e travado para a linearidade do poder. Comporta-se como um príncipe e, com certeza está com os interesses voltados para cargos mais elevados ou pelo menos de maior precedência.
 Os antolhos da formação devem ter impedido Dom Pistache de enxergar para os lados. Se tivesse estudado com índios certamente teria alargado seu campo visual e se valeria da capacidade genuína desta gente, que, segundo se diz enxerga até pela nuca de tão acurado que é seu olhar para captar tudo o que se passa ao seu derredor.
Dom Pistache, visualizado na primeira imagem, apareceu postado no meio do estádio de futebol. No centro do gramado, como os altares erigidos para o sacrifício de touros, semelhante aos do tempo do povo hebreu, viu o pobre vivente uma elevação de incenso e, no meio daquela fumaceira de cheiro nada agradável, começou a enxergar figuras aparentemente asfixiadas pela toxidade do incenso a suplicar intercessão dos altos céus. Curiosamente eram as de pessoas conhecidas e que foram altamente dinâmicas e humanitárias sob as interpelações da Teologia da Libertação. Em redor do altar um séquito de sacerdotes novos, aparentemente iluminados com a lenta, monótona e moralizante canção que exaltava a fala com Deus, mesmo que surgissem noites escuras e traiçoeiras, ainda que todos os outros estivessem chorando, eles deveriam sorrir, pois ele, Deus, queria vê-los sorrindo e iria “ajudar a cada um”.
Já não se tratava do “Te Deum”, cantado na Idade Média, depois que a bruxa executada era arrastada pelas ruas a fim de levar consigo todas as maldades deixadas naquela cidade a fim de permitir um novo recomeço de vida serena e tranqüila. Invocavam-se os especiais poderes do Espírito Santo.
Dom Pistache estava fazendo uma altiva pose para um fotógrafo, no meio daquele sacrifício de vítimas expiatórias. Seu traje era impecável com terno bem costurado e camisa Klerygmann, tudo de linha “A”. Conhecido pela fluência na fala e, como as sementes dos pistaches, ele foi dotado de valiosos componentes para ser um bom animador da vida de fé das comunidades do âmbito da diocese que está sob sua jurisdição. Todavia, o sal do poder, estava anulando completamente suas virtualidades e ele não passava de um homem vulgar que mandava e desmandava.
Impressionante como os antolhos da formação religiosa fizeram Dom Pistache olhar na linearidade de Roma, de viagens, de palestras, de reuniões, não para animar a vida do povo, mas para subir mais degraus em escalões onde pudesse ser lisonjeiro e lisonjeado com autoridades civis e militares. Pena que nada desta atenção se direcionava para os padres e o povo da diocese, que esperavam, ardentemente, algum lume que os orientasse na fé a fim de produzir alguns parcos sinais do reino de Deus.
O reino que move Dom Pistache parece ser diametralmente oposto ao daquele proposto por Jesus Cristo. Sente-se dono da diocese. Move-se como autoridade importante, não pelo serviço e desvelo, mas para condenar, para alertar sobre o que evitar, e, para assegurar que se execute conforme manda. Vive emitindo decretos. Na verdade, seu efeito supera o do sal nas sementes de pistache e, o sódio da sua obstinação pelo poder, estraga o gosto das boas relações humanas.
Dom Pistache costuma repetir a toda hora que é preciso ter firmeza e ternura, mas não se conseguem visualizar sequer ínfimos sinais de ternura no seu trato com os súditos e na atenção às pessoas mais simples e necessitadas e, muito menos nas orientações sobre os serviços de animação das comunidades. Fala sempre “Ex Cathedra” como teólogo que sabe tudo. Por isso mesmo, comete gafes e asneiras nos procedimentos, sobretudo, no campo administrativo e se mostra literalmente insensível para ouvir e animar as difíceis lidas de padres e de outros agentes evangelizadores. Aplica logo solução categórica e encerra o assunto. Se, todavia, o motivo do assunto envolve alguma autoridade significativa, então sim, espera para além da hora, cancela compromissos, porque, afinal, ele é um homem poderoso e muito ocupado.
Dom Pistache não está sozinho na condução deste privilegiado paradeiro do poder. Está ao seu lado o secretário particular, ainda mais obstinado no carreirismo que se instaurou no interior de algumas Igrejas. Sua arrogância o leva a ser explícito na afirmação de que pretende ser bispo. Os antolhos que ladeiam seus olhos o fazem ainda mais cego e obcecado para bajular governador, encostar-se com autoridades de qualquer tipo que forem desde que estejam acima dele. É estupidamente convencido, moralista e um verdadeiro robô de afirmações categóricas.
Por longos séculos os seres humanos utilizaram antolhos para fazer seus cavalos se tornarem menos sensíveis a fatores de susto e de medo em relação a tudo quanto se passasse no lado das estradas. Por isso, estas ditas proteções laterais, presas aos buçais dos cavalos, eram utilizadas para levá-los a visualizar somente o que estava pela frente do caminho, a fim de melhor e mais seguramente conduzir a carga ou quem estivesse sentado no seu dorso. Muitas pessoas também colocaram antolhos psíquicos para tornar outras pessoas sob seu controle mais submissas, dóceis e produtivas. Nossa ancestralidade brasileira sofreu muito com a resignação e o fatalismo, resultantes deste processo que foi sutilmente explorado por uma pequena elite governante e que, no que é ainda mais crasso, se fazia passar de paternalista. Mesmo concedendo menos do que o necessário, explorava, espoliava e, ainda assim, os subjugados continuavam a lhes manifestar devotamento e reverência.
A sintomatologia da conduta de Dom Pistache torna-se preocupante com o fascínio dos poucos candidatos que ainda se encantam pela vida sacerdotal e religiosa, mas, parece que muitos a escolhem pelo status de ascensão social com vistas a exercer poderes mais elevados. Se esta busca é movida por meros desejos de poder, o que ainda vai sobrar da tradição e da memória do que gerou o catolicismo? Parece tão pequeno e frágil o pequeno resto de católicos que ainda sonha com a possibilidade de construir-se, entre os humanos, um reino de Deus para que todas as pessoas possam conviver melhor entre si e viver de forma mais fraterna e cordial.

II
RAIO “X” DO BISPO

            O segundo quadro mostrado pelo anjo apresentava uma chapa de raio “X” de Dom Pistache. Disse que era para atestar que ele era idôneo e, apesar dos deslizes de posturas autoritárias e de andar com o nariz excessivamente erguido, - vício adquirido pela sua carreira, - era pessoa de aparente normalidade no que diz respeito à integridade profissional e religiosa.
O anjo enfatizou que a imagem não pretendia tanto apresentar a sua estrutura óssea, por mais íntegra que estivesse para a condição dos poderes que exercia, mas, para salientar uma espécie de pólipos estranhos ao seu corpo.
            Começou o pobre vivente a descer o foco do olhar da protuberância do crânio, passando pelo tórax, e tudo parecia normal. No entanto, na medida em que o olhar desceu mais e mais, e, à altura de um palmo abaixo do umbigo, visualizou, com muita surpresa, duas mãos conhecidas. Seriam estes os pólipos? Pela influência mineira, logo interpelou:
- Uai! Como pode isso acontecer? E o mais impressionante: eram mãos perfeitamente identificáveis e, por surpresa, não eram as do bispo. Como poderia aparecer, logo ali, estampada a mão do padre Filisberto, o metido a moralista, puritano, convencido e prepotente até por cima dos cabelos, e que sempre apresentava o dedo indicador em riste, - anelado por mil escrúpulos, - para censurar os erros das pessoas e agora, esta mão cheia de dedos num lugar tão inadequado e num aparente afago no invólucro dos fragmentos escrotais?
 Sabia que ele era carreirista, que era ambicioso por poder, doidamente afoito para ser bispo e que se manifestava futrica, xereta e metido a galo cantador do terreiro, mas, de espora quebrada. Estaria mesmo tentando agarrar-se nos âmagos escrotais do bispo para melhor empreender seu obsessivo escalão ascendente?
            A outra mão, também surpreendeu, mas bem menos, pois era a do padre Ocalino, este que, ao saudar as pessoas, as surpreendia, na hora do aperto de mãos, com o estalo do dedo polegar friccionado com o indicador.
Possivelmente no período de estudo gastou boa parte do tempo para treinar esta gracinha. Com o cacoete certamente presumia impressionar as pessoas ao produzir um estampido com os dedos. Simultaneamente, engrossava as veias do pescoço para apresentar um vozeirão de radialista de rodeio. Tinha que chamar atenção através destas exterioridades, pois, do oco do seu interior não poderia sair qualquer coisa valiosa ou de alguma de experiência religiosa edificante.
 Tratava-se de um padre superficial e seu olhar vago e dispersivo, que emergia da escuridão das olheiras, mostrava suficientemente que não era nem honesto, nem decente e nem competente para o ministério que exercia.
            Jesus amado, porque este anjo estaria apresentando a visualização das mãos de dois “puxa-sacos”? Deve ter sido maldade de algum outro anjo que fez esta montagem lá nas alturas intermediárias entre o céu e a terra! Teria por ventura, sido brincadeira de gosto duvidoso com a pretensão de deslocar o real para uma realidade fantasmagórica?
            Que nada, respondeu o anjo: o bispo, apesar de cioso pela boa precedência, ainda não percebeu que está sendo assediado por interesseiros e precisa livrar-se do assédio de quem o bajula e não acrescenta qualidade ao serviço de evangelização. Teria o bispo a prudente e necessária agudeza de espírito e a suficiente perspicácia para não se deixar influenciar por estes interesseiros?
Parece pouco edificante que uma Excelência permita que aquele espaço vital seja invadido por parasitas altamente prejudiciais à exuberância de sua tarefa. Por outro lado, porque estes sujeitos se metem neste tipo de humilhante dependência?
Eles certamente se acostumaram à escala de poder exercido no ambiente do Seminário, e por isso o reproduzem literalmente. Como se modelaram ao tipo de subjetividade específica do Seminário, eles prosseguem na perspectiva da segregação e da estratificação. Tal como no Seminário, onde tudo era rigorosamente hierarquizado e tudo passava pelo crivo do controle destas instâncias, assimilaram este modo de proceder e o transformaram em referencial de estratégias para se manter numa escala ascendente de precedência e de poder. Assim como foram vigiados e recompensados por mostrar sinais positivos de adequação ao itinerário formativo, continuam vigiando e punindo quem não se submete aos seus ditames.
Por outro lado, o desejo de alcance das instâncias privilegiadas do sacerdócio, também os tornou reféns da bajulação, pois, quanto mais dessem sinais exteriores de submissão às diretrizes estabelecidas, sobretudo no servilismo aos formadores, tanto mais se reforçava a chance de alguns privilégios de poder e de encaminhamentos de estudo em vista de chances futuras. Decorre certamente deste marco formativo este traço obcecado pelo poder e, simultaneamente, bajulador para alcançá-lo.

III
A BANHEIRA DO BISPO

            Terminada a mostra do segundo quadro, como num recurso de “Power Point”, viu o pobre vivente que foi se completando a iluminação do terceiro quadro. Envolveu novamente a pessoa do bispo, mas surpreendeu por outro aspecto inusitado. Estava ele deitado na banheira, refazendo-se das fainas.
 Dum limiar vago entre claro e escuro, foi possível perceber que não era um quadro estático, pois, o ondular borbulhante da água não estava sendo efeito dos motores, mas, da movimentação de braços de outros três padres que começaram a emergir do meio da banheira, como pessoas desesperadas em estado de semi-afogamento.
- Que horror é esse, santo anjo?!
- Isto aqui, - respondeu ele - são outros sangue-sugas que já se incrustaram na parte sensível do bispo. Trata-se do padre Bento, do padre Rusberto e do padre Clemente.
 Os três são de uma incompetência espantosa. Realmente morreriam de fome se não tivessem sido auferidos com o poder de serem padres. Assim, exploram a função sagrada e, para não serem cobrados pelo bispo, tentam bajulá-lo de toda forma possível.
 São desleais, falsos e se escondem atrás das vestes litúrgicas para aparentar poder. Assim, às escondidas, já estavam lá nos fragmentos seminais do bispo. Ao sentir que a água da banheira não lhes fornecia o necessário oxigênio e, como não são batráquios, bateram os braços a fim de sair do desconforto.
São, na verdade, uma desgraça para a diocese, porque de Jesus Cristo, de testemunho e de seu projeto, nada se encontrará nestes indivíduos. Sem eles, a vida das comunidades, - nas quais mandam e desmandam, - seria muito melhor para o cultivo da fé. Estes viventes constituem o fruto azedo do olhar piramidal desenvolvido no Seminário. Sabem que lá, tudo quanto acontecia nos bastidores ou nas sutilezas dos pequenos deslizes, acabava sendo informado ao topo da pirâmide. Esta falsidade de “incriminar outros” com o intuito de se auto-afirmarem como bons deixa-os nesta lamentável busca de aparências. Criados nesta desconfiança tácita vivem dela, para serem bem vistos pelos superiores. Aprenderam a bajular quem está acima e a ignorar quem presumidamente está abaixo deles.


IV
PADRE DE CRÂNIO ABERTO

            Rapidamente, como num aperto de controle remoto, o anjo fez aparecer uma imagem do padre Saulo. Embora, como sempre, vestido rigorosamente dentro dos parâmetros integristas e reacionários na Igreja, caracteriza-se por pouca coisa que não seja preta. O seu preto é o preto da nobreza superior do imagético religioso. O sapato é preto; as meias são pretas; a calça é preta; tudo indica que a cueca também seja preta; a camisa é preta; o cabelo é preto. Só não é preto o colarinho da camisa e o rosto carrancudo, de cor mais clara e rosada, devido ao seu obstinado perfeccionismo de querer fazer tudo dentre da mais elevada instância pietista.
            O padre Saulo até poderia ter sido formado para ser um bom padre, mas foi depravado em sua formação seminarística. Em decorrência deste processo, revela, em tudo o que faz uma visão altamente essencialista, categórica, autoritária e fundamentalista.
Se ele não tivesse sido formado no Seminário diocesano de Brasília, poderia até ser um sujeito concreto, mortal como os demais seres, comprometido com as difíceis buscas que possam fazer da fé uma força de salvação. Ele, no entanto, foi programado não só para constituir-se um padre imagético, mas vive da fantasia idealizada do seu patamar altamente superior ao comum dos mortais porque é sacerdote. Obcecado por esta instância privilegiada, vive carrancudo, porque vê contravenção em tudo, vê pecado até onde não existe e se sente atacado, a todo instante, pelos grosseiros erros que os outros padres cometem contra a doutrina e a ortodoxia da Santa Madre Igreja.
            Antes mesmo que o anjo falasse qualquer coisa, o pobre vivente visionário se adiantou: Bem, este figurino impecável é tão mesquinho e dá de dez a zero na exagerada história de Jonas, contada na Bíblia. Se o peixe enorme não digeriu Jonas, devido à sua mesquinhez, em três dias no seu estômago e o vomitou para fora do mar, o padre Saulo, pode deixá-lo no bucho de qualquer tubarão faminto que depois de sete dias, o sujeito ainda continua tão vivo como antes, e o tubarão vai ter que vomitá-lo para bem longe do mar e procurar outra refeição mais digestiva no meio das águas salgadas.
            O anjo retrucou: pois bem, vou mostrar o que ele apresenta no lugar da massa encefálica e, numa clicada de fração de segundos, estava vendo as paredes laterais ocas e cheias de reentrâncias da ossada craniana e, através da abertura vertical de visualização, viu o pobre vivente despencar do meio das partes separadas, com barulho parecido ao da queda de um objeto de aço, uma mitra episcopal.
            Sem dar tempo para intervir, o anjo falou: esta é outra desgraça para o grande e belo projeto salvador de Jesus Cristo. Estes carreiristas obcecados causam prejuízos inestimáveis à ação evangelizadora da Igreja. Qualquer pequena vacilada do Espírito Santo e eis que este tipo de padre vira bispo ou, pelo menos, conseguirá estudar em Roma e ocupar um cargo de influência na Igreja. Não acha que seu bispo deveria optar por outro itinerário de formação dos futuros padres? A Igreja precisa de pessoas de boa reputação e que tenham ascensão social pelo serviço, pelo testemunho cristão, e não pela mágica ascensão do poder sacerdotal.
            O pobre alucinado ousou, então, falar mais um detalhe ao anjo: Você sabe onde está o celibato do padre Saulo? Está no colarinho branco do pescoço! Esta estátua de cera, tão cheia de moral, de conselho pronto para tudo quanto é problema, esconde seus problemas atrás do colarinho branco e da roupa preta. Já senti o choro, a revolta e a indignação de mulheres que foram ao encontro do padre Saulo a fim de receber uma orientação religiosa e acabaram sendo sexualmente abusadas. E ele, com aquela cara disfarçada de solução para tudo, não modificou em nada a sua postura de nariz empertigado e sequer foi capaz de manifestar arrependimento ou expressar um pedido de desculpas pela agressão, que, mais do que sexual, afetou e feriu profundamente a honra e a auto-estima destas mulheres.

V
O PADRE LUSTOSO

            Abruptamente a imagem do padre Saulo sumiu e outra apareceu em seu lugar. Estava ali uma figura do padre Lustoso. Gordo, flácido, barrigudo, com os pômulos faciais protuberantes e avermelhados, constituía a imagem perfeita do padre bonachão.
 Bom de garfo, padre Lustoso nunca se mostrou nada recatado para encomendar fartos jantares e refeições. Seu modo de conversar é suave e desliza como o mel, pois não passa da superficialidade das conversas ordinárias sobre o tempo, o futebol e, com alguns eventuais elogios bajuladores.
Embora padre Lostoso seja visto na comunidade como um papai bondoso, não esconde, ao olhar atento, uma expressão devassa. Trata-se de um obcecado caçador de mulheres para a cama. Mais do que papai bondoso é um padre amoroso em sentido bem restrito e, por isto mesmo, não pode ser convincente no testemunho cristão e nem persuasivo em seus sermões. Não produz mais do que fricotes e devaneios sobre aspectos religiosos que não fedem e não cheiram.
            O pobre vivente falou, então, ao anjo: porque você mostra um sujeito tão lascivo, vulgar e considerado até nojento por pessoas que melhor conhecem sua vida?
            O anjo respondeu: uma coisa é queda de comportamento em alguma circunstância ou num ato isolado e, bem outra, é o desvio de conduta. Este tipo de padre não deveria ter chegado ao ministério que ocupa. Ali ele se sente confortável, tem o que precisa e curte o que gosta. Na verdade, é um covarde. Um cachorro vira-lata faria bem maior à Igreja. Este padre resultou de um tempo de formação em que não se olhava para a individualidade, o cultivo da personalidade, mas, para a idealização de um projeto triunfalista de salvação e que estava pressupondo que os sermões de padres mudariam a vida dos seres no planeta Terra e todos passariam a constituir um rebanho em torno de um só pastor.
            Este padre Lustoso, mais rasteiro que um verme, é um pobre mendigo de afeto e que procura nos braços de empregadas domésticas o desejo de afago que move sua vida. O bispo precisa depurar este tipo de concepção sacerdotal que, além de escandalosa, é escandalizadora.
            Provável vítima da continuada insistência sobre o valor do celibato tornou-se refém do efeito inverso, e agudamente sensibilizado para o significado do que deveria deixar de lado. Deve ter conseguido disfarçar os sentimentos reais, para aparentar na ilibada conduta, um falso aprimoramento vocacional capaz de assegurar-lhe a condição de tornar-se padre.
Uma vez alcançado a instância do poder sacerdotal, estava seguro para continuar disfarçando a condição celibatária, mas, livre para dissimular as exigências eclesiásticas e burlar o poder estabelecido.


VI
PADRE AFRÂNIO

            Quando o pobre alucinado ainda nem tinha equilibrado as emoções com a perturbadora imagem do padre Lustoso, o anjo o interpelou com uma figura de um padre ainda mais asqueroso pelo que praticou com meninos.
            O visionário nem deu tempo para o anjo e já soltando o verbo para lhe falar do quanto este sujeito era perverso.
- Oi! Anjo, bem que você poderia ter mostrado alguém que causasse menos desconforto. Conheço este sujeito desde quando foi para o Seminário com o declarado desejo de ser padre, mas logo se revelou um sujeito de conduta afetiva estranha. Era ótimo para encenar e sempre fazia papel de mulher e de formas bem exageradas.
O padre Afrânio, mesmo que tenha sido aconselhado a não seguir o itinerário de formação para ser padre, acabou prosseguindo estudos no Seminário. No momento de ser admitido à vida religiosa, diante de novos alertas feitos aos superiores sobre uma série de comportamentos inadequados, não foram suficientes para evitar que ele acabasse professando os votos de vida religiosa e sem demora fosse ordenado presbítero.
             Afrânio é musculoso, bonitão, cheio de fricotes nos braços e com uma coleção de fitas, barbantes, bricolagens e figas para todo lado. Seu cabelo loiro-escuro, liso e longo, e amarrado na nuca, forma uma franja que parece um rabo de cavalo. É o bonitão das meninas adolescentes e vive rodeado ou de meninos ou de meninas.
 Antes mesmo de ser ordenado padre, algumas pessoas voltaram a alertar os superiores a respeito de que não era pessoa indicada para o ministério sacerdotal, pois estava envolvido em relações homossexuais de alto risco e, por questões de ciúme, envolvendo inclusive ameaças de morte por parte de outro colega seu que se sentiu preterido no amor exclusivo.
 Sabe o que fizeram seus superiores? Consideraram-no apto e digno para o ministério e que as observações não passavam de fantasias da uma mente perturbada. Indignado, resolveu o pobre visionário não mais falar do assunto. Passados alguns anos, em outro Estado o bom padre Afrânio estava sendo rondado por agentes do Ministério Público para prendê-lo em flagrante na prática de atos de pedofilia.
             Pois bem, falou o visionário ao anjo: Não sei onde foi parar este pedófilo inveterado e já não me lembrava mais dele. Por que você, que é anjo de Deus, aviva, depois de tantas imagens deprimentes, mais este caso perverso?
            O anjo respondeu com a mesma ponderação serena das outras visões anteriores: Está mais do que na hora da formação sacerdotal da Diocese evitar os lamentáveis escândalos ocorridos recentemente, assim como em tantos países estão abalando e denegrindo a imagem da Igreja. Bom seria se o bispo, quando vier a fazer sua visita “Ad Limina” a Roma, levasse alguma proposta que ajude o Vaticano a repensar seu clássico modo de formação sacerdotal!

           
VII
PADRE TONHÃO E PADRE VIRGOLINO

            Repentinamente o anjo surpreendeu com outro mostruário emoldurado. Já não era mais uma foto de um indivíduo, mas apareceram simultaneamente dois padres, um no lado do outro, os dois com feição jovem e vestidos a rigor da nova moda sacerdotal do “Klerchyman”.
            Logo o visionário interpelou o anjo: Esta é dupla da recente fornada de padrezinhos novos que, há pouco, saíram da formatação do Seminário de Brasília! Eles são extraordinariamente rubricistas e, escrupulosamente detalhistas na execução de ritos e orações. Se eles se movem por fé, não creio não!
            O anjo cortou a conversa e disse: este tipo de formação não implica tanto numa vida escandalosa, mas, altamente inadequada para nossos tempos, uma vez que eles se norteiam pelo poder e pelo status da função clerical. Geralmente viram reféns não só do consumismo de objetos eletrônicos, mas, também do imagético dos padres que se apresentam em programas televisivos, quase todos paroladores vulgares, pois se enfeitam e inventam mil bricolagens e mil fricotes para chamar atenção sobre si. Por outro lado, vejo-os omissos no importante projeto salvador de Cristo.
         O anjo prosseguiu: De poucos anos para cá, emergiram na sua Diocese, estas tendências e que lutam por auto-afirmação e conquista de espaço. Na verdade, refletem o quadro mais amplo da vida católica brasileira. São duas tendências que poderiam ser chamadas de “paroquiadores” e de “paroladores imagéticos”.
Olhe bem para o que faz o padre Tonhão: é um pároco metido a imperador do espaço paroquial. Já o padre Virgolino, é passivo, escrupuloso, detalhista das rubricas eclesiásticas, mas é de uma extraordinária ingenuidade.
 Mesmo que algumas beatas chamem padre Virgolino de santo padre, eu teria mais vontade de vomitar em cima dele. Ainda que se encontre num patamar angelical das promoções carismáticas, é um pobre debulhador de conversa fiada. Mesmo assim, consegue assegurar-se num nível de saliência através do seu visual e da capacidade de persuasão emocional, de acordo com os ditames da renovação carismática católica. Estes ditames dão suporte e sustentação a este tipo de padres, para a desgraça da Igreja.
            O visionário intrometeu-se na conversa do anjo: Viu o que aconteceu nas últimas grandes celebrações da Diocese?  Não achou uma rica ilustração Virgolinista?! Pior do que isso, esse enlevado sacerdote, que quase nem respira o ar das coisas terrenas deste planeta, inferniza qualquer trabalho de formação teológico-bíblica. Aliado a alguns Tonhões da vida, faz uma gradual e progressiva desqualificação dos cursos de Teologia que preparam lideranças leigas. A oposição vem acompanhada de um sistemático combate aos programas de formação de lideranças. Ele quer ser muito piedoso, mas é altamente avesso a estudos teológicos. Entende que Teologia abala sua fé porque ela padece dos erros da crítica e da racionalidade. Ele tem medo da Teologia porque a vê como capaz de lhe causar vazio interior e aridez na fé. Por outro lado, ele é uma pessoa altamente centralizadora, burocrática e alheia ao quadro cultural. É um rígido controlador de piedades populares. Anjo, você lembra quantos vexames, quantas acusações este sujeito proferiu contra os supostos hereges, porque estariam induzindo as pessoas contra o Papa. Por outro lado, quanto ele demoniza qualquer avaliação crítica e a associa à condenável Teologia da Libertação? Cursos de formação de Lideranças seriam meros cursinhos sem valor e sem capacitação evangelizadora, movido apenas por ponderações sociológicas e comunistas!
            Numa serena expressão facial, o anjo prosseguiu: ao quadro dos “paroquiadores” alia-se o dos paroladores de conversinha fiada, porque os dois tipos enaltecem o poder do padre. Muitos deles agem como legítimos donos da paróquia. Caso admitam a existência de conselho paroquial, é somente para o êxito das festas.
            Ocorre que seu processo formativo os preparou para isto mesmo, pois, os seminaristas estão sendo formados para o exercício do papel de literais imperadores da área geográfica paroquial que vão assumir. Eles atingem este grau de poder não por méritos de trabalho, de cultivo da fé, de serviço, de testemunho, de política, ou de missionariedade, mas, pelo poder que lhes é auferido através da ordenação presbiteral. Daí a grande afirmação do poder do padre na hora da ordenação.
             Nas ordenações sacerdotais faz-se uma escancarada afirmação do poder religioso com ritos (na maior parte meramente rubricistas, e, muitos deles, vazios de sentido), mas que exaltam ao auge das emoções, durante três a quatro horas de celebração e - com verdadeiro desfile de novidades da moda religiosa, - o poder infinito daquele padre, que, por sua vez, de olhar soberbo e empertigado estende a mão para que seja beijada.
             Indiretamente se diz aos leigos que o sacramento da ordem é incomparavelmente superior aos demais sacramentos. É uma ascensão mágica que transforma rapidamente um pobre jovem do interior em sujeito aburguesado e com poderes que fazem sua cabeça ser o referencial do que é bom, do que é certo e do que é justo. Ele se torna a instância suprema de Deus e da religião católica na sua área paroquial. Sua palavra e seus desejos constituem a referência do que pode e do que não pode ser feito naquele âmbito territorial.  Já não prevalece a interpelação das palavras de Cristo e, em conseqüência, fica a evidente conotação da imagem dos imperadores.
            Quanto à tendência dos “paroladores imagéticos”, constata-se que os programas televisivos influenciam intensamente as celebrações religiosas, levando-as praticamente a uma imitação do que é visualizado na TV. Este imaginário aponta como caminho de prosperidade a meticulosidade dos mínimos detalhes de um ritualismo vazio, altamente rubricista, e que os coloca num patamar mágico de quem não é das coisas comuns deste mundo. Há décadas ouvem-se as mesmas tristes, lentas e sonolentas lamúrias em torno de Espírito Santo e, Jesus Cristo, - que deveria ser o centro da Eucaristia, - simplesmente fica relegado a um segundo plano dos rituais.
            Este tipo de padres, se não convencem nem pela razão e nem pelo conhecimento ou pela fé vivenciada, conseguem granjear, todavia, influência através da forma categórica de infantilizar os fiéis através do enquadramento da assembléia e do mapeamento do cotidiano de seus membros, oferecendo-lhes, detalhadamente, orientação sobre tudo o que podem e o que não podem fazer durante as vinte e quatro horas do dia. Segundo a velha concepção essencialista, afirmam categoricamente o que é e o que não é.
             O pior é que grandes parte dos católicos ainda acha bom regredir ao estágio infantil e deixar-se tutelar por estes presumidos homens inspirados. Nossos dias já não comportam mais estas simplificações categóricas.
            Apesar deste lado moralizante, os ditos paroladores também conseguem adesão porque no vazio de referências seguras, eles conduzem estas pessoas no cabresto da submissão através de comandos diretivos, tais como soletrar frases e versos para serem repetidos, e conduzindo as assembléias com ordens, normalmente faladas em terceira pessoa, tais como: “faça isto, faça aquilo”, “diga isto para Jesus”, coloque a “mão no coração”, etc. No fundo, trata-se de uma exploração emocional que torna as pessoas dependentes às suas orientações. Não propõem que sejam livres para se tornarem discípulos na construção do projeto de Cristo, porque eles se colocam no centro das atenções. Está ali o cerne do aspecto polêmico deste rubricismo.
             Assim como os padres na Televisão precisam chamar a atenção dos telespectadores sobre si e mantê-los ligados ao programa, nas missas, tende-se a reproduzir o mesmo esquema. Quando são simpáticos, atraentes e agraciados com dotes artísticos, conseguem até granjear admiração e aumentar a audiência. Como, então, trabalhar para um árduo processo de construção do que chamamos Reino de Deus? O limite dos padres imagéticos certamente reside na necessidade de prender telespectadores através da imagem para assegurar a audiência.
             A imagem não consegue mostrar um horizonte de esperanças e de fé. Então, o que sobra ao parolador imagético? Através das bricolagens, das vestes atraentes, enfim, da sua imagética, prende atenção de pessoas. Como ídolo, e com o sucesso despertado pelo seu visual, não centraliza a fé, mas a sua imagem: aparência, roupas (batina, roupas com muito brilho e exibição dos últimos lançamentos das novidades eletrônicas) e da sua forma de bajular os expectadores e ouvintes. Os programas religiosos católicos de alguns canais televisivos escancaram, à saciedade, este perfil de padres escrupulosamente detalhistas na venda do sagrado.
            O pobre visionário indagou então ao anjo a respeito do resultado da mistura “Tonhão- Virgolino”. Quanto ao resultado, falou ele, como acontece com todo movimento social, não há previsibilidade segura e certa. Vai depender de diversos fatores:
 - da forma como os padres não alinhados com esta perspectiva resolvem reagir.
- do modo como os oscilantes avaliam seu oportunismo em favor de vantagens ou desvantagens em relação ao quadro anterior.
- da capacidade de integrar as críticas e de adequar os princípios estabelecidos;
- vai depender das orientações mais gerais que o bispo venha a estabelecer;
- vai depender da continuidade do obsoleto modo de formação dos seminaristas e do perfil de padre que vai atuar na formação;
- vai depender da capacidade dos líderes das referidas tendências agüentar a antítese. Eles podem “cair fora” por incapacidade de lidar com as adversidades; podem moldar-se a outras tendências para sobreviver; e, podem tornar-se hegemônicos.
      Vejo que, no âmbito da sua Diocese, a insatisfação dos que se silenciam ante o avanço explícito destas lideranças representa a grande maioria. Grande parte do resultado vai depender da capacidade mobilizadora destes. Independente do que vier a acontecer, penso que alguns porta-bandeiras vão cair, sem demora, porque não tem “café no bule”. Não terão capacidade suficiente de gerir um penoso e difícil processo de síntese. Como também estão em jogo pretensões carreiristas e de ocupação de espaço, creio que eventual avanço destas duas tendências não obterá êxito duradouro e nem prolongado na Igreja porque eles se movem demais em torno de si mesmos e, por isto, não percebem os anseios humanos profundos do nosso tempo (e dos membros da nossa Igreja particular).
      Agora, uma afirmação mais pesada para você: antes que um destes desista da sua função, é você quem vai saltar para o olho da rua. Prepare-se! Terá que lidar com um rápido e imediato exílio porque o poder deles é muito maior do que o seu!


VIII
EPÍLOGO

      Quando o pobre alucinado, já cansado, interpelou o anjo para encerrar a exposição de imagens cheias de desalento e que lhe avivaram memórias deprimentes, o anjo, em mais uma clicada sutil e rápida, colocou diante dele uma segunda parte da visão e que se prestava como desfecho das sete visões anteriores.
      Ah! Até que enfim, uma imagem menos desabonadora de homens de Deus! Apareciam ali outros sete padres num mesmo quadro, dos jeitos os mais variados, uns com cabelos brancos, outros magros e altos, outros baixinhos, entre estes, uns magros e outros mais gordos. Então o anjo retorquiu: Está vendo este grupo?
- Sim, respondeu o visionário!
      E o anjo prosseguiu: mostrei-lhe quadros que, de fato, representam um atentado à imagem dos que são retos, honestos, dedicados e que, sinceramente, se empenham para fazer acontecer o reino de Deus. Viu quantos são? Seu número é maior em relação aos mostrados nos quadros anteriores. Portanto, não se perturbe com sentimentos sinistros, uma vez que esta amostragem está próxima do que acontece no quadro geral da Igreja Católica.
      Os que ainda são retos, honestos e decentes representam o alento de um pequeno resto que tem as virtualidades de fermentar e irradiar valores centrais de Jesus Cristo e enriquecer a condição humana.
 Uns revelam-se mais artísticos, outros mais intelectuais, outros mais teológicos, outros mais pastoralistas, uns mais organizados e outros mais desleixados, uns são mais introvertidos e outros mais expansivos; uns são mais doentes e outros mais saudáveis, uns são extraordinariamente simples e transparentes, outros são mais embrulhados, quer nas idéias quanto nas lidas cotidianas, mas, todos eles apresentam boa índole, são respeitados, estimados e se constituem bons instrumentos de Deus pela sua forma lúcida e translúcida de viverem o seu sacerdócio como serviço para o bem comum. Animam a fé de incontáveis cristãos que cruzam no caminho da sua vida.
      O anjo prosseguiu: Muitos padres sentem o desconforto da imagem denegrida, resultante destes desvios, mas verifique se estes defeitos são exclusivos de padres celibatários. Nas estatísticas gerais estes casos de desvio de conduta representam, talvez um ou dois por cento de todos os casos doentios ou de desvio da conduta normal. Não significam quase nada diante dos milhões de outros casos pervertidos, sem falar dos que permanecem no anonimato. Muitos homens casados, médicos, advogados e pessoas das muitas centenas de outras profissões fazem coisas iguais ou piores.
       Não se trata de julgá-los e de condená-los, pois, também eles estão constituídos reféns de uma triste ancestralidade infantil e formadora. Se alguns não conseguiram integrar uma relação normal com seus pais, e, em decorrência, passaram a manifestar um prazer sádico, psicopático e doentio para deflorar outras pessoas, mesmo que ainda sejam crianças muito novas, nem todos são assim.
Um detalhe, no entanto, é interpelador: a formação sacerdotal precisará encontrar caminhos inusitados e mais adequados aos nossos tempos do que aquele dos grandes e altamente onerosos Seminários.
Como a fênix da mitologia egípcia, que renascia das cinzas cada vez que era abatida e queimada, a Igreja não precisa esconder nada e nem tampouco organizar contra-ataques. Precisará da humildade de quem reconhece que também ela, como tantas outras estruturas sociais é pecadora e propensa a ocultar e a deslocar tanto os focos de erros quanto os deslizes.
      Supinamente o anjo mostrou um olhar mais sério, na continuação da conversa, e disse: fique atento, pois, os homens de preto, que presumidamente contam com a superioridade dos poderes divinos contra quaisquer manifestações diabólicas, eles vão encarregar-se de fazê-lo sair muito rapidamente daquele ambiente. Que as censuras do seu sub-consciente entrem em erupção e o acordem! Assustado, o visionário balbuciou: Afinal, o que poderia esperar de melhor de dom Pistache! Provavelmente nem ele suportará o clima que instaurou naquela Igreja particular. Resta bater o pó da sandália e achar um possível monte Garizim para adorar Deus em espírito e verdade.

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