Prólogo
O perfil visionário deste opúsculo
decorre, em primeiro lugar, de uma constatação objetiva, mas, também de uma
suspeita de que seu escrevedor tenha sido ejetado do útero da sua mãe, de
pum-pum escancarado para a lua.
O reflexo da luz prateada sobre os
glúteos deve ter se adentrado no primeiro sentimento afetivo básico e deve ter
levado seu psiquismo a processar algumas interpretações um tanto destoantes dos
consagrados referenciais de poder e de oficialidade na hierarquização de alguns
espaços eclesiásticos católicos.
Os argentos raios não se constituíram, evidentemente, em nenhum
privilégio das forças divinas, mas, a tênue luz refletida pela Lua poderia
eventualmente ter influenciado o modo de interpretar fatos cotidianos.
Sem a marca indelével dos
perspicazes raios solares das verdades oficiais, poderiam os efeitos lunáticos
possivelmente despertar o desejo de encontrar formas mais dignas e respeitosas
nos serviços de animação de comunidades.
Ainda que os eventuais lumes
argentinos não tenham um estrondoso poder de impacto como os penetrantes raios
solares, permitem, contudo, que no lusco-fusco da aurora, se despertem fagulhas
de clarividência e de avivamento de desejos para além da espessa opacidade de
algumas lidas, nem sempre tão translúcidas quanto deveriam ser. Ou seriam tais
expectativas meras ilações de uma mente afetada pelos estridentes gritos do
namoro dos gatos que, nas noites de lua cheia estariam destrambelhando o
sentimento afetivo básico de um visionário?
Noites enluaradas propiciam, em todo caso, ambientes propícios para ponderar
sobre modos aparentemente divinizados no meio da fragilidade e da contingência humana.
Numa destas noites de lua cheia, aflorou,
neste pobre escrevedor, uma espécie de consciente alucinação através do
seqüenciamento de sete visões de quadros. Certamente passou distante das
experiências numinosas do sagrado que envolve encantamento e pavor. O vislumbre
de imagens, todavia, como a vaga plasticidade dos raios refletidos pela lua, constituiu-se
num encadeamento de sentimentos eutrapélicos em torno da conduta de algumas
figuras eminentes de uma Igreja diocesana.
Na miscelânea das imagens tornaram-se proeminentes algumas coincidências
de fatos reais e desagradáveis. No entanto, o que cabe ressaltar, por primeiro,
é a percepção de que não se trata de caso generalizado e que o serviço humilde,
discreto e dedicado de tantos outros encanta e é merecedor de quadros
visionários totalmente distintos e mais edificantes do que estes aqui
apresentados.
Apareceu logo na abertura do ato
visionário uma inquietação: a figura de um anjo. Seria tal figura um recuo da
memória à longa ancestralidade da cultura persa, que admitia a existência de
seres intermediários entre Deus e os humanos, dotados de grandes asas para
voar?
Poderia também o vislumbre estar relacionado à longa tradição católica,
sustentadora da existência do anjo da guarda e que, na imagem de Rafael, também
das tradições persas, teria livrado Tobias de uma série de ameaças e de riscos?
Seja lá como o imaginário coletivo projeta um anjo, bem que poderia suavizar
algumas situações pouco edificantes!
A atenção, naturalmente pendente para a
distração, prendeu-se mais nas asas do que na fala do anjo.
Eram
asas de uma enorme envergadura e, um tanto mescladas com enormes braços. Com
certeza, dariam inveja aos melhores nadadores do mundo e à multidão dos homens
halterofilistas que fazem de tudo para chamar atenção das mulheres com seus
musculosos e tatuados braços. Estas asas evidentemente causariam inveja até em
urubus e gaviões.
Constatada a distração, o pobre visionário
redirecionou a atenção ao foco da conversa do anjo. De forma serena e tranqüila
o ser das grandes asas anunciou que iria mostrar sete imagens reveladoras de
traços de conduta ambígua sob o aparato das vestes pretas.
Percebeu, então, o pobre vivente, que
o anjo apresentava quadros sobrepostos e que, por isto mesmo, não permitiam
evidenciar suficiente nitidez do visual para saber de quem se tratava. Porém, antes
mesmo de ater-se com mais atenção aos inusitados quadros, ficou o visionário
espantado com o próprio ato alucinatório. Afinal, poderia um ignóbil e pobre
mortal ser beneficiado por uma eventual experiência não doentia capaz de
visualizar algo das esferas tão escondidas? Ou estaria apenas floreando seu
estado mórbido?
Imediatamente ele reagiu para
afirmar a si mesmo que, este vislumbre, era real e objetivo. Assim, resolveu desarmar-me de todas as
resistências e decidiu acolher a visualização do que o anjo iria apresentar.
Afinal, poderia constituir um lampejo de bela interpelação da parte de Deus.
I
OS ANTOLHOS DE DOM PISTACHE
Como as sementes do Pistache, ricas em inúmeros e raros ingredientes para
a boa saúde, porquanto contêm serotonina que aumenta o humor e a sensação do
bem-estar; porquanto exercem ação antioxidante nos vasos sanguíneos; porquanto
fornecem cálcio para fortalecer os ossos, niacina para aliviar dores, fósforo
que dar pique ao organismo, magnésio para diminuir a irritabilidade e a pressão
arterial, enfim, todas estas ricas propriedades constituem a essência das
melhores referências para que os procedimentos do bispo Dom Pistache fossem
exuberantes. Mas, como toda esta riqueza das sementes de pistache é ofuscada
pelo excesso de sal que lhes é agregado para o consumo, o visionário viu a
grandeza das dádivas de Dom Pistache obliterada pelos seus antolhos, pois seu visual
está fixo e travado para a linearidade do poder. Comporta-se como um príncipe
e, com certeza está com os interesses voltados para cargos mais elevados ou
pelo menos de maior precedência.
Os antolhos da formação devem ter
impedido Dom Pistache de enxergar para os lados. Se tivesse estudado com índios
certamente teria alargado seu campo visual e se valeria da capacidade genuína
desta gente, que, segundo se diz enxerga até pela nuca de tão acurado que é seu
olhar para captar tudo o que se passa ao seu derredor.
Dom Pistache, visualizado na primeira imagem, apareceu postado no meio do
estádio de futebol. No centro do gramado, como os altares erigidos para o
sacrifício de touros, semelhante aos do tempo do povo hebreu, viu o pobre
vivente uma elevação de incenso e, no meio daquela fumaceira de cheiro nada
agradável, começou a enxergar figuras aparentemente asfixiadas pela toxidade do
incenso a suplicar intercessão dos altos céus. Curiosamente eram as de pessoas
conhecidas e que foram altamente dinâmicas e humanitárias sob as interpelações
da Teologia da Libertação. Em redor do altar um séquito de sacerdotes novos,
aparentemente iluminados com a lenta, monótona e moralizante canção que
exaltava a fala com Deus, mesmo que surgissem noites escuras e traiçoeiras,
ainda que todos os outros estivessem chorando, eles deveriam sorrir, pois ele,
Deus, queria vê-los sorrindo e iria “ajudar a cada um”.
Já não se tratava do “Te Deum”, cantado na Idade Média, depois que a
bruxa executada era arrastada pelas ruas a fim de levar consigo todas as
maldades deixadas naquela cidade a fim de permitir um novo recomeço de vida
serena e tranqüila. Invocavam-se os especiais poderes do Espírito Santo.
Dom Pistache estava fazendo uma altiva pose para um fotógrafo, no meio
daquele sacrifício de vítimas expiatórias. Seu traje era impecável com terno
bem costurado e camisa Klerygmann, tudo de linha “A”. Conhecido pela fluência
na fala e, como as sementes dos pistaches, ele foi dotado de valiosos
componentes para ser um bom animador da vida de fé das comunidades do âmbito da
diocese que está sob sua jurisdição. Todavia, o sal do poder, estava anulando
completamente suas virtualidades e ele não passava de um homem vulgar que mandava
e desmandava.
Impressionante como os antolhos da formação religiosa fizeram Dom
Pistache olhar na linearidade de Roma, de viagens, de palestras, de reuniões,
não para animar a vida do povo, mas para subir mais degraus em escalões onde pudesse
ser lisonjeiro e lisonjeado com autoridades civis e militares. Pena que nada
desta atenção se direcionava para os padres e o povo da diocese, que esperavam,
ardentemente, algum lume que os orientasse na fé a fim de produzir alguns
parcos sinais do reino de Deus.
O reino que move Dom Pistache parece ser diametralmente oposto ao daquele
proposto por Jesus Cristo. Sente-se dono da diocese. Move-se como autoridade
importante, não pelo serviço e desvelo, mas para condenar, para alertar sobre o
que evitar, e, para assegurar que se execute conforme manda. Vive emitindo
decretos. Na verdade, seu efeito supera o do sal nas sementes de pistache e, o
sódio da sua obstinação pelo poder, estraga o gosto das boas relações humanas.
Dom Pistache costuma repetir a toda hora que é preciso ter firmeza e
ternura, mas não se conseguem visualizar sequer ínfimos sinais de ternura no
seu trato com os súditos e na atenção às pessoas mais simples e necessitadas e,
muito menos nas orientações sobre os serviços de animação das comunidades. Fala
sempre “Ex Cathedra” como teólogo que sabe tudo. Por isso mesmo, comete gafes e
asneiras nos procedimentos, sobretudo, no campo administrativo e se mostra
literalmente insensível para ouvir e animar as difíceis lidas de padres e de
outros agentes evangelizadores. Aplica logo solução categórica e encerra o
assunto. Se, todavia, o motivo do assunto envolve alguma autoridade
significativa, então sim, espera para além da hora, cancela compromissos,
porque, afinal, ele é um homem poderoso e muito ocupado.
Dom Pistache não está sozinho na condução deste privilegiado paradeiro do
poder. Está ao seu lado o secretário particular, ainda mais obstinado no
carreirismo que se instaurou no interior de algumas Igrejas. Sua arrogância o
leva a ser explícito na afirmação de que pretende ser bispo. Os antolhos que
ladeiam seus olhos o fazem ainda mais cego e obcecado para bajular governador,
encostar-se com autoridades de qualquer tipo que forem desde que estejam acima
dele. É estupidamente convencido, moralista e um verdadeiro robô de afirmações
categóricas.
Por longos séculos os seres humanos utilizaram antolhos para fazer seus
cavalos se tornarem menos sensíveis a fatores de susto e de medo em relação a
tudo quanto se passasse no lado das estradas. Por isso, estas ditas proteções
laterais, presas aos buçais dos cavalos, eram utilizadas para levá-los a
visualizar somente o que estava pela frente do caminho, a fim de melhor e mais
seguramente conduzir a carga ou quem estivesse sentado no seu dorso. Muitas
pessoas também colocaram antolhos psíquicos para tornar outras pessoas sob seu
controle mais submissas, dóceis e produtivas. Nossa ancestralidade brasileira
sofreu muito com a resignação e o fatalismo, resultantes deste processo que foi
sutilmente explorado por uma pequena elite governante e que, no que é ainda
mais crasso, se fazia passar de paternalista. Mesmo concedendo menos do que o
necessário, explorava, espoliava e, ainda assim, os subjugados continuavam a
lhes manifestar devotamento e reverência.
A sintomatologia da conduta de Dom Pistache torna-se preocupante com o
fascínio dos poucos candidatos que ainda se encantam pela vida sacerdotal e
religiosa, mas, parece que muitos a escolhem pelo status de ascensão social com
vistas a exercer poderes mais elevados. Se esta busca é movida por meros
desejos de poder, o que ainda vai sobrar da tradição e da memória do que gerou
o catolicismo? Parece tão pequeno e frágil o pequeno resto de católicos que
ainda sonha com a possibilidade de construir-se, entre os humanos, um reino de
Deus para que todas as pessoas possam conviver melhor entre si e viver de forma
mais fraterna e cordial.
II
RAIO “X” DO BISPO
O segundo quadro mostrado pelo anjo
apresentava uma chapa de raio “X” de Dom Pistache. Disse que era para atestar
que ele era idôneo e, apesar dos deslizes de posturas autoritárias e de andar
com o nariz excessivamente erguido, - vício adquirido pela sua carreira, - era
pessoa de aparente normalidade no que diz respeito à integridade profissional e
religiosa.
O anjo enfatizou que a imagem não pretendia tanto apresentar a sua
estrutura óssea, por mais íntegra que estivesse para a condição dos poderes que
exercia, mas, para salientar uma espécie de pólipos estranhos ao seu corpo.
Começou o pobre vivente a descer o
foco do olhar da protuberância do crânio, passando pelo tórax, e tudo parecia
normal. No entanto, na medida em que o olhar desceu mais e mais, e, à altura de
um palmo abaixo do umbigo, visualizou, com muita surpresa, duas mãos conhecidas.
Seriam estes os pólipos? Pela influência mineira, logo interpelou:
- Uai! Como pode isso acontecer? E o mais impressionante: eram mãos
perfeitamente identificáveis e, por surpresa, não eram as do bispo. Como
poderia aparecer, logo ali, estampada a mão do padre Filisberto, o metido a
moralista, puritano, convencido e prepotente até por cima dos cabelos, e que
sempre apresentava o dedo indicador em riste, - anelado por mil escrúpulos, -
para censurar os erros das pessoas e agora, esta mão cheia de dedos num lugar
tão inadequado e num aparente afago no invólucro dos fragmentos escrotais?
Sabia que ele era carreirista, que
era ambicioso por poder, doidamente afoito para ser bispo e que se manifestava
futrica, xereta e metido a galo cantador do terreiro, mas, de espora quebrada.
Estaria mesmo tentando agarrar-se nos âmagos escrotais do bispo para melhor
empreender seu obsessivo escalão ascendente?
A outra mão, também surpreendeu, mas
bem menos, pois era a do padre Ocalino, este que, ao saudar as pessoas, as
surpreendia, na hora do aperto de mãos, com o estalo do dedo polegar
friccionado com o indicador.
Possivelmente no período de estudo gastou boa parte do tempo para treinar
esta gracinha. Com o cacoete certamente presumia impressionar as pessoas ao
produzir um estampido com os dedos. Simultaneamente, engrossava as veias do
pescoço para apresentar um vozeirão de radialista de rodeio. Tinha que chamar
atenção através destas exterioridades, pois, do oco do seu interior não poderia
sair qualquer coisa valiosa ou de alguma de experiência religiosa edificante.
Tratava-se de um padre superficial
e seu olhar vago e dispersivo, que emergia da escuridão das olheiras, mostrava
suficientemente que não era nem honesto, nem decente e nem competente para o
ministério que exercia.
Jesus amado, porque este anjo
estaria apresentando a visualização das mãos de dois “puxa-sacos”? Deve ter
sido maldade de algum outro anjo que fez esta montagem lá nas alturas
intermediárias entre o céu e a terra! Teria por ventura, sido brincadeira de
gosto duvidoso com a pretensão de deslocar o real para uma realidade fantasmagórica?
Que nada, respondeu o anjo: o bispo,
apesar de cioso pela boa precedência, ainda não percebeu que está sendo
assediado por interesseiros e precisa livrar-se do assédio de quem o bajula e
não acrescenta qualidade ao serviço de evangelização. Teria o bispo a prudente
e necessária agudeza de espírito e a suficiente perspicácia para não se deixar
influenciar por estes interesseiros?
Parece pouco edificante que uma Excelência permita que aquele espaço
vital seja invadido por parasitas altamente prejudiciais à exuberância de sua
tarefa. Por outro lado, porque estes sujeitos se metem neste tipo de humilhante
dependência?
Eles certamente se acostumaram à escala de poder exercido no ambiente do
Seminário, e por isso o reproduzem literalmente. Como se modelaram ao tipo de
subjetividade específica do Seminário, eles prosseguem na perspectiva da
segregação e da estratificação. Tal como no Seminário, onde tudo era
rigorosamente hierarquizado e tudo passava pelo crivo do controle destas
instâncias, assimilaram este modo de proceder e o transformaram em referencial
de estratégias para se manter numa escala ascendente de precedência e de poder.
Assim como foram vigiados e recompensados por mostrar sinais positivos de
adequação ao itinerário formativo, continuam vigiando e punindo quem não se
submete aos seus ditames.
Por outro lado, o desejo de alcance das instâncias privilegiadas do
sacerdócio, também os tornou reféns da bajulação, pois, quanto mais dessem
sinais exteriores de submissão às diretrizes estabelecidas, sobretudo no
servilismo aos formadores, tanto mais se reforçava a chance de alguns
privilégios de poder e de encaminhamentos de estudo em vista de chances
futuras. Decorre certamente deste marco formativo este traço obcecado pelo
poder e, simultaneamente, bajulador para alcançá-lo.
III
A BANHEIRA DO BISPO
Terminada a mostra do segundo
quadro, como num recurso de “Power Point”, viu o pobre vivente que foi se
completando a iluminação do terceiro quadro. Envolveu novamente a pessoa do
bispo, mas surpreendeu por outro aspecto inusitado. Estava ele deitado na
banheira, refazendo-se das fainas.
Dum limiar vago entre claro e
escuro, foi possível perceber que não era um quadro estático, pois, o ondular
borbulhante da água não estava sendo efeito dos motores, mas, da movimentação
de braços de outros três padres que começaram a emergir do meio da banheira,
como pessoas desesperadas em estado de semi-afogamento.
- Que horror é esse, santo anjo?!
- Isto aqui, - respondeu ele - são outros sangue-sugas que já se incrustaram
na parte sensível do bispo. Trata-se do padre Bento, do padre Rusberto e do
padre Clemente.
Os três são de uma incompetência
espantosa. Realmente morreriam de fome se não tivessem sido auferidos com o
poder de serem padres. Assim, exploram a função sagrada e, para não serem
cobrados pelo bispo, tentam bajulá-lo de toda forma possível.
São desleais, falsos e se escondem
atrás das vestes litúrgicas para aparentar poder. Assim, às escondidas, já
estavam lá nos fragmentos seminais do bispo. Ao sentir que a água da banheira
não lhes fornecia o necessário oxigênio e, como não são batráquios, bateram os
braços a fim de sair do desconforto.
São, na verdade, uma desgraça para a diocese, porque de Jesus Cristo, de
testemunho e de seu projeto, nada se encontrará nestes indivíduos. Sem eles, a
vida das comunidades, - nas quais mandam e desmandam, - seria muito melhor para
o cultivo da fé. Estes viventes constituem o fruto azedo do olhar piramidal
desenvolvido no Seminário. Sabem que lá, tudo quanto acontecia nos bastidores
ou nas sutilezas dos pequenos deslizes, acabava sendo informado ao topo da
pirâmide. Esta falsidade de “incriminar outros” com o intuito de se
auto-afirmarem como bons deixa-os nesta lamentável busca de aparências. Criados
nesta desconfiança tácita vivem dela, para serem bem vistos pelos superiores.
Aprenderam a bajular quem está acima e a ignorar quem presumidamente está
abaixo deles.
IV
PADRE DE CRÂNIO ABERTO
Rapidamente, como num aperto de
controle remoto, o anjo fez aparecer uma imagem do padre Saulo. Embora, como
sempre, vestido rigorosamente dentro dos parâmetros integristas e reacionários
na Igreja, caracteriza-se por pouca coisa que não seja preta. O seu preto é o
preto da nobreza superior do imagético religioso. O sapato é preto; as meias
são pretas; a calça é preta; tudo indica que a cueca também seja preta; a
camisa é preta; o cabelo é preto. Só não é preto o colarinho da camisa e o
rosto carrancudo, de cor mais clara e rosada, devido ao seu obstinado
perfeccionismo de querer fazer tudo dentre da mais elevada instância pietista.
O padre Saulo até poderia ter sido
formado para ser um bom padre, mas foi depravado em sua formação seminarística.
Em decorrência deste processo, revela, em tudo o que faz uma visão altamente
essencialista, categórica, autoritária e fundamentalista.
Se ele não tivesse sido formado no Seminário diocesano de Brasília,
poderia até ser um sujeito concreto, mortal como os demais seres, comprometido
com as difíceis buscas que possam fazer da fé uma força de salvação. Ele, no
entanto, foi programado não só para constituir-se um padre imagético, mas vive
da fantasia idealizada do seu patamar altamente superior ao comum dos mortais
porque é sacerdote. Obcecado por esta instância privilegiada, vive carrancudo, porque
vê contravenção em tudo, vê pecado até onde não existe e se sente atacado, a
todo instante, pelos grosseiros erros que os outros padres cometem contra a
doutrina e a ortodoxia da Santa Madre Igreja.
Antes mesmo que o anjo falasse
qualquer coisa, o pobre vivente visionário se adiantou: Bem, este figurino
impecável é tão mesquinho e dá de dez a zero na exagerada história de Jonas,
contada na Bíblia. Se o peixe enorme não digeriu Jonas, devido à sua
mesquinhez, em três dias no seu estômago e o vomitou para fora do mar, o padre
Saulo, pode deixá-lo no bucho de qualquer tubarão faminto que depois de sete
dias, o sujeito ainda continua tão vivo como antes, e o tubarão vai ter que
vomitá-lo para bem longe do mar e procurar outra refeição mais digestiva no meio
das águas salgadas.
O anjo retrucou: pois bem, vou
mostrar o que ele apresenta no lugar da massa encefálica e, numa clicada de
fração de segundos, estava vendo as paredes laterais ocas e cheias de
reentrâncias da ossada craniana e, através da abertura vertical de
visualização, viu o pobre vivente despencar do meio das partes separadas, com
barulho parecido ao da queda de um objeto de aço, uma mitra episcopal.
Sem dar tempo para intervir, o anjo
falou: esta é outra desgraça para o grande e belo projeto salvador de Jesus
Cristo. Estes carreiristas obcecados causam prejuízos inestimáveis à ação
evangelizadora da Igreja. Qualquer pequena vacilada do Espírito Santo e eis que
este tipo de padre vira bispo ou, pelo menos, conseguirá estudar em Roma e
ocupar um cargo de influência na Igreja. Não acha que seu bispo deveria optar
por outro itinerário de formação dos futuros padres? A Igreja precisa de
pessoas de boa reputação e que tenham ascensão social pelo serviço, pelo
testemunho cristão, e não pela mágica ascensão do poder sacerdotal.
O pobre alucinado ousou, então,
falar mais um detalhe ao anjo: Você sabe onde está o celibato do padre Saulo?
Está no colarinho branco do pescoço! Esta estátua de cera, tão cheia de moral,
de conselho pronto para tudo quanto é problema, esconde seus problemas atrás do
colarinho branco e da roupa preta. Já senti o choro, a revolta e a indignação
de mulheres que foram ao encontro do padre Saulo a fim de receber uma
orientação religiosa e acabaram sendo sexualmente abusadas. E ele, com aquela
cara disfarçada de solução para tudo, não modificou em nada a sua postura de
nariz empertigado e sequer foi capaz de manifestar arrependimento ou expressar
um pedido de desculpas pela agressão, que, mais do que sexual, afetou e feriu
profundamente a honra e a auto-estima destas mulheres.
V
O PADRE LUSTOSO
Abruptamente a imagem do padre Saulo
sumiu e outra apareceu em seu lugar. Estava ali uma figura do padre Lustoso.
Gordo, flácido, barrigudo, com os pômulos faciais protuberantes e avermelhados,
constituía a imagem perfeita do padre bonachão.
Bom de garfo, padre Lustoso nunca
se mostrou nada recatado para encomendar fartos jantares e refeições. Seu modo
de conversar é suave e desliza como o mel, pois não passa da superficialidade
das conversas ordinárias sobre o tempo, o futebol e, com alguns eventuais
elogios bajuladores.
Embora padre Lostoso seja visto na comunidade como um papai bondoso, não
esconde, ao olhar atento, uma expressão devassa. Trata-se de um obcecado
caçador de mulheres para a cama. Mais do que papai bondoso é um padre amoroso
em sentido bem restrito e, por isto mesmo, não pode ser convincente no
testemunho cristão e nem persuasivo em seus sermões. Não produz mais do que
fricotes e devaneios sobre aspectos religiosos que não fedem e não cheiram.
O pobre vivente falou, então, ao
anjo: porque você mostra um sujeito tão lascivo, vulgar e considerado até
nojento por pessoas que melhor conhecem sua vida?
O anjo respondeu: uma coisa é queda
de comportamento em alguma circunstância ou num ato isolado e, bem outra, é o
desvio de conduta. Este tipo de padre não deveria ter chegado ao ministério que
ocupa. Ali ele se sente confortável, tem o que precisa e curte o que gosta. Na
verdade, é um covarde. Um cachorro vira-lata faria bem maior à Igreja. Este
padre resultou de um tempo de formação em que não se olhava para a
individualidade, o cultivo da personalidade, mas, para a idealização de um
projeto triunfalista de salvação e que estava pressupondo que os sermões de
padres mudariam a vida dos seres no planeta Terra e todos passariam a
constituir um rebanho em torno de um só pastor.
Este padre Lustoso, mais rasteiro
que um verme, é um pobre mendigo de afeto e que procura nos braços de
empregadas domésticas o desejo de afago que move sua vida. O bispo precisa
depurar este tipo de concepção sacerdotal que, além de escandalosa, é
escandalizadora.
Provável vítima da continuada
insistência sobre o valor do celibato tornou-se refém do efeito inverso, e
agudamente sensibilizado para o significado do que deveria deixar de lado. Deve
ter conseguido disfarçar os sentimentos reais, para aparentar na ilibada
conduta, um falso aprimoramento vocacional capaz de assegurar-lhe a condição de
tornar-se padre.
Uma vez alcançado a instância do poder sacerdotal, estava seguro para
continuar disfarçando a condição celibatária, mas, livre para dissimular as
exigências eclesiásticas e burlar o poder estabelecido.
VI
PADRE AFRÂNIO
Quando o pobre alucinado ainda nem
tinha equilibrado as emoções com a perturbadora imagem do padre Lustoso, o anjo
o interpelou com uma figura de um padre ainda mais asqueroso pelo que praticou
com meninos.
O visionário nem deu tempo para o
anjo e já soltando o verbo para lhe falar do quanto este sujeito era perverso.
- Oi! Anjo, bem que você poderia ter mostrado alguém que causasse menos
desconforto. Conheço este sujeito desde quando foi para o Seminário com o
declarado desejo de ser padre, mas logo se revelou um sujeito de conduta
afetiva estranha. Era ótimo para encenar e sempre fazia papel de mulher e de
formas bem exageradas.
O padre Afrânio, mesmo que tenha sido aconselhado a não seguir o
itinerário de formação para ser padre, acabou prosseguindo estudos no
Seminário. No momento de ser admitido à vida religiosa, diante de novos alertas
feitos aos superiores sobre uma série de comportamentos inadequados, não foram
suficientes para evitar que ele acabasse professando os votos de vida religiosa
e sem demora fosse ordenado presbítero.
Afrânio é musculoso, bonitão, cheio de
fricotes nos braços e com uma coleção de fitas, barbantes, bricolagens e figas
para todo lado. Seu cabelo loiro-escuro, liso e longo, e amarrado na nuca,
forma uma franja que parece um rabo de cavalo. É o bonitão das meninas
adolescentes e vive rodeado ou de meninos ou de meninas.
Antes mesmo de ser ordenado padre,
algumas pessoas voltaram a alertar os superiores a respeito de que não era
pessoa indicada para o ministério sacerdotal, pois estava envolvido em relações
homossexuais de alto risco e, por questões de ciúme, envolvendo inclusive
ameaças de morte por parte de outro colega seu que se sentiu preterido no amor
exclusivo.
Sabe o que fizeram seus
superiores? Consideraram-no apto e digno para o ministério e que as observações
não passavam de fantasias da uma mente perturbada. Indignado, resolveu o pobre
visionário não mais falar do assunto. Passados alguns anos, em outro Estado o
bom padre Afrânio estava sendo rondado por agentes do Ministério Público para
prendê-lo em flagrante na prática de atos de pedofilia.
Pois bem, falou o visionário ao anjo: Não sei
onde foi parar este pedófilo inveterado e já não me lembrava mais dele. Por que
você, que é anjo de Deus, aviva, depois de tantas imagens deprimentes, mais
este caso perverso?
O anjo respondeu com a mesma
ponderação serena das outras visões anteriores: Está mais do que na hora da
formação sacerdotal da Diocese evitar os lamentáveis escândalos ocorridos
recentemente, assim como em tantos países estão abalando e denegrindo a imagem
da Igreja. Bom seria se o bispo, quando vier a fazer sua visita “Ad Limina” a
Roma, levasse alguma proposta que ajude o Vaticano a repensar seu clássico modo
de formação sacerdotal!
VII
PADRE TONHÃO E PADRE VIRGOLINO
Repentinamente o anjo surpreendeu
com outro mostruário emoldurado. Já não era mais uma foto de um indivíduo, mas
apareceram simultaneamente dois padres, um no lado do outro, os dois com feição
jovem e vestidos a rigor da nova moda sacerdotal do “Klerchyman”.
Logo o visionário interpelou o anjo:
Esta é dupla da recente fornada de padrezinhos novos que, há pouco, saíram da
formatação do Seminário de Brasília! Eles são extraordinariamente rubricistas
e, escrupulosamente detalhistas na execução de ritos e orações. Se eles se
movem por fé, não creio não!
O anjo cortou a conversa e disse:
este tipo de formação não implica tanto numa vida escandalosa, mas, altamente
inadequada para nossos tempos, uma vez que eles se norteiam pelo poder e pelo
status da função clerical. Geralmente viram reféns não só do consumismo de
objetos eletrônicos, mas, também do imagético dos padres que se apresentam em
programas televisivos, quase todos paroladores vulgares, pois se enfeitam e
inventam mil bricolagens e mil fricotes para chamar atenção sobre si. Por outro
lado, vejo-os omissos no importante projeto salvador de Cristo.
O anjo
prosseguiu: De poucos anos para cá, emergiram na sua Diocese, estas tendências
e que lutam por auto-afirmação e conquista de espaço. Na verdade, refletem o
quadro mais amplo da vida católica brasileira. São duas tendências que poderiam
ser chamadas de “paroquiadores” e de “paroladores imagéticos”.
Olhe bem para o que faz o padre Tonhão: é um pároco metido a imperador do
espaço paroquial. Já o padre Virgolino, é passivo, escrupuloso, detalhista das
rubricas eclesiásticas, mas é de uma extraordinária ingenuidade.
Mesmo que algumas beatas chamem
padre Virgolino de santo padre, eu teria mais vontade de vomitar em cima dele.
Ainda que se encontre num patamar angelical das promoções carismáticas, é um
pobre debulhador de conversa fiada. Mesmo assim, consegue assegurar-se num
nível de saliência através do seu visual e da capacidade de persuasão
emocional, de acordo com os ditames da renovação carismática católica. Estes
ditames dão suporte e sustentação a este tipo de padres, para a desgraça da
Igreja.
O visionário intrometeu-se na
conversa do anjo: Viu o que aconteceu nas últimas grandes celebrações da
Diocese? Não achou uma rica ilustração
Virgolinista?! Pior do que isso, esse enlevado sacerdote, que quase nem respira
o ar das coisas terrenas deste planeta, inferniza qualquer trabalho de formação
teológico-bíblica. Aliado a alguns Tonhões da vida, faz uma gradual e
progressiva desqualificação dos cursos de Teologia que preparam lideranças leigas.
A oposição vem acompanhada de um sistemático combate aos programas de formação
de lideranças. Ele quer ser muito piedoso, mas é altamente avesso a estudos
teológicos. Entende que Teologia abala sua fé porque ela padece dos erros da
crítica e da racionalidade. Ele tem medo da Teologia porque a vê como capaz de
lhe causar vazio interior e aridez na fé. Por outro lado, ele é uma pessoa
altamente centralizadora, burocrática e alheia ao quadro cultural. É um rígido
controlador de piedades populares. Anjo, você lembra quantos vexames, quantas
acusações este sujeito proferiu contra os supostos hereges, porque estariam
induzindo as pessoas contra o Papa. Por outro lado, quanto ele demoniza
qualquer avaliação crítica e a associa à condenável Teologia da Libertação? Cursos
de formação de Lideranças seriam meros cursinhos sem valor e sem capacitação
evangelizadora, movido apenas por ponderações sociológicas e comunistas!
Numa serena expressão facial, o anjo
prosseguiu: ao quadro dos “paroquiadores” alia-se o dos paroladores de
conversinha fiada, porque os dois tipos enaltecem o poder do padre. Muitos
deles agem como legítimos donos da paróquia. Caso admitam a existência de
conselho paroquial, é somente para o êxito das festas.
Ocorre que seu processo formativo os
preparou para isto mesmo, pois, os seminaristas estão sendo formados para o
exercício do papel de literais imperadores da área geográfica paroquial que vão
assumir. Eles atingem este grau de poder não por méritos de trabalho, de
cultivo da fé, de serviço, de testemunho, de política, ou de missionariedade,
mas, pelo poder que lhes é auferido através da ordenação presbiteral. Daí a
grande afirmação do poder do padre na hora da ordenação.
Nas ordenações sacerdotais faz-se uma escancarada
afirmação do poder religioso com ritos (na maior parte meramente rubricistas,
e, muitos deles, vazios de sentido), mas que exaltam ao auge das emoções,
durante três a quatro horas de celebração e - com verdadeiro desfile de
novidades da moda religiosa, - o poder infinito daquele padre, que, por sua
vez, de olhar soberbo e empertigado estende a mão para que seja beijada.
Indiretamente se diz aos leigos que o
sacramento da ordem é incomparavelmente superior aos demais sacramentos. É uma
ascensão mágica que transforma rapidamente um pobre jovem do interior em
sujeito aburguesado e com poderes que fazem sua cabeça ser o referencial do que
é bom, do que é certo e do que é justo. Ele se torna a instância suprema de
Deus e da religião católica na sua área paroquial. Sua palavra e seus desejos
constituem a referência do que pode e do que não pode ser feito naquele âmbito
territorial. Já não prevalece a
interpelação das palavras de Cristo e, em conseqüência, fica a evidente
conotação da imagem dos imperadores.
Quanto à tendência dos “paroladores
imagéticos”, constata-se que os programas televisivos influenciam intensamente
as celebrações religiosas, levando-as praticamente a uma imitação do que é
visualizado na TV. Este imaginário aponta como caminho de prosperidade a
meticulosidade dos mínimos detalhes de um ritualismo vazio, altamente
rubricista, e que os coloca num patamar mágico de quem não é das coisas comuns
deste mundo. Há décadas ouvem-se as mesmas tristes, lentas e sonolentas
lamúrias em torno de Espírito Santo e, Jesus Cristo, - que deveria ser o centro
da Eucaristia, - simplesmente fica relegado a um segundo plano dos rituais.
Este tipo de padres, se não
convencem nem pela razão e nem pelo conhecimento ou pela fé vivenciada, conseguem
granjear, todavia, influência através da forma categórica de infantilizar os
fiéis através do enquadramento da assembléia e do mapeamento do cotidiano de
seus membros, oferecendo-lhes, detalhadamente, orientação sobre tudo o que
podem e o que não podem fazer durante as vinte e quatro horas do dia. Segundo a
velha concepção essencialista, afirmam categoricamente o que é e o que não é.
O pior é que grandes parte dos católicos ainda
acha bom regredir ao estágio infantil e deixar-se tutelar por estes presumidos
homens inspirados. Nossos dias já não comportam mais estas simplificações
categóricas.
Apesar deste lado moralizante, os
ditos paroladores também conseguem adesão porque no vazio de referências
seguras, eles conduzem estas pessoas no cabresto da submissão através de
comandos diretivos, tais como soletrar frases e versos para serem repetidos, e
conduzindo as assembléias com ordens, normalmente faladas em terceira pessoa, tais
como: “faça isto, faça aquilo”, “diga isto para Jesus”, coloque a “mão no
coração”, etc. No fundo, trata-se de uma exploração emocional que torna as
pessoas dependentes às suas orientações. Não propõem que sejam livres para se
tornarem discípulos na construção do projeto de Cristo, porque eles se colocam
no centro das atenções. Está ali o cerne do aspecto polêmico deste rubricismo.
Assim como os padres na Televisão precisam
chamar a atenção dos telespectadores sobre si e mantê-los ligados ao programa,
nas missas, tende-se a reproduzir o mesmo esquema. Quando são simpáticos,
atraentes e agraciados com dotes artísticos, conseguem até granjear admiração e
aumentar a audiência. Como, então, trabalhar para um árduo processo de
construção do que chamamos Reino de Deus? O limite dos padres imagéticos
certamente reside na necessidade de prender telespectadores através da imagem
para assegurar a audiência.
A imagem não consegue mostrar um horizonte de
esperanças e de fé. Então, o que sobra ao parolador imagético? Através das
bricolagens, das vestes atraentes, enfim, da sua imagética, prende atenção de
pessoas. Como ídolo, e com o sucesso despertado pelo seu visual, não centraliza
a fé, mas a sua imagem: aparência, roupas (batina, roupas com muito brilho e
exibição dos últimos lançamentos das novidades eletrônicas) e da sua forma de
bajular os expectadores e ouvintes. Os programas religiosos católicos de alguns
canais televisivos escancaram, à saciedade, este perfil de padres
escrupulosamente detalhistas na venda do sagrado.
O pobre visionário indagou então ao
anjo a respeito do resultado da mistura “Tonhão- Virgolino”. Quanto ao
resultado, falou ele, como acontece com todo movimento social, não há
previsibilidade segura e certa. Vai depender de diversos fatores:
- da forma como os padres não
alinhados com esta perspectiva resolvem reagir.
- do modo como os oscilantes avaliam seu oportunismo em favor de
vantagens ou desvantagens em relação ao quadro anterior.
- da capacidade de integrar as críticas e de adequar os princípios
estabelecidos;
- vai depender das orientações mais gerais que o bispo venha a
estabelecer;
- vai depender da continuidade do obsoleto modo de formação dos
seminaristas e do perfil de padre que vai atuar na formação;
- vai depender da capacidade dos líderes das referidas tendências
agüentar a antítese. Eles podem “cair fora” por incapacidade de lidar com as
adversidades; podem moldar-se a outras tendências para sobreviver; e, podem
tornar-se hegemônicos.
Vejo que, no âmbito da sua
Diocese, a insatisfação dos que se silenciam ante o avanço explícito destas
lideranças representa a grande maioria. Grande parte do resultado vai depender
da capacidade mobilizadora destes. Independente do que vier a acontecer, penso
que alguns porta-bandeiras vão cair, sem demora, porque não tem “café no bule”.
Não terão capacidade suficiente de gerir um penoso e difícil processo de
síntese. Como também estão em jogo pretensões carreiristas e de ocupação de
espaço, creio que eventual avanço destas duas tendências não obterá êxito
duradouro e nem prolongado na Igreja porque eles se movem demais em torno de si
mesmos e, por isto, não percebem os anseios humanos profundos do nosso tempo (e
dos membros da nossa Igreja particular).
Agora, uma afirmação mais pesada
para você: antes que um destes desista da sua função, é você quem vai saltar
para o olho da rua. Prepare-se! Terá que lidar com um rápido e imediato exílio
porque o poder deles é muito maior do que o seu!
VIII
EPÍLOGO
Quando o pobre alucinado, já
cansado, interpelou o anjo para encerrar a exposição de imagens cheias de
desalento e que lhe avivaram memórias deprimentes, o anjo, em mais uma clicada
sutil e rápida, colocou diante dele uma segunda parte da visão e que se
prestava como desfecho das sete visões anteriores.
Ah! Até que enfim, uma imagem
menos desabonadora de homens de Deus! Apareciam ali outros sete padres num
mesmo quadro, dos jeitos os mais variados, uns com cabelos brancos, outros
magros e altos, outros baixinhos, entre estes, uns magros e outros mais gordos.
Então o anjo retorquiu: Está vendo este grupo?
- Sim, respondeu o visionário!
E
o anjo prosseguiu: mostrei-lhe quadros que, de fato, representam um atentado à
imagem dos que são retos, honestos, dedicados e que, sinceramente, se empenham
para fazer acontecer o reino de Deus. Viu quantos são? Seu número é maior em
relação aos mostrados nos quadros anteriores. Portanto, não se perturbe com sentimentos
sinistros, uma vez que esta amostragem está próxima do que acontece no quadro
geral da Igreja Católica.
Os que ainda são retos,
honestos e decentes representam o alento de um pequeno resto que tem as
virtualidades de fermentar e irradiar valores centrais de Jesus Cristo e
enriquecer a condição humana.
Uns revelam-se
mais artísticos, outros mais intelectuais, outros mais teológicos, outros mais
pastoralistas, uns mais organizados e outros mais desleixados, uns são mais
introvertidos e outros mais expansivos; uns são mais doentes e outros mais
saudáveis, uns são extraordinariamente simples e transparentes, outros são mais
embrulhados, quer nas idéias quanto nas lidas cotidianas, mas, todos eles
apresentam boa índole, são respeitados, estimados e se constituem bons
instrumentos de Deus pela sua forma lúcida e translúcida de viverem o seu
sacerdócio como serviço para o bem comum. Animam a fé de incontáveis cristãos
que cruzam no caminho da sua vida.
O anjo prosseguiu: Muitos
padres sentem o desconforto da imagem denegrida, resultante destes desvios, mas
verifique se estes defeitos são exclusivos de padres celibatários. Nas
estatísticas gerais estes casos de desvio de conduta representam, talvez um ou
dois por cento de todos os casos doentios ou de desvio da conduta normal. Não
significam quase nada diante dos milhões de outros casos pervertidos, sem falar
dos que permanecem no anonimato. Muitos homens casados, médicos, advogados e
pessoas das muitas centenas de outras profissões fazem coisas iguais ou piores.
Não se trata de julgá-los e de condená-los,
pois, também eles estão constituídos reféns de uma triste ancestralidade
infantil e formadora. Se alguns não conseguiram integrar uma relação normal com
seus pais, e, em decorrência, passaram a manifestar um prazer sádico,
psicopático e doentio para deflorar outras pessoas, mesmo que ainda sejam crianças
muito novas, nem todos são assim.
Um detalhe, no entanto, é interpelador: a formação
sacerdotal precisará encontrar caminhos inusitados e mais adequados aos nossos
tempos do que aquele dos grandes e altamente onerosos Seminários.
Como a fênix da mitologia egípcia, que renascia das
cinzas cada vez que era abatida e queimada, a Igreja não precisa esconder nada
e nem tampouco organizar contra-ataques. Precisará da humildade de quem
reconhece que também ela, como tantas outras estruturas sociais é pecadora e
propensa a ocultar e a deslocar tanto os focos de erros quanto os deslizes.
Supinamente o anjo mostrou um
olhar mais sério, na continuação da conversa, e disse: fique atento, pois, os
homens de preto, que presumidamente contam com a superioridade dos poderes
divinos contra quaisquer manifestações diabólicas, eles vão encarregar-se de
fazê-lo sair muito rapidamente daquele ambiente. Que as censuras do seu
sub-consciente entrem em erupção e o acordem! Assustado, o visionário balbuciou:
Afinal, o que poderia esperar de melhor de dom Pistache! Provavelmente nem ele
suportará o clima que instaurou naquela Igreja particular. Resta bater o pó da
sandália e achar um possível monte Garizim para adorar Deus em espírito e
verdade.
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