Além do seu porte proeminente e de uma barrigona do tamanho de um trem,
seu “Joãozão” ficou conhecido como jogador de baralho, beberrão e por arrumar
muitas encrencas. Até ali tudo normal para um cidadão comum, como tantos outros
sujeitos que realizam façanhas similares. A diferença estava em que seu
“Joãozão” era um padre.
Nos seus auto-elogios, o “Joãozão” alegava que sempre foi o notável dos
estudantes, pois sempre teve as melhores notas e sempre priorizou estudar as
coisas mais difíceis a fim de poder discutir com os professores de deixá-los em
apuros. Na verdade, tratava-se do oposto, pois suas médias finais geralmente
giravam em torno da nota 5,0 e em muitas disciplinas deve ter recebido esta
nota por mera complacência de professores, já que estava estudando para ser
padre.
Tinha um vozeirão excepcional, talvez porque, como jovem, aprendeu a
tocar trombone e, com isso, tenha reforçado sua capacidade respiratória com
extraordinário fôlego para falar alto. Nos arroubos patéticos dos sermões
persuadia os ouvintes a seguir fielmente suas indicações.
No seu “Joãozão”, como no seu tamanho tudo era superlativo e sua fala
sempre estava no grau aumentativo. Dali certamente decorreu o apelido pelo qual
era conhecido. Se alguém falasse qualquer coisa, ele sempre sabia arrematar com
outro assunto mais bombástico no qual ele se impunha como herói. Os mais
maldosos costumavam dizer que tudo isso era fruto do protuberante volume dos
instrumentos genitais. Soube-se mais tarde que tal volume era decorrente de uma
enorme hérnia escrotal. Ao submeter-se a uma cirurgia reparadora, deve ter
enchido o espaço esvaziado com mais disfarces ousados da sua onipotência.
Encurtando as tergiversações sobre os aludidos efeitos da cirurgia, ele, na
verdade, deve ter tido também alguma protuberância resultante de alguns
parafusos frouxos no psiquismo. Ele realmente apresentava sinais evidentes de
morbidez mental, pois, sob o complexo messiânico e a mania de grandeza,
escondia-se uma pessoa perturbada, frágil e muito limitada. Tinha, todavia a
capacidade de persuasão capaz de transformar fatos corriqueiros através de
extraordinária ampliação fantasiosa, a ponto de impressionar e induzir as
pessoas a aceitar como verídicas as coisas que falava. Pelo menos dava a entender
que acreditava nas mentiras que ia contando, o que tornava difícil saber se
algo do que falava tinha algum fundamento real. Ouvi-lo falar costumava
despertar muitos risos, mesmo um tanto disfarçados e dissuadidos, pois, ficava
evidente a sua visível megalomania.
Como padre, seu “Joãozão” parecia refletir um profundo recalque sexual,
que era extravasado em obras faraônicas, como Igrejas e Salões, que sempre
tinham que ser maiores do que a capacidade da população e a necessidade da
comunidade.
Andando no “Opalão” Comodoro que, segundo dizia, resultou das vitórias de
uma noite de jogo de baralho, ele se impunha não somente pelo seu carrão
vistoso, mas também porque fazia questão de exibir o revólver calibre 38,
exposto de formas a se tornar visível na cintura.
Um dia seu “Joãozão”, ao andar a 160 km por hora no seu Opala Comodoro,
foi surpreendido e abordado por Agentes da Polícia Rodoviária Federal e
conseguiu ser mais rápido do que os agentes para sacar seu revólver e os fez
correr sob a mira da sua arma. Não calculou, contudo, que os agentes fossem
avisar o próximo posto e ali um pelotão o esperou com metralhadoras e armamento
pesado. Aí teve que amargar uma humilhante prisão, totalmente contrária aos
poderes da megalomania. Mas, até este tropeço de suas manias de grandeza foi de
duração curta porque pode contar com a intervenção do bispo a seu favor, uma
vez que este intermediou sua soltura, mediante fiança e sob a alegação de bons
antecedentes na vida de padre. Desta vez, perdeu o “38” e ficou acuado por
alguns dias. Entretanto, duas semanas depois já estava com outro revólver “38”,
novinho e lustrado, que segundo alegou, teria resultado das vitórias de uma
noite de jogo de baralho.
Seu “Joãozão” costumava proclamar-se doutor psicólogo, e, por onde andava,
quer em celebrações ou outros espaços, falava das curas e da evidente inveja
que causava nos médicos, psiquiatras e psicólogos, que, por sua vez, ficavam
simplesmente sem serviço e, por esta razão, o perseguiam sistematicamente. Tal
argumento sempre acabava convencendo algumas pessoas para ir procurá-lo com a
expectativa de livrar-se de algumas moléstias e doenças.
Muita gente humilde e ingênua, de fato não percebia as artimanhas de seu
curandeirismo e da charlatanice que se escondia nos seus procedimentos de
consulta, pois mandava as pessoas apertar firmemente as mãos, para formar um
punho cerrado e, ao mandar abrir os dedos, interpretava as manchas avermelhadas
que ficavam registradas na palma da mão com o aperto dos dedos. Assustava cada
cliente com uma doença grave, geralmente câncer, e imediatamente a acalmava
mostrando o remédio homeopático que curaria especificamente esta doença em
alguns dias. Ao voltarem, os assustados eram surpreendidos com a revisão do
aperto dos dedos e a simpática informação de que os sintomas da doença estavam
completamente desaparecidos. Além de eufóricas, as pessoas presumidamente
curadas, já aproveitavam a ocasião para dar-lhe alguma gorjeta e para comprar
mais alguns outros remédios, pois seu “Joãozão” tinha uma prateleira cheia de
vidrinhos de remédio para todas as doenças possíveis e imagináveis e, com
preços devidamente correspondentes às potencialidades de cura de cada vidrinho.
Num dia seu “Joãozão”, apesar de todo seu ar messiânico e superior ao do
comum dos mortais, se deu mal com o resultado de uma consulta: tratava-se de
uma mulher que há poucos dias tivera gêmeos, mas estava sem leite para
amamentá-los. Foi consultar o padre “Joãozão”.
O “doutorzão” mandou que ela tirasse a blusa e o sutiã, deu umas
balançadas nos seis de cima para baixo e vice-versa com o dorso de uma das mãos
e disse que poderia ir para casa, pois assim que chegasse lá, já teria o leite
suficiente para amamentar os gêmeos.
A mulher, ao regressar da dita consulta, contou logo ao marido o que sucedera
nos procedimentos efetuados e descreveu os detalhes da consulta feita pelo seu
“Joãozão”. O marido foi ficando paulatinamente mais tenso e, um vermelhão foi
aumentando a rigidez do seu rosto. Nem a deixou concluir o relato da consulta e
já agarrou um facão que estava próximo, e entrando no carro, disparou furioso
rumo à casa paroquial onde seu “Joãozão” estava atendendo outra cliente. Ao
chegar lá, entrou, sem pedir licença, e já foi batendo o facão para todo o lado
e, aos berros, prometendo picar seu “Joãozão” em pedaços. Desta vez, o
grandalhão, conseguiu flexionar sua enorme barriga antes mesmo de sacar o
revólver 38, e, muito rapidamente saltou pela janela que se encontrava aberta
atrás da escrivaninha, e, qual anta no meio do mato, foi causando estalo em
folhas secas e folhagens do jardim para evadir-se do ambiente. Desta vez, a
megalomania fraquejou, o “Joãozão” esqueceu o revólver e desapareceu
definitivamente. Foi refugiar-se em outra cidade próxima e, como já estava
enfrentando processos por charlatanismo, acabou também sendo destituído das
funções de padre e resolveu aquietar-se na periferia de uma cidade grande.
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