quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O Joãozão do revólver



Além do seu porte proeminente e de uma barrigona do tamanho de um trem, seu “Joãozão” ficou conhecido como jogador de baralho, beberrão e por arrumar muitas encrencas. Até ali tudo normal para um cidadão comum, como tantos outros sujeitos que realizam façanhas similares. A diferença estava em que seu “Joãozão” era um padre.
Nos seus auto-elogios, o “Joãozão” alegava que sempre foi o notável dos estudantes, pois sempre teve as melhores notas e sempre priorizou estudar as coisas mais difíceis a fim de poder discutir com os professores de deixá-los em apuros. Na verdade, tratava-se do oposto, pois suas médias finais geralmente giravam em torno da nota 5,0 e em muitas disciplinas deve ter recebido esta nota por mera complacência de professores, já que estava estudando para ser padre.
Tinha um vozeirão excepcional, talvez porque, como jovem, aprendeu a tocar trombone e, com isso, tenha reforçado sua capacidade respiratória com extraordinário fôlego para falar alto. Nos arroubos patéticos dos sermões persuadia os ouvintes a seguir fielmente suas indicações.
No seu “Joãozão”, como no seu tamanho tudo era superlativo e sua fala sempre estava no grau aumentativo. Dali certamente decorreu o apelido pelo qual era conhecido. Se alguém falasse qualquer coisa, ele sempre sabia arrematar com outro assunto mais bombástico no qual ele se impunha como herói. Os mais maldosos costumavam dizer que tudo isso era fruto do protuberante volume dos instrumentos genitais. Soube-se mais tarde que tal volume era decorrente de uma enorme hérnia escrotal. Ao submeter-se a uma cirurgia reparadora, deve ter enchido o espaço esvaziado com mais disfarces ousados da sua onipotência. Encurtando as tergiversações sobre os aludidos efeitos da cirurgia, ele, na verdade, deve ter tido também alguma protuberância resultante de alguns parafusos frouxos no psiquismo. Ele realmente apresentava sinais evidentes de morbidez mental, pois, sob o complexo messiânico e a mania de grandeza, escondia-se uma pessoa perturbada, frágil e muito limitada. Tinha, todavia a capacidade de persuasão capaz de transformar fatos corriqueiros através de extraordinária ampliação fantasiosa, a ponto de impressionar e induzir as pessoas a aceitar como verídicas as coisas que falava. Pelo menos dava a entender que acreditava nas mentiras que ia contando, o que tornava difícil saber se algo do que falava tinha algum fundamento real. Ouvi-lo falar costumava despertar muitos risos, mesmo um tanto disfarçados e dissuadidos, pois, ficava evidente a sua visível megalomania.
Como padre, seu “Joãozão” parecia refletir um profundo recalque sexual, que era extravasado em obras faraônicas, como Igrejas e Salões, que sempre tinham que ser maiores do que a capacidade da população e a necessidade da comunidade.
Andando no “Opalão” Comodoro que, segundo dizia, resultou das vitórias de uma noite de jogo de baralho, ele se impunha não somente pelo seu carrão vistoso, mas também porque fazia questão de exibir o revólver calibre 38, exposto de formas a se tornar visível na cintura.
Um dia seu “Joãozão”, ao andar a 160 km por hora no seu Opala Comodoro, foi surpreendido e abordado por Agentes da Polícia Rodoviária Federal e conseguiu ser mais rápido do que os agentes para sacar seu revólver e os fez correr sob a mira da sua arma. Não calculou, contudo, que os agentes fossem avisar o próximo posto e ali um pelotão o esperou com metralhadoras e armamento pesado. Aí teve que amargar uma humilhante prisão, totalmente contrária aos poderes da megalomania. Mas, até este tropeço de suas manias de grandeza foi de duração curta porque pode contar com a intervenção do bispo a seu favor, uma vez que este intermediou sua soltura, mediante fiança e sob a alegação de bons antecedentes na vida de padre. Desta vez, perdeu o “38” e ficou acuado por alguns dias. Entretanto, duas semanas depois já estava com outro revólver “38”, novinho e lustrado, que segundo alegou, teria resultado das vitórias de uma noite de jogo de baralho.
Seu “Joãozão” costumava proclamar-se doutor psicólogo, e, por onde andava, quer em celebrações ou outros espaços, falava das curas e da evidente inveja que causava nos médicos, psiquiatras e psicólogos, que, por sua vez, ficavam simplesmente sem serviço e, por esta razão, o perseguiam sistematicamente. Tal argumento sempre acabava convencendo algumas pessoas para ir procurá-lo com a expectativa de livrar-se de algumas moléstias e doenças.
Muita gente humilde e ingênua, de fato não percebia as artimanhas de seu curandeirismo e da charlatanice que se escondia nos seus procedimentos de consulta, pois mandava as pessoas apertar firmemente as mãos, para formar um punho cerrado e, ao mandar abrir os dedos, interpretava as manchas avermelhadas que ficavam registradas na palma da mão com o aperto dos dedos. Assustava cada cliente com uma doença grave, geralmente câncer, e imediatamente a acalmava mostrando o remédio homeopático que curaria especificamente esta doença em alguns dias. Ao voltarem, os assustados eram surpreendidos com a revisão do aperto dos dedos e a simpática informação de que os sintomas da doença estavam completamente desaparecidos. Além de eufóricas, as pessoas presumidamente curadas, já aproveitavam a ocasião para dar-lhe alguma gorjeta e para comprar mais alguns outros remédios, pois seu “Joãozão” tinha uma prateleira cheia de vidrinhos de remédio para todas as doenças possíveis e imagináveis e, com preços devidamente correspondentes às potencialidades de cura de cada vidrinho.
Num dia seu “Joãozão”, apesar de todo seu ar messiânico e superior ao do comum dos mortais, se deu mal com o resultado de uma consulta: tratava-se de uma mulher que há poucos dias tivera gêmeos, mas estava sem leite para amamentá-los. Foi consultar o padre “Joãozão”.
O “doutorzão” mandou que ela tirasse a blusa e o sutiã, deu umas balançadas nos seis de cima para baixo e vice-versa com o dorso de uma das mãos e disse que poderia ir para casa, pois assim que chegasse lá, já teria o leite suficiente para amamentar os gêmeos.
A mulher, ao regressar da dita consulta, contou logo ao marido o que sucedera nos procedimentos efetuados e descreveu os detalhes da consulta feita pelo seu “Joãozão”. O marido foi ficando paulatinamente mais tenso e, um vermelhão foi aumentando a rigidez do seu rosto. Nem a deixou concluir o relato da consulta e já agarrou um facão que estava próximo, e entrando no carro, disparou furioso rumo à casa paroquial onde seu “Joãozão” estava atendendo outra cliente. Ao chegar lá, entrou, sem pedir licença, e já foi batendo o facão para todo o lado e, aos berros, prometendo picar seu “Joãozão” em pedaços. Desta vez, o grandalhão, conseguiu flexionar sua enorme barriga antes mesmo de sacar o revólver 38, e, muito rapidamente saltou pela janela que se encontrava aberta atrás da escrivaninha, e, qual anta no meio do mato, foi causando estalo em folhas secas e folhagens do jardim para evadir-se do ambiente. Desta vez, a megalomania fraquejou, o “Joãozão” esqueceu o revólver e desapareceu definitivamente. Foi refugiar-se em outra cidade próxima e, como já estava enfrentando processos por charlatanismo, acabou também sendo destituído das funções de padre e resolveu aquietar-se na periferia de uma cidade grande.


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