Alguns
momentos históricos da cultura ocidental dos últimos séculos registraram
estreita relação entre religião e política. Esta relação, como a da conquista
ibérica na América Latina, mostrou acentuada afinidade entre espada e cruz, ou
explicitado de outra forma, a conquista foi efetuada sob o signo da cruz
católica. Embora a maioria dos atuais países latino-americanos ainda tenha
presente em suas constituições alguma referência explícita ao catolicismo, a
relação tende a tornar-se mais heterogênea e, pelo menos oficialmente, vem se
estabelecendo uma relação de separação entre Estado e Religião.
Apesar da
grande divergência de opiniões sobre esta relação entre Estado e Igreja, e
mesmo que no caso brasileiro tenha-se estabelecido uma definida separação,
permanecem um tanto duvidosas as formas desta autonomia. Seriam meras forças
paralelas e rivais? Caberia à religião indicar rumos à política do Estado, ou,
competiria ao Estado o direito de estabelecer ingerências sobre o âmbito
religioso?
Deixando de
lado as muitas polêmicas mais antigas, parece que a proximidade entre as duas
forças sociais se cruza e se inverte, de vez em quando, nas competências. É
sobre este pequeno aspecto que tencionamos ponderar brevemente. O paradoxo se
estabelece da seguinte forma: se a religião pode interferir nos procedimentos
do Estado e se, de outro lado, o Estado pode expressar suas políticas através
de formas religiosas.
Na prática,
observamos que, em muitas situações, grupos religiosos de diversas denominações
apelam a todos os recursos possíveis para atuar sobre o Estado, a fim de
favorecer seus interesses religiosos. Observamos, igualmente, que muitos
políticos lidam de formas similares às dos religiosos para agir sobre grupos humanos,
e, com muitos discursos religiosos. Em alguns casos, as mesmas pessoas agregam
tanto funções religiosas quanto políticas.
Temos a
impressão de que, tanto a rivalidade das competências quanto o exercício das
distintas funções, pode mover-se por um mesmo foco: o de dirigir e controlar o
comportamento dos outros. Certamente os dois campos de atuação se arvoram o
direito e a necessária missão desta atividade, mas, ambos correm os mesmos
riscos de agir sob bases fundamentalistas e, desta forma, produzem múltiplos
tipos de medo a fim de poder controlar as pessoas.
A produção de medos leva políticos a
muitas apelações religiosas e leva crentes de entidades religiosas a explícitas
interferências nas atividades políticas. Neste aparente avanço de um campo
sobre o que, em tese, pertence ao outro, revela-se, na verdade, que os dois
campos perdem a relevância do que pretendem constituir para o bem dos seres
humanos. Quando a política pressupõe a religião como serviço auxiliar para
melhor organizar a vida coletiva, incorre na mesma situação da religião que
interfere nos rumos políticos com a justificação de que tal atividade constitua
a essência da sua missão. Assim, os dois movimentos procuram criar e apontar medos,
a fim de poderem agir sobre os amedrontados e levá-los à resignação dos seus
propósitos.
Será que alguém ainda daria peso ao
Estado, se este não cultivasse bem orquestrada e harmônica forma de produzir
medos? Sem os medos, simplesmente se daria conta de que o Estado pode ser perfeitamente
dispensável. O mesmo se poderia aplicar à Religião. Portanto, mais do proclamar
o fim destas forças sociais e socializantes, convêm que ambas se movam por
outros parâmetros do que os do cultivo de medos.
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