quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Entre o trono e o altar



            Alguns momentos históricos da cultura ocidental dos últimos séculos registraram estreita relação entre religião e política. Esta relação, como a da conquista ibérica na América Latina, mostrou acentuada afinidade entre espada e cruz, ou explicitado de outra forma, a conquista foi efetuada sob o signo da cruz católica. Embora a maioria dos atuais países latino-americanos ainda tenha presente em suas constituições alguma referência explícita ao catolicismo, a relação tende a tornar-se mais heterogênea e, pelo menos oficialmente, vem se estabelecendo uma relação de separação entre Estado e Religião.
            Apesar da grande divergência de opiniões sobre esta relação entre Estado e Igreja, e mesmo que no caso brasileiro tenha-se estabelecido uma definida separação, permanecem um tanto duvidosas as formas desta autonomia. Seriam meras forças paralelas e rivais? Caberia à religião indicar rumos à política do Estado, ou, competiria ao Estado o direito de estabelecer ingerências sobre o âmbito religioso?
            Deixando de lado as muitas polêmicas mais antigas, parece que a proximidade entre as duas forças sociais se cruza e se inverte, de vez em quando, nas competências. É sobre este pequeno aspecto que tencionamos ponderar brevemente. O paradoxo se estabelece da seguinte forma: se a religião pode interferir nos procedimentos do Estado e se, de outro lado, o Estado pode expressar suas políticas através de formas religiosas.
            Na prática, observamos que, em muitas situações, grupos religiosos de diversas denominações apelam a todos os recursos possíveis para atuar sobre o Estado, a fim de favorecer seus interesses religiosos. Observamos, igualmente, que muitos políticos lidam de formas similares às dos religiosos para agir sobre grupos humanos, e, com muitos discursos religiosos. Em alguns casos, as mesmas pessoas agregam tanto funções religiosas quanto políticas.
            Temos a impressão de que, tanto a rivalidade das competências quanto o exercício das distintas funções, pode mover-se por um mesmo foco: o de dirigir e controlar o comportamento dos outros. Certamente os dois campos de atuação se arvoram o direito e a necessária missão desta atividade, mas, ambos correm os mesmos riscos de agir sob bases fundamentalistas e, desta forma, produzem múltiplos tipos de medo a fim de poder controlar as pessoas.
A produção de medos leva políticos a muitas apelações religiosas e leva crentes de entidades religiosas a explícitas interferências nas atividades políticas. Neste aparente avanço de um campo sobre o que, em tese, pertence ao outro, revela-se, na verdade, que os dois campos perdem a relevância do que pretendem constituir para o bem dos seres humanos. Quando a política pressupõe a religião como serviço auxiliar para melhor organizar a vida coletiva, incorre na mesma situação da religião que interfere nos rumos políticos com a justificação de que tal atividade constitua a essência da sua missão. Assim, os dois movimentos procuram criar e apontar medos, a fim de poderem agir sobre os amedrontados e levá-los à resignação dos seus propósitos.

Será que alguém ainda daria peso ao Estado, se este não cultivasse bem orquestrada e harmônica forma de produzir medos? Sem os medos, simplesmente se daria conta de que o Estado pode ser perfeitamente dispensável. O mesmo se poderia aplicar à Religião. Portanto, mais do proclamar o fim destas forças sociais e socializantes, convêm que ambas se movam por outros parâmetros do que os do cultivo de medos.

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