Estamos mergulhados num tempo
histórico-cultural de rápidos avanços técnicos. O legado destas descobertas faz
olhar, cada dia mais, para as novidades advenientes. Ao mesmo tempo, a rapidez
das informações e a facilidade da comunicação, propiciadas pelos recursos
eletrônicos, ampliam espantosamente os incontáveis desejos em torno de mudanças,
de novidades e de fontes de consumo. Esta indução cultural tende a direcionar
nossa atenção com precípua atenção para os desejos, com uma correspondente
perda da memória do passado.
Como o voo de um pássaro requer
harmonia entre o batimento das asas e simultânea sincronia de inclinações das
asas para melhor chegar ao alcance dos seus intentos, nós, de uma forma
parecida, necessitamos harmonizar e sincronizar, não asas de vôos, mas, algo
tão importante para nós como as asas são para os pássaros: precisamos bater com
certo equilíbrio e harmonia a memória do passado e os desejos, a fim de nos
estabilizar diante das turbulências que a vida apresenta e das mil ofertas de
consumo.
Corremos o risco de bater apenas uma
asa – a do desejo - e isto compromete o êxito do voo, ou seja, nossa mobilidade
existencial, apenas movida em torno dos desejos, pode desequilibrar gravemente
o alcance do que realmente é significativo para a vida. Emerge dali importante
necessidade de não descuidar nem a memória do passado e tampouco os desejos
para que não ocupem a centralidade da vida. Sem o equilíbrio da memória com os
desejos, tende-se a perder a capacidade de discernir sobre o que é realmente
bom para a vida. Será como um pássaro pretender voar, batendo apenas uma das
asas.
Jesus Cristo ao interpelar os
discípulos, a respeito do que era primordial para a vida, apontava a
importância do desprendimento de coisas que não eram essenciais para a satisfação
da existência. Através de parábolas deixou evidente que é importante saber
desprender-se de certas coisas, a fim de que o alcance de bens mais elevados,
como salientou na imagem de um tesouro maior e bem mais valioso, seja capaz de
deixar para trás outros bens e valores. Ademais, para que os discípulos
pudessem investir no que realmente era importante (o tesouro), ser-lhes-ia
necessário cultivar uma sabedoria capaz de levá-los a distinguir valores que
não eram merecedores de crédito.
O investimento para fazer acontecer o
Reino – também em nossos dias - implica na mobilização das duas asas com vistas
a um razoável equilíbrio. No entanto, como desprender-se de algo, quando sequer
se conhece o novo no qual se possa investir? Em outras palavras, para se
investir numa causa boa, como a do Reino anunciado por Jesus Cristo, torna-se
fundamental conhecê-lo. Ao mesmo tempo, faz-se necessário ter consciência do
que se precisa deixar de lado por ser secundário diante do Reino.
Como o almejado “tesouro” do Reino de
Deus vem misturado com os muitos enfeites, bricolagens e coisas que imitam as “aparências
do tesouro”, Jesus soube orientar os discípulos para o discernimento, através
de outra historinha: a de que do baú da vida podem ser tiradas coisas novas e
velhas. Ele ainda acrescentou aludindo a
pesca que captura peixes bons e maus. É só na praia que os pescadores escolhem
os bons. O passado e sua memória permitem a emergência de discernimento a
respeito de quais são bons. Por outro lado, a parábola pode indicar que a
separação fica por conta da incumbência de Deus e não nossa.
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