quinta-feira, 3 de julho de 2014

Anseios por um salvador



            Nosso momento de copa mundial de futebol faz com que narradores dos jogos e comentaristas falem muito de heróis e de salvadores. Um lance pode transformar alguém, instantaneamente, em bajulado “salvador da pátria”.
            O povo do primeiro testamento da Bíblia também teve seus momentos de euforia em torno de um rei herói, como ocorreu com Davi. Mesmo assim, séculos mais tarde, quando podiam apenas falar de rei como fato de uma recordação do passado, persistiram os desejos de que a governança fosse feita por alguém realmente imponente e poderoso.
            Alguns séculos antes de Jesus Cristo, quando nem mesmo um sonho de um possível rei se apresentava à expectativa popular, Zacarias fez memória dos poemas de Isaías que falavam de um servo sofredor e apontou para novas possibilidades de um reinado. Ele já não sonhava com um rei todo-poderoso, mas, com alguém que fosse humilde e até capaz de ser oprimido pelo povo, mas que, no entanto, pelo seu vínculo com Deus e pelo seu modo de ser reto e justo, teria a virtualidade de salvar pelo menos um pequeno resto daquele povo.
            O Evangelho de Mateus salienta Jesus Cristo como salvador, mas, com características bem distintas daquelas esperadas pelo profeta Zacarias e por outros profetas: a forma não violenta e a humildade, proeminentes nos gestos de Jesus, foram capazes de revelar um salvador, não para restaurar o país ou alguns interesses políticos, mas, por apontar um salvador aos humildes e fracos. Estes podem encontrar no caminho da libertação traçado por Jesus Cristo uma possibilidade de organização humana, incomparavelmente menos pesada e turbulenta do que aquela vigente naquele momento difícil dos primeiros cristãos diante do império romano e do poder religioso de Jerusalém.  Jesus até fez uma comparação: o peso da canga, ou do jugo do seu programa de vida, era muito mais leve e suave do que aquele que os governantes estavam imputando ao povo, especialmente aos empobrecidos.
            Nas expectativas de nossos dias ainda tende a expressar-se uma ansiosa espera de salvação por parte de Deus, mas, geralmente é esperada de forma imediatista, mágica e sensacionalista. Com esta nuance as pessoas de fé, cada vez mais submissas, passivas e acomodadas, esperam que alguém faça as coisas e que o paternalismo dos governantes, tão hábil para explorar com mil sutilezas esta dependência, sabe como destinar o mínimo do que deveria investir, e, ainda assim, usufruir desta concessão para fazer-se merecedor de suas manipulações paternalistas.
            Enquanto que humildes e pobres esperam passivamente que as coisas caiam, se não do céu, pelo menos do governo, os mais favorecidos pela acumulação de bens, tendem a ignorar literalmente uma eventual necessidade de ajuda superior. Tornam-se tão auto-suficientes e tão orgulhosos em torno do que conquistaram que já não revelam as ínfimas características de humildade e de capacidade para partilhar algo do que amealharam. Com certeza, o jugo das ambições desmesuradas não lhes aufere boa qualidade de vida.

            Bom é perceber que pessoas bem dotadas de recursos materiais e econômicos ainda se revelem solidários e humildes na partilha de seus bens. São salvadores de um pequeno resto, mas, que se aproximam do reinado traçado por Cristo. Esta mansidão de firmeza em favor da vida, produz possivelmente mais efeitos do que o jugo da prepotência.

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