quinta-feira, 17 de julho de 2014

A polarização dos desejos humanos



            O passado da nossa história humana, ao lado dos valores humanitários, dos inventos e da rica complexificação da cultura, nos legou um modo peculiar de lidar com as coisas e com os acontecimentos: é a tendência de interpretar fatos e pessoas a partir de polarizações, tais como “Alma-corpo”, “Bom-ruim”, “Bonito-feio”, “Amigo-inimigo”, “Caos-cosmos”, “Material-espiritual”, “Sagrado-profano” e muitas outras.
            De acordo com o que desejamos, pode algo muito significativo e valioso ser visto como ruim, feio, contrário e merecedor de eliminação.
            No campo religioso esta polarização também leva a muitas dificuldades porque em nome de Deus se deseja muito mal e se maldiz tanta coisa das outras pessoas, vistas como opostas, como inimigas ou como adversas ao que é bom.
            Quando bate a vontade de estabelecer vingança, apela-se com facilidade à intervenção de Deus para que Ele execute uma vingança maior do que aquela que seríamos capazes de imputar. Fica a impressão de que nem Deus é bom, porque Ele se presta para nossas baixarias de ódios e desejos de vingança.
            Pelo menos uma constatação muito evidente é a de que Deus nunca se mostra rápido para nos socorrer frente a desejos vingativos ou de ação prejudicial a outras pessoas. Da herança bíblica vem a rica noção de que Deus é extremamente paciente, e, com isto, nos ajuda a adequar melhor nossas propensões à violência.
            Muitas pessoas até titubeiam diante de Deus e deduzem que Ele está muito lerdo ou inativo no que lhe suplicam. Esta demora ajuda a constatar que Deus, com certeza, não se interessa pelo nosso mundo de vinganças, mas deseja muito mais que sua misericórdia nos salve diante dos atos e fatos pecaminosos. Ele é o Deus que espera a fim de que aconteça a nossa redenção.
            Na convivência familiar e comunitária nada melhor do que a paciência como mediadora para nos ajudar a lidar com as compulsividades e os desejos de afastar ou eliminar os que nos parecem adversos. Jesus alertou seus discípulos a não executar rapidamente os intentos de excluir membros que não pareceram bons aos olhos de outros discípulos. De maneira muito sutil, ensinou através de uma historinha sobre lavoura de trigo infestada de inço. Remeteu a separação ao momento da colheita.
            Ao não pactuar com os desejos de exclusão Jesus ainda remeteu ao significado de outra comparação, a do fermento misturado na farinha. Nos bons gestos pode fermentar algo que transforma muito mais o meio-ambiente do que as naturais propensões a perseguir, ameaçar, excluir e atentar contra a vida.

            Se muitos sinais e gestos parecem constituir-se em joio que sufoca o trigo, é a paciência que vai permitir que no momento certo aconteça a separação. Em outras palavras, não cabe a nós, impacientes, esta tarefa, e, o discipulado no seguimento de Cristo pode tornar-nos fermento bom a levedar a massa dos nossos ambientes familiares e comunitários.

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