quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Templo e poder



            Há aproximadamente seis séculos antes de Cristo o sacerdote Ezequiel, exilado na Babilônia e diante dos seus conterrâneos que lamentavam a ausência de um templo, já os convocava à responsabilidade para assumirem o fracasso em que se encontravam, e, se empenhassem positivamente na construção de uma sociedade mais voltada para a vida e para a liberdade das pessoas. A forma como o templo se deteriorou, e como corrompeu o povo, deveria indicar o lugar da presença de Deus, não mais no templo, mas, no meio do povo para caminhar com ele.
            Na imagem simbólica da nascente, cujas águas, ao crescerem geravam mais vida no entorno deveria também o templo estar impregnado da fecundidade para expandir, mais vida para todas as direções, e, não somente na humana, mas, na de toda fauna.
            Mais tarde, no tempo de Jesus Cristo, o poder estabelecido no templo estava novamente desvirtuado e chegou ao extremo de ter esvaziado a festa da Páscoa, grande festa popular, que, ao invés de despertar gratuidade pela memória dos sinais de libertação, tornara-se o momento eminente da exploração e do controle das pessoas. Um pequeno grupo liderado pela família de Anás, havia se apropriado do templo e o transformara no centro de excelência para grandes negócios e com preços exorbitantes.
            Narra-se que Jesus tomou um chicote e expulsou os vendedores com seus animais. Este gesto passou a conotar uma nova relação que Cristo desejava entre templo e povo. Não seria mais o espaço de grupos religiosos, que eram os maiores latifundiários da época, nem uma condução ultraconservadora do senso religioso. Se o templo uma vez era tido como espaço especial de Deus, deveria irradiar-se dali outro modo de agir com os pobres e espoliados. Ademais, Deus não carecia da bajulação de ser cooptado através da queima de grande quantidade de animais, vendidos aos pobres por preços abusivos.
            São Paulo, um dos grandes discípulos de Jesus Cristo, ao assimilar o seu legado para orientar a vida, deslocou o foco do templo para a comunidade. É ali o santuário de Deus (1Cor 3,9 ss) onde Cristo se manifesta. Paulo valeu-se da sua própria dedicação para a criação da comunidade de Corinto e interpretou seu modo de agir como o de um bom arquiteto ao dar início àquela comunidade. Outros poderiam, de forma criativa, efetuar mudanças, mas, sua pedra fundamental era a da promoção de relações de bom entendimento e de interações justas.
            A comunidade já não deveria reproduzir um sistema acumulativo e centralizador que prejudicava o povo, mas, deveria produzir precisamente o contrário: espaço da inserção e do aproveitamento eficaz das qualidades pessoais de cada um.
            As três interpelações dizem muito aos nossos dias, e, aos modos como se lida em muitas Igrejas e templos. Sempre é importante não perder de vista a finalidade precípua da sua existência.



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